centro de ensino superior do ceará faculdade cearense curso de

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
DÉBORA DA SILVA LEMOS
SERVIÇO SOCIAL NA ÁREA DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA: UMA ANÁLISE DA
ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL EM COMUNIDADES
TERAPÊUTICAS
FORTALEZA
2012
DÉBORA DA SILVA LEMOS
SERVIÇO SOCIAL NA ÁREA DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA: UMA ANÁLISE DA
ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL EM COMUNIDADES
TERAPÊUTICAS
Monografia apresentada ao curso
de graduação em Serviço Social da
Faculdade Cearense – FaC, como
requisito para obtenção do título de
bacharelado.
Orientadora: Verbena Paula Sandy
FORTALEZA
2012
L558s Lemos, Débora da Silva.
Serviço Social na área da dependência química: uma análise
da atuação profissional do assistente social em comunidades
terapêuticas / Débora da Silva Lemos. – 2012.
106 f.
Orientador: Profª. Esp. Verbena Paula Sandy.
Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Faculdade
Cearense, Curso de Serviço Social, 2012.
1. Dependência química. 2. Assistente social - prática
profissional. 3. Comunidades terapêuticas. I. Sandy, Verbena
Paula. II. Título.
CDU 364-78
CDU 616.98:578.828
Bibliotecária Maria Albaniza de Oliveira CRB-3/867
CDU 658
CDU 37:004
CDU 338.486.21:[004.738.5:339]
CDU 347.922.6
DÉBORA DA SILVA LEMOS
SERVIÇO SOCIAL NA ÁREA DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA: UMA ANÁLISE DA
ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL EM COMUNIDADES
TERAPÊUTICAS
Monografia como requisito para obtenção
do título de bacharelado em Serviço
Social,
outorgado
pela
Faculdade
Cearense – FaC, tendo sido aprovada
pela banca examinadora composta pelos
professores.
Data de aprovação: _____/_____/______
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Profª. Especialista Verbena Paula Sandy
Faculdade Cearense
____________________________________________________
Profª. Ms. Virzângela Paula Sandy
Faculdade Cearense
____________________________________________________
Profª. Dra. Cristiane Porfírio de Oliveira do Rio
Faculdade Cearense
A minha mãe Albaniza e ao meu irmão Rafael, pelo exemplo e
pelo apoio em todos os momentos da minha vida.
Ao meu amor Vinícius, pela companhia, compreensão e por
todo o esforço em me ajudar.
As amizades verdadeiras.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus que me concede todos os dias o dom da
vida, que iluminou o meu caminho e me deu força e coragem durante esta
caminhada.
A minha mãe Albaniza, que sempre me incentivou e me apoiou em qualquer
decisão que eu tomasse e por seu exemplo incansável de luta, dignidade,
honestidade e integridade que fez de mim a mulher consciente que sou hoje.
Ao meu irmão Rafael, também pelo exemplo e pelo apoio em todos os
momentos da minha vida.
Ao meu amor Vinícius, que soube entender todas as ausências, mudanças de
humor e chateações que passei neste período e que nunca mediu esforços para me
ajudar em tudo que eu precisasse.
Agradeço a todos os colegas de turma e de estágio pela troca de experiências
e, em especial, à equipe “máster” Antonia Lira, Caroline Lindolfo, Emanuela Vitor,
Mirella Freire e Shirley de Castro Alves, pela força, pelo apoio, pela compreensão,
pelo carinho, nos momentos de angústia, como também nos momentos de alegria e
sucesso que compartilhamos ao longo desses quatro anos da graduação.
A todos os professores e supervisoras de campo de estágio que me
acompanharam ao longo dessa caminhada, transferindo seus conhecimentos,
experiências e possibilitando meu crescimento profissional. Principalmente a minha
orientadora, professora Verbena Paula Sandy e a professora das disciplinas de
TCC, Eliane Nunes Carvalho, por terem acreditado e confiado em mim e também
pelo apoio e contribuições dadas no dia a dia, sem eles esse trabalho não teria sido
possível.
Agradeço aos colegas Assistentes Sociais entrevistados pela disponibilidade
e colaboração para que esta pesquisa se transformasse em realidade.
Obrigada por tudo.
“não me importa se é simpático ou antipático, não me importa
se é grato ou ingrato, não me importa de que nível social, raça
ou religião vem. Minha tarefa é oferecer ao combalido apoio e
recuperação.”
(J. F. Regis de Morais)
RESUMO
Este estudo buscou analisar a prática do assistente social em instituições do terceiro
setor que atendem dependentes químicos, as Comunidades Terapêuticas,
localizadas em Fortaleza e na região metropolitana. Entendemos que estudar a
prática profissional é importante, no sentido de contribuir para o amadurecimento e a
construção permanente do Serviço Social no Brasil, e a relevância do estudo
realizado, no âmbito da dependência química, se deve ao fato de ser esta um tema
transversal e, também, por ser considerado um problema mundial. De acordo com
dados do II Levantamento Domiciliar sobre Drogas Psicotrópicas em nossa
sociedade, realizado pelo CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas)
em 2005 nas 198 maiores cidades do país, 12,3% dos brasileiros com idade entre
12 e 65 anos se declaram dependentes de bebidas alcoólicas. O álcool e tabaco são
as drogas mais consumidas pela população brasileira – uso na vida, 68,7% de álcool
e 41,1% o tabaco. A pesquisa revela ainda que, em 2001, 19,4% dos entrevistados
já haviam usado algum tipo de droga e, em 2005, esse número subiu para 22,8%, o
que corresponde a uma população estimada de aproximadamente 11.603.000
pessoas, excluindo o álcool e o tabaco. Em relação aos dados sobre a prevalência
do uso na vida de qualquer droga psicotrópica, houve bastante variação nas cinco
regiões brasileiras. O nordeste é a região onde quase um terço (27, 6%) dos
moradores, das 22 cidades mais populosas da região, já fizeram uso na vida de
drogas, exceto tabaco e álcool. Nossa investigação se fundamenta nas discussões
acadêmicas a respeito da prática profissional; na legislação e nas políticas públicas
brasileiras voltadas para a problemática do álcool e outras drogas; e em entrevistas,
com quatro assistentes sociais, lotados em Comunidades Terapêuticas que atendem
essa demanda. O estudo evidenciou que o Serviço Social tem um papel fundamental
no tratamento do dependente químico, porém ele atua tendo que superar diversos
limites institucionais, o principal deles é a dificuldade financeira, isso acaba limitando
seu trabalho, porém seu comprometimento com o dependente químico e sua família,
com a instituição, com o tratamento e com a reinserção social, faz com que esse
profissional consiga atuar na perspectiva da garantia de direitos.
Palavras-chave: Dependência química. Serviço Social. Comunidades terapêuticas.
ABSTRACT
This study investigates the practice of social workers in third sector institutions that
serve drug addicts, the Therapeutic Communities, located in Fortaleza and in the
metropolitan area. We understand that studying professional practice is important in
order to contribute to the ongoing construction and maturation of Social Work in
Brazil, and the relevance of the study, in the context of addiction, is due to the fact
that this is a crosscutting theme and also, viewed as a global problem. According to
data from the Household Survey II on Psychotropic Drugs in our society, conducted
by CEBRID (Brazilian Center for Drug Information) in 2005 in the 198 largest cities in
the country, 12.3% of Brazilians aged 12 to 65 say they are dependent on alcohol.
Alcohol and tobacco are the drugs most consumed by the Brazilian population lifetime use, 68.7% to 41.1% alcohol and tobacco. The research also reveals that in
2001, 19.4% of respondents had used any drugs and, in 2005, that number rose to
22.8%, which corresponds to an estimated population of approximately 11,603,000
people excluding alcohol and tobacco. Regarding the data on the prevalence of
lifetime use of any psychotropic drug, there was enough variation in the five Brazilian
regions. The northeast is a region where almost a third (27, 6%) of the residents of
the 22 most populous cities in the region has made lifetime use of drugs except
tobacco and alcohol. Our research is founded in academic discussions about
professional practice in legislation and in Brazilian public policies aimed at the
problem of alcohol and other drugs, and in interviews with four social workers,
crowded in Therapeutic Communities that meet this demand. The study showed that
the Social Service has a key role in the treatment of chemically dependent, but it acts
having to overcome various institutional limitations, the main one is financial difficulty,
it ends up limiting their work, but their commitment to the chemically dependent and
their family, with the institution, with treatment and social reintegration, makes these
professionals can act in view of the security of rights.
Keywords: Chemical dependency. Social Service. Therapeutic communities
LISTA DE SIGLAS
AA – Alcoólicos Anônimos
ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
ABESS – Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social
AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária
BPC – Benefício de Prestação Continuada
CAOTS – Centro de Apoio Operacional ao Terceiro setor
CAPS – Centro de Atenção Psicossocial
CAPSad – Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas
CEAD – Conselho Estadual Antidrogas
CEBRID – Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social
CID – Classificação Internacional de Doenças
CNS – Conselho nacional de saúde
COI – Centros de Orientação Infantil
COJ – Centros de Orientação Juvenil
COMAD – Conselho Municipal Antidrogas
COMEN – Conselho Municipal de Entorpecentes
CONAD – Conselho Nacional Antidrogas
CONEN – Conselho Estadual de Entorpecentes
CONFEN – Conselho Federal de Entorpecentes
CRESS – Conselho Regional de Serviço Social
CT – Comunidade Terapêutica
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
FUNCAB – Fundo de Prevenção, Recuperação e Combate à Drogas de Abuso
HIV – Vírus da Imunodeficiência Humana
ICV – Índice do Custo de Vida
INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social
INSS – Instituto Nacional do Seguro Social
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LDB – Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social
LSD – Lysergic Acid Diethylamide (Dietilamida do Ácido Lisérgico)
MPAS – Ministério da Previdência Social
MS – Ministério da Saúde
NA – Narcóticos Anônimos
NAPS – Núcleo de Atenção Psicossocial
OBID – Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas
OMS – Organização Mundial de Saúde
ONG – Organização Não Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
PIB – Produto Interno Bruto
PNAD – Política Nacional Antidrogas
SENAD – Secretaria Nacional Antidrogas
SISNAD – Sistema Nacional Antidrogas
SNC – Sistema Nervoso Central
SPA – Substâncias psicoativas
STDS – Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social
SUAS – Sistema Único de Assistência Social
SUS – Sistema Único de Saúde
UBS – Unidade de Básica de Saúde
UECE – Universidade Estadual do Ceará
UFC – Universidade Federal do Ceará
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 13
1 DEBATE CONCEITUAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA ..................................... 19
1.1 Definições de droga..............................................................................................19
1.2 Percursos históricos do consumo de drogas no Brasil e no mundo................... 20
1.3 A legislação brasileira e as políticas públicas de atenção à dependência
química ..................................................................................................................... 24
1.4 Dependência Química: conceito e abordagens.................................................. 33
1.5 Contextualizações das Comunidades Terapêuticas........................................... 38
2 A PRÁTICA PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL .................................. 42
2.1 O Serviço Social como trabalho.......................................................................... 42
2.2 Institucionalização do Serviço Social ................................................................. 45
2.3 As mudanças no mercado profissional de trabalho e o redimensionamento da
profissão.................................................................................................................... 51
2.4 Inserções do Serviço Social na área da dependência química........................... 53
3 ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL EM COMUNIDADES
TERAPÊUTICAS ...................................................................................................... 58
3.1 Levantamento das instituições e escolha do universo da pesquisa ................... 58
3.2 Identificação dos entrevistados e sua inserção no Serviço Social ..................... 59
3.3 Os Assistentes Sociais e a fundamentação teórica ........................................... 65
3.4 Cotidiano profissional dos Assistentes Sociais .................................................. 70
3.5 Avaliação da prática profissional dos Assistentes Sociais ................................. 84
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 92
REFERÊNCIAS........................................................................................................ 96
APÊNDICE.............................................................................................................. 101
13
INTRODUÇÃO
Nosso estudo tem como objeto a prática profissional do Serviço Social na
área da dependência química, dando ênfase nas experiências vivenciadas junto às
comunidades terapêuticas pesquisadas.
Essa temática foi escolhida devido a três motivações: a primeira foi o fato de
hoje a dependência química estar no palco das discussões devido à sua gravidade
que chamou a atenção do poder público e passou a ser considerada um problema
mundial, com um alcance cada vez maior de consequências generalizadas na vida
social das pessoas como: desagregação familiar, acidentes de trânsito, aumento da
violência e criminalidade, disseminação de doenças, inclusive a AIDS, e altos níveis
de suicídio.
O segundo motivo foi que, apesar de perceber que o trabalho com
dependência química está presente em todas as áreas de atuação do assistente
social, devido ser ela uma das expressões da questão social 1, por isso uma
demanda posta para o Serviço Social, identificamos a quase ausência de debates e
publicações de Serviço Social relacionados à dependência química.
E por último, por entendermos que estudar a prática profissional é importante
no sentido de contribuir para o amadurecimento e a construção permanente da
profissão, assim como adicionar subsídios à ação profissional do assistente social.
A fim de viabilizar o estudo proposto, inicialmente realizamos uma pesquisa
bibliográfica, com o objetivo de fornecer subsídios teóricos para a análise tanto da
prática profissional quanto da questão das drogas, mediante consulta a materiais
impressos – livros, periódicos, dissertações, documentos, entre outros e materiais de
1
Segundo Iamamoto (2000), a questão social manifesta-se na contemporaneidade, apresentando-se
sob múltiplas expressões. Logo, além do crescimento da pobreza, da miséria, do desemprego
estrutural, da precarização do trabalho, frequentemente abordados, também compõe esse leque, o
aumento da criminalidade, da violência, e porque não dizer do uso abusivo e indevido de drogas, que
tem provocado uma imensa gama de problemas, entre os quais a dependência, constituindo-se um
problema mundial de saúde pública. Iamamoto, inclusive, menciona “as desigualdades sociais – de
classes – em seus recortes de gênero, raça, etnia, religião, nacionalidade, meio ambiente etc.”
(IAMAMOTO, 2000, p.114), para demarcar as “roupagens distintas” que a questão social pode
assumir na contemporaneidade.
14
internet. Realizamos, também, uma análise documental da legislação e das
diferentes políticas públicas sobre drogas elaboradas pelo Estado brasileiro.
O tema droga é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
como um problema grave de saúde pública, que transcende para questões políticas,
sociais e econômicas. A ênfase dada hoje aos problemas derivados das drogas
sejam aqueles ligados ao tráfico ou ao consumo, está inserida no cotidiano das
pessoas e da comunidade.
A relação do homem com substâncias psicoativas (SPA) é muito antiga,
todavia somente no século XX que se intensificaram os estudos sobre esse
fenômeno, devido a epidemia que se alastrou, preocupando não somente o poder
público como também as famílias e toda a sociedade.
Segundo a OMS, é considerada droga
Qualquer substância, natural ou sintética, que uma vez introduzida no
organismo vivo, pode modificar uma ou mais funções. Considera a
intoxicação química por substâncias psicoativas como doença e classifica a
compulsão por drogas como transtornos mentais e comportamentais. (OMS,
1981).
Conforme Oliveira (2003) as drogas são classificadas em lícitas, aquelas que
têm seu uso permitido pela legislação, e ilícitas, aquelas que têm a produção, o uso
e a comercialização proibida, sendo considerado crime quaisquer dessas atividades.
De acordo com Serrat (2009), no Brasil, historicamente, os anos entre 1960 e
1980 ficaram conhecidos pelo uso de maconha por jovens de classe média, já no
final da década de 1980 a cocaína reaparece de modo epidêmico, sendo utilizada na
forma injetável, ficando o final do século XX marcado pela associação entre
consumo de drogas e infecção do HIV. A partir de 1990 o consumo de crack inicia
uma grande expansão, principalmente entre jovens com menos de 20 anos de idade
e de baixa renda, iniciando uma epidemia.
A utilização de drogas ilícitas é um fenômeno mundial. O Relatório Mundial da
Organização das Nações Unidas (ONU) sobre drogas destaca que
O seu consumo está presente em todo o mundo, sendo que há mais de
uma década a maconha é a droga que tem maior aumento no consumo
mundial; cerca de 4% da população mundial a consumiu entre os anos de
2004 e 2005. No Brasil, a utilização de drogas segue o padrão mundial,
15
sendo a maconha a droga mais utilizada, seguida pelos opiáceos, cocaína,
anfetamina e ecstasy (ONU, 2006).
Diante de tudo isso, a emergência de espaços especializados para prevenir e
tratar a dependência de substâncias psicoativas criou uma nova área de intervenção
profissional, ocupada por diversos profissionais, entre os quais o assistente social.
Esses espaços se constituíram uma novidade para o Serviço Social, pois os
profissionais não tinham acúmulo de experiência e conhecimento de intervenção
profissional na questão das drogas.
Percebemos que o trabalho com a dependência química está presente em
todas as áreas de atuação do Serviço Social, devido ser ela uma das diversas
expressões da questão social, por isso demanda posta ao assistente social.
O assistente social atua numa realidade contraditória, uma vez que para dar
respostas às demandas, sua prática é determinada tanto pelas condições históricoconjunturais quanto pelos limites que a realidade impõe aos profissionais. Em
decorrência disto, para entender e lidar com as alterações ocorridas na sociedade
de uma forma geral é necessário que o assistente social compreenda que não está
em um simples emprego, desenvolvendo atividades burocráticas e rotineiras, seu
papel vai além, ser profissional significa apreender a realidade, nela captar
possibilidades que possam se transformar em intervenção, de modo a criar, negociar
com a instituição e efetivar suas próprias propostas.
A concepção de prática profissional que orienta nossa investigação é aquela
vista como
A atividade do assistente social na relação com o usuário, os empregadores
e os demais profissionais. Mas, como esta atividade é socialmente
determinada, consideram-se também as condições sociais nas quais se
realiza, distintas da prática e a ela externas, ainda que nela interfiram.
(IAMAMOTO, 2000, p.94).
Devido a estas condições, a prática do assistente social é cheia de
contradições e conflitos. Assim, analisamos os profissionais entendendo a
multiplicidade de fatores que influenciam e determinam o desenvolvimento de sua
prática profissional dentro da instituição que atende dependentes químicos.
O problema das drogas, devido seus desdobramentos, vai acabar chegando
às mãos do assistente social, uma vez que elas podem provocam consequências
16
negativas em todos os âmbitos da vida dos sujeitos. Dessa forma, o assistente
social se depara com os mais variados tipos de problemas, como: conflitos
familiares, violência doméstica, desemprego, mau desempenho ou abandono
escolar, criminalidade, grande demanda por tratamento, entre outros.
Por isso, é muito importante que o assistente social tenha conhecimento a
respeito das drogas que lhe permita avançar teoricamente e responder às demandas
de forma qualificada e em consonância com o projeto ético-político e o Código de
Ética profissional.
A princípio, o assistente social foi chamado a atuar especificamente na área
da dependência química pelas instituições filantrópicas, inaugurando uma nova
demanda institucional para a profissão. Hoje o assistente social atua desde a
atenção básica até a alta complexidade com trabalhos voltados para essa área.
Diante do exposto, percebemos que existem várias indagações a serem
compreendidas sobre essa problemática. São elas: Qual a contribuição que o
assistente social pode dar ao dependente químico e a sua família durante o
tratamento? Existe uma reflexão a respeito da prática do assistente social? Como se
traduz em ações, as reflexões que o profissional realiza acerca de sua prática? Qual
é a prática profissional desenvolvida? Quais os limites e possibilidades dessa
realidade em que o assistente social atua? Quais as impressões do profissional
sobre essa área de atuação?
Portanto, em síntese, a pretensão deste estudo é investigar a atuação do
profissional de Serviço Social em Comunidades Terapêuticas localizadas em
Fortaleza e na região metropolitana. Temos como objetivos da investigação estudar
quem são esses profissionais, o que eles fazem e como fazem, como é sua relação
com os outros profissionais da equipe multidisciplinar, qual o trabalho desenvolvido
por eles, se existe um registro a respeito de sua prática profissional e de que forma
estão inseridos na instituição.
Os procedimentos metodológicos adotados consistem na revisão bibliográfica
sobre a temática, análise das leis e políticas públicas sobre drogas e a realização de
entrevistas com os profissionais de Serviço Social que atuam em Comunidades
Terapêuticas.
17
Tendo em vista a natureza dos dados coletados e frente aos objetivos do
estudo, foi elaborado um roteiro de entrevista semiestruturado com vinte perguntas
abertas, estabelecendo um diálogo com os profissionais de Serviço Social das
instituições, levando em consideração o espaço físico e político que o Assistente
Social possui, bem como o tipo de relação estabelecida com os demais profissionais
e com os usuários.
Para possibilitar o processamento dos dados se fez necessário fazermos a
transcrição das entrevistas. Depois, realizamos uma análise e uma interpretação
descritiva e comparativa dos dados coletados através das entrevistas e do que
perceberemos na observação da rotina das instituições.
Para se definir os entrevistados, foi necessário fazer um levantamento de
trinta comunidades terapêuticas localizadas em Fortaleza e região metropolitana, a
fim de identificar quais possuíam Assistente Social em seu quadro de funcionários e,
através de contato telefônico, conseguimos nos comunicar com apenas vinte e uma
instituições, destas apenas cinco contavam com Assistente Social em sua equipe.
Das cinco instituições, quatro são privadas e uma é de natureza filantrópica, sendo
que uma das privadas mantém convênio com o Governo do Estado.
Portanto, foi o resultado desse levantamento que norteou a definição das
entrevistas. O conhecimento do número reduzido de instituições e de assistentes
sociais indicou a possibilidade de entrevistar todos os cinco assistentes sociais
identificados, entretanto, devido a problemas alheios à nossa vontade, só foi
possível pesquisar em quatro instituições. Delimitamos, pois, nosso estudo a quatro
assistentes sociais de Comunidades Terapêuticas que atuam junto a dependentes
de álcool e outras drogas.
Para alcançarmos os objetivos traçados adotamos a abordagem qualitativa,
pois como afirma Minayo (1994), ela contempla os sujeitos envolvidos no processo,
se caracteriza por ser uma abordagem que procura descrever e analisar a cultura e
o comportamento das pessoas.
O método de análise utilizado foi o dialético por tratar-se de um “método de
investigação da realidade pelo estudo de sua ação recíproca, da contradição
inerente ao fenômeno e da mudança dialética que ocorre na natureza e na
18
sociedade” (ANDRADE, 1997, p1). Com ele conseguimos analisar criticamente o
objeto pesquisado, ou seja, compreendemos o objeto na sua totalidade.
A pesquisa teve duração de seis meses, contando desde o levantamento
bibliográfico que começou em junho, a pesquisa de campo foi realizada nos meses
de outubro e novembro, a organização e análise dos dados se desenvolveram em
novembro e a finalização deste presente trabalho, em dezembro.
Por fim, importa mencionar a forma como foi dividida a exposição do trabalho,
lembrando ser esta divisão, sobretudo didática, necessária para facilitar a
compreensão do assunto em questão.
No primeiro capítulo, denominado Debate conceitual da Dependência
Química, abordamos a definição de droga, trazemos um breve panorama nacional e
mundial da utilização de drogas lícitas e ilícitas, a partir daí, realizamos uma análise
da legislação e das políticas públicas de atenção à dependência química
desenvolvidas pelo Estado brasileiro, mostramos os conceitos e as abordagens que
a dependência química tem atualmente e terminamos o capítulo com a discussão
sobre as Comunidades Terapêuticas.
No segundo capítulo, A prática profissional do Assistente Social,
debruçamo-nos sobre a discussão a respeito do cotidiano profissional do Assistente
social. Situamos o Serviço Social como trabalho, a sua institucionalização, as
mudanças no mercado de trabalho e os seus rebatimentos para a profissão e, por
fim, a inserção do Serviço Social na área da dependência química.
No terceiro e último capítulo, Análise da atuação dos Assistentes Sociais
em Comunidades Terapêuticas, analisamos, através das entrevistas realizadas, o
perfil desses profissionais, sua inserção na profissão e na área da dependência
química, o embasamento teórico que norteia sua ação, o cotidiano profissional e a
avaliação, feita por eles, da prática profissional.
19
CAPÍTULO 1
DEBATE CONCEITUAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA
1.1 Definições de droga
De acordo com o Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas
(OBID, 2006), o termo droga teve origem na palavra droog (holandês antigo) cujo
significado literal é “folha seca”, devido ao fato de que a quase totalidade dos
medicamentos produzidos na época eram preparados à base de plantas.
Existem inúmeros conceitos para o vocábulo droga que incorpora uma
afinidade de substâncias. O dicionário Houaiss da língua portuguesa, por exemplo,
defini-a como
Qualquer substância ou ingrediente usado em farmácia, tinturaria,
laboratórios químicos. Qualquer produto alucinógeno que leve à
dependência química e qualquer substância ou produto tóxico de uso
excessivo; entorpecente. Qualquer substância que leve a um estado
satisfatório ou desejável. (HOUAISS, 2001, p. 1085).
No entanto, é preciso ter em mente que nenhuma substância considerada
isoladamente é droga, ou seja, ela só se torna droga na medida em que entra em
contato com o corpo. Assim, numa perspectiva mais ampla, droga se refere a
qualquer substância que, em contato com o corpo, altera seu modo de
funcionamento.
Atualmente, a definição do que seja droga – tanto em âmbito nacional, quanto
internacional – obedece a significados similares, pois segue a padronização da
OMS, que a define como qualquer substância que, introduzida no organismo, pode
modificar uma ou mais funções, agindo nos mecanismos de gratificação do cérebro,
provocando efeitos estimulantes, euforizantes e/ou tranquilizantes. (SERRAT, 2009).
