CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL DÉBORA DA SILVA LEMOS SERVIÇO SOCIAL NA ÁREA DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA: UMA ANÁLISE DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL EM COMUNIDADES TERAPÊUTICAS FORTALEZA 2012 DÉBORA DA SILVA LEMOS SERVIÇO SOCIAL NA ÁREA DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA: UMA ANÁLISE DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL EM COMUNIDADES TERAPÊUTICAS Monografia apresentada ao curso de graduação em Serviço Social da Faculdade Cearense – FaC, como requisito para obtenção do título de bacharelado. Orientadora: Verbena Paula Sandy FORTALEZA 2012 L558s Lemos, Débora da Silva. Serviço Social na área da dependência química: uma análise da atuação profissional do assistente social em comunidades terapêuticas / Débora da Silva Lemos. – 2012. 106 f. Orientador: Profª. Esp. Verbena Paula Sandy. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Faculdade Cearense, Curso de Serviço Social, 2012. 1. Dependência química. 2. Assistente social - prática profissional. 3. Comunidades terapêuticas. I. Sandy, Verbena Paula. II. Título. CDU 364-78 CDU 616.98:578.828 Bibliotecária Maria Albaniza de Oliveira CRB-3/867 CDU 658 CDU 37:004 CDU 338.486.21:[004.738.5:339] CDU 347.922.6 DÉBORA DA SILVA LEMOS SERVIÇO SOCIAL NA ÁREA DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA: UMA ANÁLISE DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL EM COMUNIDADES TERAPÊUTICAS Monografia como requisito para obtenção do título de bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data de aprovação: _____/_____/______ BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________ Profª. Especialista Verbena Paula Sandy Faculdade Cearense ____________________________________________________ Profª. Ms. Virzângela Paula Sandy Faculdade Cearense ____________________________________________________ Profª. Dra. Cristiane Porfírio de Oliveira do Rio Faculdade Cearense A minha mãe Albaniza e ao meu irmão Rafael, pelo exemplo e pelo apoio em todos os momentos da minha vida. Ao meu amor Vinícius, pela companhia, compreensão e por todo o esforço em me ajudar. As amizades verdadeiras. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus que me concede todos os dias o dom da vida, que iluminou o meu caminho e me deu força e coragem durante esta caminhada. A minha mãe Albaniza, que sempre me incentivou e me apoiou em qualquer decisão que eu tomasse e por seu exemplo incansável de luta, dignidade, honestidade e integridade que fez de mim a mulher consciente que sou hoje. Ao meu irmão Rafael, também pelo exemplo e pelo apoio em todos os momentos da minha vida. Ao meu amor Vinícius, que soube entender todas as ausências, mudanças de humor e chateações que passei neste período e que nunca mediu esforços para me ajudar em tudo que eu precisasse. Agradeço a todos os colegas de turma e de estágio pela troca de experiências e, em especial, à equipe “máster” Antonia Lira, Caroline Lindolfo, Emanuela Vitor, Mirella Freire e Shirley de Castro Alves, pela força, pelo apoio, pela compreensão, pelo carinho, nos momentos de angústia, como também nos momentos de alegria e sucesso que compartilhamos ao longo desses quatro anos da graduação. A todos os professores e supervisoras de campo de estágio que me acompanharam ao longo dessa caminhada, transferindo seus conhecimentos, experiências e possibilitando meu crescimento profissional. Principalmente a minha orientadora, professora Verbena Paula Sandy e a professora das disciplinas de TCC, Eliane Nunes Carvalho, por terem acreditado e confiado em mim e também pelo apoio e contribuições dadas no dia a dia, sem eles esse trabalho não teria sido possível. Agradeço aos colegas Assistentes Sociais entrevistados pela disponibilidade e colaboração para que esta pesquisa se transformasse em realidade. Obrigada por tudo. “não me importa se é simpático ou antipático, não me importa se é grato ou ingrato, não me importa de que nível social, raça ou religião vem. Minha tarefa é oferecer ao combalido apoio e recuperação.” (J. F. Regis de Morais) RESUMO Este estudo buscou analisar a prática do assistente social em instituições do terceiro setor que atendem dependentes químicos, as Comunidades Terapêuticas, localizadas em Fortaleza e na região metropolitana. Entendemos que estudar a prática profissional é importante, no sentido de contribuir para o amadurecimento e a construção permanente do Serviço Social no Brasil, e a relevância do estudo realizado, no âmbito da dependência química, se deve ao fato de ser esta um tema transversal e, também, por ser considerado um problema mundial. De acordo com dados do II Levantamento Domiciliar sobre Drogas Psicotrópicas em nossa sociedade, realizado pelo CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas) em 2005 nas 198 maiores cidades do país, 12,3% dos brasileiros com idade entre 12 e 65 anos se declaram dependentes de bebidas alcoólicas. O álcool e tabaco são as drogas mais consumidas pela população brasileira – uso na vida, 68,7% de álcool e 41,1% o tabaco. A pesquisa revela ainda que, em 2001, 19,4% dos entrevistados já haviam usado algum tipo de droga e, em 2005, esse número subiu para 22,8%, o que corresponde a uma população estimada de aproximadamente 11.603.000 pessoas, excluindo o álcool e o tabaco. Em relação aos dados sobre a prevalência do uso na vida de qualquer droga psicotrópica, houve bastante variação nas cinco regiões brasileiras. O nordeste é a região onde quase um terço (27, 6%) dos moradores, das 22 cidades mais populosas da região, já fizeram uso na vida de drogas, exceto tabaco e álcool. Nossa investigação se fundamenta nas discussões acadêmicas a respeito da prática profissional; na legislação e nas políticas públicas brasileiras voltadas para a problemática do álcool e outras drogas; e em entrevistas, com quatro assistentes sociais, lotados em Comunidades Terapêuticas que atendem essa demanda. O estudo evidenciou que o Serviço Social tem um papel fundamental no tratamento do dependente químico, porém ele atua tendo que superar diversos limites institucionais, o principal deles é a dificuldade financeira, isso acaba limitando seu trabalho, porém seu comprometimento com o dependente químico e sua família, com a instituição, com o tratamento e com a reinserção social, faz com que esse profissional consiga atuar na perspectiva da garantia de direitos. Palavras-chave: Dependência química. Serviço Social. Comunidades terapêuticas. ABSTRACT This study investigates the practice of social workers in third sector institutions that serve drug addicts, the Therapeutic Communities, located in Fortaleza and in the metropolitan area. We understand that studying professional practice is important in order to contribute to the ongoing construction and maturation of Social Work in Brazil, and the relevance of the study, in the context of addiction, is due to the fact that this is a crosscutting theme and also, viewed as a global problem. According to data from the Household Survey II on Psychotropic Drugs in our society, conducted by CEBRID (Brazilian Center for Drug Information) in 2005 in the 198 largest cities in the country, 12.3% of Brazilians aged 12 to 65 say they are dependent on alcohol. Alcohol and tobacco are the drugs most consumed by the Brazilian population lifetime use, 68.7% to 41.1% alcohol and tobacco. The research also reveals that in 2001, 19.4% of respondents had used any drugs and, in 2005, that number rose to 22.8%, which corresponds to an estimated population of approximately 11,603,000 people excluding alcohol and tobacco. Regarding the data on the prevalence of lifetime use of any psychotropic drug, there was enough variation in the five Brazilian regions. The northeast is a region where almost a third (27, 6%) of the residents of the 22 most populous cities in the region has made lifetime use of drugs except tobacco and alcohol. Our research is founded in academic discussions about professional practice in legislation and in Brazilian public policies aimed at the problem of alcohol and other drugs, and in interviews with four social workers, crowded in Therapeutic Communities that meet this demand. The study showed that the Social Service has a key role in the treatment of chemically dependent, but it acts having to overcome various institutional limitations, the main one is financial difficulty, it ends up limiting their work, but their commitment to the chemically dependent and their family, with the institution, with treatment and social reintegration, makes these professionals can act in view of the security of rights. Keywords: Chemical dependency. Social Service. Therapeutic communities LISTA DE SIGLAS AA – Alcoólicos Anônimos ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social ABESS – Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária BPC – Benefício de Prestação Continuada CAOTS – Centro de Apoio Operacional ao Terceiro setor CAPS – Centro de Atenção Psicossocial CAPSad – Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas CEAD – Conselho Estadual Antidrogas CEBRID – Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas CFESS – Conselho Federal de Serviço Social CID – Classificação Internacional de Doenças CNS – Conselho nacional de saúde COI – Centros