As drogas são classificadas em lícitas e ilícitas. As chamadas drogas lícitas
reúnem-se no grupo das substâncias em que há o reconhecimento legal do seu
consumo, apesar de algumas restrições no Brasil, tais como: a proibição de venda e
20
uso de bebidas alcoólicas a menor de 18 anos de idade; a não permissão de seu
emprego em escolas e no trabalho; e a utilização de receitas especiais para
medicamentos psicotrópicos. Portanto, a aquisição e a circulação do produto não
implicam em crime, é permitida pelo Estado sem o risco de uma penalidade, salvos
os casos acima citados. Mas no caso das drogas ilícitas, a legislação proíbe e
reprime a sua produção, comercialização e consumo. São exemplos de produtos
censurados e reprimidos por lei na sociedade brasileira a cocaína, o crack e a
maconha e de substâncias legalizadas o álcool, o tabaco e os ansiolíticos.
Oliveira (2003) registra que
[...] as substâncias psicoativas ilícitas não são proibidas somente pelo seu
conteúdo farmacológico, cujo potencial pode produzir danos à saúde, mas,
sobretudo pelos seus valores sociais que mudam a cada contexto histórico
e que a proibição ou a permissão da ingestão de substâncias psicotrópicas
em qualquer tempo resulta de determinantes socioculturais. Cada contexto
sociocultural, político e econômico determina o modo como o homem
relaciona-se com os produtos psicoativos, estabelecendo normas e critérios
que regulamentam essa convivência. Na contemporaneidade, o álcool é
aceito pelos países do ocidente, entretanto, abolido pelos países
mulçumanos. (OLIVEIRA, 2003, p.24).
Existe uma classificação que se baseia nas ações aparentes das drogas
sobre o Sistema Nervoso Central (SNC), conforme as modificações observáveis na
atividade mental ou no comportamento da pessoa que utiliza a substância. São elas:
drogas estimulantes da atividade mental (que aceleram a função cerebral) como
anfetaminas, cafeína, crack e cocaína; drogas depressoras da atividade mental (que
reduzem a velocidade da função cerebral) como inalantes, barbitúricos, opiáceos,
ansiolíticos ou tranquilizantes e álcool; e drogas modificadoras da atividade mental
(que alteram o funcionamento cerebral) como alucinógenos sintéticos (ecstasy, LSD)
e os naturais (maconha, etc.), anticolinérgicos e outras substâncias.
1.2 Percursos históricos do consumo de drogas no Brasil e no mundo
A relação do homem com substâncias psicoativas é muito antiga. A literatura
especializada tem uma farta referência indicando que o hábito de usar drogas
psicotrópicas não emergiu neste período da história, de fato ele remonta à
Antiguidade. Todavia, somente no século XX que se intensificaram os estudos sobre
21
esse fenômeno, devido à epidemia que se alastrou, preocupando não somente o
poder público como também as famílias e toda a sociedade.
Conforme o registro de Macrae (2001) “desde a pré-história os membros das
diferentes culturas humanas tem sabido utilizar plantas e algumas substâncias de
origem animal para provocar alterações de consciência com os mais variados fins”.
(MACRAE, 2001, p.26)
Segundo o mesmo autor, o emprego do ópio, do cânhamo e das bebidas
alcoólicas são alguns dos mais remotos realizados pelo homem.
Para ele, o cultivo da papoula, nome da flor de onde se extrai o ópio, tem
origem na Europa e na Ásia Menor. As plantações de dormideira, a planta originária
desta droga, também chamada de planta da felicidade, foram provavelmente as
mais antigas do planeta cultivadas no sul da Espanha, na Grécia, no noroeste da
África, no Egito e na Mesopotâmia. Na Grécia Antiga, esta droga era muito utilizada
para o tratamento de múltiplos males, inclusive os líderes políticos a consumiam em
grandes quantidades para se protegerem contra envenenamentos. De acordo com
Macrae (2001), nesta cultura, seu uso jamais foi concebido como degradante. Seus
efeitos medicinais também foram valorizados pelos romanos. Na Roma antiga, ela
foi bastante utilizada como eutanásico, além de analgésico e calmante.
Ainda seguindo o pensamento de Macrae (2001), o cânhamo – produto
derivado da Cannabis Sativa, tal como a maconha – provêm da China. Na Índia a
tradição brâmade considerava que ele agilizava a mente, outorgando longa vida e
potentes desejos sexuais. Na Assíria do século IX a.C., era usado como incenso,
assim como entre os citas e os egípcios. Há indícios de que no século VII a.C., os
celtas já conheciam seu emprego como alterador da consciência. Era fumado pelos
romanos em reuniões sociais.
As bebidas alcoólicas também eram empregadas na farmacopeia antiga com
finalidades medicinais. Macrae afirma que a sua utilização
Remonta à pré-história e seu emprego como medicamento já era
mencionado nas tábuas de escritura cuneiforme da Mesopotâmia em 2200
a.C. Cerca de 20% dos quase 800 diferentes medicamentos egípcios
antigos incluíam cervejas ou vinhos em sua composição. São também
numerosas as referências ao vinho no Antigo Testamento. Este, assim
como a cerveja, poderia ser misturado com outras drogas produzindo
22
bebidas de grande potência numa época em que ainda se desconhecia a
destilação. (MACRAE, 2001, p.5).
Para o autor, nas religiões e culturas antigas, um caráter sagrado foi atribuído
a muitas das substâncias psicoativas, até a cristianização do Império Romano. No
contexto das práticas xamanísticas, essas substâncias consideradas sagradas,
desempenham a função de veículos que conduzem o homem ao mundo dos
espíritos ou do sobrenatural; é o meio mais rápido e eficaz de atingir tal objetivo.
O cristianismo ao consolidar-se, exerceu forte censura ao emprego dos
psicotrópicos,
particularmente
na
Idade
Média.
Assim,
o
conhecimento
farmacológico sofreu intensa perseguição, sendo a utilização das drogas, mesmo
para fins terapêuticos, considerada heresia.
A inquisição puniu com torturas e a morte o usuário de qualquer substância
que não fosse bebida alcoólica na Europa Medieval. De acordo com Macrae (2001),
nesse período a ingestão de outras drogas era associada à luxúria e à bruxaria.
Segundo Macrae (2001), mesmo sob alguma suspeita, o retorno gradual da
utilização de drogas ocorreu com a Renascença e a retomada de um contato mais
estreito com as culturas orientais. No século XVI, “Para Celso já empregava na sua
prática médica, substâncias provenientes da farmacopeia clássica e do arsenal da
alquimia e da bruxaria medieval” (MACRAE, 2001, p. 28). Foi um grande defensor
do uso do ópio, inventando uma tintura à base dessa substância, o láudano, que a
partir de então passou a ser utilizada na medicina em larga escala. O autor ainda
comenta terem sido introduzidos na Europa no mesmo período, apesar de fortes
resistências, o cacau, o mate e o tabaco.
O uso de drogas psicotrópicas, até o século XVIII, mantinha-se retraído. A
partir desse período, torna-se presente, na sociedade, por meio da larga produção
de medicamentos à base de ópio. Com o poder da Igreja enfraquecendo devido à
ascensão do racionalismo e do iluminismo, o uso médico e lúdico das drogas é
retomado. Neste período, o ópio tornou-se uma droga universal. “Mas, a dimensão
moderna do uso de drogas só começa a ser moldada a partir do século XIX, com o
desenvolvimento da química industrial” (OLIVEIRA, 2003, p.37). O século XIX é o
marco para o surgimento de um problema de saúde pública – o consumo das drogas
– devido à descoberta de substâncias narcóticas e ao início da sua comercialização.
23
Para a mesma autora, de fato, durante o século XIX, cientistas isolam os
princípios ativos das plantas psicoativas, obtendo os fármacos: morfina (1806),
codeína (1832), atropina (1833), cafeína (1841), cocaína (1860), heroína (1883) e
mescalina (1896) e no início do século XX (1903), os barbitúricos, facilitando seu
emprego. Na verdade, por um lado, tais descobertas significaram um bom avanço
para a medicina, pois facilitaram o emprego de determinadas drogas para aliviar o
sofrimento físico, por outro lado, também incrementaram o mercado consumidor
capitalista, favorecendo a instalação de um problema de saúde pública.
O século XX será marcado pelo incremento da dependência e pela adoção de
uma política internacional de guerra contra as drogas ilícitas, encabeçada pelos
Estados Unidos.2 Vale notar com Carneiro (2002) que “embora sempre tenham
existido, em todas as sociedades, mecanismos de regulamentação social do
consumo das drogas, até o início do século XX não existia o proibicionismo legal e
institucional internacional” (CARNEIRO, 2002, p.115)
Essa utilização se expande, principalmente após a década de 1960,
considerada a “década revolucionária”; o consumo se difunde, inicialmente entre
jovens e toma conta de todos os países.
Com o passar das décadas, a utilização das drogas se torna um problema a
ser enfrentado em escala mundial. Esse uso acarreta inúmeras consequências,
tanto para o indivíduo, quanto para a sociedade.
De acordo com Serrat (2009), no Brasil, historicamente, os anos entre 1960 e
1980 ficaram conhecidos pelo uso de maconha por jovens de classe média, já no
final da década de 1980 a cocaína reaparece de modo epidêmico, sendo utilizada na
forma injetável, ficando o final do século XX marcado pela associação entre
consumo de drogas e infecção do HIV. A partir de 1990 o consumo de crack inicia
2
A crescente intervenção política e militar sob o pretexto da luta contra as drogas alcança com o
Plano Colômbia as características de uma guerra neocolonial. Tal situação que acentuou-se a partir
dos anos 1970, quando Nixon lançou a guerra contra as drogas, atingiu graus extremos nos anos
1980 e 1990, na entrada ao terceiro milênio parece tornar-se ainda mais grave. Diversos aspectos da
degeneração da situação social relacionam-se direta ou indiretamente ao estatuto do comércio de
drogas na sociedade contemporânea: aumento da violência urbana, do número de encarcerados e
das forças militares envolvidas com as drogas. (CARNEIRO, 2002).
24
uma grande expansão, principalmente entre jovens com menos de 20 anos de idade
e de baixa renda, iniciando uma epidemia.
Nos últimos anos o consumo de drogas tem aumentado em nossa sociedade
e, de fato, este consumo propaga-se em todas as camadas da população, atingindo
cada vez mais aquelas de baixa renda. “Não se trata apenas de produtos ilícitos,
mas também, e principalmente do abuso de muitos produtos lícitos como álcool,
tabaco, medicamentos psicotrópicos e inalantes” (PRAXEDES, 2009, p.37).
A OMS classifica como o problema número um da drogadição o alcoolismo, e
também estima que 1,2 bilhões de pessoas em todo o mundo são dependentes do
cigarro, o equivalente a um terço da população adulta, sendo 11,2 milhões de
mulheres e 16,7 milhões de homens. Noventa por cento dos fumantes ficam
dependentes da nicotina entre os 5 anos e os 19 anos de idade. O tabagismo é
responsável por 30% de todos os tipos de câncer e por 90% dos casos de câncer no
pulmão. Pode causar ainda derrame cerebral, enfisema pulmonar e enfarte.
Apesar de todas as informações sobre os efeitos do abuso de drogas
disponibilizados pela mídia, ainda assistimos a esse conjunto de práticas abusivas e
a uma possível indiferença em relação a seus efeitos nocivos desencadeados na
vida da pessoa ou na sua relação com os outros, os quais podem acarretar um alto
custo social, além de pesados sofrimentos físicos e morais aos usuários, às famílias
e à sociedade.
1.3 A legislação brasileira e as políticas públicas de atenção à dependência
química
A partir de uma análise histórica, percebe-se que as políticas sobre drogas
podem ser entendidas a partir de diferentes pontos de vista: ora acredita-se que o
“problema” desaparecerá ao eliminar-se a oferta, e nesse caso, a política se ampara
nos poderes judiciários e policiais, caracterizando uma resposta repressiva; ora
acredita-se que o “problema” existe devido a pouca flexibilidade da sociedade,
sendo a política à promoção da autogestão do uso e organização de um sistema
social que compensasse os danos eventuais, numa resposta de legalização; ora
25
supõe-se que o “problema” não tem solução definitiva, mas que há necessidade de
apoio através de diversos programas sociais. Nesse caso, a política se reorganiza
periodicamente face às novas drogas, aos novos hábitos de consumo e às crises
nas relações sociais que perturbam a subjetividade do indivíduo, numa resposta
pragmática.
No século XX, no Brasil, o problema das drogas passa a ser tratado em
confluência com as orientações internacionais, principalmente as dos Estados
Unidos, o qual proibiu, em 1909, importações de ópio e, em 1941, a comercialização
de cocaína, heroína e morfina entre os estados americanos. Seguindo esta
orientação – a via repressiva – o governo federal brasileiro, em 1921, promulga o
Decreto-Lei nº 4.294, que estabelece “penas aos que comercializarem cocaína, ópio,
morfina e seus derivados, cria um estabelecimento especial para internação dos
intoxicados pelo álcool ou substâncias venenosas e estabelece normas de
julgamento dessas infrações”. (MORAIS, 1997, p.4)
Em decorrência desse Decreto-Lei, foi criada, em 1926, no Rio de Janeiro,
uma delegacia especializada no comércio ilícito de entorpecentes e na repressão à
embriaguez. Depois da criação desse órgão, os dependentes químicos e
vendedores começaram a sofrer sansões policiais e judiciais.
Depois desta data, o Brasil criou outros instrumentos legais, como o DecretoLei, em 1934, reforçando a criminalização do uso e do tráfico (MORAIS, 1997) e o
Decreto-Lei nº 891, de 25 de novembro de 1938, posteriormente incorporado ao
artigo 281 do Código Penal. Esse Decreto se deu no governo de Getúlio Vargas e
versava sobre a fiscalização de entorpecentes e sobre a internação do dependente,
determinada para o “bem” da segurança pública. Sem levar em consideração a
vontade dos indivíduos, ficando à vontade dos aparelhos policiais e dos judiciários,
como o Ministério Público e as côrtes da justiça, conforme exposto no artigo 29, da
norma legal de 1938.
Artigo 29. Os toxicômanos ou intoxicados habituais, por entorpecentes, por
inebriantes em geral ou bebidas alcoólicas, são passíveis de internação
obrigatória ou facultativa por tempo determinado ou não.
§1º A internação obrigatória se dará, [...] quando comprovada a
necessidade de tratamento adequado ao enfermo, ou, for conveniente à
ordem pública. [...] (BRASIL, 1938).
26
Entre as décadas de 1930 e 1970 não surgiram novos instrumentos da
legislação brasileira nessa área. Houve, apenas, alterações naqueles em vigor, que
culminaram na Lei 6.368, de 21 de outubro de 1976, estabelecida no governo de
Ernesto Geisel, durante o período de ditadura militar, como um instrumento de
repressão a determinadas condutas dos indivíduos.
A Lei dispõe sobre medidas de prevenção, repressão ao tráfico ilícito e uso
indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou
psíquica. Embora a Lei trouxesse alguns avanços (por exemplo, o de não
criminalizar o usuário), também era, no fundamental, criminalizadora (dado que não
diferenciava usuário de traficante). Sua abordagem era jurídico-penal e médicopsiquiátrico, fazendo com que o “problema” fosse encarado como caso ora de polícia
ou ora de doença mental.
Compartilhando análise similar, Oliveira (2003) disserta que “esta lei norteou a
política de drogas no país [...] mas se reduzindo à inibição da oferta das substâncias
ilícitas, conforme acordado em convenções internacionais”. (OLIVEIRA, 2003, p103).
Apesar de o termo “prevenção” fazer parte da ementa da Lei 6.368/76,
somente o seu artigo 5º trata desse tema.
Art. 5º Nos programas dos cursos de formação de professores serão
incluídos ensinamentos referentes a substâncias entorpecentes ou que
determinem dependência física ou psíquica, a fim de que possam ser
transmitidos com observância dos seus princípios científicos.
Parágrafo único. Dos programas das disciplinas da área de ciências
naturais, integrantes dos currículos dos cursos de 1º grau, constarão
obrigatoriamente pontos que tenham por objetivo o esclarecimento sobre a
natureza e efeitos das substâncias entorpecentes ou que determinem
dependência física ou psíquica. (BRASIL, 1976).
No que tange à internação, diferentemente do Decreto-Lei nº 891/38, o artigo
10 da Lei determina que seja obrigatória, quando o quadro clínico do indivíduo assim
o exigir.
A Lei existe há mais de 30 anos, e até a data de sua extinção em 2006, no
que tange à prevenção, não foi efetivado o ensino à respeito das drogas no nível
fundamental; porém, com relação à criminalização dos indivíduos que usam ou
vendem substâncias ilícitas, ela vigora, desde aquele momento até os dias atuais. A
criminalização dos sujeitos está disposta nos artigos 12 e 16, porém, são artigos que
27
não explica qual é a quantidade de substância entorpecente encontrada com o
indivíduo, necessária e suficiente para categorizar quem é o usuário e quem é o
traficante. Assim, quem estabelece essa distinção é o policial, como demonstrado
em seu artigo 37.
Art. 37. Para efeito de caracterização dos crimes definidos nesta lei, a
autoridade atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida,
ao local e às condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as
circunstâncias da prisão, bem como à conduta e aos antecedentes do
agente. [...] (BRASIL, 1976).
Essa Lei criminaliza o usuário, podendo ele ser “fichado” como traficante ou
vice-versa. Não existe diferença entre pequeno, médio e grande traficante, com isso
a legislação pode tornar-se ineficiente com relação ao impedimento do tráfico, bem
como do uso.
A década de 1980 foi marcada por um debate intenso sobre a
descriminalização das drogas, principalmente da maconha. Nesse contexto, no
governo de João Figueiredo foi instituído o Sistema Nacional de Prevenção,
Fiscalização e Repressão de Entorpecentes através do Decreto 85.110, em 02 de
setembro de 1980. Faziam parte desse Sistema: o Conselho Federal de
Entorpecentes (COFEN), os Conselhos Estaduais de Entorpecentes (CONENs) e os
Conselhos Municipais de Entorpecentes (COMENs). Tinha por objetivo formular a
Política Nacional de Entorpecentes, compatibilizar planos nacionais com planos
regionais, estaduais e municipais, bem como fiscalizar a respectiva execução.
Em 1986, através da Lei 7.560, foi criado o Fundo de Prevenção,
Recuperação e Combate às Drogas de Abuso (FUNCAB) no âmbito do Ministério da
Justiça. Após isso, com a Constituição Federal de 1988, o tráfico de drogas passa a
ser definido como crime inafiançável, ficando previsto o confisco dos bens de
traficantes, a autorização para expropriação de terras para o plantio ilícito, bem
como a obrigação do Estado em manter programas de prevenção e assistência para
crianças e adolescentes. (Art. 5º - XLIII) (BRASIL, 1988).
Contudo, somente em 1993, no governo do Presidente Itamar Franco que o
sistema foi estruturado, através da criação da Secretaria Nacional de Entorpecentes,
pela Lei nº 8.764, de 20 de dezembro de 1993, vinculada ao Ministério da Justiça.
28
Competia a essa Secretaria supervisionar, acompanhar e fiscalizar a execução das
normas estabelecidas pelo Conselho Federal de Entorpecentes (BRASIL, 1993).
Em 1998, no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em
substituição à anterior, foi criado a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD),
vinculada a Casa Militar da Presidência da República, logo após a Assembleia
Especial das Nações Unidas sobre Drogas.
Nesse período houve a mudança na denominação – extinguiu-se o CONFEN
e instituiu-se o CONAD (Conselho Nacional Antidrogas); extinguiram-se os CONENs
e instituíram-se os CEADs (Conselhos Estaduais Antidrogas) e extinguiram-se os
COMENs e instituíram-se os COMADs (Conselhos Municipais Antidrogas).
Com o intuito de dar continuidade ao enfrentamento da questão, em 2000
instituem-se o Sistema Nacional Antidrogas (SISNAD). Dentre os órgãos integrantes
do SISNAD, convém destacar: o CONAD, como órgão normativo; os órgãos
incumbidos das atividades de prevenção, ou seja, o Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República, como órgão central e a SENAD, como
órgão executivo; os órgãos voltados para as atividades de repressão, que são: o
Ministério da Justiça e o Departamento de Polícia Federal, respectivamente, um
como órgão central e o outro com órgão executivo. Também engloba as diversas
instituições Federais (Ministério da Saúde e outros), bem como, órgãos Estaduais e
Municipais. Tem como objetivos: formular a Política Nacional Antidrogas e
compatibilizar planos nacionais com planos regionais, estaduais e municipais, bem
como fiscalizar a respectiva execução (BRASIL, 2000).
Na sequência, em 11 de dezembro de 2001, essa Secretaria, juntamente com
o Departamento da Polícia Federal e outros agentes do Sistema, elaborou a Política
Nacional Antidrogas (PNAD), instituída por meio do Decreto Presidencial nº 4.345,
de 26 de agosto de 2002.
Tinha como objetivos alocar a questão do uso de álcool e outras drogas como
problema de Saúde Pública; indicar o paradigma da redução de danos nas ações de
prevenção e de tratamento; formular políticas que possam desconstruir o senso
comum de que todo usuário de droga é um doente que requer internação, prisão ou
absolvição e mobilizar a sociedade civil, oferecendo-lhe condições de exercer seu
29
controle, participar das práticas preventivas, terapêuticas e reabilitadoras, bem como
estabelecer parcerias locais para o fortalecimento das políticas municipais e
estaduais (BRASIL, 2002).
Apesar de esta política ter se originado de um órgão de Segurança Pública,
teve uma abordagem bem ampla, não se reduzindo às orientações acerca de
medidas de repressão. Enfoca a prevenção, o tratamento, a recuperação e a
reinserção social e ainda incorpora a noção de redução de danos. 3 Além disso, faz
menção às drogas lícitas. Isto se deveu à participação da sociedade no seu
processo de elaboração. “Logo, não deixa de representar um avanço significativo no
enfrentamento desta faceta da questão brasileira”. (OLIVEIRA, 2003, p.106)
A Área Técnica de Saúde Mental/Álcool e Drogas do Ministério da Saúde
(MS) elaborou a Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários
de Álcool e outras Drogas, que foi publicada em março de 2003. Anterior a essa
política, o MS publicou algumas portarias com a finalidade de normatizar a atenção a
usuários de álcool e outras drogas. Uma delas é a Portaria GM/816 de 30 de abril de
2002, responsável pela instituição do Programa Nacional de Atenção Comunitária
Integrada aos Usuários de Álcool e Outras Drogas, no Sistema Único de Saúde
(SUS). Este Programa propôs a criação de 250 Centros de Atenção Psicossocial
Álcool e outras drogas (CAPSad).4
O documento da política informa sobre a implantação de 42 CAPSad na rede
de atenção em Saúde Mental do país, de abril a dezembro de 2002. De acordo com
o mesmo documento
O objetivo do CAPSad consiste em oferecer atendimento à população,
respeitando uma área de abrangência definida, oferecendo atividades
terapêuticas e preventivas à comunidade. Deve propiciar atenção
psicossocial em ambiente comunitário, integrada a cultura local e articulada
com toda a rede de cuidados em álcool e outras drogas e saúde mental,
bem como a rede básica de saúde e a rede de suporte social já existente
nas comunidades. (BRASIL, 2003, p.34).
3
Importante estratégia de saúde pública, assumida pelo Ministério da Saúde, para a prevenção das
DST/AIDS e hepatites entre usuários de drogas injetáveis desde 1994, por meio de uma cooperação
com o UNDCP – United Nations Drug Control Programme (Programa das Nações Unidas para o
Controle Internacional de Drogas). (OLIVEIRA, 2003).
4
Dispositivo assistencial de comprovada resolubilidade, podendo abrigar em seus projetos
terapêuticos práticas de cuidados que contemplem a flexibilidade e abrangência possíveis e
necessárias a esta atenção específica, dentro de uma perspectiva estratégica de redução de danos
sociais e à saúde. (BRASIL, 2003).
30
Com a posse do Presidente Lula, ocorreu uma mudança na política de drogas
com duas medidas simbólicas: a mudança do nome original da SENAD para
Secretaria Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, que se efetivou em 2005, e
a proposição de sua colocação junto ao Ministério da Justiça, que tem capacidade
de articular outros Ministérios e a Sociedade Civil para uma resposta de natureza
mais ampla.
No início do século XXI, em 23 de agosto de 2006, foi sancionada pelo
Presidente Lula a Lei nº 11.343, substituindo a Lei 6.383/76, que foi revogada após
30 anos de vigência. A Lei
Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD;
prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção
social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para
repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define
crimes e dá outras providências. (BRASIL, 2006).
Este novo instrumento legal tem um caráter avançado, distingue do traficante
tanto o usuário quando o dependente, as penas e outras medidas são diferenciadas.
Os usuários e dependentes estarão sujeitos às medidas socioeducativas e, os
traficantes, às medidas privativas de liberdade.
Vale destacar o caráter inovador desta Lei, que são as atividades de atenção
e de reinserção social do usuário e/ou dependente de drogas, conforme o artigo
abaixo.