de Orientação Infantil COJ – Centros de Orientação Juvenil COMAD – Conselho Municipal Antidrogas COMEN – Conselho Municipal de Entorpecentes CONAD – Conselho Nacional Antidrogas CONEN – Conselho Estadual de Entorpecentes CONFEN – Conselho Federal de Entorpecentes CRESS – Conselho Regional de Serviço Social CT – Comunidade Terapêutica DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente FUNCAB – Fundo de Prevenção, Recuperação e Combate à Drogas de Abuso HIV – Vírus da Imunodeficiência Humana ICV – Índice do Custo de Vida INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INPS – Instituto Nacional de Previdência Social INSS – Instituto Nacional do Seguro Social IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LDB – Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social LSD – Lysergic Acid Diethylamide (Dietilamida do Ácido Lisérgico) MPAS – Ministério da Previdência Social MS – Ministério da Saúde NA – Narcóticos Anônimos NAPS – Núcleo de Atenção Psicossocial OBID – Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas OMS – Organização Mundial de Saúde ONG – Organização Não Governamental ONU – Organização das Nações Unidas PIB – Produto Interno Bruto PNAD – Política Nacional Antidrogas SENAD – Secretaria Nacional Antidrogas SISNAD – Sistema Nacional Antidrogas SNC – Sistema Nervoso Central SPA – Substâncias psicoativas STDS – Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social SUAS – Sistema Único de Assistência Social SUS – Sistema Único de Saúde UBS – Unidade de Básica de Saúde UECE – Universidade Estadual do Ceará UFC – Universidade Federal do Ceará SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 13 1 DEBATE CONCEITUAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA ..................................... 19 1.1 Definições de droga..............................................................................................19 1.2 Percursos históricos do consumo de drogas no Brasil e no mundo................... 20 1.3 A legislação brasileira e as políticas públicas de atenção à dependência química ..................................................................................................................... 24 1.4 Dependência Química: conceito e abordagens.................................................. 33 1.5 Contextualizações das Comunidades Terapêuticas........................................... 38 2 A PRÁTICA PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL .................................. 42 2.1 O Serviço Social como trabalho.......................................................................... 42 2.2 Institucionalização do Serviço Social ................................................................. 45 2.3 As mudanças no mercado profissional de trabalho e o redimensionamento da profissão.................................................................................................................... 51 2.4 Inserções do Serviço Social na área da dependência química........................... 53 3 ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL EM COMUNIDADES TERAPÊUTICAS ...................................................................................................... 58 3.1 Levantamento das instituições e escolha do universo da pesquisa ................... 58 3.2 Identificação dos entrevistados e sua inserção no Serviço Social ..................... 59 3.3 Os Assistentes Sociais e a fundamentação teórica ........................................... 65 3.4 Cotidiano profissional dos Assistentes Sociais .................................................. 70 3.5 Avaliação da prática profissional dos Assistentes Sociais ................................. 84 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 92 REFERÊNCIAS........................................................................................................ 96 APÊNDICE.............................................................................................................. 101 13 INTRODUÇÃO Nosso estudo tem como objeto a prática profissional do Serviço Social na área da dependência química, dando ênfase nas experiências vivenciadas junto às comunidades terapêuticas pesquisadas. Essa temática foi escolhida devido a três motivações: a primeira foi o fato de hoje a dependência química estar no palco das discussões devido à sua gravidade que chamou a atenção do poder público e passou a ser considerada um problema mundial, com um alcance cada vez maior de consequências generalizadas na vida social das pessoas como: desagregação familiar, acidentes de trânsito, aumento da violência e criminalidade, disseminação de doenças, inclusive a AIDS, e altos níveis de suicídio. O segundo motivo foi que, apesar de perceber que o trabalho com dependência química está presente em todas as áreas de atuação do assistente social, devido ser ela uma das expressões da questão social 1, por isso uma demanda posta para o Serviço Social, identificamos a quase ausência de debates e publicações de Serviço Social relacionados à dependência química. E por último, por entendermos que estudar a prática profissional é importante no sentido de contribuir para o amadurecimento e a construção permanente da profissão, assim como adicionar subsídios à ação profissional do assistente social. A fim de viabilizar o estudo proposto, inicialmente realizamos uma pesquisa bibliográfica, com o objetivo de fornecer subsídios teóricos para a análise tanto da prática profissional quanto da questão das drogas, mediante consulta a materiais impressos – livros, periódicos, dissertações, documentos, entre outros e materiais de 1 Segundo Iamamoto (2000), a questão social manifesta-se na contemporaneidade, apresentando-se sob múltiplas expressões. Logo, além do crescimento da pobreza, da miséria, do desemprego estrutural, da precarização do trabalho, frequentemente abordados, também compõe esse leque, o aumento da criminalidade, da violência, e porque não dizer do uso abusivo e indevido de drogas, que tem provocado uma imensa gama de problemas, entre os quais a dependência, constituindo-se um problema mundial de saúde pública. Iamamoto, inclusive, menciona “as desigualdades sociais – de classes – em seus recortes de gênero, raça, etnia, religião, nacionalidade, meio ambiente etc.” (IAMAMOTO, 2000, p.114), para demarcar as “roupagens distintas” que a questão social pode assumir na contemporaneidade. 14 internet. Realizamos, também, uma análise documental da legislação e das diferentes políticas públicas sobre drogas elaboradas pelo Estado brasileiro. O tema droga é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um problema grave de saúde pública, que transcende para questões políticas, sociais e econômicas. A ênfase dada hoje aos problemas derivados das drogas sejam aqueles ligados ao tráfico ou ao consumo, está inserida no cotidiano das pessoas e da comunidade. A relação do homem com substâncias psicoativas (SPA) é muito antiga, todavia somente no século XX que se intensificaram os estudos sobre esse fenômeno, devido a epidemia que se alastrou, preocupando não somente o poder público como também as famílias e toda a sociedade. Segundo a OMS, é considerada droga Qualquer substância, natural ou sintética, que uma vez introduzida no organismo vivo, pode modificar uma ou mais funções. Considera a intoxicação química por substâncias psicoativas como doença e classifica a compulsão por drogas como transtornos mentais e comportamentais. (OMS, 1981). Conforme Oliveira (2003) as drogas são classificadas em lícitas, aquelas que têm seu uso permitido pela legislação, e ilícitas, aquelas que têm a produção, o uso e a comercialização proibida, sendo considerado crime quaisquer dessas atividades. De acordo com Serrat (2009), no Brasil, historicamente, os anos entre 1960 e 1980 ficaram conhecidos pelo uso de maconha por jovens de classe média, já no final da década de 1980 a cocaína reaparece de modo epidêmico, sendo utilizada na forma injetável, ficando o final do século XX marcado pela associação entre consumo de drogas e infecção do HIV. A partir de 1990 o consumo de crack inicia uma grande expansão, principalmente entre jovens com menos de 20 anos de idade e de baixa renda, iniciando uma epidemia. A utilização de drogas ilícitas é um fenômeno mundial. O Relatório Mundial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre drogas destaca que O seu consumo está presente em todo o mundo, sendo que há mais de uma década a maconha é a droga que tem maior aumento no consumo mundial; cerca de 4% da população mundial a consumiu entre os anos de 2004 e 2005. No Brasil, a utilização de drogas segue o padrão mundial, 15 sendo a maconha a droga mais utilizada, seguida pelos opiáceos, cocaína, anfetamina e ecstasy (ONU, 2006). Diante de tudo isso, a emergência de espaços especializados para prevenir e tratar a dependência de substâncias psicoativas criou uma nova área de intervenção profissional, ocupada por diversos profissionais, entre os quais o assistente social. Esses espaços se constituíram uma novidade para o Serviço Social, pois os profissionais não tinham acúmulo de experiência e conhecimento de intervenção profissional na questão das drogas. Percebemos que o trabalho com a dependência química está presente em todas as áreas de atuação do Serviço Social, devido ser ela uma das diversas expressões da questão social, por isso demanda posta ao assistente social. O assistente social atua numa realidade contraditória, uma vez que para dar respostas às demandas, sua prática é determinada tanto pelas condições históricoconjunturais quanto pelos limites que a realidade impõe aos profissionais. Em decorrência disto, para entender e lidar com as alterações ocorridas na sociedade de uma forma geral é necessário que o assistente social compreenda que não está em um simples emprego, desenvolvendo atividades burocráticas e rotineiras, seu papel vai além, ser profissional significa apreender a realidade, nela captar possibilidades que possam se transformar em intervenção, de modo a criar, negociar com a instituição e efetivar suas próprias propostas. A concepção de prática profissional que orienta nossa investigação é aquela vista como A atividade do assistente social na relação com o usuário, os empregadores e os demais profissionais. Mas, como esta atividade é socialmente determinada, consideram-se também as condições sociais nas quais se realiza, distintas da prática e a ela externas, ainda que nela interfiram. (IAMAMOTO, 2000, p.94). Devido a estas condições, a prática do assistente social é cheia de contradições e conflitos. Assim, analisamos os profissionais entendendo a multiplicidade de fatores que influenciam e determinam o desenvolvimento de sua prática profissional dentro da instituição que atende dependentes químicos. O problema das drogas, devido seus desdobramentos, vai acabar chegando às mãos do assistente social, uma vez que elas podem provocam consequências 16 negativas em todos os âmbitos da vida dos sujeitos. Dessa forma, o assistente social se depara com os mais variados tipos de problemas, como: conflitos familiares, violência doméstica, desemprego, mau desempenho ou abandono escolar, criminalidade, grande demanda por tratamento, entre outros. Por isso, é muito importante que o assistente social tenha conhecimento a respeito das drogas que lhe permita avançar teoricamente e responder às demandas de forma qualificada e em consonância com o projeto ético-político e o Código de Ética profissional. A princípio, o assistente social foi chamado a atuar especificamente na área da dependência química pelas instituições filantrópicas, inaugurando uma nova demanda institucional para a profissão. Hoje o assistente social atua desde a atenção básica até a alta complexidade com trabalhos voltados para essa área. Diante do exposto, percebemos que existem várias indagações a serem compreendidas sobre essa problemática. São elas: Qual a contribuição que o assistente social pode dar ao dependente químico e a sua família durante o tratamento? Existe uma reflexão a respeito da prática do assistente social? Como se traduz em ações, as reflexões que o profissional realiza acerca de sua prática? Qual é a prática profissional desenvolvida? Quais os limites e possibilidades dessa realidade em que o assistente social atua? Quais as impressões do profissional sobre essa área de atuação? Portanto, em síntese, a pretensão deste estudo é investigar a atuação do profissional de Serviço Social em Comunidades Terapêuticas localizadas em Fortaleza e na região metropolitana. Temos como objetivos da investigação estudar quem são esses profissionais, o que eles fazem e como fazem, como é sua relação com os outros profissionais da equipe multidisciplinar, qual o trabalho desenvolvido por eles, se existe um registro a respeito de sua prática profissional e de que forma estão inseridos na instituição. Os procedimentos metodológicos adotados consistem na revisão bibliográfica sobre a temática, análise das leis e políticas públicas sobre drogas e a realização de entrevistas com os profissionais de Serviço Social que atuam em Comunidades Terapêuticas. 17 Tendo em vista a natureza dos dados coletados e frente aos objetivos do estudo, foi elaborado um roteiro de entrevista semiestruturado com vinte perguntas abertas, estabelecendo um diálogo com os profissionais de Serviço Social das instituições, levando em consideração o espaço físico e político que o Assistente Social possui, bem como o tipo de relação estabelecida com os demais profissionais e com os usuários. Para possibilitar o processamento dos dados se fez necessário fazermos a transcrição das entrevistas. Depois, realizamos uma análise e uma interpretação descritiva e comparativa dos dados coletados através das entrevistas e do que perceberemos na observação da rotina das instituições. Para se definir os entrevistados, foi necessário fazer um levantamento de trinta comunidades terapêuticas localizadas em Fortaleza e região metropolitana, a fim de identificar quais possuíam Assistente Social em seu quadro de funcionários e, através de contato telefônico, conseguimos nos comunicar com apenas vinte e uma instituições, destas apenas cinco contavam com Assistente Social em sua equipe. Das cinco instituições, quatro são privadas e uma é de natureza filantrópica, sendo que uma das privadas mantém convênio com o Governo do Estado. Portanto, foi o resultado desse levantamento que norteou a definição das entrevistas. O conhecimento do número reduzido de instituições e de assistentes sociais indicou a possibilidade de entrevistar todos os cinco assistentes sociais identificados, entretanto, devido a problemas alheios à nossa vontade, só foi possível pesquisar em quatro instituições. Delimitamos, pois, nosso estudo a quatro assistentes sociais de Comunidades Terapêuticas que atuam junto a dependentes de álcool e outras drogas. Para alcançarmos os objetivos traçados adotamos a abordagem qualitativa, pois como afirma Minayo (1994), ela contempla os sujeitos envolvidos no processo, se caracteriza por ser uma abordagem que procura descrever e analisar a cultura e o comportamento das pessoas. O método de análise utilizado foi o dialético por tratar-se de um “método de investigação da realidade pelo estudo de sua ação recíproca, da contradição inerente ao fenômeno e da mudança dialética que ocorre na natureza e na 18 sociedade” (ANDRADE, 1997, p1). Com ele conseguimos analisar criticamente o objeto pesquisado, ou seja, compreendemos o objeto na sua totalidade. A pesquisa teve duração de seis meses, contando desde o levantamento bibliográfico que começou em junho, a pesquisa de campo foi realizada nos meses de outubro e novembro, a organização e análise dos dados se desenvolveram em novembro e a finalização deste presente trabalho, em dezembro. Por fim, importa mencionar a forma como foi dividida a exposição do trabalho, lembrando ser esta divisão, sobretudo didática, necessária para facilitar a compreensão do assunto em questão. No primeiro capítulo, denominado Debate conceitual da Dependência Química, abordamos a definição de droga, trazemos um breve panorama nacional e mundial da utilização de drogas lícitas e ilícitas, a partir daí, realizamos uma análise da legislação e das políticas públicas de atenção à dependência química desenvolvidas pelo Estado brasileiro, mostramos os conceitos e as abordagens que a dependência química tem atualmente e terminamos o capítulo com a discussão sobre as Comunidades Terapêuticas. No segundo capítulo, A prática profissional do Assistente Social, debruçamo-nos sobre a discussão a respeito do cotidiano profissional do Assistente social. Situamos o Serviço Social como trabalho, a sua institucionalização, as mudanças no mercado de trabalho e os seus rebatimentos para a profissão e, por fim, a inserção do Serviço Social na área da dependência química. No terceiro e último capítulo, Análise da atuação dos Assistentes Sociais em Comunidades Terapêuticas, analisamos, através das entrevistas realizadas, o perfil desses profissionais, sua inserção na profissão e na área da dependência química, o embasamento teórico que norteia sua ação, o cotidiano profissional e a avaliação, feita por eles, da prática profissional. 