Art. 22. As atividades de atenção e as de reinserção social do usuário e do
dependente de drogas e respectivos familiares devem observar os
seguintes princípios e diretrizes:
I - respeito ao usuário e ao dependente de drogas, independentemente de
quaisquer condições, observados os direitos fundamentais da pessoa
humana, os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde e da Política
Nacional de Assistência Social;
II - a adoção de estratégias diferenciadas de atenção e reinserção social do
usuário e do dependente de drogas e respectivos familiares que considerem
as suas peculiaridades socioculturais;
III - definição de projeto terapêutico individualizado, orientado para a
inclusão social e para a redução de riscos e de danos sociais e à saúde;
IV - atenção ao usuário ou dependente de drogas e aos respectivos
familiares, sempre que possível, de forma multidisciplinar e por equipes
multiprofissionais [...] (BRASIL, 2006).
31
A decisão de legislar a respeito da reinserção social desse usuário e/ou
dependente e seus familiares é, sem dúvida, um avanço. Porém, essas atividades
ainda não foram implementadas a contento nos municípios brasileiros.
Em 22 de maio de 2007, por meio do Decreto-Lei nº 6.117, o Governo Federal
aprovou a Política Nacional sobre o Álcool. Esta Política contém princípios
fundamentais à sustentação de estratégias para o enfrentamento coletivo dos
problemas relacionados ao consumo de álcool, contemplando a intersetorialidade e
a integralidade de ações para a redução dos danos sociais, à saúde e à vida,
causados pelo consumo desta substância, bem como as situações de violência e
criminalidade associadas ao uso prejudicial de bebidas alcoólicas na população
brasileira.
A Lei Federal nº 11.705, de 19 de julho de 2008, a qual alterou a também Lei
Federal nº 9.503/97 que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, foi sancionada pelo
Presidente Lula, e trouxe uma nova realidade para o trânsito brasileiro. A chamada
lei Seca5 proíbe o consumo de bebida alcoólica superior à quantidade de 0,1 mg de
álcool por litro de ar expelido pelos pulmões no exame de bafômetro, ou 2 dg de
álcool por litro de sangue por condutores de veículos, bem como a vedação de
comercialização de bebidas alcoólicas no domínio de Rodovias Federais ou em
terrenos com acesso direto à rodovia.
Tanto a proibição de venda de bebidas alcoólicas como a restrição de
consumo de álcool é punível, sendo a única solução apresentada pelo Estado para o
problema no trânsito, tendo em vista que a prevenção, conscientização e a
fiscalização mostraram poucos resultados.
O objetivo da chamada “Lei Seca” é reduzir os índices de acidentes de
trânsito com feridos e mortes, que tem se revelado questão de segurança e de
saúde pública, por isso a adoção da lei que endurece as consequências contra os
condutores infratores que insistem em dirigir sob a influência de álcool.
5
Nome popularmente dado à Lei 11.705/2008, que faz uma alusão à Lei Seca dos Estados Unidos
que entrou em vigor em 1920, porém a lei americana proibia a fabricação, o comércio, o transporte, a
importação e a exportação de bebidas alcoólicas, enquanto a lei brasileira atua na perspectiva de
conscientizar a população para se beber não dirigir.
FONTE: http://www.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/lei-seca.htm.
32
Segundo o Ministério da Saúde (2009), o Brasil é um dos países com maior
índice de mortes no trânsito. Morrem 40 mil pessoas anualmente no país. A violência
no trânsito é a segunda maior causa de mortes por fatores externos, perdendo
apenas para o homicídio. A utilização de bebidas alcoólicas é responsável por 30%
dos acidentes de trânsito. E metade das mortes está relacionada ao uso do álcool
por motoristas.
De acordo com o Portal da Saúde (2012)6, em Pernambuco, a Operação Lei
Seca contabiliza até março deste ano resultados muito positivos em sua missão
mais importante: conscientizar condutores de carros e motos para a necessidade de
cumprir a legislação. Houve uma redução de 21% de pacientes vítimas de acidentes
de carros e de 16,7% de acidentados com motos.
Ainda segundo o mesmo portal, desde março de 2009, 63.796 motoristas
foram flagrados dirigindo embriagados no Rio, o que representa 8,4% do total de
condutores abordados: 759.451. No início da operação, esse número chegava a
30%. “Isso comprova que a Lei Seca vem cumprindo o seu papel, mudando hábitos
e salvando vidas” afirmou o Major Andrade, coordenador da Operação Lei Seca do
Governo do Estado do Rio. Destacou, também, que quase todas as capitais
brasileiras tiveram redução nas mortes de trânsito causadas pelo álcool: 6,2% em
média. Em locais onde há mais rigor na fiscalização, como o Rio de Janeiro, esse
número chega a 32%.
Porém, hoje nem todas as localidades têm motivos para comemorar os quatro
anos da prática da Lei Seca. Um levantamento feito pelo Correio Brasiliense em
cinco capitais brasileiras mostra que o Distrito Federal responde pela maior
proporção de motoristas flagrados embriagados. No ano passado, cerca de 70
condutores a cada 10 mil dirigiam sob influência de bebida alcoólica, enquanto no
Rio de Janeiro, o índice é de 35 pessoas para cada 10 mil.
Além da capital federal, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Mato Grosso do
Sul, Paraná, Roraima, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins não
adotaram nenhum programa específico de fiscalização da Lei Seca.
6
FONTE: http:// www.saude.gov.br.
33
De acordo com dados da Polícia Rodoviária Federal, quase metade das
pessoas autuadas em 2011 negou-se a fazer o teste do bafômetro, com o intuito de
evitar o enquadramento no crime. Sem a obrigatoriedade de se submeter ao
bafômetro, esse comportamento vem se tornando recorrente. Em 2009, 17,33% dos
motoristas com sinal de embriaguez se recusaram contra 41,52% em 2011.
O avanço da criminalidade e as complexas relações entre drogas e violência,
principalmente o crack, tem exigido respostas mais eficazes do governo e da
sociedade. Na busca de soluções concretas, capazes de reverter os desafios e
efeitos perversos que os problemas associados ao crack vêm impondo a todo país,
o Governo Federal lançou, em 20 de maio de 2010, o Decreto Presidencial nº 7.179,
que instituiu o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas.
O Plano tem por objetivo desenvolver um conjunto integrado de ações
federais de prevenção, tratamento e reinserção social de usuários de crack e outras
drogas, bem como, enfrentar o tráfico em parceria com estados, Distrito Federal,
municípios e sociedade civil, tendo em vista a redução da criminalidade associada
ao consumo dessas substâncias junto à população.
1.4 Dependência Química: conceito e abordagens
Segundo a OMS, apesar de existir uma enorme variedade de explicações
teóricas para as causas da dependência de álcool e outras drogas, há um conceito
unânime: dependência é uma relação alterada entre um indivíduo e seu modo de
consumir uma substância. Essa relação alterada é capaz de trazer problemas para o
usuário. Muitos indivíduos, porém, não apresentam problemas relacionados ao seu
consumo. Outros apresentam problemas, mas não podem ser considerados
dependentes. Por último, mesmo entre os dependentes, há diferentes níveis de
gravidade.
Desse modo, por exemplo, há indivíduos que bebem eventualmente, mas são
incapazes de controlar ou adequar seu modo de consumo. Isso pode levar a
problemas sociais (brigas, faltas no emprego), físicos (acidentes) e psicológicos
(agressividade). Diz-se que tais indivíduos fazem um uso nocivo do álcool. Por fim,
34
quando o consumo se mostra compulsivo e destinado a evitar sintomas de
abstinência e cuja intensidade é capaz de ocasionar problemas sociais, físicos e/ou
psicológicos, fala-se em dependência.
Ainda de acordo com a OMS, uso nocivo é um padrão de uso de substâncias
psicoativas que está causando dano à saúde, podendo ser esse de natureza física
ou mental. Já a dependência possui sinais e sintomas específicos. De modo geral,
há alguma perda do controle sobre o uso, associado com sintomas de abstinência e
tolerância. Para evitar o surgimento de tais sintomas, os usuários passam a
consumir a substância constantemente e a privilegiar o consumo a outras coisas que
antes valorizava.
Segundo a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento
apontada na Classificação Internacional de Doenças (CID-10), uma característica
descritiva central da síndrome de dependência é o desejo frequentemente forte,
algumas vezes irresistível de consumir drogas psicoativas, as quais podem ou não
ter sido medicamentos prescritos, álcool ou tabaco.
A Organização Mundial de Saúde afirma que se trata de um estado psíquico e
às vezes físico resultante da interação entre um organismo vivo e uma substância. É
caracterizado por modificações de comportamento e outras reações que sempre
incluem um impulso a utilizar a substância de modo contínuo ou periódico, com a
finalidade de experimentar seus efeitos psíquicos e, algumas vezes, de evitar o
desconforto da privação. A tolerância pode estar presente ou não.
Ainda, segundo a CID-10, um diagnóstico de dependência química é
confirmado quando, pelo menos, três dos comportamentos abaixo estão presentes:
• Forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância;
• Dificuldade em controlar o comportamento de consumir a substância em termos
de seu início, término ou níveis de consumo;
• Uma síndrome de abstinência quando o uso da substância cessou ou foi
reduzido;
35
• Evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes são requeridas para
alcançar efeitos originais;
• Abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor do uso
de substâncias psicoativas;
• Persistência no uso da substância, a despeito de evidência clara de
consequências manifestamente nocivas.
A dependência química é uma doença crônica que atinge as pessoas
indiscriminadamente, de tal forma que, uma vez instalada, pode provocar destruição
em todas as áreas do ser: física, mental, espiritual, social, familiar e profissional. É
caracterizada por comportamentos impulsivos e recorrentes de utilização de uma
determinada substância para obter a sensação de bem estar e de prazer, aliviando
sensações desconfortáveis como ansiedade, tensões, medos, entre outras. É a
perda do controle sobre o uso da droga em razão da necessidade psicológica e/ou
física da mesma.
A OMS reconhece a dependência de drogas como uma doença porque há
alteração da estrutura e do funcionamento normal do organismo da pessoa, sendolhe prejudicial. Não tem causa única, mas é produto de uma série de fatores (físicos,
emocionais, psíquicos e sociais) que atuam ao mesmo tempo, sendo que às vezes,
uns são mais predominantes naquela pessoa específica do que em outras.
Atualmente é reconhecida como uma das expressões da questão social brasileira, à
medida que atinge todas as classes sociais.
As propostas e formas de atendimento terapêutico variam de acordo com a
visão de mundo e perspectiva política, ideológica e religiosa dos diferentes grupos e
instituições, governamentais e não governamentais atuantes nesta área. Da
abstinência total à redução de danos, do internamento ao atendimento ambulatorial,
dos grupos de ajuda ao tratamento medicamentoso, de programas governamentais
às comunidades terapêuticas. Para o usuário de substâncias psicoativas que deseja
ou necessita de tratamento tem uma variedade de alternativas, porém poderá
encontrar algumas dificuldades no que se refere ao acesso, pois o Estado não
contempla todas essas modalidades, ele prioriza o atendimento ambulatorial, o
36
número de leitos em hospitais públicos é bastante reduzido, as clínicas particulares
tem um custo muito alto, principalmente para aqueles usuários de baixa renda.
Variam, também, de acordo com as Políticas Públicas envolvidas. A
repressão ao tráfico, por exemplo, é um trabalho exclusivo e restrito à área de
Segurança Pública. Por outro lado, a prevenção e o tratamento ao uso e abuso de
substâncias psicoativas, bem como a reinserção sócio familiar, são ações afetas à
política da Saúde, mas também à política de Educação, principalmente na esfera da
prevenção e da Assistência Social, quando se trata do atendimento aos usuários
desta política, prioritariamente atendidos pelas Comunidades Terapêuticas. Está
envolvida também, em um trabalho intersetorial, a política de Previdência Social, na
concessão do auxílio doença, as políticas de Cultura, Lazer, Esportes etc.
Ao nos reportarmos à Política Nacional de Saúde Mental, esse atendimento é
organizado através das seguintes modalidades: Aberto, Semiaberto e Fechado.
(COSTA, 2006)
Em sistema “Aberto” o atendimento pode ser realizado em diversas
instituições, tanto público quanto privado, tais como as UBS (Unidade Básica de
Saúde), ambulatório de saúde mental ou outras instituições que ofereçam
tratamento com as características desta modalidade. É um serviço prestado a
pessoas com pouco comprometimento com Substâncias Psicoativas (SPA) e muita
motivação para deixar de usá-las.
No atendimento “Semiaberto”, o tratamento é realizado nos CAPS/ad (Centro
de Atenção Psicossocial álcool e drogas) e hospital/dia. É um serviço de maior
complexidade, sendo intermediário entre as modalidades “aberto” e “fechado”. Este
é um atendimento indicado para pessoas muito dependentes, porém, motivadas
para o tratamento.
Como regime “Fechado” e também ocupando o topo da pirâmide, está a
atenção de maior complexidade, cujos sujeitos atendidos são aqueles com um
comprometimento maior com SPA e normalmente pouco motivados para o
tratamento. Nesta modalidade estão às clínicas e hospitais psiquiátricos e os
hospitais gerais.
37
Essas internações ocorrem de acordo com a portaria nº. 224 de 29/01/92 da
Secretaria de Assistência à Saúde, com modelo de longa e curta permanência (30 a
45 dias como referencial) com o objetivo de desintoxicação e encaminhamento para
Ambulatório de Referência. Percebemos que as comunidades terapêuticas não são
contadas como possibilidades de internamento, dentro da estrutura de atendimento
da rede pública de saúde.
O Ministério da Saúde, através do seu site7, afirma que
Em decorrência da reforma psiquiátrica, vem definindo estratégias que
visam ao fortalecimento da rede de assistência aos usuários de álcool e
outras drogas, com ênfase na reabilitação e reinserção social dos mesmos.
A assistência ao usuário de substâncias psicoativas no âmbito do Sistema
Único de Saúde - SUS - é realizada por meio da rede psiquiátrica existente.
Um importante número de internações destes usuários é efetuado com o
intuito de desintoxicar pessoas dependentes das drogas. Para reverter esse
quadro o Ministério da Saúde, desde 1990, está definindo como diretriz
básica de suas ações, a reestruturação da atenção psiquiátrica no Brasil, na
qual a atenção às dependências químicas está inserida. Tem como
premissa fundamental a ampliação da rede ambulatorial e o fortalecimento
de iniciativas municipais e estaduais que propiciem a criação de
equipamentos intensivos e intermediários entre o tratamento ambulatorial e
a internação hospitalar, com ênfase nas ações de reabilitação psicossocial
dos pacientes. Em decorrência desse processo, o número de hospitais
psiquiátricos no país reduziu de 313, em 1991, para 260, em 2001,
enquanto o número de leitos especializados caiu de 86 mil para 62 mil, no
mesmo período. Paralelamente a este fator, dos 03 Centros de Atenção
Psicossocial/CAPS e Núcleos de Atenção Psicossocial/NAPS existentes,
passamos para 266 em 2001, destes, estimamos que 10% sejam
específicos para dependentes químicos.
Até 2004 haviam sido implantados 63 CAPS/ad em todo o território nacional
(Ministério da Saúde. Política de Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras
Drogas, p. 32, 2004), numa explícita opção da política pública na área da saúde em
trabalhar na perspectiva da redução de danos e não do internamento, fazendo clara
alusão ao desestímulo do internamento psiquiátrico, mas não se referindo à opção
de internamento em comunidades terapêuticas, mesmo entendendo a diferença
entre as duas modalidades de atendimento.
7
FONTE: www.saude.gov.br.
38
1.5 Contextualização das Comunidades Terapêuticas
Segundo Fracasso (2009), em 1860 foi fundado na Inglaterra uma
organização religiosa chamada Oxford. Esta organização era uma crítica à Igreja
inglesa e seu objetivo era o renascimento espiritual da humanidade. Originalmente
chamada Associação Cristã do I Século, acabou mudando de nome em 1900 para
Moral Rearmement. Este grupo, conhecido como Grupo de Oxford, buscava um
estilo de vida mais fiel aos ideais cristãos: se encontravam várias vezes por semana
para ler e comentar a Bíblia e se comprometiam reciprocamente a serem honestos.
Após 10 anos, constataram que 25% dos seus participantes eram alcoolistas em
recuperação.
De acordo com a mesma autora, nos Estados Unidos, participantes desse
grupo se reuniam para partilhar o empenho e o esforço que faziam para permanecer
sóbrios; desta maneira nasceu o primeiro grupo de Alcoólicos Anônimos (AA) fundado em Akron/Ohio, pelo cirurgião Bob e o Corretor de New York Bill, em 1935;
que com o passar dos anos se tornou o maior grupo de Autoajuda do mundo. Os AA
além do afeto e acolhimento demonstram, a cada momento, muita disponibilidade
em relação aos membros do grupo, em casos de necessidades.
No dia 18 de setembro de 1958, Chuck Dederich e um pequeno grupo de
alcoolistas em recuperação decidiram viver juntos para, além de ficar em
abstinência, buscarem um estilo alternativo de vida. Fundou em Santa Mônica, na
Califórnia, a primeira Comunidade Terapêutica (CT) que se chamou Synanon.
Adotando um sistema de relacionamento direcionado em uma atmosfera quase
carismática, o que para o grupo foi muito terapêutico.
A aplicação do conceito de ajuda às pessoas em dificuldades, feita pelos
próprios pares, é a base das relações vividas na Synanon, posteriormente em
Daytop, onde cada pessoa se interessa e se sente responsável pelas outras. Desde
o início acolheram alguns jovens que estavam tentando ficar em abstinência de
outras drogas e em decorrência disto a Comunidade Terapêutica que teve seu início
com uma CT para alcoolistas, abriu suas portas para jovens que usavam outras
substâncias psicoativas. Conforme Fracasso (2009), “esse tipo de alternativa
terapêutica se consolidou e deu origem a outras CT’s que, conservando os conceitos
39
básicos, aperfeiçoaram o modelo proposto pela Synanon”. (FRACASSO, 2009,
p.273)
Com a multiplicação das iniciativas desse tipo de abordagem terapêutica na
América do Norte, a experiência atravessou o oceano atlântico e deu início a
programas terapêuticos no norte da Europa, principalmente na Inglaterra, Holanda,
Bélgica, Suécia e Alemanha.
Ainda de acordo com Fracasso (2009), em 1968 na cidade de Goiânia nasce
no Brasil a primeira Comunidade Terapêutica denominada Desafio Jovem, oriunda
de um movimento religioso coordenado pelo Pastor Edmundo, assim como em
Oxford. Em 1978 na cidade de Campinas, foi fundada a Comunidade Terapêutica
Senhor Jesus, oriunda de um movimento religioso coordenado pelo Padre Haroldo
Rham, missionário americano. No início de 1979, a experiência chegou à Itália, onde
se fundou uma Escola de Formação para educadores de CT’s. Os educadores que
passaram por essa formação deram um novo impulso na Espanha, América Latina,
Ásia e África.
Para a autora, as comunidades terapêuticas, aqui entendidas como
instituições de atendimento aos dependentes químicos, não governamentais, em
ambiente não hospitalar, com orientação técnica e profissional, onde o principal
instrumento terapêutico é a convivência entre os residentes, surgiram no cenário
brasileiro, há mais de quarenta anos, antes mesmo de existir qualquer Política
Pública de atenção à dependência química no país. Elas cresceram, multiplicaramse e ocuparam espaços na medida em que inexistiram programas e projetos de
caráter público que oferecessem alternativas para o atendimento às pessoas
dependentes de substâncias psicoativas, desejosas de tratamento.
Segundo
Costa
(2006)
“Comunidade
Terapêutica”
tornou-se
uma
nomenclatura oficial a partir da Resolução nº 101 da ANVISA, de 30 de maio de
2001. Essa terminologia aparece no título da Resolução “que estabelece regras para
as clínicas e comunidades terapêuticas”. A referida legislação foi revogada, em
2011, pela Resolução nº 29 que em seu artigo 1º define o que entende por
comunidade terapêutica: “serviços de atenção a pessoas com transtornos
decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas (SPA), em
40
regime de residência” (BRASIL, 2011). Isto é, reconhece a existência e o trabalho
destas instituições e estabelece um modelo básico para o seu funcionamento: o
psicossocial, na intenção de garantir o caráter terapêutico de suas ações.
Utiliza-se de conhecimentos, instrumentos e técnicas científicas, na área da
saúde mental, social e física, para o atendimento ao usuário de SPA que busca
ajuda para o tratamento. Este, portanto, se concentra no fortalecimento físico,
psíquico e espiritual, para que o usuário se mantenha abstêmio pelo maior tempo
possível. Esse é o quadro que prevalece nos atendimentos prestados pelas
comunidades terapêuticas.
Essas instituições se proliferaram pelo Brasil e cresceram baseadas no
serviço voluntário, na prática assistencialista e no ensino religioso. Alcançaram
resultados, enquanto as políticas públicas passavam ao largo da questão da
dependência química, pois esta era um “caso de polícia” e não de “política de saúde
pública”. O usuário da CT passou a ser considerado em sua dimensão integral e não
dissociado do seu contexto social e familiar.
Conforme Serrat (2009) “o aumento significativo de CT é uma resposta à
evolução do consumo de drogas ilícitas por parte dos jovens”. (SERRAT, 2009,
p.360). Ainda, segundo o mesmo autor, quando os princípios de recuperação,
resgate da cidadania, reabilitação física e psicológica e de reinserção social são
corretamente aplicados, os tratamentos apresentam resultados positivos, sendo o
objetivo agir nos fatores psicossociais do indivíduo, ficando o tratamento
medicamentoso por conta de outros órgãos, como hospitais e clínicas.
Toda estrutura e organização de uma CT devem levar o residente a interagir
com o tratamento, havendo um trabalho conjunto da equipe e dele mesmo. Segundo
Fracasso (2009),
O objetivo da Comunidade Terapêutica é o crescimento das pessoas
através de um processo individual e social; o papel da equipe é ajudar o
individuo a desenvolver seu potencial. A Comunidade Terapêutica é um
grupo de autoajuda permanente, portanto, devem-se considerar tudo que
possibilita um ambiente terapêutico e educativo. (FRACASSO, 2009, p.281).
Essa mudança de estilo de vida proposta pelas CT’s pressupõe mudanças de
valores, atitudes e hábitos que favoreçam a possibilidade de novos relacionamentos,
inclusive familiares e em sociedade. Não tem como objetivo só o tratamento sobre a
41
abstinência total de droga, mas também o processo de reinserção do individuo na
sociedade.
Por isso, o tratamento desenvolvido nas CT’s é estendido à família do
dependente químico. A presença da família permeia todo o processo de tratamento
e está presente de forma muito significativa quando o interno parte para a etapa da
reinserção social. A primeira fase dessa nova etapa, sem dúvida, é o retorno ao
meio familiar. A forma como ele é recebido e como as relações se restabelecem
(entre ele e seus familiares) são de fundamental importância para a sua segurança
emocional e social, propiciando-lhe condições propícias para manter-se abstêmio.
A família de um dependente químico pode vir a ser considerada codependente. Nas palavras de Sanda (2009), “o co-dependente deixa de viver sua
própria vida e passa a viver na dependência dos acontecimentos que ocorrem na
vida do dependente químico, ele nunca sabe o que esperar, constantemente é
bombardeado com problemas, perdas e mudanças”. (SANDA, 2009, p. 246).
O autor classifica a co-dependência em cinco fases: negação; depressão;
negociação ou barganha; raiva e aceitação, que serão explicadas mais à frente.
Por isso a importância de incluir a família no tratamento, pois ela precisa
refletir sobre a qualidade da relação familiar, para quando o dependente químico
voltar ao convívio familiar, não se deparar com os mesmos comportamentos
negativos, que talvez o levasse a usar drogas.
Apesar das drogas serem tão antigas quanto à história da humanidade,
atualmente, a magnitude e a expansão da utilização de drogas ilícitas, nos faz
perceber que é uma demanda urgente para o assistente social; por isso é importante
que o profissional tenha conhecimento a respeito das drogas como um fenômeno
mundial que acarreta diversas consequências sociais, psicológicas, econômicas,
políticas e culturais.
Mesmo investigando a dependência química, nosso foco é a prática
profissional inserida nesse contexto, e para o desenvolvimento desse estudo faz-se
necessário um direcionamento investigativo, assim destacaremos a seguir as
concepções de prática profissional, permeada de contradições e conflitos.
42
CAPÍTULO 2
A PRÁTICA PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL
2.1 O Serviço Social como trabalho
O trabalho é um componente essencial do homem. Representa a atividade
que medeia o gênero humano com a natureza, independentemente da época ou do
tipo de sociedade o trabalho será um componente indispensável à vida humana.
Marx (2008), afirma que o trabalho é nada mais que “necessidade natural e
eterna de efetivar o intercâmbio material entre o homem e a natureza, e, portanto, de
manter a vida humana”. (MARX, 2008, p.50). A categoria trabalho, uma vez
compreendida na sua historicidade material e dialética, permite alcançar uma
definição de homem como ente que, para ser, necessita produzir os seus próprios
meios de subsistência material e simbólica.
Marx compreende o trabalho, consequentemente, desvelando a relação
homem-natureza.
O trabalho é, em primeiro lugar, um processo de que participam igualmente
o homem e a natureza, e no qual o homem espontaneamente inicia, regula
e controla as relações materiais entre si próprios e a natureza. [...] atuando
assim sobre o mundo exterior e modificando-o, ao mesmo tempo ele
modifica a sua própria natureza. Ele desenvolve seus poderes inativos e
compele-os a agir em obediência à sua própria autoridade. [...]
Pressupomos o trabalho em uma forma que caracteriza como
exclusivamente humano (Marx, 2008, p. 197-198).
O trabalho assume uma centralidade fundante do ser social e no conjunto de
atividades intelectuais e manuais organizadas pela espécie humana e aplicadas
sobre a natureza, visando assegurar sua existência.
Para Marx (2008), os homens, ao existirem, devem ser capazes de se
reproduzirem enquanto seres humanos; forma específica dessa reprodução é dada
por uma peculiar relação dos seres humanos com a natureza através do trabalho. A
categoria do trabalho emerge, desta forma, como categoria central do ser social.
43
O que Marx nos diz relaciona-se com o sentido mesmo do humano como ser
social, que transforma a natureza, e a partir desta transformação desenvolve um
processo de aprendizagem de seus limites e suas potencialidades enquanto ser.
Caso não seja assim, o ser humano não existe enquanto ser social, diferente dos
demais seres.
O conceito do trabalho em Marx não se limita ao conceito econômico
cotidiano do trabalho como meramente ocupação ou tarefa, e sim como categoria
central nas relações sociais, nas relações dos homens com a natureza e com os
outros homens, porque esta é sua atividade vital.
Conforme sustenta Lukács (apud ANTUNES, 1999), o que distingue o
trabalho de todas as demais atividades humanas é a sua função social.
Desta forma, é a partir do trabalho que o ser humano, ser social, se diferencia
de outras formas pré-humanas na história. Somos dotados de consciência, temos a
possibilidade de planejar antes de dar forma ao objeto. Esta é a razão de o trabalho
ser a categoria ontológica central para o mundo dos seres humanos, tanto em Marx
quanto em Lukács, pois sem a transformação da natureza não há qualquer
reprodução social.
O trabalho é, portanto, resultado de um pôr teleológico que (previamente) o
ser social tem ideado em sua consciência, fenômeno esse que não está
essencialmente presente no ser biológico dos animais.
Em Marx o trabalho não é entendido como uma das diversas formas
fenomênicas da teleologia em geral, mas como único ponto onde a posição
teleológica pode ser ontologicamente demonstrada como um momento efetivo da
realidade material.
Marx verifica que em sua contemporaneidade, o trabalho assumiu
características diferentes das anteriormente pensadas: os homens que produzem
seus bens materiais, alguns indispensáveis a sua própria existência, não se realizam
como seres humanos em suas atividades.
Ocorre que, na sociedade capitalista, o trabalho é explorado definindo, assim,
um processo de alienação. Se o trabalho, como atividade essencial e vital traz a
44
possibilidade de realização plena do homem enquanto tal, a exploração do trabalho
determina um processo inverso, de alienação. Sob a exploração do trabalho, os
homens tornam-se menos homens, há uma quebra na possibilidade de pelo trabalho
promover a humanização dos homens.
Nesse sentido, Marx (2008) fala sobre a práxis humana afirmando que “toda
vida social é essencialmente prática” (MARX, 2008, p.29). Portanto, a Práxis é o
todo que interconecta os fundamentos teóricos, filosóficos, metodológicos,
ideológicos, históricos de uma decisão. Compreende todo o contexto que envolve a
prática profissional.
Partindo do conceito de que Prática Profissional significa as concepções
teórico-metodológicas
que
caracterizam
a
profissão,
à
práxis
caberá
a
contextualização, em campo, dessas concepções que são a Prática Profissional.
A Prática Profissional consiste, então, numa pequena parcela do todo
formado pela práxis: que inclui a parte teórica que antecede o agir propriamente dito,
e o agir desenvolvido mediante uma teoria que inspira uma reflexão, chamado de
prática.
Nesse grande todo se encontra a prática profissional do Serviço Social: um
resultado prático, ativo, de um longo processo reflexivo e construtor, que se interrelaciona aos contextos históricos e às decisões éticas praticadas em campo.
O Serviço Social, enquanto prática profissional não é somente a aplicação de
uma teoria, mas a reflexão em torno de uma categorização teórica e sua qualificação
enquanto ação emancipadora do indivíduo atendido, e enquanto prática garantidora
de direitos.
Faleiros (2008) afirma que a “prática é particular, ela é específica, ela implica
sujeitos com múltiplas determinações no todo” (FALEIROS, 2008, p.89). A prática
profissional enquanto conceito é imensa, e quase indefinível em sua totalidade.
Como diz Netto (2006), o Serviço Social é uma profissão, e não uma ciência, e
desse modo lhe são privados os benefícios de conceituação ampla e definitiva,
permitida às ciências.
45
Ao se falar em prática profissional, tem-se em mente o que o assistente social
faz, ou seja, o conjunto de atividades que são desempenhadas pelo profissional.
O assistente social, em função de sua qualificação profissional, dispõe de
uma relativa autonomia teórica, técnica e ético-politica na condução de suas
atividades. Todavia essas dependem de meios e recursos para serem efetivadas, os
quais não são propriedades do assistente social, visto que se encontra alienado de
partes dos meios e condições necessárias à efetivação de seu trabalho.
Para Iamamoto (2007), o Serviço Social afirma-se como um tipo de
especialização do trabalho coletivo8, ao se constituir em expressão de necessidades
sociais derivadas da prática histórica das classes sociais no ato de produzir e
reproduzir seus meios de vida e de trabalho.
2.2 Institucionalização do Serviço Social
O Serviço Social, no Brasil, emergiu com o capitalismo monopolista. Sua
origem de influência europeia deu-lhe uma identidade calcada no controle e na
repressão, sendo um instrumento da burguesia. O Serviço Social, constituindo uma
atividade especializada da ação social da Igreja, embasada na sua doutrina, vinha
com um caráter paternalista e assistencial.
[...] o Serviço Social surge da iniciativa de grupos e frações de classes
dominantes, que se expressam através da Igreja, como um dos
desdobramentos do movimento do apostolado leigo. Aparece como uma
das frentes mobilizadas para a formação doutrinária e para um
aprofundamento sobre os “problemas sociais” de militantes, especialmente
femininas, do movimento católico, a partir de um contato direto com o
ambiente operário. [...] (IAMAMOTO, 2007, p. 19).
8
Há uma intensa discussão a respeito de o Serviço Social ser considerado ou não trabalho. De
acordo com Lessa (2000), o Serviço Social não é trabalho “porque não realiza a transformação da
natureza nos bens materiais necessários à reprodução social. Não cumpre a função mediadora entre
os homens e a natureza; pelo contrário, atua nas relações puramente sociais, nas relações entre os
homens” (LESSA, 2000, p. 52). Contrariamente, Marilda Iamamoto (2010) diz que o ato de trabalho
não se reduz a relação homem x natureza, divergindo-se com Lessa. Ela traz para o debate, a
análise do trabalho na sociedade capitalista inserindo o trabalho concreto do assistente social na
divisão sócio técnica do trabalho. Para Iamamoto, na relação capital x trabalho há a materialização
das relações sociais e a personificação das coisas. O capital fetiche intensifica, assim, a exploração
do trabalho e, torna invisível a centralidade do trabalho. Porém, dados os limites dessa pesquisa não
aprofundaremos esse debate.
46
Dessa
forma,
o
Serviço
Social
só
pode
afirmar-se
como
prática
institucionalizada e legitimada na sociedade ao responder às necessidades sociais
derivadas da prática histórica das classes sociais na produção e reprodução dos
meios de vida e de trabalho de forma socialmente determinada. À medida que a
satisfação dessas necessidades se torna mediatizada pelo mercado, isto é, pela
produção, troca e consumo de mercadorias, tem-se uma crescente divisão do
trabalho.
É nesse processo, onde se demanda a presença de um conjunto de
instituições sociais, que cria o espaço ocupacional para o Serviço Social emergir
como profissão, no contexto em que a questão social se põe como alvo da
intervenção do Estado, por meio das políticas sociais públicas. Constitui, também, o
processo de profissionalização do Assistente social, que se torna uma categoria
assalariada. Conforme destaca Iamamoto (2007).
A vinculação institucional altera, ao mesmo tempo, a chamada “clientela” do
Serviço Social: de uma parcela insignificante da população pobre em geral,
atingida pelas ações dispersas das obras sociais, seu pública concentrarse-á, agora, nos grandes setores do proletariado, alvo principal das políticas
públicas assistenciais desenvolvidas pelas instituições. (IAMAMOTO, 2007,
p. 94).
O Serviço Social deixa, assim, de ser um mecanismo de distribuição de
caridade privada das classes dominantes para se transformar em uma das
engrenagens de execução das políticas públicas do Estado e setores empresariais.
O Estado controlava a classe trabalhadora e subordinava os assistentes
sociais exercendo um papel extremamente autoritário e controlador. Passa a tratar a
questão social não somente pela via da coerção, mas sim buscando um consenso
na sociedade. Na visão de Iamamato (2000) são essas as bases históricas da nossa
demanda profissional.
A constituição e institucionalização do Serviço Social como profissão na
sociedade dependem de uma progressiva ação do Estado na regulação da
vida social, quando passa a administrar e gerir o conflito de classe, o que
pressupõe, na sociedade brasileira, a relação capital/ trabalho constituída
por meio do processo de industrialização e urbanização. (IAMAMOTO,
2000, p. 23).
De acordo com SERRA (1986), o Serviço Social, por seu atrelamento ao
Estado e ao poder instituído, é uma profissão constituída como um subpoder
institucional. O profissional é utilizador de um saber reconhecido pela instituição
47
como as políticas, as normas e regras da instituição e que, portanto, pode-lhe ser
retirado se não se submeter aos ditames para sua utilização.
Desta maneira, ele não é dono dos meios para intervir, mas produz
conhecimento científico à medida que, para atuar, necessita pesquisar sobre a
realidade, sua atuação exige uma investigação sobre a prática, portanto, o
assistente social é produtor e detentor de conhecimento e não só executor de um
saber institucional.
As discussões a respeito da prática profissional avançam de acordo com o
momento histórico. Entre os pesquisadores da história do Serviço Social, é
consenso que o processo de Renovação do Serviço Social foi iniciado nos anos
1960, na América Latina, tendo como objetivo romper com o Serviço Social
tradicional mediante uma nova proposta para a categoria profissional.
Com as novas exigências postas aos profissionais daquela época, pelos seus
empregadores, o Serviço Social começa um processo de questionamento da forma
como vinha desenvolvendo sua prática.
Os profissionais começaram a se questionar a respeito da eficácia dos
métodos tradicionais utilizados para atuar na realidade. Dessa forma, iniciaram um
movimento de contestação, chamado Movimento de Reconceituação, que tem início
na década de 1960, e seu refluxo, na década de 1970, devido aos golpes ditatoriais
ocorridos. Segundo Netto (2011), no Brasil, assume três dimensões: a Perspectiva
Modernizadora, a Reatualização do Conservadorismo e a Intenção de Ruptura.
A perspectiva modernizadora orienta a atuação dos assistentes sociais e
fundamenta teoricamente a profissão por meio da vertente teórica Positivista. Dessa
forma, as expressões da questão social são consideradas como questões da
natureza humana e não como problemas gerados por uma sociedade desigual,
classista e excludente.
A reatualização do conservadorismo possui como pano de fundo para o
serviço social a perspectiva teórica da Fenomenologia. Esta busca colocar o
assistente social como um profissional de ajuda psicossocial, sendo sua atuação
48
profissional pautada na situação existencial, problema de cada usuário responsável
pelo próprio lugar que ocupa nessa sociedade.
A Intenção de Ruptura trata do debate a cerca da formação profissional e
atuação dos assistentes sociais com uma bagagem teórica Marxista. Os anos de
1970 e 1980 foram cenários para o fortalecimento de movimentos vinculados à luta
por direitos da classe trabalhadora. Vinculado à grande onda dos movimentos
sociais, o serviço social coloca, para o debate profissional, a importância de uma
teoria que pudesse compreender a dinâmica contraditória da sociedade brasileira.
Em resumo, esse movimento reuniu assistentes sociais com experiências e
aspirações bastante heterogêneas e desencadeou alterações de tamanha
magnitude que influenciam a profissão até a atualidade. A partir desse movimento,
começaram a se fazer presentes discussões e até questionamentos sobre a forma
como a prática era desenvolvida.
Pode-se dizer que a década de 1970, foi marcada pela introdução da
perspectiva marxista9 no contexto do Serviço Social. Como consequência, alguns
profissionais passaram a negar o espaço institucional, alegando ser este um
aparelho ideológico do Estado. Ainda que num primeiro momento do Movimento de
Reconceituação os profissionais tenham se confundido com um viés político
partidário que abandonava o espaço institucional, foi no final dessa década que o
Serviço Social retomou esse espaço como portador de possibilidades e eivado de
contradições a serem exploradas a favor da classe trabalhadora. Assim, os
profissionais partiram do conceito de Estado ampliado, entendendo o espaço
institucional como representante da luta de classes e como espaço contraditório.
A década de 1980 foi um período em que a profissão começou a passar por
algumas alterações que incidiram positivamente na mesma. Após a abertura política,
o Serviço Social realizou alterações em seu currículo e os acadêmicos começaram a
discutir e a construir uma alteração no perfil da profissão.
9
Para Netto (2011), esse momento configurou-se como uma aproximação ao marxismo sem o
recurso ao pensamento de Marx, de forte caráter pragmático e reproduzido em manuais populares e
partidários. Nesse contexto, o tripé que sustenta a teoria marxiana foi simplificado por esquemas de
manuais: a dialética materialista é compreendida como um jogo mecânico e formal entre a tese, a
antítese e a síntese e a categoria da totalidade esvaziada por um tipo de epistemologismo e de
formalismo metodológico. A intenção de ruptura se firmou apenas nos anos de 1990, quando se
passou a ter acesso às fontes originais de Marx e Lucáks.
49
É demandado pelos contratantes dos assistentes sociais, o
desenvolvimento de uma prática voltada para mudanças de hábitos,
atitudes e comportamentos do trabalhador, porém, com a proximidade, a
“absorção” e discussão com as Ciências Sociais e com o marxismo, apesar
dos acadêmicos perceberem e discutirem a importância da prática
profissional, enquanto uma prática dotada de uma dimensão política, seja
para conformação da população atendida ou para iniciar um movimento de
reflexão. A categoria profissional não introjetou essa diretriz no
desenvolvimento de sua prática cotidiana. Essa discussão se desenvolve
prioritariamente na academia e através das revisões curriculares do Serviço
Social vai sendo difundido para os novos profissionais em formação. Apesar
disto, essa “nova prática profissional” não consegue penetrar no campo de
trabalho, tornando-se uma discussão residual. (RODRIGUES, 2006, p.40).
Assim, uma forma de romper com práticas profissionais tradicionais é a
formação de profissionais críticos, com preparo teórico, técnico e político, capazes
de articular as demandas postas, bem como de ser um pesquisador da realidade na
qual atua, com o objetivo de transpor o imediatismo da demanda e criar propostas
de enfrentamento para melhorar a qualidade dos serviços prestados.
É o próprio Estado o grande impulsionador da profissionalização do assistente
social, responsável pela ampliação e constituição de um mercado de trabalho
nacional, cada vez mais amplo e diversificado, acompanhando a direção e os rumos
do desenvolvimento capitalista na sociedade brasileira.
Mesmo o Brasil vivendo o auge do neoliberalismo, a década de 1990
distinguiu-se por várias legislações importantes no país, inclusive para o Serviço
Social, que, de forma efetiva, lutou para sua consolidação: em 1990, Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) e o Sistema Único de Saúde (SUS); em 1993 a Lei
Orgânica da Assistência Social (LOAS); em 1994 a Lei de Política Nacional do
Idoso; em 1996 a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)10, dentre
outras. Essas legislações trouxeram condições objetivas no âmbito dos direitos para
a classe trabalhadora.
10
Desde a edição da LDB de 1996, a educação brasileira sofreu algumas modificações. No que diz
respeito à expansão do atendimento, houve progressos em todos os níveis e modalidades de ensino.
A educação profissional, flexibilizada, teve um percurso mais tortuoso: embora a educação
continuada tenha feito progressos difíceis de mensurar, houve recuo das matrículas no nível técnico.
Houve avanços na cobertura escolar também na educação especial e na indígena, assim como se
ampliaram as oportunidades para os jovens e adultos que não puderam cursar ou concluir, na idade
esperada, o ensino fundamental e médio. As iniciativas de educação à distância, tradicionalmente
restringidas pela legislação, puderam multiplicar-se, com o apoio das novas tecnologias, em especial,
da Internet. Quanto à qualidade do ensino, os limites da LDB são mais evidentes. Porém, apesar de
seus defeitos e limitações, a LDB tem representado um marco de valor para a educação brasileira.
FONTE: http://www.senado.gov.br.
50
No que tange ao Serviço Social, essa década solidificou a profissão, com
projetos relacionados à formação, bem como à categoria profissional.
Foi confirmada nessa década, a nova Lei de Regulamentação da Profissão,
mostrando o direcionamento do Serviço Social, suas competências e suas
atribuições, marcando a identidade profissional, contraposta à identidade que lhe era
atribuída, bem como a recusa à ordem social. Assim, o próprio documento do projeto
de investigação sobre a formação profissional revela que o Serviço Social é situado
como uma
Atividade inscrita na divisão social do trabalho [...] historicamente
determinada pela maneira como se organiza a sociedade e, ao mesmo
tempo, como resultado da atuação da categoria profissional, isto é, dos
posicionamentos e respostas às demandas sociais dos diferentes grupos e
classes sociais. (ABESS, 1984, p.108).
O último e atual Código de Ética foi publicado em 1993 em resposta a
manifestações vindas das universidades e dos amplos espaços de discussão e
representatividade da categoria profissional (encontros regionais e nacionais,
congressos brasileiros, oficinas, etc.), nele constando os princípios e valores que
identificaram o posicionamento da profissão. Nesse código, fica clara a identidade
profissional articulada a um projeto da sociedade justa e democrática.
[...] o novo código de ética (1993) reafirma o projeto profissional
comprometido com as classes trabalhadoras e dá outro tratamento à
dimensão ético-política da profissão: os princípios e valores calcados no
horizonte de um projeto de superação da ordem burguesa. Assim, o código
de ética propõe a ampliação da liberdade, concebido como autonomia,
emancipação e pleno desenvolvimento dos indivíduos sociais; a
consolidação da democracia, enquanto socialização política e da riqueza
socialmente produzida e a defesa da equidade e justiça social enquanto
universalização do acesso a bens e serviços relativos aos programas e
políticas sociais e à sua gestão democrática. (ABESS, 1996, 146-147).
Dessa forma, o Código de Ética está em consonância com o projeto éticopolítico profissional valorizado nessa década de forma intensa, por trazer uma
proposta de “ordem societária”. O projeto ético-político do Serviço Social
materializou-se, e continua nos tempos de hoje, mais expressivamente nesse
período, quando a profissão, revisada em seu código de ética, assumiu um
compromisso com a classe trabalhadora, na busca de um projeto de sociedade
contraposto à sociedade capitalista.
O projeto ético-política profissional expressa a perspectiva hegemônica
impressa no Serviço Social brasileiro. A operacionalização do projeto
51
profissional supõe o reconhecimento das condições sócio históricas que
circunscrevem o trabalho do assistente social na atualidade, estabelecendo
limites e possibilidades (IAMAMATO, 2000, p.23).
Assim, o projeto ético-político do Serviço Social vincula-se a um projeto
societário, que luta por uma sociedade distinta, com componentes coletivos e com
forças diferentes, exigindo da categoria, a partir de uma perspectiva micro e
macrossocial, uma postura, um posicionamento frente à disputa de classe, uma
disputa de concepção, uma disputa política.
2.3 As mudanças no mercado profissional de trabalho e o redimensionamento
da profissão
Entendemos que a prática do Serviço Social se insere em um movimento
contraditório, uma vez que, para oferecer respostas às demandas, sua ação é
determinada tanto pelas condições histórico-conjunturais quanto pelos limites que a
realidade impõe aos profissionais. Compreender esse movimento contraditório “é
condição básica para se apreender o perfil e as possibilidades do Serviço Social
hoje, as novas perspectivas do espaço profissional.” (IAMAMOTO, 2007, p. 103).
O agravamento da questão social, decorrente do processo de reestruturação
produtiva e da adoção do ideário neoliberal, repercute no campo profissional, tanto
nos sujeitos com os quais o Serviço Social trabalha – os usuários dos serviços
sociais públicos – como também no mercado de trabalho dos assistentes sociais
que, como o conjunto dos trabalhadores, sofre o impacto das mudanças que
atingem o exercício profissional, conforme analisa Iamamoto (2000).
Os assistentes sociais funcionários públicos vêm sofrendo os efeitos
deletérios da Reforma do Estado no campo do emprego e da precarização
das relações de trabalho, tais como a redução dos concursos públicos,
demissão dos funcionários não estáveis, contenção salarial, corrida à
aposentadoria, falta de incentivo à carreira, terceirização acompanhada de
contratação precária, temporária, com perda de direitos etc. (IAMAMOTO,
2000, p. 123-124).
Nesse contexto, há uma redução de postos governamentais, principalmente
nos níveis federal e estadual, e a sua transferência para os municípios. Intensificamse os processos de subcontratação de serviços individuais dos assistentes sociais
por parte de empresas de serviços ou de assessoria na prestação de serviços aos
52
governos, acenando para o exercício profissional privado, temporário, por projeto,
por tarefa, em função das novas formas de gestão das políticas sociais.
De acordo com Raichelis (2009), em alguns campos de atuação, como é o
caso da habitação social, entre outros, a terceirização vem se consolidando como
novo modelo de produção e gestão da habitação, no qual o projeto, a obra, a
operação, sua fiscalização e gerenciamento, bem como o trabalho social passam a
ser contratados através de processos licitatórios, sem que, no entanto, a
administração pública consiga manter a regulação e o controle estratégico de todo o
processo.
As consequências da terceirização são profundas, pois desconfigura o
significado e a amplitude do trabalho técnico realizado pelos assistentes sociais e
demais trabalhadores sociais, desloca as relações entre a população, suas formas
de representação e a gestão governamental, pela intermediação de empresas e
organizações contratadas. Além disso, as ações desenvolvidas passam a ser
subordinadas a prazos contratuais e a recursos financeiros destinados para esse
fim, implicando descontinuidades, rompimento de vínculos com usuários e
descrédito da população para com as ações públicas.
Amplia-se cada vez mais a seletividade dos atendimentos. Diante desta
crescente restrição da capacidade de atendimento, o assistente social, por estar em
contato direto com a população usuária na prestação dos serviços, “vê-se
institucionalmente, cada vez mais compelido a exercer a função de um juiz rigoroso
da pobreza, técnica e burocraticamente conduzida, como uma aparente alternativa à
cultura do arbítrio e do favor” (IAMAMOTO, 2000, p. 161).
Segundo Raichelis (2009), embora historicamente os assistentes sociais
tenham se voltado à implementar políticas públicas, como executores terminais das
políticas sociais, esse perfil vem mudando nos últimos anos, pois esse cenário
acarreta novos desafios para a prática profissional, abrindo novas alternativas e
áreas de trabalho profissional.
Os assistentes sociais passam a ser requisitados para atuar também na
formulação e avaliação de políticas, bem como no planejamento e na gestão de
53
programas e projetos sociais, desafiados a exercitarem uma intervenção cada vez
mais crítica e criativa.
De acordo com a autora, os espaços ocupacionais se ampliam também para
atividades relacionadas ao funcionamento e implantação de conselhos de políticas
públicas nas áreas da saúde, assistência social, criança e adolescente, habitação,
entre outros, em programas de capacitação de conselheiros, na elaboração de
planos municipais, no monitoramento e avaliação de programas e projetos, na
coordenação de programas e projetos, no planejamento estratégico do trabalho, etc.
Ainda segundo Raichelis (2009), tais inserções são acompanhadas de novas
exigências de qualificação, tais como: o domínio de conhecimentos para realizar
diagnósticos socioeconômicos de municípios; a competência no gerenciamento e
avaliação de programas e projetos sociais; a capacidade de negociação, o
conhecimento na área de recursos humanos e relações no trabalho, entre outros.
Somam-se possibilidades de trabalho nos níveis de assessoria e consultoria para
profissionais mais experientes e altamente qualificados em determinadas áreas de
especialização. Registram-se, ainda, requisições no campo da pesquisa, de estudos
e planejamento, entre inúmeras outras funções.
2.4 Inserção do Serviço Social na área da dependência química
Diante da realidade em que vivemos hoje, a emergência de espaços
especializados para prevenir e tratar a dependência de substâncias psicoativas criou
uma nova área de intervenção profissional, ocupada por diversos profissionais, entre
os quais o assistente social. “Esses espaços se constituíram uma novidade para o
Serviço Social, pois os profissionais não tinham acúmulo de experiência e
conhecimento de intervenção profissional na questão das drogas”. (OLIVEIRA, 2003,
p.163).
Percebemos que o trabalho com a dependência química poderá estar
presente em todas as áreas de atuação do Serviço Social, devido ser ela uma das
diversas expressões da questão social, por isso é uma das demandas para o
assistente social.
54
O campo de atuação em ambulatórios e clínicas que possuem um trabalho
voltado para o dependente do álcool e outras drogas é relativamente novo para o
Serviço Social. De uma forma geral, o Serviço Social começa a ser requisitado, por
instituições dessa natureza, no Rio de Janeiro, no decorrer da década de 1980.