19 CAPÍTULO 1 DEBATE CONCEITUAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA 1.1 Definições de droga De acordo com o Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID, 2006), o termo droga teve origem na palavra droog (holandês antigo) cujo significado literal é “folha seca”, devido ao fato de que a quase totalidade dos medicamentos produzidos na época eram preparados à base de plantas. Existem inúmeros conceitos para o vocábulo droga que incorpora uma afinidade de substâncias. O dicionário Houaiss da língua portuguesa, por exemplo, defini-a como Qualquer substância ou ingrediente usado em farmácia, tinturaria, laboratórios químicos. Qualquer produto alucinógeno que leve à dependência química e qualquer substância ou produto tóxico de uso excessivo; entorpecente. Qualquer substância que leve a um estado satisfatório ou desejável. (HOUAISS, 2001, p. 1085). No entanto, é preciso ter em mente que nenhuma substância considerada isoladamente é droga, ou seja, ela só se torna droga na medida em que entra em contato com o corpo. Assim, numa perspectiva mais ampla, droga se refere a qualquer substância que, em contato com o corpo, altera seu modo de funcionamento. Atualmente, a definição do que seja droga – tanto em âmbito nacional, quanto internacional – obedece a significados similares, pois segue a padronização da OMS, que a define como qualquer substância que, introduzida no organismo, pode modificar uma ou mais funções, agindo nos mecanismos de gratificação do cérebro, provocando efeitos estimulantes, euforizantes e/ou tranquilizantes. (SERRAT, 2009). As drogas são classificadas em lícitas e ilícitas. As chamadas drogas lícitas reúnem-se no grupo das substâncias em que há o reconhecimento legal do seu consumo, apesar de algumas restrições no Brasil, tais como: a proibição de venda e 20 uso de bebidas alcoólicas a menor de 18 anos de idade; a não permissão de seu emprego em escolas e no trabalho; e a utilização de receitas especiais para medicamentos psicotrópicos. Portanto, a aquisição e a circulação do produto não implicam em crime, é permitida pelo Estado sem o risco de uma penalidade, salvos os casos acima citados. Mas no caso das drogas ilícitas, a legislação proíbe e reprime a sua produção, comercialização e consumo. São exemplos de produtos censurados e reprimidos por lei na sociedade brasileira a cocaína, o crack e a maconha e de substâncias legalizadas o álcool, o tabaco e os ansiolíticos. Oliveira (2003) registra que [...] as substâncias psicoativas ilícitas não são proibidas somente pelo seu conteúdo farmacológico, cujo potencial pode produzir danos à saúde, mas, sobretudo pelos seus valores sociais que mudam a cada contexto histórico e que a proibição ou a permissão da ingestão de substâncias psicotrópicas em qualquer tempo resulta de determinantes socioculturais. Cada contexto sociocultural, político e econômico determina o modo como o homem relaciona-se com os produtos psicoativos, estabelecendo normas e critérios que regulamentam essa convivência. Na contemporaneidade, o álcool é aceito pelos países do ocidente, entretanto, abolido pelos países mulçumanos. (OLIVEIRA, 2003, p.24). Existe uma classificação que se baseia nas ações aparentes das drogas sobre o Sistema Nervoso Central (SNC), conforme as modificações observáveis na atividade mental ou no comportamento da pessoa que utiliza a substância. São elas: drogas estimulantes da atividade mental (que aceleram a função cerebral) como anfetaminas, cafeína, crack e cocaína; drogas depressoras da atividade mental (que reduzem a velocidade da função cerebral) como inalantes, barbitúricos, opiáceos, ansiolíticos ou tranquilizantes e álcool; e drogas modificadoras da atividade mental (que alteram o funcionamento cerebral) como alucinógenos sintéticos (ecstasy, LSD) e os naturais (maconha, etc.), anticolinérgicos e outras substâncias. 1.2 Percursos históricos do consumo de drogas no Brasil e no mundo A relação do homem com substâncias psicoativas é muito antiga. A literatura especializada tem uma farta referência indicando que o hábito de usar drogas psicotrópicas não emergiu neste período da história, de fato ele remonta à Antiguidade. Todavia, somente no século XX que se intensificaram os estudos sobre 21 esse fenômeno, devido à epidemia que se alastrou, preocupando não somente o poder público como também as famílias e toda a sociedade. Conforme o registro de Macrae (2001) “desde a pré-história os membros das diferentes culturas humanas tem sabido utilizar plantas e algumas substâncias de origem animal para provocar alterações de consciência com os mais variados fins”. (MACRAE, 2001, p.26) Segundo o mesmo autor, o emprego do ópio, do cânhamo e das bebidas alcoólicas são alguns dos mais remotos realizados pelo homem. Para ele, o cultivo da papoula, nome da flor de onde se extrai o ópio, tem origem na Europa e na Ásia Menor. As plantações de dormideira, a planta originária desta droga, também chamada de planta da felicidade, foram provavelmente as mais antigas do planeta cultivadas no sul da Espanha, na Grécia, no noroeste da África, no Egito e na Mesopotâmia. Na Grécia Antiga, esta droga era muito utilizada para o tratamento de múltiplos males, inclusive os líderes políticos a consumiam em grandes quantidades para se protegerem contra envenenamentos. De acordo com Macrae (2001), nesta cultura, seu uso jamais foi concebido como degradante. Seus efeitos medicinais também foram valorizados pelos romanos. Na Roma antiga, ela foi bastante utilizada como eutanásico, além de analgésico e calmante. Ainda seguindo o pensamento de Macrae (2001), o cânhamo – produto derivado da Cannabis Sativa, tal como a maconha – provêm da China. Na Índia a tradição brâmade considerava que ele agilizava a mente, outorgando longa vida e potentes desejos sexuais. Na Assíria do século IX a.C., era usado como incenso, assim como entre os citas e os egípcios. Há indícios de que no século VII a.C., os celtas já conheciam seu emprego como alterador da consciência. Era fumado pelos romanos em reuniões sociais. As bebidas alcoólicas também eram empregadas na farmacopeia antiga com finalidades medicinais. Macrae afirma que a sua utilização Remonta à pré-história e seu emprego como medicamento já era mencionado nas tábuas de escritura cuneiforme da Mesopotâmia em 2200 a.C. Cerca de 20% dos quase 800 diferentes medicamentos egípcios antigos incluíam cervejas ou vinhos em sua composição. São também numerosas as referências ao vinho no Antigo Testamento. Este, assim como a cerveja, poderia ser misturado com outras drogas produzindo 22 bebidas de grande potência numa época em que ainda se desconhecia a destilação. (MACRAE, 2001, p.5). Para o autor, nas religiões e culturas antigas, um caráter sagrado foi atribuído a muitas das substâncias psicoativas, até a cristianização do Império Romano. No contexto das práticas xamanísticas, essas substâncias consideradas sagradas, desempenham a função de veículos que conduzem o homem ao mundo dos espíritos ou do sobrenatural; é o meio mais rápido e eficaz de atingir tal objetivo. O cristianismo ao consolidar-se, exerceu forte censura ao emprego dos psicotrópicos, particularmente na Idade Média. Assim, o conhecimento farmacológico sofreu intensa perseguição, sendo a utilização das drogas, mesmo para fins terapêuticos, considerada heresia. A inquisição puniu com torturas e a morte o usuário de qualquer substância que não fosse bebida alcoólica na Europa Medieval. De acordo com Macrae (2001), nesse período a ingestão de outras drogas era associada à luxúria e à bruxaria. Segundo Macrae (2001), mesmo sob alguma suspeita, o retorno gradual da utilização de drogas ocorreu com a Renascença e a retomada de um contato mais estreito com as culturas orientais. No século XVI, “Para Celso já empregava na sua prática médica, substâncias provenientes da farmacopeia clássica e do arsenal da alquimia e da bruxaria medieval” (MACRAE, 2001, p. 28). Foi um grande defensor do uso do ópio, inventando uma tintura à base dessa substância, o láudano, que a partir de então passou a ser utilizada na medicina em larga escala. O autor ainda comenta terem sido introduzidos na Europa no mesmo período, apesar de fortes resistências, o cacau, o mate e o tabaco. O uso de drogas psicotrópicas, até o século XVIII, mantinha-se retraído. A partir desse período, torna-se presente, na sociedade, por meio da larga produção de medicamentos à base de ópio. Com o poder da Igreja enfraquecendo devido à ascensão do racionalismo e do iluminismo, o uso médico e lúdico das drogas é retomado. Neste período, o ópio tornou-se uma droga universal. “Mas, a dimensão moderna do uso de drogas só começa a ser moldada a partir do século XIX, com o desenvolvimento da química industrial” (OLIVEIRA, 2003, p.37). O século XIX é o marco para o surgimento de um problema de saúde pública – o consumo das drogas – devido à descoberta de substâncias narcóticas e ao início da sua comercialização. 23 Para a mesma autora, de fato, durante o século XIX, cientistas isolam os princípios ativos das plantas psicoativas, obtendo os fármacos: morfina (1806), codeína (1832), atropina (1833), cafeína (1841), cocaína (1860), heroína (1883) e mescalina (1896) e no início do século XX (1903), os barbitúricos, facilitando seu emprego. Na verdade, por um lado, tais descobertas significaram um bom avanço para a medicina, pois facilitaram o emprego de determinadas drogas para aliviar o sofrimento físico, por outro lado, também incrementaram o mercado consumidor capitalista, favorecendo a instalação de um problema de saúde pública. O século XX será marcado pelo incremento da dependência e pela adoção de uma política internacional de guerra contra as drogas ilícitas, encabeçada pelos Estados Unidos.2 Vale notar com Carneiro (2002) que “embora sempre tenham existido, em todas as sociedades, mecanismos de regulamentação social do consumo das drogas, até o início do século XX não existia o proibicionismo legal e institucional internacional” (CARNEIRO, 2002, p.115) Essa utilização se expande, principalmente após a década de 1960, considerada a “década revolucionária”; o consumo se difunde, inicialmente entre jovens e toma conta de todos os países. Com o passar das décadas, a utilização das drogas se torna um problema a ser enfrentado em escala mundial. Esse uso acarreta inúmeras consequências, tanto para o indivíduo, quanto para a sociedade. De acordo com Serrat (2009), no Brasil, historicamente, os anos entre 1960 e 1980 ficaram conhecidos pelo uso de maconha por jovens de classe média, já no final da década de 1980 a cocaína reaparece de modo epidêmico, sendo utilizada na forma injetável, ficando o final do século XX marcado pela associação entre consumo de drogas e infecção do HIV. A partir de 1990 o consumo de crack inicia 2 A crescente intervenção política e militar sob o pretexto da luta contra as drogas alcança com o Plano Colômbia as características de uma guerra neocolonial. Tal situação que acentuou-se a partir dos anos 1970, quando Nixon lançou a guerra contra as drogas, atingiu graus extremos nos anos 1980 e 1990, na entrada ao terceiro milênio parece tornar-se ainda mais grave. Diversos aspectos da degeneração da situação social relacionam-se direta ou indiretamente ao estatuto do comércio de drogas na sociedade contemporânea: aumento da violência urbana, do número de encarcerados e das forças militares envolvidas com as drogas. (CARNEIRO, 2002). 