Porém, segundo Bravo apud Azevedo (2009), a consolidação do Serviço Social no
Brasil, no campo da saúde, acontece a partir da segunda metade dos anos 40, após
a II Guerra Mundial. Com o aprofundamento do capitalismo no país, o Estado
assume a responsabilidade de atender às demandas e exigências no campo da
saúde, assistência, habitação, educação, lazer, entre outras; que são atendidas e
materializadas através das políticas sociais.
As primeiras práticas do Serviço Social em Saúde Mental, conforme descrito
em Bisneto (2005) ocorreu nos Centros de Orientação Infantil e Centros de
Orientação Juvenil (COI/ COJ) em 1946. Esta foi uma importante experiência na
conformação do modelo de “Serviço Social clínico”. Porém, o número de assistentes
sociais permaneceu pequeno e o escopo de atuação era bem distinto do atual,
atendendo à jovens e famílias na prevenção higienista.
Posteriormente, nos anos 1990, esta estrutura assistencial com equipes
multiprofissionais e com visão social foi reaproveitada pelo Movimento de Reforma
Psiquiátrica no Brasil em serviços psiquiátricos alternativos.
Ao Serviço Social cabiam funções como triagem e entrevista com familiares.
Em ambos os trabalhos o papel de mediador do Serviço Social é destacado nas
relações entre instituição e clientela. Além de realizar entrevistas com os usuários e
seus familiares, cabia ao serviço social a elaboração de um histórico da criança e/ou
adolescente na escola, na vida familiar, como também do problema por aquele
apresentado. Tal histórico era chamado pelos assistentes sociais de diagnóstico e
deveria ser apresentado para discussão com os demais profissionais nas reuniões
de equipe.
Nessa mesma época, aumentava a absorção de assistentes sociais na saúde,
sendo que esse fato estava associado ao “novo” conceito de saúde, elaborado pela
OMS em 1948, que previa a saúde como resultado das condições de vida em que os
indivíduos estão inseridos. Esse conceito inovador enfocava os aspectos
55
biopsicossociais e, por isso, foi determinante para a requisição de outros
profissionais para atuar nesse campo.
A partir das análises de Vasconcelos (2010), as práticas do assistente social
no campo da saúde pública e mental são pautadas por uma concepção de “higiene
da alma”, centrada na formação dos pais, educadores, diretores e chefes de toda
ordem.
Conforme Bisneto (2005), em 1973 foi colocado a demanda do Serviço Social
em saúde mental pelo Estado, via MPAS (Ministério da Previdência Social), INAMPS
(Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) e INPS (Instituto
Nacional de Previdência Social), o que forneceu as bases de legitimidade e
consolidação, a partir de demandas concretas no sentido da prestação de benefícios
sociais, cidadania, direitos dos usuários, de reabilitação social.
Apesar de o assistente social já atuar em diversos problemas sociais
provenientes da dependência química, o trabalho específico, nessa área, a partir dos
anos de 1980, se deve a ênfase dada àquela problemática, quando dois fatores se
conjugam: primeiro, a necessidade de criação de instituições para atendimento ao
dependente químico; e segundo, a expansão do tráfico de drogas nos centros
urbanos.
De acordo com Rodrigues (2006), como o poder público se volta,
principalmente, para a repressão da oferta de substâncias ilícitas, o vácuo existente,
na questão do tratamento, é preenchido pelas instituições filantrópicas, as quais,
numa iniciativa pioneira, começam a contratar assistentes sociais, para atuar
especificamente nessa área, inaugurando uma nova demanda institucional para a
profissão.
É fato que a dependência química é um dos mais graves problemas de saúde
pública da atualidade e são válidos todos os esforços que se somem no sentido de
amenizar os danos por ela causados. É fato também, que o assistente social tem
conquistado um papel fundamental no processo tanto de prevenção como de
recuperação dos usuários de álcool e/ou drogas. O Serviço Social faz parte da base
do processo de recuperação do dependente químico, tendo em vista que é o
assistente social o responsável por grande parte dos trabalhos desenvolvidos com
56
os pacientes e seus familiares, envolvendo-se não só no tratamento durante a
internação, mas também em projetos de prevenção, recuperação e manutenção da
abstinência e reinserção social.
De acordo com Kawall (2003), a especialidade do trabalho do assistente
social com o dependente químico é promover a boa convivência do mesmo com a
comunidade, levando-o a estabelecer a melhor relação possível com todos aqueles
que com ele convive, bem como com o seu meio ambiente. A habilidade especial do
assistente social nesta área é estudar o conjunto de relacionamentos que constituem
a vida de uma pessoa e construir junto com ela, elementos que levem a uma vida
mais saudável.
Apesar da restrita bibliografia sobre a atuação do Serviço Social no âmbito da
Saúde Mental, as clínicas e instituições que tratam de dependência química já
trabalham há muito tempo neste movimento interdisciplinar, ou seja, integrando seus
usuários, a família e a comunidade. O próprio assistente social é visto, a partir da
década de 1990, também como um profissional da saúde, "com procedimentos
específicos de atuação reconhecidos na Tabela Descritiva de Procedimentos
Sid/SUS em vigor desde 1992." (VASCONCELOS, 2010, p. 137).
O assistente social ainda está encontrando seu espaço e definindo seu papel
na área de álcool e outras drogas, e, para isso, depende das relações institucionais;
com isso, em alguns momentos, existe um avanço e, em outros, um retrocesso.
Ainda segundo Kawall (2003), fatores importantes que, talvez, contribuam
para as dificuldades relativas à prática profissional, é a falta de estrutura e condições
de trabalho bem como o baixo prestígio junto às coordenações e aos demais
colegas da área da saúde.
Voltando nossa análise para os problemas decorrentes da utilização e da
dependência de drogas, percebemos que, via de regra, o problema das drogas (e
seus desdobramentos e implicações) vai chegar às mãos do assistente social, uma
vez que as drogas podem provocar consequências negativas, em todos os âmbitos
da vida da pessoa. Dessa forma, o assistente social se depara com os mais variados
tipos de problemas: conflitos familiares, violência doméstica, desemprego, mau
57
desempenho ou abandono escolar, criminalidade, grande demanda por tratamento,
entre outros.
De acordo com dados do II Levantamento Domiciliar sobre Drogas
Psicotrópicas em nossa sociedade, realizado pelo CEBRID (Centro Brasileiro de
Informações sobre Drogas) em 2005 nas 198 maiores cidades do país, 12,3% dos
brasileiros com idade entre 12 e 65 anos se declaram dependentes de bebidas
alcoólicas. O álcool e tabaco são as drogas mais consumidas pela população
brasileira – uso na vida, 68,7% de álcool e 41,1% o tabaco. A pesquisa revela ainda
que, em 2001, 19,4% dos entrevistados já haviam usado algum tipo de droga e, em
2005, esse número subiu para 22,8%, o que corresponde a uma população
estimada de aproximadamente 11.603.000 pessoas, excluindo o álcool e o tabaco.
Em relação aos dados sobre a prevalência do uso na vida de qualquer droga
psicotrópica, houve bastante variação nas cinco regiões brasileiras. O nordeste é a
região onde quase um terço (27,6%) dos moradores, das 22 cidades mais populosas
da região, já fizeram uso na vida de drogas, exceto tabaco e álcool.
Por isso, é muito importante que o assistente social tenha conhecimento a
respeito das drogas como um fenômeno mundial que pode acarretar diversas
consequências sociais, psicológicas, econômicas, políticas e culturais.
Pensando nessas questões, através do olhar do Serviço Social, torna-se
muito relevante analisarmos quem são os assistentes sociais que lidam com essa
situação e qual é a prática desenvolvida no âmbito dessa área tão complexa.
58
CAPÍTULO 3
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL EM COMUNIDADES
TERAPÊUTICAS
3.1 Levantamento das instituições e escolha do universo da pesquisa
A proposta desse capítulo é abordar a atuação dos Assistentes Sociais que
trabalham em Comunidades Terapêuticas localizadas em Fortaleza e na região
metropolitana, segundo informações obtidas em entrevistas realizadas com quatro
profissionais de Serviço Social que trabalham junto aos dependentes de álcool e
outras drogas.
Para alcançarmos os objetivos traçados, a pesquisa realizada foi de natureza
qualitativa, pois como afirma Minayo (1994), ela contempla os sujeitos envolvidos no
processo, se caracteriza por ser uma abordagem que procura descrever e analisar a
cultura e o comportamento das pessoas.
Nossa
pesquisa
foi
realizada
em quatro
instituições
que
atendem
dependentes químicos e possuem Assistente Social em seu quadro de funcionários,
três instituições privadas e uma de natureza filantrópica, sendo que uma das
privadas mantém parceria com o Governo do Estado. Uma vez que não dispomos
de muitas instituições com esse perfil e garantindo o sigilo na pesquisa, que é papel
do Assistente Social, manteremos, na análise de nossos dados, o anonimato dos
entrevistados que, vendo a relevância do nosso estudo, concederam as entrevistas
para que pudéssemos desenvolver a pesquisa.
Baseado no guia Drogas: onde buscar ajuda (2010), organizado pela
Assembleia Legislativa do estado do Ceará, que traz dados de vários serviços
disponíveis no estado para o atendimento à dependência química, fizemos um
levantamento de 30 (trinta) Comunidades Terapêuticas localizadas em Fortaleza e
região metropolitana, a fim de identificar quais possuíam Assistente Social em seu
quadro de funcionários. Através de contato telefônico, conseguimos nos comunicar
59
com apenas 21 (vinte e uma) instituições, identificamos que 20 (vinte) são de
natureza privada e 01 (uma) de natureza filantrópica, das privadas 01 (uma) matinha
convênio com o Governo do Estado do Ceará. Destas, 11 (onze) instituições não
tinham religião específica, 08 (oito) eram evangélicas e 02 (duas) de religião
católica. Das 21 (vinte e uma), 07 (sete) eram localizadas em Fortaleza e 14
(quatorze) na região metropolitana.
Em seu quadro de funcionários 16 (dezesseis) instituições possuíam
profissionais de nível superior, sendo que apenas 05 (cinco) tinham Assistente
Social, e outras 05 (cinco) não contavam com nenhum profissional de nível superior,
os funcionários eram todos ex-residentes voluntários.
Delimitamos, pois, nosso estudo a essas
05 (cinco) Comunidades
Terapêuticas que contavam com Assistente Social em sua equipe. Porém, devido a
problemas alheios à nossa vontade, só foi possível pesquisar em 04 (quatro) destas.
3.2 Identificação dos entrevistados e sua inserção no Serviço Social
Em nossa pesquisa, identificamos que a faixa etária desses profissionais varia
entre 35 e 67 anos e que todos são graduados há mais de dez anos. “Graduei-me
em Serviço Social na época em que o curso nem era na Uece, ainda era Escola de
Serviço Social e fazia parte da UFC” (E1).
De acordo com Costa et al (2010), a Escola de Serviço Social de Fortaleza
tem sua gênese no ano de 1950, surge com a proposta clara de atender aos
interesses da burguesia local e do Estado, e estava diretamente vinculada à Igreja
Católica. As fundadoras da Escola eram membros da Juventude Feminina Católica
Cearense e da Ação Católica Local.
Conforme a mesma autora, o arcabouço teórico que norteou as primeiras
turmas de Serviço Social abrangia disciplinas relacionadas à Sociologia, Psicologia,
Higiene, Enfermagem, Puericultura, Direito, Moral, Patologia Social e Doutrina Social
da Igreja. Não havia a disciplina de Filosofia e as disciplinas referentes ao Serviço
Social diziam respeito apenas à introdução do curso.
60
Ainda segundo Costa et al (2010), não era necessário ter concluído o ensino
médio, ou científico na época, para ingressar na Escola. É tanto que, na primeira
turma que se formou aqui no Estado algumas alunas tinham concluído apenas a
quarta série ginasial, o que corresponde hoje ao nono ano do ensino fundamental.
Somente após o curso ser agregado à Universidade do Ceará, hoje Universidade
Federal do Ceará, e ter reconhecimento de nível superior foi que se passou a exigir
como critério de aprovação, além da seleção, a conclusão do Ensino Médio ou
Científico.
O currículo mínimo das primeiras turmas de Serviço Social obedecia a um
critério positivista que sectarizava a totalidade social. Disciplinas como Sociologia,
Medicina, Direito, entre outras, gerava uma compreensão da sociedade como algo
estático, em que se podia atuar tratando, por assim dizer, as anormalidades que
assolavam a ordem social perfeita. Portanto, o assistente social era uma espécie de
patologista social que atuava como um técnico do tratamento da questão social.
O Serviço Social no Brasil tem suas origens na primeira metade do século XX,
com suas raízes cristãs de assistencialismo, a igreja Católica controlava todo
processo de ajuda ao próximo e benefícios aos menos favorecidos, sendo
patrocinada pela ordem burguesa vigente.
Observamos que a identidade inicial do Serviço Social está caracterizada pelo
conteúdo doutrinário e confessional da Igreja, sendo que sua emergência é ampliada
a partir da criação das primeiras escolas, que visavam à profissão da assistência e o
seu tutelamento pelo aparato religioso.
Em relação à escolha da profissão, percebemos, através de pesquisas, que
as pessoas que escolhiam a profissão tinham como motivação principal a vontade
de ser útil e ajudar os outros, tinham a concepção da profissão como uma vocação
pela qual o profissional promove os valores nobres que aceita pessoalmente, estes
valores seriam a promoção humana, o desenvolvimento do país, a caridade cristã, a
democracia e outros. Identificamos essa afirmação na fala de um dos entrevistados
que escolheu a profissão na década de 1960. “A minha mãe me criou com essa
consciência forte de ajudar os menos favorecidos e o Serviço Social era mais visto
nessa área do que nas outras.” (E1).
61
Considerando o âmbito da pesquisa, concluímos que, apesar de passadas
algumas décadas, algumas pessoas continuavam com essa mesma consciência,
que podemos perceber na fala de outro entrevistado que se formou na década de
1990. “Eu sempre gostei [...] dessa coisa de ajudar, de me identificar com as
pessoas, com o sofrimento do outro e tal.” (E3).
Ainda segundo as motivações para a escolha da profissão, um dos
entrevistados não teve a mesma opinião que a maioria, ele escolheu a profissão
“pelo seu caráter emancipatório, de autonomia, em pleno rigor militar”, reproduzindo
o que diz o Código de Ética do Serviço Social atual que tem em seu núcleo o
reconhecimento da liberdade como valor ético central – a liberdade concebida
historicamente, como possibilidade de escolher entre alternativas concretas; daí um
compromisso com a autonomia, a emancipação e a pela expansão dos indivíduos
sociais.
Outra característica da gênese do Serviço Social que perdura até os dias de
hoje, é o caráter feminino da profissão. Um dos profissionais entrevistados é
homem, e iniciou no curso em 1969, sobre isso ele fala que “homem no Serviço
Social em 1969 era uma coisa muito difícil, não muito bem aceita pela sociedade, no
mercado de trabalho então era mais difícil ainda.” (E2).
Segundo Iamamoto (2011), desde a emergência da profissão do Serviço
Social no Brasil observamos a predominância do sexo feminino entre tais
profissionais. Assim, a predominância feminina na profissão do Serviço Social em
suas origens, está diretamente ligada às características enraizadas e culturalmente
legitimadas ao âmbito feminino.
Aceitando a idealização de sua classe sobre a vocação natural da mulher
para as tarefas educativas e caridosas, essa intervenção assumia, aos
olhos dessas ativistas, a consciência do posto que caiba à mulher na
preservação da ordem moral e social e o dever de tornarem-se aptas para
agir de acordo com suas convicções e suas responsabilidades. Incapazes
de romper com essas representações, apostolado social permite àquelas
mulheres, a partir da reificação daquelas qualidades, uma participação ativa
no empreendimento político e ideológico de sua classe, e da defesa faculta
um sentimento de superioridade e tutela em relação ao proletariado, que
legitima a intervenção (IAMAMOTO, 2011, p. 172).
Fica evidente na citação acima que a categoria de profissionais do Serviço
Social estava em construção e em pleno desenvolvimento, neste momento, a
categoria dos Assistentes Sociais atribui à posição social, ideológica da mulher
62
dentro da sociedade e consequentemente dentro da profissão. Portanto, a imagem
de contribuidora para a construção de uma nova e melhor ordem social, dentro da
sociedade capitalista é de extrema relevância no que diz respeito às atribuições da
mulher não só no âmbito social, como, principalmente, no âmbito histórico
profissional do Serviço Social.
Essa característica de femininalização da profissão desde sua origem
permeou, por muito tempo, a trajetória histórica do Serviço Social. Na
contemporaneidade, ainda pode-se observar a prevalência das mulheres na
profissão de Serviço Social.
Na atualidade algumas pesquisas foram realizadas no que tange ao perfil dos
Assistentes Sociais, e na grande maioria uma questão primordial diz respeito ao
perfil feminino da categoria profissional do Serviço Social. Neste sentido, no ano de
2005 foi publicada uma pesquisa pelo Conselho Federal de Serviço Social – CFESS
intitulada “Assistentes Sociais no Brasil: Elementos para o Estudo do Perfil
Profissional” no qual 97% dos Assistentes Sociais pesquisados eram do sexo
feminino enquanto apenas 3% do sexo masculino. Neste sentido, a pesquisa acabou
Confirmando a tendência histórica da profissão, a categoria das (os)
assistentes sociais, ainda é predominantemente feminina, contando com
apenas 3% de homens. A região com maior percentual masculino é a
Sudeste (7%) e a menor é a região Sul (1%). (CFESS, 2005, p.18-19).
Outra pergunta realizada aos entrevistados foi sobre a opinião deles em
relação à área da dependência química, se eles consideravam um campo aberto ou
fechado para o Serviço Social, dando ênfase nas Comunidades Terapêuticas.
Resolvemos fazer essa pergunta devido à dificuldade, relatada no início do capítulo,
em encontrar instituições que possuíssem o profissional de Serviço Social em seu
quadro de funcionários.
Os profissionais foram unânimes em afirmar que não é um campo fechado,
mas que ainda não é comum ver o Assistente Social trabalhando nas Comunidades
Terapêuticas. “A área não veda a participação do profissional, mas no organograma
profissional não tem Assistente Social, psicólogo, médico, etc.” (E1); “Não existe
essa definição de organograma oficial, cada Comunidade Terapêutica tem a sua,
não tem essas sugestões ou diretrizes estabelecidas, não tem nada que coloque o
papel do Assistente Social em uma equipe profissional”. (E2); “Não acho que esse
63
campo seja fechado, são as pessoas que não querem e que não aderem, é uma
área difícil, trabalhar com a Dependência Química é trabalhar com o fracasso todo
dia”. (E3) e
Eu acho que é um campo aberto para o Serviço Social, até porque não
existe recuperação de dependente químico se não for trabalhada a
reinserção e a família, e quem faz isso geralmente é o Assistente Social,
que tem outro olhar, temos todo um cuidado voltado para o mercado de
trabalho, escolaridade, a questão da cidadania, temos uma visão bem mais
ampla desse sujeito como cidadão, para ele estar voltando pra sociedade
como um todo. (E4).
Um dos profissionais declarou que, talvez, o motivo da dificuldade de inserção
do Assistente social no campo das Comunidades Terapêuticas seja por que “a visão
que se tem é ainda positivista de que é da área da saúde ou de justiça”. (E2) e outro
afirmou que é devido à dificuldade financeira.
Essa visão de que a Dependência Química é da área da saúde traz consigo a
falta de estrutura e condições de trabalho, bem como o baixo prestígio junto às
coordenações e aos demais colegas dessa área.
Segundo Bisneto (2005), o Serviço Social trabalha subordinado à Psiquiatria,
atuando nas questões que poderiam prejudicar o tratamento se não forem sanadas
a contento, quando essas questões não são atendidas pelos outros profissionais que
tem uma especificidade em Saúde Mental mais definida. Ao Serviço Social cabem
todas as questões genéricas e contextuais tidas como sociais, pois escapam do
plano biológico ou psicológico. Nas palavras do mesmo autor “o produto da prática
institucional do Serviço Social é alienado pelos poderes médico e “psi”, colocando,
às vezes, dificuldades para o reconhecimento de sua competência profissional”
(BISNETO, 2005, p. 118).
Ainda segundo Bisneto (2005), o Movimento de Reforma Psiquiátrica tem um
discurso de valorização do social, mas as categorias “psi” com um privilégio histórico
não querem ceder espaço corporativo. Além disso, suas concepções sobre o social
diferem das apontadas pelo Serviço Social contemporâneo.
O autor sugere uma reversão desse quadro, uma tentativa de valorizar a
prática do Serviço Social em Saúde Mental fazendo uma articulação dos objetos das
duas áreas, ou seja, “buscar os fenômenos que ligam a questão social aos
transtornos mentais por um lado, e a assistência social e a assistência psiquiátrica
64
por outro” (BISNETO, 2005, p.119). Existem vários pontos comuns entre as
populações pobres e oprimidas com os transtornos mentais.
Para o mesmo, esta é uma oportunidade de ter um objeto integrado das duas
áreas, pois de uma forma dialética pode-se sintetizar dois saberes distintos.
De acordo com Vasconcelos (2010) o Assistente Social é visto, a partir da
década de 1990, também como um profissional da saúde, com procedimentos
específicos de atuação reconhecidos na Tabela descritiva de Procedimentos
Sid/SUS em vigor desde 1992. Também pela Resolução do Conselho Nacional de
Saúde (CNS) nº 218, de 06 de março de 1997, que reconhece a categoria de
assistentes sociais como profissionais de saúde, além da Resolução CFESS nº 383,
de 29 de março de 1999, que caracteriza o assistente social como profissional de
saúde.
O conceito de saúde contido na Constituição Federal de 1988 ressalta as
expressões da questão social, ao apontar que “a saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (CF, 1988, artigo 196).
As atribuições e competências dos profissionais de Serviço Social, sejam
aquelas realizadas na saúde ou em outro espaço sócio ocupacional, são orientadas
e norteadas por direitos e deveres constantes no Código de Ética Profissional e na
Lei de Regulamentação da Profissão, que devem ser observados e respeitados,
tanto
pelos
profissionais
quanto
pelas
instituições
empregadoras.
Esses
instrumentos legais são fundamentais para a delimitação das atribuições e
competências dos assistentes sociais na saúde.
De acordo com a Cartilha intitulada “Parâmetros para a Atuação de
Assistentes Sociais na Saúde” publicada pelo CFESS em 2009, que tem como
finalidade referenciar a intervenção dos profissionais de Serviço Social na área da
saúde, os assistentes sociais na saúde desenvolvem suas ações nos seguintes
eixos, que são complementares e indissociáveis: atendimento direto aos usuários;
mobilização, participação e controle social; investigação, planejamento e gestão;
assessoria, qualificação e formação profissional.
65
3.3 Os Assistentes Sociais e a fundamentação teórica
Para um competente exercício profissional é necessário um continuado
investimento na qualificação, podendo dispor de cursos de aperfeiçoamento,
especialização, mestrado e doutorado, capacitando-se em suas práticas específicas.
Entre
os
profissionais
entrevistados,
dois
disseram
que
possuíam
especialização em dependência química e um em abordagem sistêmica da família.
Além disso, todos disseram que participam de cursos de capacitação, seminários,
conferências, fóruns, sempre na área da dependência química, já na área de Serviço
Social não frequentam nenhum espaço de capacitação, pois se dedicam mais à área
que atuam.
O assistente social é responsável por fazer uma análise da realidade social e
institucional, e intervir para melhorar as condições de vida do usuário. Isso requer
uma contínua capacitação profissional que busque aprimorar seus conhecimentos e
habilidades nas suas diversas áreas de atuação.
Para isso, é necessária também, a articulação entre teoria e prática.
Investigação e intervenção, pesquisa e ação, ciência e técnica não devem ser
encaradas como dimensões separadas.
O que se reivindica, hoje, é que a pesquisa se afirme como uma dimensão
integrante do exercício profissional visto ser uma condição para se formular
respostas capazes de impulsionar a formulação de propostas profissionais
que tenham efetividade e permitam atribuir materialidade aos princípios
ético-políticos norteadores do projeto profissional. Ora, para isso é
necessário um cuidadoso conhecimento das situações ou fenômenos
sociais que são objeto de trabalho do assistente social (IAMAMOTO, 2000,
p. 56).
Porém, de acordo com nossa pesquisa, percebemos que há uma dificuldade
em fazer essa relação por parte de alguns dos profissionais entrevistados,
principalmente as matérias do Serviço Social, os profissionais se voltam mais para a
área onde estão atuando e é consenso entre eles fazerem leituras apenas sobre a
área da dependência química. Como pode ser observado em suas falas “Só leio
autores sobre Dependência Química, até porque não sei se tem algum autor do
Serviço Social que fale desse assunto”. (E1); “No Serviço Social eu não conheço
nenhuma abordagem sobre Dependência Química, tem sobre saúde mental alguma
66
coisa dentro do CAPS, mas ainda naquela visão “hospitalocêntrica”, o Serviço Social
é ainda um coadjuvante”. (E2). Outro entrevistado complementa essa análise.
Eu me volto muito para a área da Dependência Química, gosto muito de ler
os livros e artigos na internet do Dr. Laranjeira, que é fantástico nessa área
e também todos da Uniesp, Universidade de São Paulo, eles tem um setor
que trabalham Dependência Química, sempre estou dando uma olhada no
que sai de novo. Confesso-te que os autores de Serviço Social estou meio
parada, por ligar mais para a prática do que estou fazendo, mas preciso
voltar. (E3).