24 uma grande expansão, principalmente entre jovens com menos de 20 anos de idade e de baixa renda, iniciando uma epidemia. Nos últimos anos o consumo de drogas tem aumentado em nossa sociedade e, de fato, este consumo propaga-se em todas as camadas da população, atingindo cada vez mais aquelas de baixa renda. “Não se trata apenas de produtos ilícitos, mas também, e principalmente do abuso de muitos produtos lícitos como álcool, tabaco, medicamentos psicotrópicos e inalantes” (PRAXEDES, 2009, p.37). A OMS classifica como o problema número um da drogadição o alcoolismo, e também estima que 1,2 bilhões de pessoas em todo o mundo são dependentes do cigarro, o equivalente a um terço da população adulta, sendo 11,2 milhões de mulheres e 16,7 milhões de homens. Noventa por cento dos fumantes ficam dependentes da nicotina entre os 5 anos e os 19 anos de idade. O tabagismo é responsável por 30% de todos os tipos de câncer e por 90% dos casos de câncer no pulmão. Pode causar ainda derrame cerebral, enfisema pulmonar e enfarte. Apesar de todas as informações sobre os efeitos do abuso de drogas disponibilizados pela mídia, ainda assistimos a esse conjunto de práticas abusivas e a uma possível indiferença em relação a seus efeitos nocivos desencadeados na vida da pessoa ou na sua relação com os outros, os quais podem acarretar um alto custo social, além de pesados sofrimentos físicos e morais aos usuários, às famílias e à sociedade. 1.3 A legislação brasileira e as políticas públicas de atenção à dependência química A partir de uma análise histórica, percebe-se que as políticas sobre drogas podem ser entendidas a partir de diferentes pontos de vista: ora acredita-se que o “problema” desaparecerá ao eliminar-se a oferta, e nesse caso, a política se ampara nos poderes judiciários e policiais, caracterizando uma resposta repressiva; ora acredita-se que o “problema” existe devido a pouca flexibilidade da sociedade, sendo a política à promoção da autogestão do uso e organização de um sistema social que compensasse os danos eventuais, numa resposta de legalização; ora 25 supõe-se que o “problema” não tem solução definitiva, mas que há necessidade de apoio através de diversos programas sociais. Nesse caso, a política se reorganiza periodicamente face às novas drogas, aos novos hábitos de consumo e às crises nas relações sociais que perturbam a subjetividade do indivíduo, numa resposta pragmática. No século XX, no Brasil, o problema das drogas passa a ser tratado em confluência com as orientações internacionais, principalmente as dos Estados Unidos, o qual proibiu, em 1909, importações de ópio e, em 1941, a comercialização de cocaína, heroína e morfina entre os estados americanos. Seguindo esta orientação – a via repressiva – o governo federal brasileiro, em 1921, promulga o Decreto-Lei nº 4.294, que estabelece “penas aos que comercializarem cocaína, ópio, morfina e seus derivados, cria um estabelecimento especial para internação dos intoxicados pelo álcool ou substâncias venenosas e estabelece normas de julgamento dessas infrações”. (MORAIS, 1997, p.4) Em decorrência desse Decreto-Lei, foi criada, em 1926, no Rio de Janeiro, uma delegacia especializada no comércio ilícito de entorpecentes e na repressão à embriaguez. Depois da criação desse órgão, os dependentes químicos e vendedores começaram a sofrer sansões policiais e judiciais. Depois desta data, o Brasil criou outros instrumentos legais, como o DecretoLei, em 1934, reforçando a criminalização do uso e do tráfico (MORAIS, 1997) e o Decreto-Lei nº 891, de 25 de novembro de 1938, posteriormente incorporado ao artigo 281 do Código Penal. Esse Decreto se deu no governo de Getúlio Vargas e versava sobre a fiscalização de entorpecentes e sobre a internação do dependente, determinada para o “bem” da segurança pública. Sem levar em consideração a vontade dos indivíduos, ficando à vontade dos aparelhos policiais e dos judiciários, como o Ministério Público e as côrtes da justiça, conforme exposto no artigo 29, da norma legal de 1938. Artigo 29. Os toxicômanos ou intoxicados habituais, por entorpecentes, por inebriantes em geral ou bebidas alcoólicas, são passíveis de internação obrigatória ou facultativa por tempo determinado ou não. §1º A internação obrigatória se dará, [...] quando comprovada a necessidade de tratamento adequado ao enfermo, ou, for conveniente à ordem pública. [...] (BRASIL, 1938). 26 Entre as décadas de 1930 e 1970 não surgiram novos instrumentos da legislação brasileira nessa área. Houve, apenas, alterações naqueles em vigor, que culminaram na Lei 6.368, de 21 de outubro de 1976, estabelecida no governo de Ernesto Geisel, durante o período de ditadura militar, como um instrumento de repressão a determinadas condutas dos indivíduos. A Lei dispõe sobre medidas de prevenção, repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica. Embora a Lei trouxesse alguns avanços (por exemplo, o de não criminalizar o usuário), também era, no fundamental, criminalizadora (dado que não diferenciava usuário de traficante). Sua abordagem era jurídico-penal e médicopsiquiátrico, fazendo com que o “problema” fosse encarado como caso ora de polícia ou ora de doença mental. Compartilhando análise similar, Oliveira (2003) disserta que “esta lei norteou a política de drogas no país [...] mas se reduzindo à inibição da oferta das substâncias ilícitas, conforme acordado em convenções internacionais”. (OLIVEIRA, 2003, p103). Apesar de o termo “prevenção” fazer parte da ementa da Lei 6.368/76, somente o seu artigo 5º trata desse tema. Art. 5º Nos programas dos cursos de formação de professores serão incluídos ensinamentos referentes a substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica, a fim de que possam ser transmitidos com observância dos seus princípios científicos. Parágrafo único. Dos programas das disciplinas da área de ciências naturais, integrantes dos currículos dos cursos de 1º grau, constarão obrigatoriamente pontos que tenham por objetivo o esclarecimento sobre a natureza e efeitos das substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica. (BRASIL, 1976). No que tange à internação, diferentemente do Decreto-Lei nº 891/38, o artigo 10 da Lei determina que seja obrigatória, quando o quadro clínico do indivíduo assim o exigir. A Lei existe há mais de 30 anos, e até a data de sua extinção em 2006, no que tange à prevenção, não foi efetivado o ensino à respeito das drogas no nível fundamental; porém, com relação à criminalização dos indivíduos que usam ou vendem substâncias ilícitas, ela vigora, desde aquele momento até os dias atuais. A criminalização dos sujeitos está disposta nos artigos 12 e 16, porém, são artigos que 27 não explica qual é a quantidade de substância entorpecente encontrada com o indivíduo, necessária e suficiente para categorizar quem é o usuário e quem é o traficante. Assim, quem estabelece essa distinção é o policial, como demonstrado em seu artigo 37. Art. 37. Para efeito de caracterização dos crimes definidos nesta lei, a autoridade atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. [...] (BRASIL, 1976). Essa Lei criminaliza o usuário, podendo ele ser “fichado” como traficante ou vice-versa. Não existe diferença entre pequeno, médio e grande traficante, com isso a legislação pode tornar-se ineficiente com relação ao impedimento do tráfico, bem como do uso. A década de 1980 foi marcada por um debate intenso sobre a descriminalização das drogas, principalmente da maconha. Nesse contexto, no governo de João Figueiredo foi instituído o Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização e Repressão de Entorpecentes através do Decreto 85.110, em 02 de setembro de 1980. Faziam parte desse Sistema: o Conselho Federal de Entorpecentes (COFEN), os Conselhos Estaduais de Entorpecentes (CONENs) e os Conselhos Municipais de Entorpecentes (COMENs). Tinha por objetivo formular a Política Nacional de Entorpecentes, compatibilizar planos nacionais com planos regionais, estaduais e municipais, bem como fiscalizar a respectiva execução. Em 1986, através da Lei 7.560, foi criado o Fundo de Prevenção, Recuperação e Combate às Drogas de Abuso (FUNCAB) no âmbito do Ministério da Justiça. Após isso, com a Constituição Federal de 1988, o tráfico de drogas passa a ser definido como crime inafiançável, ficando previsto o confisco dos bens de traficantes, a autorização para expropriação de terras para o plantio ilícito, bem como a obrigação do Estado em manter programas de prevenção e assistência para crianças e adolescentes. (Art. 5º - XLIII) (BRASIL, 1988). Contudo, somente em 1993, no governo do Presidente Itamar Franco que o sistema foi estruturado, através da criação da Secretaria Nacional de Entorpecentes, pela Lei nº 8.764, de 20 de dezembro de 1993, vinculada ao Ministério da Justiça. 