Um dos entrevistados falou que “na formação acadêmica se aprende a ter um
senso crítico mais apurado, eu não falo de autores, mas de pensamentos, aquilo que
conseguimos construir ao longo da nossa vida acadêmica, a universidade me abriu
essa visão do todo” (E4), ou seja, ele não utiliza os autores do Serviço Social na sua
prática profissional, mas sim o que aprendeu com os autores, que é essa visão de
totalidade, o senso crítico, etc.
O Assistente Social ocupa um lugar privilegiado no mercado de trabalho: na
medida em que ele atua diretamente no cotidiano das classes e grupos sociais
menos favorecidos, ele tem a possibilidade de produzir um conhecimento sobre essa
mesma realidade. E esse conhecimento é, sem dúvida, o seu principal instrumento
de trabalho, pois lhe permite ter a real dimensão das diversas possibilidades de
intervenção profissional.
Dando continuidade aos requisitos necessários para um competente exercício
profissional, é preciso que a atuação do Assistente Social esteja de acordo com os
princípios do Código de Ética do Serviço Social, como também do Projeto éticopolítico profissional.
Percebemos na pesquisa que dois dos entrevistados não têm uma opinião
formada sobre esse marco da profissão, talvez isso se deva ao fato desses
profissionais terem se graduado bem antes das discussões sobre a formulação de
um projeto profissional e do lançamento do Código de Ética de 1993, e também por
se aterem somente à prática e a teoria específica sem se aprofundarem muito nas
mudanças da realidade da profissão.
Em relação ao Código de Ética falaram que “a questão ética tem que ter, até
nessas irmandades tem o anonimato”. (E1) e “Eu tenho certo acesso, [...] nós temos
67
que estar muito ligados a tudo que é novo, mas não com tanta frequência como eu
deveria, sempre temos essa coisa da prática e para estudar deixamos um pouco pra
depois”. (E3).
Um dos profissionais conseguiu fazer uma relação com seu cotidiano de
atuação, reconhecendo a importância da ética profissional do Assistente Social e a
urgência desse profissional nos locais que atendem dependentes químicos.
Eu vejo o Código de Ética com muita boa qualidade, haja vista que
precisamos sempre estar em constante debate e reformulação. Hoje tá em
pauta a questão do internamento compulsório, até que ponto é correto, é
viável. Sob a ótica dos Direitos Humanos é lógico que é errado, mas ao
mesmo tempo tem a lógica da lei, que é quando a pessoa é considerada
incapaz e começa a pôr em risco a vida dela e a de outros, não só a criança
e adolescente, como também o adulto. Mas eu acho que não deve ser
assim, ela tem que passar por uma avaliação bem criteriosa, com a
participação do Assistente Social na equipe interdisciplinar para dar esse
laudo, eu acho que deveria se tornar obrigatória a participação do
Assistente Social nas Comunidades Terapêuticas e nos serviços de saúde
que atendem dependentes químicos, porque falta muito disso, de ser visto a
questão familiar, social, o lócus onde ele mora, o que fazer. (E2).
Outro entrevistado relatou que acha que não dá para caminhar sem ética,
pois “quando você pensa em trabalhar tecnicamente é preciso ter parâmetros e
legalização para nortear suas ações, é preciso se preocupar com a questão ética até
no trabalho em equipe multidisciplinar”. (E4).
Os profissionais abraçaram as causas dos trabalhadores, brigaram para
retirada do código de menores, lutaram contra a ditadura, e se mobilizaram pela
Constituição de 1988. Assim, vários debates e discussões ocorreram e, em 1993,
materializa-se de forma coerente com as orientações filosóficas e políticas da
profissão, a reformulação do Código de Ética.
O Código de Ética nos indica um rumo ético-político, um horizonte para o
exercício profissional. O desafio é a materialização dos princípios éticos na
cotidianidade do trabalho, evitando que se transformem em indicativos
abstratos, deslocados do processo social. Afirma como valor ético central, o
compromisso com a parceria inseparável, a liberdade. Implica a autonomia,
emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais, o que tem
repercussões efetivas nas formas de realização do trabalho profissional e
nos rumos a ele impressos (IAMAMOTO, 2000, p. 77).
O Código de Ética dos Assistentes Sociais é uma direção para profissão. Nele
encontram-se princípios fundamentais que devem nortear as práticas destes
profissionais. São princípios que dão suporte para vencer os desafios do cotidiano.
Assumindo a defesa intransigente dos direitos humanos, recusando toda forma de
68
autoritarismo e arbítrio, reforçando a democracia, o compromisso com a cidadania, o
zelo pela qualidade dos serviços prestados e, um exercício profissional empenhado
na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à
diversidade e à discussão das diferenças.
Sobre o Projeto Ético-político profissional, um profissional entrevistado disse
que não conhecia e outro disse que ele é mais discutido hoje na academia, há
tempos atrás não era. É muito recente – datando da segunda metade dos anos
noventa do século XX – o debate sobre o que vem sendo denominado de projeto
ético-político do Serviço Social. O caráter relativamente novo desta discussão
revela-se claramente na escassa documentação sobre o tema.
O desejo de romper com o Serviço Social tradicional contribuiu para a
formação de grupos de discussão dentre os profissionais assistentes sociais,
culminando com debates ao longo dos vários congressos nacionais periódicos da
categoria e delimitando os espaços de pensamentos, entre conservadores e aqueles
modernizadores que defendiam um novo projeto com vistas à transformação social.
Porém, sua construção é permanente, ela acontece todos os dias no cotidiano
da prática profissional dos Assistentes Sociais que se atualizam que questionam as
demandas institucionais, que acompanham o movimento e as mudanças da
realidade social.
E por fim, para uma atuação competente, os profissionais precisam estar
atualizados em relação à legislação e às Políticas Públicas existentes na sua área
de atuação, nesse caso as leis e políticas sobre drogas, como também de todas as
outras áreas, como Previdência, Assistência Social, Saúde, entre outras. Um dos
entrevistados mostra a boa vontade de estar sempre se informando e se voltando
para esse assunto, mas não conseguiu formular uma opinião crítica sobre o tema.
Estamos sempre bem voltados pra essa questão da Dependência Química,
estamos sempre querendo nos informar sobre as políticas, então temos
essa noção básica sobre as políticas atuais, de como está não só no Brasil,
mas no mundo, porque a Dependência Química é uma questão mundial,
então estamos voltados pra tudo que é lei e política até pra beneficiar os
meninos, pois como eles são adolescentes e jovens tem essa coisa de
reinserir no mercado de trabalho, na escola, cursos, então estamos muito
atentos a tudo que aparece para inseri-los. (E3).
69
Já os outros entrevistados fizeram uma crítica, principalmente em relação à
deficiência, atraso e ao caráter paliativo dessas políticas, como também ao
desinteresse dos governantes com o aspecto legal.
As políticas são muito deficitárias, tem muita conversa bonita, muita notícia
que saiu bilhões [...] se pegar esses bilhões e dividir dá uma porqueira, vem
muito dinheiro, mas quando nós vemos é 70,00 ou 80,00 reais por mês pra
manter uma pessoa internada. [...] Não vou dizer que as políticas públicas
estão totalmente desinteressadas, já foi implantado no governo Lula os
CAPSad, passou a dar dinheiro para algumas clínicas que tem convênio.
(E1).
Eu acho que se constroem políticas boas, mas a meu ver muitas vezes
quem constrói o material são pessoas que não tem vivência prática e isso
atrapalha bastante, porque colocam coisas absurdas que na prática você
não consegue efetivar. É importante que hoje estejam tendo essa visão de
política pública para a atenção a Dependência Química, mas recursos ainda
são muito escassos. O Governo lança editais que são pontuais, isso se
coloca como paliativo porque eles querem números. Na parte da legislação,
eles procuraram fazer a justiça terapêutica, que seria uma boa se não fosse
à questão da obrigatoriedade, o usuário não tem adesão voluntária, não
participa do tratamento, está apenas cumprindo um acordo que fez para não
ser preso e a própria justiça não tem profissionais para acompanhar isso.
(E4).
O Governo está com dez anos de atraso nas iniciativas que está tomando
agora, muito paliativas, fazendo questão de focar no crack, quando a
questão maior não é o crack, ele está atingindo mais por causa da violência
que gera e por ter atingido todas as categorias, mas o álcool é muito mais
danoso, mas o dinheiro que o álcool arrecada né, o Governo não faz nada.
Tem muitas políticas que são inadequadas, elas não contemplam tudo.
(E2).
Essa última fala se reporta à iniciativa do Governo de criar o Plano Nacional
de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, já citado anteriormente nessa pesquisa
no item que trata da legislação brasileira e das políticas públicas de atenção à
dependência química, onde o Governo dá muita importância para o crack, quando
deveria melhorar as políticas de prevenção ao álcool, que é a droga que mais mata
no Brasil.
A nomenclatura do Plano dá uma noção de repressão, se configurando como
um retrocesso no avanço conseguido através das leis e políticas ao longo desses
anos, hoje já se foca na prevenção e no tratamento do indivíduo e não mais só na
prisão.
Um dos entrevistados citou ainda a relevância do Terceiro Setor, na forma
das Comunidades Terapêuticas, para o tratamento da dependência química,
mostrando a importância dessas instituições na falta do Estado.
70
As Comunidades Terapêuticas são uma alternativa viável para a
sobrevivência do pessoal, tem mais de 6 mil no Brasil inteiro, o próprio
presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria disse que quase 80% dos
tratamentos que estão sendo feitos hoje no Brasil são das Comunidades
Terapêuticas, como negar a importância de uma coisa dessas, isso não é
dinheiro da saúde, é orçamento federal, é política pública, muito mais
deveria ter. (E2).
De acordo com Silva (2012), mais do que uma reforma administrativa, a
contrarreforma do Estado inicia uma refundação da relação Estado-sociedade e as
parcerias público-privadas substituem a implementação de Programas Sociais
nacionais e regionais por programas locais em “parcerias” com ONG’s, criando
agências executivas e de organizações sociais, transferindo a responsabilidade do
Estado para o mercado ou o chamado “Terceiro Setor”.
Segundo a mesma autora, a expansão das instituições de terceiro setor
intensificou-se no governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. A proposta
neoliberal de Estado mínimo para o social implicou na privatização das políticas
sociais na medida em que o Estado transfere para a sociedade civil a
responsabilidade de ações para solucionar a questão social.
As demandas originárias destes espaços, em sua maioria, advêm de
segmentos da população (criança e adolescente, idoso, mulher e ou relações de
gênero, pessoas com necessidades especiais), como ainda, com movimentos
urbanos, meio ambiente, questão étnica, e vitimizados (dependentes químicos,
vítimas
de
violência
sexual,
doméstica,
entre
outras).
Estas
instituições,
financeiramente custeiam suas despesas através de doações, e até mesmo de
financiamentos diretos do Estado através de verbas que são direcionadas a projetos
sociais.
3.4 Cotidiano profissional dos Assistentes Sociais
De acordo com as entrevistas realizadas, analisamos a prática profissional
dos assistentes sociais que atuam nas Comunidades Terapêuticas pesquisadas.
Examinamos o trabalho em equipe; a rotina de funcionamento da instituição; as
atividades voltadas para reinserção social do dependente químico e para sua família
e o registro dessa prática profissional. Identificamos fatores que levam à
71
precarização do trabalho do Assistente Social, como por exemplo: alta carga horária,
trabalho voluntário, salários baixos, não identificação com a profissão, etc.
Segundo Antunes (2008), o capitalismo promove a redução das necessidades
do ser social que trabalha, na medida em que transforma o trabalho humano em
algo estranho a ele mesmo, ocorrendo à alienação do trabalhador em relação ao
produto do seu trabalho. A alienação do ser social, a perda de identidade própria e
do sentido da vida, pode ser compreendida de forma apressada como o fim da
“classe que trabalha para viver” e o surgimento da “classe que só vive para
trabalhar”.
A reestruturação produtiva criou uma classe trabalhadora mais heterogênea,
mais fragmentada e mais complexificada, entre qualificados e desqualificados,
mercado formal e informal, jovens e velhos, homens e mulheres, estáveis e
precários, imigrantes, etc. (ANTUNES, 2008). Essas características se manifestam
em todos os segmentos dos trabalhadores na divisão sociotécnica do trabalho,
especificamente em relação ao Serviço Social.
Na atualidade, em que o mundo do trabalho passa por profundas mudanças e
se acirra a competitividade, tende-se a produzir duas categorias de trabalhadores:
os qualificados e os desqualificados profissionalmente. Os primeiros sofrem uma
pressão constante para manterem-se atualizados, enquanto que os segundos
encontram-se progressivamente afastados das oportunidades de qualificação e
consequentemente com grandes dificuldades para a permanência no emprego, ou
para o retorno aos seus postos de trabalho.
De acordo com os dados do CFESS, o mercado de trabalho para Assistentes
Sociais está sendo gradativamente ampliado nos últimos anos no Brasil como
reflexo direto da evolução das políticas públicas, como, por exemplo, a instalação, a
partir de 2005, do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que, a exemplo do
Sistema Único de Saúde (SUS), municipaliza as ações na área.
A pesquisa realizada em 2005 pelo CFESS mostra que 40,97% dos
Assistentes Sociais estão atuando em instituições públicas municipais, quase o
dobro dos que atuam nas públicas estaduais, totalizando 24%. As instituições
públicas federais ocupam a terceira posição com 13,19%, reafirmando que a
72
descentralização das políticas sociais no Brasil tem transferido a sua execução da
esfera federal para a municipal, a partir dos anos 1990.
A pesquisa indica também, que em prefeituras dos municípios de pequeno
porte, a maioria dos contratos é de 20 horas, e em cidades maiores são de 40/44
horas para os Assistentes Sociais. Esse fato está diretamente relacionado com a
faixa salarial, as menores cargas horárias com os menores salários principalmente
no interior do Estado, porém as atividades desenvolvidas e a demanda para o
profissional, não são menores.
Ainda de acordo com o CFESS, geralmente os salários pagos pelos
municípios são baixos, principalmente para a carga horária de 20 horas, e isso faz
com que muitos profissionais, trabalhem em dois locais, para aumentar seu
rendimento, esse é outro aspecto que compõe a precarização das condições de
trabalho dos mesmos.
Em relação a essa problemática, foi sancionado em agosto de 2010 a Lei
12.317/2010 que fixa a carga horária máxima dos Assistentes Sociais em 30 horas
semanais sem redução de salário. Por ser uma conquista recente ainda há muito
que se avançar no que tange a implementação desta Lei. Nesse sentido, vem
ocorrendo manifestações da classe junto às instituições representativas da categoria
(CFESS/CRESS), reivindicando melhores condições de trabalho.
Sobre a carga horária de trabalho, um dos profissionais respondeu “os outros
profissionais trabalham 8 horas em regime de plantão e eu estou fazendo um
esforço para ficar 12 horas por dia aqui, mas não tenho carga horária definida” (E2).
Outro profissional mostra a efetivação da lei ao dizer “eu trabalho 30 horas, chego
meio dia e saio 18 horas” (E3), assim como um outro profissional que diz “Não
tivemos dificuldade de implantar a lei, assim que saiu nós procuramos só articular
com a diretoria e foi muito rápido” (E4). Essa falas demonstram que a Lei das 30
horas está sendo implementada, mas não em todos os espaços sócio ocupacionais.
Um dos entrevistados reclama dos baixos salários que são pagos pelo
Governo do Estado aos profissionais que atuam na área da dependência química.
Nós temos um convênio com a STDS que garante nossos salários em dia
todo mês, os profissionais dessa área, principalmente ligados ao Estado,
73
reclamam do salário que é baixo, que trabalham muito, se empenham e não
veem esse reconhecimento por parte da secretaria, a questão salarial é
colocada em último plano. (E3).
Em relação aos salários, no caso dos assistentes sociais, a profissão não
dispõe de um piso regulamentado por Lei Federal, o que faz com que a faixa de
remuneração varie de município para município. Apesar de não existir um piso
salarial, a categoria dispõe de uma resolução do CFESS nº 418/01, que institui a
Tabela Referencial de Honorários do Serviço Social, no Brasil, que fixa a hora
técnica em, no mínimo, R$ 92,65, para profissionais que trabalhe sem qualquer
vínculo empregatício, vínculo estatutário ou de natureza assemelhada, esses valores
são corrigidos anualmente com base no ICV/DIEESE (ICV – Índice do Custo de Vida
e DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
No entanto, identifica-se que esta tabela de honorários é pouco utilizada em sua
atividade profissional, isto porque a maioria dos profissionais não se encontra na
condição autônomo, ficando sujeito aos níveis de assalariamento de acordo com
cada município.
Em nossa pesquisa identificamos, também, diferentes formas de contratação
dos profissionais de Serviço Social. Existe profissionais que são pagos pela própria
instituição, outro pago pelo Governo do Estado em parceria com a Comunidade
Terapêutica e outro que faz trabalho voluntário.
Essa dinâmica de precarização atinge bastante o trabalho profissional do
assistente social, afetado pela insegurança do emprego, precárias formas de
contratação, intensificação do trabalho, baixos salários, pressão pelo aumento da
produtividade e de resultados imediatos, ausência de horizontes profissionais de
mais longo prazo, falta de perspectivas de progressão e ascensão na carreira,
ausência de políticas de qualificação e capacitação profissional, entre outros.
Intensifica-se a subcontratação de serviços individuais dos assistentes sociais
por parte de empresas de serviços ou de assessoria, de cooperativas de
trabalhadores, na prestação de serviços aos governos e organizações não
governamentais, acenando para o exercício profissional privado (autônomo),
temporário, por projeto, por tarefa, em função das novas formas de gestão das
políticas sociais.
74
Apesar do Conjunto CFESS/CRESS ter firmado posição política contrária ao
exercício profissional voluntário, por entender que há implicações na valorização do
espaço profissional, nas condições de trabalho, na continuidade e qualidade dos
atendimentos, inexiste impedimento legal para esta prática por parte dos assistentes
sociais. O profissional tem autonomia para atuar de forma voluntária, porém
encontra-se sujeito a todas as obrigações dispostas nas legislações do Serviço
Social: Código de Ética Profissional, Lei de Regulamentação da Profissão, dentre
outras, o que exige com que paute sua atuação nos princípios éticos da profissão,
na perspectiva da qualidade dos serviços prestados e no compromisso com a
população atendida.
Um dos entrevistados opinou sobre o voluntariado nas ONGs dizendo que
Nossos salários são pagos pela instituição, são todos funcionários, não
temos voluntários. O tratamento não é pra ser um atendimento pontual, é
sistemático, você cria uma relação de confiança com as pessoas, é preciso
dar uma sequencia. Já foram feitas tentativas de trabalhar com voluntários,
mas como eles não recebem ajuda de custo, então o trabalho acaba não
sendo uma prioridade para eles e o recuperando fica esperando, por isso a
instituição procura manter um profissional em cada setor pra garantir que o
atendimento seja sistemático. (E4).
Um dos pilares que, atualmente, são sustentadores das organizações do
terceiro setor é o voluntariado forte, que atua em prol da manutenção e
sobrevivência dessas instituições, participando diretamente do seu gerenciamento
também. O poder do voluntariado emana da base econômica, pois contribui para as
ONGs na diminuição de pagamentos de mão de obra, sendo também fonte de
captação de recursos financeiros e humanos.
Acreditamos que, devido às dificuldades financeiras que algumas ONGs
enfrentam, é de grande ajuda a utilização de voluntários nas suas atividades, porém,
a nosso ver, eles deveriam apenas complementar o trabalho dos profissionais
contratados e não serem os únicos trabalhadores da instituição.
O Serviço Social no campo do “terceiro setor” vive um paradoxo, no sentido
de reconhecermos o espaço das ONGs como estratégia de esvaziamento de direitos
sociais, ao mesmo tempo em que o assistente social enquanto um trabalhador
assalariado não tem condições de recusar sua inserção nesse campo sócio
ocupacional, pois depende da venda de sua força de trabalho. O trabalho do Serviço
75
Social possui na raiz profissional os dilemas da alienação e das determinações
sociais que afetam a coletividade dos trabalhadores. Não há como negar o que a
realidade nos impõe enquanto trabalhador assalariado, de modo que é necessário
estarmos atentos aos inúmeros Assistentes Sociais e estagiários inseridos nas
ONGs, que precisam de maior proximidade com o debate acadêmico, com a análise
da realidade do cotidiano institucional, pois a questão social se enfrenta com teoria e
prática.
As consequências desses processos para o trabalho social nas políticas
públicas são profundas, pois a terceirização desconfigura o significado e a amplitude
do trabalho técnico realizado pelos assistentes sociais e demais trabalhadores
sociais, desloca as relações entre a população, suas formas de representação e a
gestão
governamental,
pela
intermediação
de
empresas
e
organizações
contratadas. Além disso, as ações desenvolvidas passam a ser subordinadas à
prazos contratuais e aos recursos financeiros destinados para esse fim, implicando
descontinuidades, rompimento de vínculos com usuários, descrédito da população
para com as ações públicas.
Os estudos sobre as condições de trabalho do Assistente Social no exercício
profissional necessitam ser mais conhecidos, especialmente num momento em que
as mudanças no mundo do trabalho requerem mais do que competência técnica
para lidar com a questão social: requerem o amparo numa teoria social crítica que
subsidie o arcabouço teórico-metodológico da profissão e numa opção ético-politica
capaz de enfrentar os desafios postos à profissão na atualidade.
Todos os profissionais entrevistados são graduados em Serviço Social, porém
um deles se confunde um pouco quanto à sua atuação. Por ser coordenador da
equipe interprofissional, não se reconhece como Assistente Social em alguns
momentos do seu cotidiano profissional, dizendo “aqui não tem setor de Serviço
Social” ou “o Serviço Social não foi implantado aqui na instituição, sou só eu”.
De acordo com Bravo; Matos (2006), o problema não reside no fato dos
assistentes sociais buscarem estudos na área da saúde ou em outras áreas, mas no
fato de que, ao adquirir conhecimentos específicos, os profissionais passam a
exercer outras atividades (direção de unidades de saúde, coordenação, gestão e
76
etc.), não se identificando mais como assistente social, e assim, em retrocesso, “o
profissional recupera [...] uma concepção de que fazer o Serviço Social é exercer
apenas o conjunto de ações que historicamente lhe é dirigido na divisão do trabalho
coletivo em saúde” (BRAVO; MATOS, 2006, p. 16-17). Este consiste apenas na
ação direta com os usuários. As novas demandas colocadas como gestão,
assessoria e a pesquisa como transversal ao trabalho profissional que estão
explicitadas na Lei de Regulamentação da Profissão (1993) e nas Diretrizes
Curriculares, aprovadas pela ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa
em Serviço Social) (1996), na maioria das vezes, não são consideradas.
Um profissional qualificado deve ter conhecimentos sobre a política de saúde,
como também deve acompanhar o debate profissional, para articular os dois campos
e correlacioná-los à questão social, os movimentos sociais e as classes em questão,
para que haja uma articulação real entre demandas e respostas profissionais.
Observamos nas falas de alguns dos profissionais entrevistados, que não há
a prática do trabalho em equipe nas instituições onde atuam, há uma dificuldade de
realização de reuniões de equipe e de planejamento coletivo do trabalho.
Às vezes acontece algum grupo que eu vou auxiliar a psicóloga, quando ela
me pede ajuda, mas não é sempre. Às vezes trabalhamos juntas na
organização de alguma comemoração que precisa trazer as famílias. Às
vezes alguma dificuldade que percebo e passo pra ela ou ela pra mim. Nós
tentamos manter esse relacionamento e esse diálogo, principalmente para
tentar resolver e ajudá-los. (E3).
Apenas um entrevistado ressaltou que na instituição onde trabalha sempre foi
bem claro que um profissional precisa do outro para realizar um bom atendimento e
que todas as decisões são tomadas em equipe, em suas palavras,
Aqui sempre foi muito tranquilo esse trabalho em equipe, aqui sempre teve
uma equipe multidisciplinar, as áreas são bem definidas, um não se mete na
área do outro, nós sempre entendemos que precisa da ajuda do outro.
Estudo de caso tem toda semana, fora isso quando há necessidade a
equipe é chamada para fazer reunião imediata e resolver qualquer
pendência que aconteça. As altas terapêuticas, os acompanhamentos, tudo
é feito por decisão da equipe, então é muito rico esse trabalho aqui. (E4).
De acordo com Santos-Filho (2007), os espaços de encontros e reuniões
entre as equipes devem ser valorizados e potencializados no interior dos processos
de trabalho, visto que possibilitam trocas entre diferentes profissionais e em
diferentes sentidos, e permitem ultrapassar as prescrições e as agendas inflexíveis,
77
e instituir práticas flexíveis e atraentes para os sujeitos que participam do processo
de trabalho em saúde – gestores, trabalhadores e usuários.
As equipes devem pautar e negociar outros momentos que considerem
pertinentes e necessários para direcionamento de seu trabalho,
Na perspectiva de informação para planejamento e organização dos
serviços, e incentivada enquanto processo pedagógico que lhes possibilite
crescer em sua capacidade de análise e intervenção, isto é, crescer pessoal
e profissionalmente em seu potencial analítico, crítico (SANTOS FILHO,
2007, p. 264).
Campos (1997) ressalta um ponto importante no que se refere ao trabalho
das equipes de saúde, qual seja, a falta de entrosamento entre as linhas de trabalho
e as categorias profissionais que elaboram seus próprios regulamentos, objetivos e
normas, que ocasionam, consequentemente, uma burocratização do trabalho. O
autor aponta que este fato faz com que cada profissional se sinta responsável por
apenas aquilo que está ligado a sua área ou especialidade, e contribui para a
elaboração de protocolos e programas que normatizam condutas.