28 Competia a essa Secretaria supervisionar, acompanhar e fiscalizar a execução das normas estabelecidas pelo Conselho Federal de Entorpecentes (BRASIL, 1993). Em 1998, no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em substituição à anterior, foi criado a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), vinculada a Casa Militar da Presidência da República, logo após a Assembleia Especial das Nações Unidas sobre Drogas. Nesse período houve a mudança na denominação – extinguiu-se o CONFEN e instituiu-se o CONAD (Conselho Nacional Antidrogas); extinguiram-se os CONENs e instituíram-se os CEADs (Conselhos Estaduais Antidrogas) e extinguiram-se os COMENs e instituíram-se os COMADs (Conselhos Municipais Antidrogas). Com o intuito de dar continuidade ao enfrentamento da questão, em 2000 instituem-se o Sistema Nacional Antidrogas (SISNAD). Dentre os órgãos integrantes do SISNAD, convém destacar: o CONAD, como órgão normativo; os órgãos incumbidos das atividades de prevenção, ou seja, o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, como órgão central e a SENAD, como órgão executivo; os órgãos voltados para as atividades de repressão, que são: o Ministério da Justiça e o Departamento de Polícia Federal, respectivamente, um como órgão central e o outro com órgão executivo. Também engloba as diversas instituições Federais (Ministério da Saúde e outros), bem como, órgãos Estaduais e Municipais. Tem como objetivos: formular a Política Nacional Antidrogas e compatibilizar planos nacionais com planos regionais, estaduais e municipais, bem como fiscalizar a respectiva execução (BRASIL, 2000). Na sequência, em 11 de dezembro de 2001, essa Secretaria, juntamente com o Departamento da Polícia Federal e outros agentes do Sistema, elaborou a Política Nacional Antidrogas (PNAD), instituída por meio do Decreto Presidencial nº 4.345, de 26 de agosto de 2002. Tinha como objetivos alocar a questão do uso de álcool e outras drogas como problema de Saúde Pública; indicar o paradigma da redução de danos nas ações de prevenção e de tratamento; formular políticas que possam desconstruir o senso comum de que todo usuário de droga é um doente que requer internação, prisão ou absolvição e mobilizar a sociedade civil, oferecendo-lhe condições de exercer seu 29 controle, participar das práticas preventivas, terapêuticas e reabilitadoras, bem como estabelecer parcerias locais para o fortalecimento das políticas municipais e estaduais (BRASIL, 2002). Apesar de esta política ter se originado de um órgão de Segurança Pública, teve uma abordagem bem ampla, não se reduzindo às orientações acerca de medidas de repressão. Enfoca a prevenção, o tratamento, a recuperação e a reinserção social e ainda incorpora a noção de redução de danos. 3 Além disso, faz menção às drogas lícitas. Isto se deveu à participação da sociedade no seu processo de elaboração. “Logo, não deixa de representar um avanço significativo no enfrentamento desta faceta da questão brasileira”. (OLIVEIRA, 2003, p.106) A Área Técnica de Saúde Mental/Álcool e Drogas do Ministério da Saúde (MS) elaborou a Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, que foi publicada em março de 2003. Anterior a essa política, o MS publicou algumas portarias com a finalidade de normatizar a atenção a usuários de álcool e outras drogas. Uma delas é a Portaria GM/816 de 30 de abril de 2002, responsável pela instituição do Programa Nacional de Atenção Comunitária Integrada aos Usuários de Álcool e Outras Drogas, no Sistema Único de Saúde (SUS). Este Programa propôs a criação de 250 Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas (CAPSad).4 O documento da política informa sobre a implantação de 42 CAPSad na rede de atenção em Saúde Mental do país, de abril a dezembro de 2002. De acordo com o mesmo documento O objetivo do CAPSad consiste em oferecer atendimento à população, respeitando uma área de abrangência definida, oferecendo atividades terapêuticas e preventivas à comunidade. Deve propiciar atenção psicossocial em ambiente comunitário, integrada a cultura local e articulada com toda a rede de cuidados em álcool e outras drogas e saúde mental, bem como a rede básica de saúde e a rede de suporte social já existente nas comunidades. (BRASIL, 2003, p.34). 3 Importante estratégia de saúde pública, assumida pelo Ministério da Saúde, para a prevenção das DST/AIDS e hepatites entre usuários de drogas injetáveis desde 1994, por meio de uma cooperação com o UNDCP – United Nations Drug Control Programme (Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas). (OLIVEIRA, 2003). 4 Dispositivo assistencial de comprovada resolubilidade, podendo abrigar em seus projetos terapêuticos práticas de cuidados que contemplem a flexibilidade e abrangência possíveis e necessárias a esta atenção específica, dentro de uma perspectiva estratégica de redução de danos sociais e à saúde. (BRASIL, 2003). 30 Com a posse do Presidente Lula, ocorreu uma mudança na política de drogas com duas medidas simbólicas: a mudança do nome original da SENAD para Secretaria Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, que se efetivou em 2005, e a proposição de sua colocação junto ao Ministério da Justiça, que tem capacidade de articular outros Ministérios e a Sociedade Civil para uma resposta de natureza mais ampla. No início do século XXI, em 23 de agosto de 2006, foi sancionada pelo Presidente Lula a Lei nº 11.343, substituindo a Lei 6.383/76, que foi revogada após 30 anos de vigência. A Lei Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. (BRASIL, 2006). Este novo instrumento legal tem um caráter avançado, distingue do traficante tanto o usuário quando o dependente, as penas e outras medidas são diferenciadas. Os usuários e dependentes estarão sujeitos às medidas socioeducativas e, os traficantes, às medidas privativas de liberdade. Vale destacar o caráter inovador desta Lei, que são as atividades de atenção e de reinserção social do usuário e/ou dependente de drogas, conforme o artigo abaixo. Art. 22. As atividades de atenção e as de reinserção social do usuário e do dependente de drogas e respectivos familiares devem observar os seguintes princípios e diretrizes: I - respeito ao usuário e ao dependente de drogas, independentemente de quaisquer condições, observados os direitos fundamentais da pessoa humana, os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde e da Política Nacional de Assistência Social; II - a adoção de estratégias diferenciadas de atenção e reinserção social do usuário e do dependente de drogas e respectivos familiares que considerem as suas peculiaridades socioculturais; III - definição de projeto terapêutico individualizado, orientado para a inclusão social e para a redução de riscos e de danos sociais e à saúde; IV - atenção ao usuário ou dependente de drogas e aos respectivos familiares, sempre que possível, de forma multidisciplinar e por equipes multiprofissionais [...] (BRASIL, 2006). 31 A decisão de legislar a respeito da reinserção social desse usuário e/ou dependente e seus familiares é, sem dúvida, um avanço. Porém, essas atividades ainda não foram implementadas a contento nos municípios brasileiros. Em 22 de maio de 2007, por meio do Decreto-Lei nº 6.117, o Governo Federal aprovou a Política Nacional sobre o Álcool. Esta Política contém princípios fundamentais à sustentação de estratégias para o enfrentamento coletivo dos problemas relacionados ao consumo de álcool, contemplando a intersetorialidade e a integralidade de ações para a redução dos danos sociais, à saúde e à vida, causados pelo consumo desta substância, bem como as situações de violência e criminalidade associadas ao uso prejudicial de bebidas alcoólicas na população brasileira. A Lei Federal nº 11.705, de 19 de julho de 2008, a qual alterou a também Lei Federal nº 9.503/97 que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, foi sancionada pelo Presidente Lula, e trouxe uma nova realidade para o trânsito brasileiro. A chamada lei Seca5 proíbe o consumo de bebida alcoólica superior à quantidade de 0,1 mg de álcool por litro de ar expelido pelos pulmões no exame de bafômetro, ou 2 dg de álcool por litro de sangue por condutores de veículos, bem como a vedação de comercialização de bebidas alcoólicas no domínio de Rodovias Federais ou em terrenos com acesso direto à rodovia. Tanto a proibição de venda de bebidas alcoólicas como a restrição de consumo de álcool é punível, sendo a única solução apresentada pelo Estado para o problema no trânsito, tendo em vista que a prevenção, conscientização e a fiscalização mostraram poucos resultados. O objetivo da chamada “Lei Seca” é reduzir os índices de acidentes de trânsito com feridos e mortes, que tem se revelado questão de segurança e de saúde pública, por isso a adoção da lei que endurece as consequências contra os condutores infratores que insistem em dirigir sob a influência de álcool. 5 Nome popularmente dado à Lei 11.705/2008, que faz uma alusão à Lei Seca dos Estados Unidos que entrou em vigor em 1920, porém a lei americana proibia a fabricação, o comércio, o transporte, a importação e a exportação de bebidas alcoólicas, enquanto a lei brasileira atua na perspectiva de conscientizar a população para se beber não dirigir. FONTE: http://www.