Nas entrevistas realizamos perguntas sobre as atividades desenvolvidas
pelos profissionais de Serviço Social nas instituições. Em relação ao método
utilizado para o tratamento dos residentes, observamos que houve um consenso em
duas instituições: “As atividades eram baseadas no programa Minnesota, filmes,
palestras, tarefas, textos, questionários e os 12 passos.” (E1) e “Nós temos o estudo
dos 12 passos de NA, três reuniões diariamente, de manhã nós lemos um tópico de
meditação, fala sobre a vida pessoal, ajuda na reformulação de valores que são
bastante danificados pelo uso abusivo de drogas.” (E2).
Outro entrevistado ressaltou a importância dos 12 passos, mas confessou que
eles não são utilizados na instituição em que trabalha como critério de tratamento.
Eles utilizam alguns passos, os mais enriquecedores, para trabalhar em atividades
individuais e grupais com os internos.
De acordo com Burns (1998), o Modelo Minnesota baseia-se nas seguintes
concepções: dependência química é uma doença e não um sintoma de outra
patologia; é uma doença multifacetada e multidimensional; o motivo inicial que leva
ao alcoolismo não está relacionado com o resultado.
78
Ainda segundo o mesmo autor, o Modelo Minnesota rege-se pelos seguintes
princípios: a meta é tratar e não curar. O paciente é motivado a aprender a viver
com a dependência, que é uma condição crônica, e, não a procurar as causas e
esperar por uma cura; baseia seu programa de tratamento nos 12 Passos de AA 11,
especialmente nos cinco primeiros; cria um ambiente onde a comunidade
terapêutica seja totalmente aberta e honesta, o que propicia uma troca de
experiências em todos os níveis; tem uma equipe multidisciplinar que inclui um
profissional denominado "conselheiro em alcoolismo", que pode ser um alcoolista em
recuperação, apresenta um programa essencialmente didático que é aplicável a
qualquer pessoa, mas se utiliza de um plano de tratamento que é específico para
cada paciente.
Esse modelo de tratamento visa recuperar e resgatar o ser humano num todo,
buscando a sua reinserção e reabilitação social, com uma melhor qualidade de vida.
Tem como meta o resgate da autoestima, incentivando de modo permanente a
autodisciplina nos internos.
Em relação às atividades voltadas para reinserção social dos dependentes
químicos, percebemos que algumas das instituições proporcionam cursos para eles
se profissionalizarem.
Atualmente não estamos tendo cursos, mas já tivemos cursos de pedreiro,
instalação elétrica, informática, básico de escritório, em convênios com a
Prefeitura de Maracanaú, Governo do Estado, Corpo de Bombeiros, são
nossos parceiros eventuais. (E2).
11
Os Doze Passos de A.A. consistem em um grupo de princípios, espirituais em sua natureza que, se
praticados como um modo de vida pode expulsar a obsessão pela bebida e permitir que o sofredor se
torne íntegro, feliz e útil. São eles: 1. Admitimos que éramos impotentes perante o álcool - que
tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas; 2. Viemos a acreditar que um Poder Superior a nós
mesmos poderia devolver-nos à sanidade; 3. Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos
cuidados de Deus, na forma em que O concebíamos; 4. Fizemos minucioso e destemido inventário
moral de nós mesmos; 5. Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano,
a natureza exata de nossas falhas; 6. Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse
todos esses defeitos de caráter; 7. Humildemente rogamos a Ele que nos livrasse de nossas
imperfeições; 8. Fizemos uma relação de todas as pessoas a quem tínhamos prejudicado e nos
dispusemos a reparar os danos a elas causados; 9. Fizemos reparações diretas dos danos causados
a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-las significasse prejudicá-las ou a outrem;
10. Continuamos fazendo o inventário pessoal e quando estávamos errados, nós o admitíamos
prontamente; 11. Procuramos, através da prece e da meditação, melhorar nosso contato consciente
com Deus, na forma em que O concebíamos, rogando apenas o conhecimento de Sua vontade em
relação a nós, e forças para realizar essa vontade; 12. Tendo experimentado um despertar espiritual,
graças a estes passos, procuramos transmitir esta mensagem aos alcoólicos e praticar estes
princípios em todas as nossas atividades. FONTE: www.alcoolicosanonimos.org.br
79
Nós também atuamos na reinserção social, desde o 5º mês já começamos a
ver até que série ele estudou, ver como é que faz, se coloca no EJA, já
começamos a agilizar. Nós tivemos agora em setembro um curso de
120horas de pães e pizzas, pela STDS, muito bom, não só com a prática,
mas com a parte teórica de como montar um negócio, a questão do
empreendedor, de como comprar, como embalar. Já prevendo as
dificuldades de inserir no mercado de trabalho, já que todos têm uma
escolaridade muito baixa, nós oferecemos cursos onde eles possam montar
um negócio próprio em casa com a família. Então nós procuramos ver onde
tem cursos. (E3).
A indicação de voltar aos estudos ou frequentar cursos profissionalizantes e
de
aprimoramento
favorece
a
reinserção
e
melhora
a
empregabilidade,
especialmente num contexto de desemprego. O retorno aos estudos está
diretamente relacionado à questão econômica que, por sua vez, associa-se ao
emprego.
Uma das Comunidades Terapêuticas pesquisadas matem convênio com a
Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), do Governo do Estado do
Ceará, como já citado no início desse capítulo, e procura inserir os residentes no
Projeto Primeiro Passo, que pertence à mesma Secretaria, como forma de inseri-los
no mercado de trabalho.
De acordo com o site da STDS, o Projeto cria oportunidades voltadas à
cidadania, a inclusão social e profissional, proporcionando o aprendizado prático e
experiências que possibilitam o crescimento profissional e pessoal dos jovens de
comunidades vulneráveis, entre 16 e 22 anos, que estão cursando o Ensino
Fundamental II, Educação Especial, Ensino Médio ou que tenha concluído o Ensino
Médio na tentativa de promover uma melhoria na qualidade de vida do público
focalizado. De acordo com a idade e nível escolar, o jovem será oportunizado em
uma das três linhas de ação: Jovem Aprendiz, Jovem Estagiário e Jovem Bolsista
para conquistar sua primeira oportunidade no mercado de trabalho.
O acesso à escolaridade faz parte do processo de reinserção social e, quando
o egresso do tratamento da dependência química, não retorna aos estudos, por
causa de condições financeiras, continua igual a tantos outros brasileiros excluído
educacionalmente.
80
Outro profissional entrevistado descreveu as ações de reinserção social
desenvolvidas pelo Serviço Social de sua instituição, ressaltando a importância da
preparação para sair da Comunidade Terapêutica.
Nós não temos profissionalização fazendo parte do nosso programa de
tratamento, às vezes conseguimos alguma parceria para fazer cursos de
capacitação, mas não faz parte da nossa rotina. A reinserção se dá mais
nesse contexto de ajudar a se preparar para sair, ajudar a procurar um
anúncio de emprego no jornal, ajudar a fazer um currículo, sempre que
surge alguma oportunidade de emprego estamos providenciando, tentando
fazer o melhor possível, fora isso é mais o aspecto de estar reforçando e
mostrando as potencialidades que eles têm, nós procuramos fazer com que
eles identifiquem essas potencialidades e as reforça, para que eles possam
estar saindo e procurando emprego nessas áreas. (E4).
Essa mesma instituição mantém convênio com a Secretaria de Educação,
onde são cedidos professores de supletivo para dar aulas para os residentes, de
acordo com o profissional entrevistado esses professores participam também da
equipe técnica.
Sabemos que existem outros fatores importantes para o dependente químico
se reinserir na sociedade. É fundamental contribuir para o restabelecimento dos
vínculos familiares e sociais prejudicados ou rompidos, assim como possibilitar ao
usuário condições para retomar sua autonomia através da inclusão social e
produtiva, propiciar o fortalecimento de autoestima e autocuidado e por último
identificar meios de inseri-los de volta na escola e no mercado de trabalho.
Para entendermos o processo de Reinserção ou Reintegração Social é
necessário que nos reportemos ao conceito de exclusão, que é o ato pelo qual
alguém é privado ou excluído de determinadas funções.
De acordo com o portal Dependência Química12, a exclusão social implica,
pois, numa dinâmica de privação por falta de acesso aos sistemas sociais básicos,
como família, moradia, trabalho formal ou informal, saúde, dentre outros. Não é
outro senão, o processo que se impõe à vida do indivíduo que estabelece uma
relação de risco com algum tipo de droga, cuja fronteira para a exclusão é delimitada
pelo início dos problemas sociais.
12
FONTE: http://www.dependenciaquimica.inf.br.
81
Ainda segundo o mesmo site, a reinserção assume o caráter de reconstrução
das perdas e seu objetivo é trabalhar para que a pessoa possa exercer em plenitude
o seu direito à cidadania. O exercício da cidadania para o dependente químico em
recuperação significa o estabelecimento ou resgate de uma rede social inexistente
ou comprometida pelo período de abuso da droga. Ao retomarem o curso natural de
suas vidas, pós-tratamento, essas pessoas voltam-se basicamente para a dimensão
familiar, econômica, educacional, social e espiritual. O processo de reinserção
permeia todas essas dimensões.
Na reinserção social deve ser levado em conta o fato de que quando a
pessoa voltar ao convívio social, se as condições estarão ou não diferentes
daquelas que acarretaram o uso de substâncias psicoativas, por isso a importância
do acompanhamento familiar pelo profissional de Serviço Social.
A presença da família permeia todo o processo de tratamento e está presente
de forma muito significativa quando o interno parte para a etapa da reinserção
social. A primeira fase dessa nova etapa, sem dúvida, é o retorno ao meio familiar. A
forma como ele é recebido e como as relações se restabelecem (entre ele e seus
familiares) é de fundamental importância para a sua qualidade de vida.
Fazemos visita domiciliar, quando os residentes estão no 5º mês, ao invés
da família vir visitar aqui, eles começam a ir a casa, eles passam um dia e
meio em casa e retornam para a Comunidade Terapêutica. Antes de eles
irem fazemos a visita pra ver a situação familiar, a localização, a questão de
ameaças que a maioria tem, para ver como vamos lidar com isso, se a visita
dele não tiver como ser na casa dos pais, tentamos articular na casa de um
parente onde os pais possam ir. (E3).
Essa fala de um entrevistado mostra a importância desse instrumento de
trabalho do Assistente Social que é a visita domiciliar, pois ela favorece uma melhor
compreensão acerca das condições de vida dos usuários, que envolvem a situação
de moradia e as relações familiares e comunitárias. Portanto, faz com que o
profissional, a partir do conhecimento da realidade do usuário, tenha mais elementos
para buscar o alargamento dos direitos sociais que podem ser acessados por ele.
A realidade social, por sua vez se traduz a partir de movimentos complexos,
os quais nem sempre são possíveis de serem identificados, de forma imediata, pois
para tal, se faz necessário que possamos alcançar o mais próximo possível a vida
objetiva do sujeito. É fato que várias relações são estabelecidas entre o sujeito e a
82
sua realidade, mas nem sempre são identificadas por verbalizações, necessitando
dedicar atenção ao que não é visível, o que não é dito e o que não está aparente.
Os outros entrevistados também citaram as atividades que desenvolvem com
as famílias dos residentes, podemos perceber que nas três falas, há a preocupação
de trabalhar a co-dependência das famílias.
Uma vez por mês tem reunião com os familiares e nos dias de visita que
são aos sábados e domingos, procuramos melhorar as relações. Nós temos
um formato de entrevista inicial que aprofunda os dados sobre os residentes
com os familiares e fazemos um atendimento com os familiares, porque a
tendência é que eles se tornem co-dependentes. (E2).
Reúno-me com essas famílias nas sextas à tarde pra trabalhar com elas
questões ligadas à Dependência Química, trabalhamos vídeos, textos,
rodas de conversa, grupo de autoajuda tem dinâmicas, slides. Gosto muito
de ouvi-las, todo mundo partilha, chora, é fantástico, trabalhamos a questão
da co-dependência, explicamos sobre cada uma das drogas pra eles
conhecerem. (E3).
A família já está tão sofrida por conta da co-dependência que quando o
interno sai e ela não é bem trabalhada, eles têm dificuldades de
convivência, é importante que procuremos estabelecer essa harmonia para
que as pessoas consigam se entender e se conhecer, isso é necessário.
Por isso é critério de permanência dele aqui, que sua família esteja
disponível para atendimento também. Antes mesmo dos meninos se
internarem a família tem um acompanhamento. (E4).
Nas palavras de Sanda (2009), “o co-dependente deixa de viver sua própria
vida e passa a viver na dependência dos acontecimentos que ocorrem na vida do
dependente
químico,
ele
nunca
sabe o
que esperar,
constantemente
é
bombardeado com problemas, perdas e mudanças”. (SANDA, 2009, p. 246).
O autor classifica a co-dependência em cinco fases: negação (ela tem certeza
que todos os filhos dos vizinhos tem problemas menos o seu); depressão (uma
angústia muito profunda, muitas emoções negativas, uma fase que atinge o
dependente e pode causar certa descompensação levando-o a pensar na
possibilidade de tratamento ou o que é mais provável levá-lo ainda mais para o
fundo do poço.); negociação ou barganha (Tentam de tudo para mostrar ao filho que
são os melhores pais do mundo, oferecem normalmente o que poderiam cumprir,
como viagens, carro, dinheiro, mudam o filho de escola, etc.); raiva (como os pais
acham que já fizeram tudo que lhes era possível, partem então para liberar sua
agressividade contra o dependente químico) e aceitação (quando a família percebe
83
que nada disso resolve, este é o momento do tratamento para o dependente e
família).
Por isso a importância de incluir a família no tratamento, pois ela precisa
refletir sobre a qualidade da relação familiar e tentar melhorá-la para o momento que
o dependente químico voltar ao seu convívio.
Outra atividade de fundamental importância para o profissional de Serviço
Social é o registro sistemático de sua prática profissional, pois constitui uma
dimensão importante que favorece uma reflexão contínua de suas respostas sócio
institucionais em suas relações de determinação com a dinâmica do ser social.
Trata-se de um recurso que permite imprimir ao cotidiano a possibilidade de ser
compreendido a partir das relações sociais que lhes dão concretude e significado.
Percebemos nas entrevistas que esta não é uma prática muito utilizada pelos
entrevistados, que a documentação utilizada para registrar o cotidiano profissional é
a mesma utilizada pelos outros profissionais que fazem o acompanhamento dos
residentes, é uma espécie de “prontuário de acompanhamento de evolução”
disponibilizado pela instituição.
Tem umas coisas que nós criamos inclusive uma delas é bastante
avançada que dar conta do cotidiano nas diversas atividades e outra parte
que é uma avaliação qualitativa em relação ao avanço dele da recuperação.
Nós avaliamos a prática dele, o interesse, a responsabilidade, a ajuda ao
próximo e aí fazemos o acompanhamento. Não são todos os profissionais
que usam esse material, só os monitores, eles fazem lançamento em uma
folha de acompanhamento que é escrito se ele saiu para algum lugar,
cometeu alguma indisciplina, as sanções que são estabelecidas por eles
mesmos no acordo de convivência, então tudo isso é registrado na ficha
dele. (E2).
Na Comunidade Terapêutica nós temos uma pasta. Eu faço a triagem que
acontece na sede do projeto, é uma entrevista com informações pessoais,
vida escolar, habilidades, relacionamento familiar, uso de substancia por
alguém da família, o uso dele, os problemas que ele apresenta, se toma
algum medicamento, se já foi internado em algum centro educacional. Esse
documento é comum à coordenação, a psicóloga também usa, nós fazemos
a evolução, se houver alguma coisa particular que possa afetar ao grupo
nós passamos para os educadores. Só do Serviço Social não tem. (E3).
Apenas em uma instituição foi identificado um formulário específico para o
Serviço Social registrar suas impressões sobre os atendimentos, o profissional
ressaltou a importância do sigilo profissional.
84
Nós temos duas formas de registro, existe um prontuário único, que é uma
exigência da própria regulamentação no contexto do funcionamento da
Comunidade Terapêutica, o acesso é aberto aos profissionais que lidam
com os recuperandos, tem várias observações nesse prontuário único.
Cada setor tem seu prontuário específico, pois existem informações que eu
não posso colocar no prontuário único, o Serviço Social tem um formulário
específico de acompanhamento da família e do recuperando, pois tem a
questão do sigilo, só podemos passar para os outros setores informações
extremamente necessárias e que de fato vai ser benefício para o
recuperando. (E4).
Ao longo de sua história, o Serviço Social tem conseguido forjar um conjunto
de procedimentos de registro e avaliação de suas atividades, desde relatos de suas
abordagens individuais ou grupais até reuniões de equipe, se ocupando de produzir
informações e organizar processos em que a sua prática pudesse ser objeto de
reflexão.
Embora fosse regular o procedimento de registrar dados, não houve a
construção de uma cultura profissional alimentada por atividades investigativas, com
sistematização do trabalho no Serviço Social.
Todo processo de registro e avaliação de qualquer ação é um conhecimento
prático que se produz, e que não se perde, garantindo visibilidade e importância à
atividade desenvolvida. E mais: sistematizar a prática e arquivá-la é dar uma história
ao Serviço Social, uma história aos usuários atendidos, uma história da inserção
profissional do Assistente Social dentro da instituição – é essencial para qualquer
proposta de construção de um conhecimento sobre a realidade social.
3.5 Avaliação da prática profissional dos Assistentes Sociais
Perguntamos aos entrevistados sobre as limitações do cotidiano profissional
que eles identificam dentro da instituição e concluímos que houve um consenso
quando se trata da dificuldade de manutenção das Comunidades Terapêuticas. Um
dos entrevistados respondeu “a questão dos recursos nós conseguimos até alguma
coisa, mas com muito esforço, fazemos uma rifa aqui, e outra ali então conseguimos
dentro daquilo que planejamos”. (E3). Outro entrevistado desabafou.
As limitações nossas são os recursos materiais, não temos recursos
audiovisuais para fazer oficinas sócio pedagógicas, falta tudo, quase tudo
aqui é reaproveitado, é reciclado, com exceção de algumas mesas e
85
armários, todo o resto foi doado e reciclado, não temos patrimônio nenhum,
o presidente e dono do sítio é motorista da prefeitura e o outro sou eu, o
técnico, o dinheiro sai do nosso bolso. Então a grande dificuldade é essa,
até hoje só temos convênio com a Prefeitura de Fortaleza que paga
R$12.000,00 por mês, é a única subvenção que temos. Alguns dos
residentes contribuem com a menor mensalidade do Ceará que é R$500,00,
a grande maioria não paga esse valor só dar o que a família pode que é
R$200,00 ou R$300,00, o nosso limite de cota social é de 20% que daria 7,
mas estamos com 11 que não pagam nada, não é um trabalho filantrópico,
mas é sem fins lucrativos mesmo, eu vivo do salário que ganho como
licenciado no Pará. (E2).
Um profissional de uma Comunidade Terapêutica de natureza filantrópica
concordou com a fala anterior dizendo que a principal dificuldade é a financeira, pois
na instituição em que atua não é cobrada mensalidade das famílias dos internos,
nem possuem convênio com nenhuma outra instituição para manter a CT.
A estrutura física não é ideal porque existe uma limitação financeira, nós
sobrevivemos de doações, quem mantêm hoje a instituição é a sociedade
civil, não temos convênio que esteja mantendo a instituição, algumas
empresas doam alimentos, colégios fazem gincana e doam alimentos,
pessoas doam em espécie através do telemarketing e é isso que está nos
mantendo. As famílias que vem pra cá não são obrigadas a pagar nada, não
existe um valor de mensalidade, o que elas fazem é contribuir de alguma
forma com qualquer gênero alimentício, como também em espécie com
R$50,00 ou R$100,00, é um valor simbólico, pois a maioria dos nossos
recuperandos vem de situação financeira difícil. (E4).
Alguns dos poucos estudos existentes apontam no terceiro setor brasileiro
importante limitações à sua capacidade de desempenhar satisfatoriamente estes
papéis
que
lhe
são
propostos.
Notadamente,
ressalta-se
a
fragilidade
organizacional; a dependência de recursos financeiros governamentais e de
agências internacionais, cada vez mais escassos; a falta de recursos humanos
adequadamente capacitados e a existência de obstáculos diversos para um melhor
relacionamento com o Estado.
Segundo o Diagnóstico do Terceiro Setor, desenvolvido pelo CAOTS (Centro
de Apoio Operacional ao Terceiro Setor), entre 2000 e 2005, a maior parte das
ONGs sobrevive através de doações, patrocínios, venda de produtos ou serviços e
recursos de origem governamental.
Embora o Terceiro Setor tenha apresentado um enorme crescimento desde
meados da década de 1990, as instituições dessa área ainda sofrem com a
necessidade de recursos financeiros para manutenção e financiamento de seus
projetos. A falta desses recursos leva muitas instituições a sofrerem um processo de
86
descontinuidade em suas atividades, com quebra dos compromissos com o públicoalvo e as comunidades beneficiadas.
Outra dificuldade citada por um dos entrevistados é a falta de empenho dos
profissionais da Política de Assistência Social e de Saúde em buscar informações
sobre a questão das drogas. Ele informou que
É muito difícil fazer encaminhamentos para o usuário conseguir algum
benefício assistencial, devido a falta de informações desses profissionais,
que ainda veem a dependência química como um defeito moral, eu lastimo
que a Assistência Social não tenha o devido empenho de primeiro conhecer
a profundidade da questão das drogas e segundo adotar mecanismos, por
exemplo, o BPC, o sujeito que está aqui era para ter direito ao BPC e é a
maior dificuldade pra gente conseguir encaminhar alguma coisa tanto de
auxilio doença quanto de BPC, a CID10 dá esse direito, mas falta
informação. (E2).
O capítulo 20 da lei 8742/93, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS),
traz os critérios para acessar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), deixando
claro que, somente poderá ter direito a ele quem for deficiente ou idoso.
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70
(setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de
deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Porém,
o
dependente
químico
poderá
ter
acesso
aos
benefícios
previdenciários, como o auxílio-doença, pois a dependência química é considerada
uma doença segundo a CID-10, no entanto ele precisa ser segurado do Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS).
De acordo com o site da Previdência Social13, o auxílio-doença é um benefício
concedido ao segurado impedido de trabalhar por doença ou acidente por mais de
15 dias consecutivos. Para concessão de auxílio-doença é necessária a
comprovação da incapacidade em exame realizado pela perícia médica da
Previdência Social. Para ter direito ao benefício, o trabalhador tem de contribuir para
a Previdência Social por, no mínimo, 12 meses (carência).
13
FONTE: http://www.previdencia.gov.br.
87
Ainda segundo o site da Previdência Social, o afastamento do trabalho pelo
uso de drogas proibidas, como crack, cocaína, anfetaminas e maconha chega a ser
oito vezes maior do que pelo consumo de álcool e cigarro. No ano de 2011, a
Previdência concedeu 124.947 auxílios-doença a dependentes químicos. A conta
para o governo com essa despesa foi de, no mínimo, R$ 107,5 milhões/ano. A
Previdência tem dificuldades para calcular o valor exato devido à complexidade
desses pagamentos. O auxílio-doença varia de um salário mínimo à R$ 3.916,00. O
valor médio pago aos dependentes é de R$ 861,00. O número é crescente. De 2009
para cá, a Previdência concedeu mais de 350 mil auxílios à pessoas que precisaram
se afastar do trabalho por uso de drogas.
Para as famílias que enfrentam o alto custo do tratamento do dependente
químico, gastando dinheiro em clínicas, comunidades terapêuticas, etc., e com a
infinidade de outras despesas que aparecem com a dependência, esse benefício é
um alento, mas ele só é concedido se o dependente químico estiver em tratamento e
só na primeira parte do tratamento – quando o dependente está na fase de
abstinência – isso ocorre porque a legislação brasileira permite o afastamento
apenas no momento de incapacidade de trabalho. Não existe nenhuma norma válida
para o restante do tratamento.
Além de todas essas dificuldades relatadas pelos entrevistados, identificamos
também algumas possibilidades nessas instituições, todos os entrevistados falaram
sobre a importância da autonomia profissional, que conseguem atuar de forma livre
e autônoma. Ressaltaram, também, a valorização e reconhecimento do trabalho de
cada um, o incentivo à capacitação contínua e a abertura que o Serviço Social tem
dentro das instituições. Sobre esse último ponto um dos entrevistados falou “Não
existe dificuldade de diálogo com a presidência, nós temos vez e voz, se você tem
ideias podem discuti-las, elas podem ser aceitas e enriquecidas também, isso é
muito bom, é engrandecedor”. (E4).
Perguntamos também como os Assistentes Sociais avaliam sua prática
profissional e se essa avaliação é periódica. Nas respostas percebemos que não
existe uma avaliação sistemática por parte do Serviço Social, que são avaliações
gerais, de toda a instituição e que não existe um instrumental específico para
realizar essa análise. “Eu tenho por hábito, quando termina o ano, fazer o
88
levantamento de todas as metas que foram trabalhadas e as que não foram de cada
cliente. Não tem um instrumento pra fazer essa avaliação”. (E1).