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/lei-seca.htm. 32 Segundo o Ministério da Saúde (2009), o Brasil é um dos países com maior índice de mortes no trânsito. Morrem 40 mil pessoas anualmente no país. A violência no trânsito é a segunda maior causa de mortes por fatores externos, perdendo apenas para o homicídio. A utilização de bebidas alcoólicas é responsável por 30% dos acidentes de trânsito. E metade das mortes está relacionada ao uso do álcool por motoristas. De acordo com o Portal da Saúde (2012)6, em Pernambuco, a Operação Lei Seca contabiliza até março deste ano resultados muito positivos em sua missão mais importante: conscientizar condutores de carros e motos para a necessidade de cumprir a legislação. Houve uma redução de 21% de pacientes vítimas de acidentes de carros e de 16,7% de acidentados com motos. Ainda segundo o mesmo portal, desde março de 2009, 63.796 motoristas foram flagrados dirigindo embriagados no Rio, o que representa 8,4% do total de condutores abordados: 759.451. No início da operação, esse número chegava a 30%. “Isso comprova que a Lei Seca vem cumprindo o seu papel, mudando hábitos e salvando vidas” afirmou o Major Andrade, coordenador da Operação Lei Seca do Governo do Estado do Rio. Destacou, também, que quase todas as capitais brasileiras tiveram redução nas mortes de trânsito causadas pelo álcool: 6,2% em média. Em locais onde há mais rigor na fiscalização, como o Rio de Janeiro, esse número chega a 32%. Porém, hoje nem todas as localidades têm motivos para comemorar os quatro anos da prática da Lei Seca. Um levantamento feito pelo Correio Brasiliense em cinco capitais brasileiras mostra que o Distrito Federal responde pela maior proporção de motoristas flagrados embriagados. No ano passado, cerca de 70 condutores a cada 10 mil dirigiam sob influência de bebida alcoólica, enquanto no Rio de Janeiro, o índice é de 35 pessoas para cada 10 mil. Além da capital federal, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Mato Grosso do Sul, Paraná, Roraima, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins não adotaram nenhum programa específico de fiscalização da Lei Seca. 6 FONTE: http:// www.saude.gov.br. 33 De acordo com dados da Polícia Rodoviária Federal, quase metade das pessoas autuadas em 2011 negou-se a fazer o teste do bafômetro, com o intuito de evitar o enquadramento no crime. Sem a obrigatoriedade de se submeter ao bafômetro, esse comportamento vem se tornando recorrente. Em 2009, 17,33% dos motoristas com sinal de embriaguez se recusaram contra 41,52% em 2011. O avanço da criminalidade e as complexas relações entre drogas e violência, principalmente o crack, tem exigido respostas mais eficazes do governo e da sociedade. Na busca de soluções concretas, capazes de reverter os desafios e efeitos perversos que os problemas associados ao crack vêm impondo a todo país, o Governo Federal lançou, em 20 de maio de 2010, o Decreto Presidencial nº 7.179, que instituiu o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas. O Plano tem por objetivo desenvolver um conjunto integrado de ações federais de prevenção, tratamento e reinserção social de usuários de crack e outras drogas, bem como, enfrentar o tráfico em parceria com estados, Distrito Federal, municípios e sociedade civil, tendo em vista a redução da criminalidade associada ao consumo dessas substâncias junto à população. 1.4 Dependência Química: conceito e abordagens Segundo a OMS, apesar de existir uma enorme variedade de explicações teóricas para as causas da dependência de álcool e outras drogas, há um conceito unânime: dependência é uma relação alterada entre um indivíduo e seu modo de consumir uma substância. Essa relação alterada é capaz de trazer problemas para o usuário. Muitos indivíduos, porém, não apresentam problemas relacionados ao seu consumo. Outros apresentam problemas, mas não podem ser considerados dependentes. Por último, mesmo entre os dependentes, há diferentes níveis de gravidade. Desse modo, por exemplo, há indivíduos que bebem eventualmente, mas são incapazes de controlar ou adequar seu modo de consumo. Isso pode levar a problemas sociais (brigas, faltas no emprego), físicos (acidentes) e psicológicos (agressividade). Diz-se que tais indivíduos fazem um uso nocivo do álcool. Por fim, 34 quando o consumo se mostra compulsivo e destinado a evitar sintomas de abstinência e cuja intensidade é capaz de ocasionar problemas sociais, físicos e/ou psicológicos, fala-se em dependência. Ainda de acordo com a OMS, uso nocivo é um padrão de uso de substâncias psicoativas que está causando dano à saúde, podendo ser esse de natureza física ou mental. Já a dependência possui sinais e sintomas específicos. De modo geral, há alguma perda do controle sobre o uso, associado com sintomas de abstinência e tolerância. Para evitar o surgimento de tais sintomas, os usuários passam a consumir a substância constantemente e a privilegiar o consumo a outras coisas que antes valorizava. Segundo a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento apontada na Classificação Internacional de Doenças (CID-10), uma característica descritiva central da síndrome de dependência é o desejo frequentemente forte, algumas vezes irresistível de consumir drogas psicoativas, as quais podem ou não ter sido medicamentos prescritos, álcool ou tabaco. A Organização Mundial de Saúde afirma que se trata de um estado psíquico e às vezes físico resultante da interação entre um organismo vivo e uma substância. É caracterizado por modificações de comportamento e outras reações que sempre incluem um impulso a utilizar a substância de modo contínuo ou periódico, com a finalidade de experimentar seus efeitos psíquicos e, algumas vezes, de evitar o desconforto da privação. A tolerância pode estar presente ou não. Ainda, segundo a CID-10, um diagnóstico de dependência química é confirmado quando, pelo menos, três dos comportamentos abaixo estão presentes: • Forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância; • Dificuldade em controlar o comportamento de consumir a substância em termos de seu início, término ou níveis de consumo; • Uma síndrome de abstinência quando o uso da substância cessou ou foi reduzido; 35 • Evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes são requeridas para alcançar efeitos originais; • Abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor do uso de substâncias psicoativas; • Persistência no uso da substância, a despeito de evidência clara de consequências manifestamente nocivas. A dependência química é uma doença crônica que atinge as pessoas indiscriminadamente, de tal forma que, uma vez instalada, pode provocar destruição em todas as áreas do ser: física, mental, espiritual, social, familiar e profissional. É caracterizada por comportamentos impulsivos e recorrentes de utilização de uma determinada substância para obter a sensação de bem estar e de prazer, aliviando sensações desconfortáveis como ansiedade, tensões, medos, entre outras. É a perda do controle sobre o uso da droga em razão da necessidade psicológica e/ou física da mesma. A OMS reconhece a dependência de drogas como uma doença porque há alteração da estrutura e do funcionamento normal do organismo da pessoa, sendolhe prejudicial. Não tem causa única, mas é produto de uma série de fatores (físicos, emocionais, psíquicos e sociais) que atuam ao mesmo tempo, sendo que às vezes, uns são mais predominantes naquela pessoa específica do que em outras. Atualmente é reconhecida como uma das expressões da questão social brasileira, à medida que atinge todas as classes sociais. As propostas e formas de atendimento terapêutico variam de acordo com a visão de mundo e perspectiva política, ideológica e religiosa dos diferentes grupos e instituições, governamentais e não governamentais atuantes nesta área. Da abstinência total à redução de danos, do internamento ao atendimento ambulatorial, dos grupos de ajuda ao tratamento medicamentoso, de programas governamentais às comunidades terapêuticas. Para o usuário de substâncias psicoativas que deseja ou necessita de tratamento tem uma variedade de alternativas, porém poderá encontrar algumas dificuldades no que se refere ao acesso, pois o Estado não contempla todas essas modalidades, ele prioriza o atendimento ambulatorial, o 36 número de leitos em hospitais públicos é bastante reduzido, as clínicas particulares tem um custo muito alto, principalmente para aqueles usuários de baixa renda. Variam, também, de acordo com as Políticas Públicas envolvidas. A repressão ao tráfico, por exemplo, é um trabalho exclusivo e restrito à área de Segurança Pública. Por outro lado, a prevenção e o tratamento ao uso e abuso de substâncias psicoativas, bem como a reinserção sócio familiar, são ações afetas à política da Saúde, mas também à política de Educação, principalmente na esfera da prevenção e da Assistência Social, quando se trata do atendimento aos usuários desta política, prioritariamente atendidos pelas Comunidades Terapêuticas. Está envolvida também, em um trabalho intersetorial, a política de Previdência Social, na concessão do auxílio doença, as políticas de Cultura, Lazer, Esportes etc. Ao nos reportarmos à Política Nacional de Saúde Mental, esse atendimento é organizado através das seguintes modalidades: Aberto, Semiaberto e Fechado. (COSTA, 2006) Em sistema “Aberto” o atendimento pode ser realizado em diversas instituições, tanto público quanto privado, tais como as UBS (Unidade Básica de Saúde), ambulatório de saúde mental ou outras instituições que ofereçam tratamento com as características desta modalidade. É um serviço prestado a pessoas com pouco comprometimento com Substâncias Psicoativas (SPA) e muita motivação para deixar de usá-las. No atendimento “Semiaberto”, o tratamento é realizado nos CAPS/ad (Centro de Atenção Psicossocial álcool e drogas) e hospital/dia. É um serviço de maior complexidade, sendo intermediário entre as modalidades “aberto” e “fechado”. Este é um atendimento indicado para pessoas muito dependentes, porém, motivadas para o tratamento. Como regime “Fechado” e também ocupando o topo da pirâmide, está a atenção de maior complexidade, cujos sujeitos atendidos são aqueles com um comprometimento maior com SPA e normalmente pouco motivados para o tratamento. Nesta modalidade estão às clínicas e hospitais psiquiátricos e os hospitais gerais. 