Avalio o todo, nada específico do Serviço Social porque não tenho
parâmetro, é mais em cima da minha auto avaliação, o que eu consegui e o
que não consegui fazer. É avaliado o funcionamento da casa, o geral, a
atenção e a falta de atenção que conseguimos dispensar ao pessoal. Todo
final de semana temos reunião de equipe e vemos um por um dos 35
residentes, como cada um avançou ou não dentro da casa, a evolução no
contexto da recuperação. (E2).
Nós temos uma prática, não só do Serviço Social, mas como coordenação,
de avaliar como estamos e como podemos melhorar. Essa casa faz parte
de uma Associação e por parte dela fazemos o planejamento estratégico do
que vamos fazer durante todo o ano e também avaliamos o planejamento
estratégico do ano anterior, o que foi cumprido e o que não foi, é mais em
nível de instituição mesmo. Aqui de vez em quando nos sentamos quando
há uma necessidade, nós tentamos sempre melhorar, fazer um trabalho de
qualidade que atinja os meninos, porque é difícil, mas nós tentamos, então
é só quando aparece uma necessidade real, até porque é tudo tão intenso
que não temos tempo. (E3).
A instituição tem um instrumental de avaliação de serviços, mas não é posto
em prática regularmente. Aqui o diálogo é muito aberto com a coordenação,
então as avaliações acabam não sendo formais, procuramos fazer com que
tudo seja avaliado, pensado, mas não de uma forma regular. (E4).
Segundo Raichelis (2006), a avaliação do próprio desempenho profissional,
ajuizando, a partir dos resultados obtidos, as necessidades de aprimoramento e
atualização, é fundamental para pensar sobre o trabalho desenvolvido a partir de
seus resultados e não de discursos sem relação com a realidade. A avaliação
possibilitará ao profissional apreciar os fatores que são decorrentes de fragilidades
de sua ação ou de fatores alheios à mesma. Esse procedimento tem duas
dimensões significativas: de um lado contribui para o aperfeiçoamento profissional
individual e de outro para o da categoria, na medida em que o relato da experiência
pode ser partilhado e apreciado pelos demais profissionais.
Conforme a mesma autora, outro ponto importante é marcar a periodicidade
com que vai se realizar a avaliação, estabelecendo rotinas e procedimentos para
tanto. Quando o assistente social tem autonomia, deve organizar os cronogramas
para que, pelo menos anualmente, faça-se uma avaliação da eficácia e eficiência de
sua ação. Tal procedimento não desconsidera os processos avaliativos coletivos
com a equipe.
De acordo com Vasconcelos (2007), a definição dos objetivos e do fazer
profissional não é suficiente para uma ação qualificada e reflete diretamente sobre
89
os resultados da ação. É o processo de avaliação do trabalho que permite ao
profissional identificar se suas ações estão sendo coerentes com as necessidades
dos usuários e se está alcançando os produtos esperados, o que poderá incidir
também em um planejamento diferenciado para o trabalho. Este destaque é
relevante, pois o profissional deve permanentemente refletir sobre sua ação e avaliar
os objetivos, metas e resultados, tendo como norte as colocações de Iamamoto
(2000) de que o Serviço Social atua no processo de reprodução da classe
trabalhadora e nos processos sócio-políticos com a perspectiva do direito e da
socialização de informações.
Ao final das entrevistas, cada Assistente Social ficou livre para deixar uma
mensagem para quem tivesse acesso a essa pesquisa. Percebemos algumas coisas
importantes nessas falas, principalmente quando se trata da paixão pelo que faz e
da dedicação com os dependentes químicos em recuperação.
Identificamos que dois profissionais são completamente “apaixonados” pela
profissão, pela área onde atuam e pela instituição em que trabalham. Consideram os
internos, pessoas boas, dignas, capazes, verdadeiras “pérolas”, “pedras preciosas”.
Ficam felizes com a felicidade deles ao chegarem ao final do tratamento, acreditam
na mudança das pessoas e, principalmente, são motivados por essa mudança.
Esses profissionais enfrentam diversas dificuldades, como salários baixos e
atrasados, falta de condições financeiras, mas ainda conseguem se emocionar ao
dizer o quanto são apaixonados pelo que fazem. Essa paixão talvez seja o que faz a
diferença na vida dessas pessoas.
A área da Dependência Química é uma área intrigante, mas é também
apaixonante, porque você ver uma pessoa que vai até o fundo do poço,
onde é tirado dela toda a dignidade, chegar aqui destruído, é como uma
casa que ruiu, eles chegam em ruínas e dentro da Comunidade Terapêutica
vão se reconstruir, nós somos os engenheiros que ficaremos orientando,
mas quem vai colocar a mão na massa, tijolo por tijolo e vai reconstruir suas
vidas são eles, então é uma coisa muito pessoal, o querer tem que vir de
dentro. Desde que eu cheguei aqui, vi que nós somos os semeadores de
ideias, de pensamentos, de sonhos e é o que eu tento ser nessa casa, sem
muitas vezes ver o resultado, é como eu te disse nós trabalhamos com o
fracasso. Eu sempre pensei assim, que aqui irei plantar semente, não sei se
vou ver os resultados, colher os frutos. Alguns eu já vi, que estão bem,
trabalhando, sempre dão o retorno, nos visitam, sempre ligam, mas são
poucos ainda. Eu sempre peço a Deus que ele nunca tire do meu coração
esse desejo de semear, de ver que o ser humano é bom na sua essência,
que ele se desvirtua por infinitas coisas que acontecem na sua vida, desde
o ventre até adulto, só ele sabe o que passou e o que passa. Então a nossa
missão é essa de semear amor, coisas boas para a vida desses meninos e
90
é isso que eu tenho feito e que me motivou a não ter desistido, então é
sempre semear, e se não colhermos, outra pessoa vai colher. Os meninos
quando chegam aqui são pedras brutas, mas após eles serem trabalhados,
serem polidos, aparece a pérola, ela existe lá dentro, o ser humano nasce
bom porque ele vem de Deus, quando vem pra esse mundo é que ele se
desvirtua, mas eles são pedras muito preciosas. Amém. (E3 – grifos
nossos).
Eu sou apaixonada, quando se entra na rotina do tratamento você vê que
é muito rico, é engrandecedor, você ver dez pessoas que entram, nove não
se recuperam, mas uma pessoa se recupera, isso alimenta o seu ego no
sentido de ver que uma pessoa está saindo bem, isso me motiva pra
trabalhar, nós acabamos nos prendendo muito aqui por ver que a
mudança pode acontecer. Trabalhar aqui é uma oportunidade de crescer
mais ainda como pessoa, porque você vê pessoas destituídas de direitos,
muitas vezes porque eles fizeram aniquilar-se desses direitos, que são
pessoas boas. O que faz com que você se apaixone é conhecer o lado
bom dessas pessoas, que por trás desse uso de drogas existem
verdadeiros cidadãos, pessoas dignas, capazes e que conseguem com
muito esforço se dedicar a um tratamento que é doloroso demais, é muito
sofrido parar de usar a droga, mas quando se consegue chegar ao fim e
olhar pra trás e ver que se caminhou sem droga, aquilo te torna um cidadão
de verdade e enquanto profissional ver essas pessoas nesse processo de
evolução te faz crescer não só como profissional, mas como pessoa, te faz
ver que mesmo onde você achava, como leigo, que talvez não existia amor,
não existia saída, você vê ressurgir das cinzas pessoas que acabam se
tornando felizes e isso te deixa muito mais feliz. Eu consigo ter essa
felicidade de ver, mesmo a todo custo, que as pessoas podem mudar
de vida, que eles sofrem, mas crescem e quando crescem conseguem dar
um novo rumo a sua vida, elas conseguem ser dignas e felizes de fato. (E4
– grifos nossos).
A fala a seguir é de um profissional que concorda com os dois anteriores em
dizer que trabalhar nessa área faz de você uma pessoa melhor e que é
reconfortante saber que uma pessoa conseguiu se recuperar. Ele ainda ressalta a
importância do profissional se aproximar do dependente químico que está em
tratamento, dar a ele e à sua família atenção e carinho e se desnudar dos
preconceitos.
Essa é uma área que requer bastante dedicação e atenção do profissional,
não ter essa postura profissional de distância, tem que quebrar essa
distância para chegar ao sujeito, tem muitos que você tem que dar
“colo”, ser carinhoso com ele porque ele estar precisando daquilo, muitas
vezes é preciso que você dê um abraço, tanto o dependente quanto a
família, há uma necessidade que todos os profissionais se interessem. O
Assistente Social tem muito a dar, ele tá formado para trabalhar uma coisa
que é a consciência da pessoa, sensibilizar a pessoa a se cuidar para ela ir
atrás de sua redenção, da sua recuperação. Vale a pena trabalhar nessa
área, é altamente reconfortante quando você encontra uma pessoa que
passou pela sua vida profissional e ela estar em recuperação, que
retomou sua vida na mão. As pessoas que estiverem lendo essa
monografia, que já estão interessadas no assunto, que elas continuem
porque vale à pena, é uma área difícil, que requer muita experiência de vida
e profissional, que o profissional se desnude de preconceitos, da visão
91
estereotipada que a sociedade tem de que quem usa crack não tem mais
jeito, ele é um ser humano e precisa conviver com isso. É muito
interessante trabalhar nessa área, te torna uma pessoa melhor, por isso
eu não poderia deixar de responder essa entrevista, porque é muito bom ver
que alguém está interessado em debater sobre Dependência Química. (E1
– grifos nossos).
Na mensagem desse entrevistado, percebemos uma tentativa de sensibilizar
e conscientizar os políticos, a sociedade e os profissionais de Serviço Social e de
saúde da importância de buscar informações sobre drogas e, principalmente, sobre
a dependência química. Uma tentativa de mostrar às pessoas que ela é uma
doença, e não um desvio de caráter como tantas pessoas pensam.
Tenho tanta coisa pra dizer. Eu senti na pele o que é a Dependência
Química, o que é a falta de um entendimento adequado dessa doença, sem
querer ser alarmista, hoje ela tomou uma proporção de uma verdadeira
pandemia, ela é extremamente democrática, não tem fronteiras, atinge
todas as classes, categorias sociais, então se faz necessário que os
políticos deem mais um pouco de atenção para essa questão e que a
sociedade como um todo procure buscar formas de diminuir os riscos
de acesso às drogas e aumente a proteção através de políticas públicas
adequadas na área da prevenção, que passam necessariamente pela
educação, inclusão no currículo. Então políticas adequadas de qualidade
de vida, de prevenção ao uso abusivo de drogas seriam fundamentais.
Precisamos de mentes mais abertas para entender que isso não é uma
doença moral, se torna uma doença de comportamentos doentios, ela
é uma doença mesmo, é recorrente, pode ter determinações fatais, é
progressiva. Então o entendimento sobre drogas de um modo geral
deve ser colocado de uma maneira extensa. A divulgação não faz mal a
ninguém, um bom trabalho de prevenção e ao Serviço Social muita
informação, pois os danos que a Dependência Química causa são muito
extensos e eles podem atingir mais de uma geração, o Serviço Social
precisa abrir mais os olhos para essa realidade social, pois poucos
profissionais, inclusive da área da saúde, não tem informações sobre
Dependência Química. (E2 – grifos nossos).
Portanto, de acordo com as entrevistas, percebemos que para atuar junto à
recuperação de dependentes químicos, o posicionamento profissional precisa estar
em consonância com o projeto ético-político profissional e com o código de ética do
assistente social, além de muita dedicação, conhecimento sobre a área, assim como
sobre as leis e as políticas públicas sobre drogas, proximidade com os usuários e
com as famílias atendidas, acreditar na mudança das pessoas, ter um bom
relacionamento com os outros profissionais que fazem parte da equipe e também
com a direção da instituição, está se capacitando regularmente, registrando e
avaliando sua prática profissional, e por fim, tentar superar os limites da realidade
institucional, assim como aproveitar todas as possibilidades para mostrar aos
usuários a melhor forma de acessar seus direitos.
92
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A orientação política, econômica e social desenvolvida no Brasil, segue a
linha neoliberal, a qual favorece o capital financeiro em detrimento do investimento
em políticas sociais e isso rebate negativamente na qualidade de vida da população
de forma implacável.
De acordo com uma pesquisa divulgada em setembro deste ano pelo Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), sobre os gastos sociais do Governo
Federal nos últimos 16 anos, observa-se um salto significante de investimentos no
governo Lula (2003-2010). O gasto do governo federal com políticas sociais
aumentou 172% entre 1995 e 2010. Com relação ao Produto Interno Bruto (PIB), a
parcela da área social passou de 11,24%, em 1995, para 15,54%, em 2010. Esse
crescimento de 4,3 pontos percentuais foi distribuído, principalmente, para a
previdência social e para políticas de assistência social (IPEA, 2012).
Apesar desse crescimento, o Estado continua seguindo a orientação
neoliberal e a área mais afetada é a social, seja a saúde, a educação, a assistência,
entre outras. A área da dependência química não foge desta situação.
Segundo a política do Ministério da Saúde para a Atenção ao Álcool e Outras
Drogas, os locais de tratamento para dependentes químicos seriam as unidades
extra hospitalares CAPSad. Porém, após oito anos da elaboração desta política,
percebemos que o número dessas instituições no Brasil ainda é bem reduzido em
comparação à procura por atendimento.
Desta forma, o vácuo existente no atendimento aos dependentes químicos
continua existindo e é preenchido por instituições privadas ou filantrópicas, onde se
enquadram as Comunidades Terapêuticas.
Ao nos apropriarmos do suporte teórico, tanto na parte da prática profissional,
quanto da legislação e das políticas sobre drogas, e das entrevistas com os
assistentes sociais, percebemos que essa problemática é muito complexa.
93
E é neste contexto completamente diferente e confuso que se insere o
Serviço Social. Reconhecemos que o trabalho do assistente social em instituições
que tratam do dependente químico, principalmente nas Comunidades Terapêuticas,
é relativamente novo, por isso o profissional ainda está buscando o lugar e o papel
do Serviço Social dentro dessa área.
Pensando na prática profissional do Serviço Social, umas das atribuições do
assistente social é a democratização de informações e principalmente dos direitos,
os quais o dependente químico nem sempre tem atendidos, por isso a importância
dessa prática.
Para desenvolver tal prática, o profissional precisa estar sempre se
atualizando e se capacitando. Isso é realizado não só via academia (especialização,
mestrado e doutorado), mas também através do conhecimento, leitura e discussão
dos acontecimentos. Precisa, também está sempre em consonância com o Código
de Ética profissional e o Projeto Ético-político da profissão, assim como à teoria
específica de sua área de atuação.
Assim, é necessário que o assistente social seja capaz de compreender a
realidade que desencadeia as demandas que lhes são apresentadas e analisá-las
criticamente, pois vivemos em uma sociedade capitalista marcada pela desigualdade
social que traz consigo diversas consequências negativas para a vida das pessoas,
esse crescente abuso de drogas, citado anteriormente, talvez seja um desses
problemas trazidos por essa sociedade que enaltece o consumo e a competição.
Os dados obtidos nas entrevistas contribuíram em muito para traçar um perfil
desses profissionais de Serviço Social que atuam em Comunidades Terapêuticas.
Conseguimos identificar o que eles fazem como são sua relação como os outros
profissionais da equipe multidisciplinar, o trabalho desenvolvido por eles.
Percebemos uma quase ausência do registro e avaliação da prática desses
profissionais, mostramos a forma como estão inseridos na instituição, como superam
os limites da realidade institucional para dar uma resposta satisfatória às demandas
postas e o nível de comprometimento deles com a profissão e, principalmente, com
o tratamento dos dependentes químicos.
94
Percebemos que o assistente social precisa valorizar a prática do Serviço
Social em Saúde Mental, articulando os objetos das duas áreas, ou seja, buscar os
fenômenos que ligam a questão social aos transtornos mentais por um lado, e a
assistência social e a assistência psiquiátrica por outro. Existem vários pontos
comuns entre as populações pobres e oprimidas com os transtornos mentais. Assim,
terá um objeto integrado das duas áreas.
Identificamos que o Serviço Social tem um papel fundamental no tratamento
do dependente químico. De acordo com os entrevistados não existe recuperação se
não for trabalhada a reinserção e a família, e quem faz isso geralmente é o
assistente social, que tem outro olhar, tem todo um cuidado voltado para o mercado
de trabalho, escolaridade, a questão da cidadania, tem uma visão bem mais ampla
desse sujeito como cidadão, para ele está voltando para sociedade como um todo.
Concluímos que, para trabalhar com a recuperação de dependentes
químicos, é necessário, além do que foi citado anteriormente, confiar na mudança
das pessoas, acreditar que elas são capazes de se recuperarem. Essa confiança e
comprometimento do profissional com a instituição, com o tratamento, com a
reinserção social e com o dependente químico e sua família, é que vai fazer a
diferença na vida das pessoas.
No entanto, para que esse trabalho seja realizado com qualidade, se faz
necessário todo uma estrutura e um aparato legal, assim não dependendo apenas
do profissional. Precisamos de políticas públicas mais atuantes na área da
dependência química; uma legislação que perpasse todos os fatores relacionados à
vida do ser humano, não só baseadas na repressão; boas condições de trabalho
oferecidas pelas instituições aos profissionais; entre outras. Assim, o assistente
social terá sua atuação totalmente voltada para a perspectiva da garantia de direitos.
Ao final dessa trajetória, entendemos que nosso propósito com essa pesquisa
foi alcançado. Revelamos o perfil do profissional de Serviço Social que atua em
Comunidades Terapêuticas, assim como sua relação com os outros saberes que
compõem a equipe multiprofissional, mostramos a importância da fundamentação
teórica, do constante aprimoramento e de uma análise sistemática da sua prática
95
para a qualidade dos serviços prestados, investigamos a contribuição do assistente
social no tratamento e na reinserção do dependente químico.
Além de todos esses resultados obtidos, esta pesquisa contribui também para
nosso crescimento pessoal e profissional, pois a área da dependência química, em
especial as Comunidades Terapêuticas, se revelou um campo de atuação bastante
rico e desafiador, um pouco diferente das experiências vivenciadas no estágio
supervisionado.
Compreendemos ainda mais o quanto o trabalho realizado pelo profissional
de Serviço Social é importante para que os usuários consigam acessar seus direitos,
principalmente para os dependentes químicos que têm dificuldade no atendimento
destes.
Apesar de todas as políticas desenvolvidas pelo Estado no âmbito da
dependência química, ainda não se tem respostas efetivas que contemplem todas
as áreas do ser humano.
Há também certo preconceito com as Comunidades Terapêuticas, que foram
as primeiras instituições, sem ser hospital ou polícia, que atenderam os dependentes
químicos numa perspectiva psicossocial. Percebemos que essas instituições vêm se
modificando ao longo dos anos e cada vez mais se enquadrando nos padrões de
funcionamento da ANVISA e que necessitam de profissionais de nível superior
capacitados para esse tipo de trabalho, garantindo um atendimento eficaz e de
qualidade.
Entendemos como um dos pontos negativos mais marcantes das instituições
pesquisadas, a escassez de recursos financeiros para o desenvolvimento do
trabalho dos profissionais. Esse limite institucional interfere tanto no tipo de
tratamento disponibilizado aos dependentes químicos, quanto na relação dos
profissionais com as referidas instituições.
96
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______. Resolução CFESS nº 273. Código de Ética Profissional do Assistente
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101
APÊNDICE
102
APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM ASSISTENTE SOCIAL
IDENTIFICAÇÃO DO ENTREVISTADO
1. Idade e religião.
2. Ano e local da graduação. Cursos de pós-graduação (especializações, mestrado
ou doutorado).
3. Escolha da profissão. Quais eram suas expectativas para a profissão.
4. Como entrou na área da dependência química. Tempo de serviço.
5. O que acha desse campo de atuação. Aberto ou fechado para o Serviço Social.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
6. Frequência que participa de seminários, congressos, cursos de capacitação na
área da dependência química. Incentivo da instituição.
7. Importância do Código de Ética e do Projeto Ético-político para sua prática.
8. Autores do Serviço Social e da área da dependência química referência para sua
prática.
9. Conhecimento sobre Leis e Políticas Públicas sobre drogas.
10. Como você vê a dependência química e os dependentes químicos. Articulação
entre as discussões no âmbito do Serviço Social com as discussões no âmbito da
dependência química.
PRÁTICA PROFISSIONAL
11. Função; tempo de serviço na instituição. Carga horária de trabalho (em
horas/semanal). É igual para os outros profissionais de nível superior.
12. Rotina de funcionamento da instituição (número de usuários e profissionais –
atividades)
13. Trabalho em equipe. Relação com os outros profissionais.
103
14. Implantação do Serviço Social na instituição.
15. Papel do setor de Serviço Social na instituição.
16. Atividades do Serviço Social dirigidas à família.
17. Ações Serviço Social de reinserção social.
18. Documentação utilizada no registro da prática do Serviço Social.
AVALIAÇÃO
19. Limites e possibilidades da sua atuação profissional (estrutura física, sala do
Serviço Social, recursos financeiros e humanos, salários)
19. Existe uma avaliação periódica da sua prática profissional? Como é feita essa
análise? É uma prática institucional ou do setor de Serviço Social?
20. Poderia deixar uma mensagem no final dessa entrevista que fosse importante
para as pessoas que terão acesso a essa pesquisa.
104
APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO DOS RESPONSÁVEIS PELA
INSTITUIÇÃO / COORDENADOR DA COMUNIDADE TERAPÊUTICA
I. DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
Nome da instituição ___________________________________________________
Nome ______________________________________________________________
Documento de identidade nº _____________________________ Sexo M ( ) F ( )
Data de nascimento ____/____/____
Endereço ___________________________________________________________
Bairro _______________________ Cidade ___________________ Estado _______
CEP ________________________ Telefone (___) __________________________
E-mail ______________________________________________________________
II. DADOS SOBRE A PESQUISA CIENTÍFICA
Título do Protocolo de Pesquisa: Serviço Social na área da Dependência Química:
uma análise da atuação profissional do Assistente Social em comunidades
terapêuticas.
Pesquisadora: Débora da Silva Lemos, residente na Rua Pernambuco nº 93.
Demócrito Rocha, Fortaleza – CE. CEP: 60.440-140. Telefone: (85) 88071222.
Cargo / Função: Aluna de graduação de Serviço Social da Faculdade Cearense.
Avaliação de risco da pesquisa: não haverá risco para os sujeitos do estudo.
Duração da pesquisa: 03 meses (coleta, organização e análise de dados).
III. REGISTRO DAS EXPLICAÇÕES DA PESQUISADORA AO RESPONSÁVEL
PELA INSTITUIÇÃO / COORDENADOR
O presente estudo tem por objetivos analisar a atuação profissional do
Assistente Social em Comunidades Terapêuticas, especificar as atividades,
105
procedimentos e instrumentos de trabalho.
Além de identificar os limites e as
possibilidades da realidade em que o profissional atua, avaliando, também, sua
relação com outros profissionais.
Informo que os procedimentos utilizados para a coleta de dados serão
entrevistas gravadas com perguntas abertas e fechadas. Nas entrevistas serão
coletadas informações a cerca da atuação do Assistente Social.
Devo esclarecer que não há nenhum tipo de dano que possa prejudicar
qualquer participante ou instituição, inclusive será guardado o anonimato, e que os
benefícios oriundos deste estudo poderão conduzi-lo a melhor compreensão do agir
cotidiano, resultando numa melhoria dos serviços prestados para a dependência
química.
Eu ___________________________________________________ Coordenador (a)
da
Comunidade
_________________________________________________,
Terapêutica
declaro,
concordar
com a realização da pesquisa – Serviço Social na área da Dependência Química:
uma análise da atuação profissional do Assistente Social em comunidades
terapêuticas – após esclarecimento da pesquisadora e ter entendido o que me foi
explicado sobre os objetivos, interesses e metodologia, assim sendo, consinto que a
instituição participe do estudo. Declaro, também, ter ciência dos dados da
pesquisadora, a Sra. Débora da Silva Lemos.
Local ________________________ Data ___/___/___
____________________________________________
Assinatura do Coordenador (a)
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APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Título da Pesquisa: “Serviço Social na área da Dependência Química: uma
análise da atuação profissional do Assistente Social em Comunidades
Terapêuticas”
Pesquisadora: Débora da Silva Lemos
Orientador (a): Verbena Paula Sandy
O Sr. (Sra.) está sendo convidado(a) a participar desta pesquisa que tem
como finalidade analisar a atuação profissional do Assistente Social em
Comunidades Terapêuticas. Para isto, será necessário a participação de
profissionais de Serviço Social que atuem em instituições que tratem da
Dependência Química.
Ao participar deste estudo o Sr. (Sra.), permitirá que a pesquisadora utilize
suas informações para a realização desta pesquisa. Entretanto, os dados obtidos
serão mantidos em sigilo, somente a pesquisadora e o orientador (a) terão
conhecimento dos dados.
O participante tem a liberdade de desistir a qualquer momento do estudo caso
julgue necessário, sem qualquer prejuízo. A qualquer momento poderá pedir
maiores esclarecimentos sobre a pesquisa através do telefone da pesquisadora do
projeto.
O maior benefício para o participante será a sua contribuição pessoal para o
desenvolvimento de um estudo científico de grande importância, onde a
pesquisadora se compromete a divulgar os resultados obtidos.
Após estes esclarecimentos, solicito o seu consentimento de forma livre para
participar desta pesquisa. Portanto preencha, por favor, os itens que se seguem:
Consentimento Livre e Esclarecido
Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida,
manifesto meu consentimento em participar da pesquisa.
____________________________________________
Assinatura do participante
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