37 Essas internações ocorrem de acordo com a portaria nº. 224 de 29/01/92 da Secretaria de Assistência à Saúde, com modelo de longa e curta permanência (30 a 45 dias como referencial) com o objetivo de desintoxicação e encaminhamento para Ambulatório de Referência. Percebemos que as comunidades terapêuticas não são contadas como possibilidades de internamento, dentro da estrutura de atendimento da rede pública de saúde. O Ministério da Saúde, através do seu site7, afirma que Em decorrência da reforma psiquiátrica, vem definindo estratégias que visam ao fortalecimento da rede de assistência aos usuários de álcool e outras drogas, com ênfase na reabilitação e reinserção social dos mesmos. A assistência ao usuário de substâncias psicoativas no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - é realizada por meio da rede psiquiátrica existente. Um importante número de internações destes usuários é efetuado com o intuito de desintoxicar pessoas dependentes das drogas. Para reverter esse quadro o Ministério da Saúde, desde 1990, está definindo como diretriz básica de suas ações, a reestruturação da atenção psiquiátrica no Brasil, na qual a atenção às dependências químicas está inserida. Tem como premissa fundamental a ampliação da rede ambulatorial e o fortalecimento de iniciativas municipais e estaduais que propiciem a criação de equipamentos intensivos e intermediários entre o tratamento ambulatorial e a internação hospitalar, com ênfase nas ações de reabilitação psicossocial dos pacientes. Em decorrência desse processo, o número de hospitais psiquiátricos no país reduziu de 313, em 1991, para 260, em 2001, enquanto o número de leitos especializados caiu de 86 mil para 62 mil, no mesmo período. Paralelamente a este fator, dos 03 Centros de Atenção Psicossocial/CAPS e Núcleos de Atenção Psicossocial/NAPS existentes, passamos para 266 em 2001, destes, estimamos que 10% sejam específicos para dependentes químicos. Até 2004 haviam sido implantados 63 CAPS/ad em todo o território nacional (Ministério da Saúde. Política de Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, p. 32, 2004), numa explícita opção da política pública na área da saúde em trabalhar na perspectiva da redução de danos e não do internamento, fazendo clara alusão ao desestímulo do internamento psiquiátrico, mas não se referindo à opção de internamento em comunidades terapêuticas, mesmo entendendo a diferença entre as duas modalidades de atendimento. 7 FONTE: www.saude.gov.br. 38 1.5 Contextualização das Comunidades Terapêuticas Segundo Fracasso (2009), em 1860 foi fundado na Inglaterra uma organização religiosa chamada Oxford. Esta organização era uma crítica à Igreja inglesa e seu objetivo era o renascimento espiritual da humanidade. Originalmente chamada Associação Cristã do I Século, acabou mudando de nome em 1900 para Moral Rearmement. Este grupo, conhecido como Grupo de Oxford, buscava um estilo de vida mais fiel aos ideais cristãos: se encontravam várias vezes por semana para ler e comentar a Bíblia e se comprometiam reciprocamente a serem honestos. Após 10 anos, constataram que 25% dos seus participantes eram alcoolistas em recuperação. De acordo com a mesma autora, nos Estados Unidos, participantes desse grupo se reuniam para partilhar o empenho e o esforço que faziam para permanecer sóbrios; desta maneira nasceu o primeiro grupo de Alcoólicos Anônimos (AA) fundado em Akron/Ohio, pelo cirurgião Bob e o Corretor de New York Bill, em 1935; que com o passar dos anos se tornou o maior grupo de Autoajuda do mundo. Os AA além do afeto e acolhimento demonstram, a cada momento, muita disponibilidade em relação aos membros do grupo, em casos de necessidades. No dia 18 de setembro de 1958, Chuck Dederich e um pequeno grupo de alcoolistas em recuperação decidiram viver juntos para, além de ficar em abstinência, buscarem um estilo alternativo de vida. Fundou em Santa Mônica, na Califórnia, a primeira Comunidade Terapêutica (CT) que se chamou Synanon. Adotando um sistema de relacionamento direcionado em uma atmosfera quase carismática, o que para o grupo foi muito terapêutico. A aplicação do conceito de ajuda às pessoas em dificuldades, feita pelos próprios pares, é a base das relações vividas na Synanon, posteriormente em Daytop, onde cada pessoa se interessa e se sente responsável pelas outras. Desde o início acolheram alguns jovens que estavam tentando ficar em abstinência de outras drogas e em decorrência disto a Comunidade Terapêutica que teve seu início com uma CT para alcoolistas, abriu suas portas para jovens que usavam outras substâncias psicoativas. Conforme Fracasso (2009), “esse tipo de alternativa terapêutica se consolidou e deu origem a outras CT’s que, conservando os conceitos 39 básicos, aperfeiçoaram o modelo proposto pela Synanon”. (FRACASSO, 2009, p.273) Com a multiplicação das iniciativas desse tipo de abordagem terapêutica na América do Norte, a experiência atravessou o oceano atlântico e deu início a programas terapêuticos no norte da Europa, principalmente na Inglaterra, Holanda, Bélgica, Suécia e Alemanha. Ainda de acordo com Fracasso (2009), em 1968 na cidade de Goiânia nasce no Brasil a primeira Comunidade Terapêutica denominada Desafio Jovem, oriunda de um movimento religioso coordenado pelo Pastor Edmundo, assim como em Oxford. Em 1978 na cidade de Campinas, foi fundada a Comunidade Terapêutica Senhor Jesus, oriunda de um movimento religioso coordenado pelo Padre Haroldo Rham, missionário americano. No início de 1979, a experiência chegou à Itália, onde se fundou uma Escola de Formação para educadores de CT’s. Os educadores que passaram por essa formação deram um novo impulso na Espanha, América Latina, Ásia e África. Para a autora, as comunidades terapêuticas, aqui entendidas como instituições de atendimento aos dependentes químicos, não governamentais, em ambiente não hospitalar, com orientação técnica e profissional, onde o principal instrumento terapêutico é a convivência entre os residentes, surgiram no cenário brasileiro, há mais de quarenta anos, antes mesmo de existir qualquer Política Pública de atenção à dependência química no país. Elas cresceram, multiplicaramse e ocuparam espaços na medida em que inexistiram programas e projetos de caráter público que oferecessem alternativas para o atendimento às pessoas dependentes de substâncias psicoativas, desejosas de tratamento. Segundo Costa (2006) “Comunidade Terapêutica” tornou-se uma nomenclatura oficial a partir da Resolução nº 101 da ANVISA, de 30 de maio de 2001. Essa terminologia aparece no título da Resolução “que estabelece regras para as clínicas e comunidades terapêuticas”. A referida legislação foi revogada, em 2011, pela Resolução nº 29 que em seu artigo 1º define o que entende por comunidade terapêutica: “serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas (SPA), em 40 regime de residência” (BRASIL, 2011). Isto é, reconhece a existência e o trabalho destas instituições e estabelece um modelo básico para o seu funcionamento: o psicossocial, na intenção de garantir o caráter terapêutico de suas ações. Utiliza-se de conhecimentos, instrumentos e técnicas científicas, na área da saúde mental, social e física, para o atendimento ao usuário de SPA que busca ajuda para o tratamento. Este, portanto, se concentra no fortalecimento físico, psíquico e espiritual, para que o usuário se mantenha abstêmio pelo maior tempo possível. Esse é o quadro que prevalece nos atendimentos prestados pelas comunidades terapêuticas. Essas instituições se proliferaram pelo Brasil e cresceram baseadas no serviço voluntário, na prática assistencialista e no ensino religioso. Alcançaram resultados, enquanto as políticas públicas passavam ao largo da questão da dependência química, pois esta era um “caso de polícia” e não de “política de saúde pública”. O usuário da CT passou a ser considerado em sua dimensão integral e não dissociado do seu contexto social e familiar. Conforme Serrat (2009) “o aumento significativo de CT é uma resposta à evolução do consumo de drogas ilícitas por parte dos jovens”. (SERRAT, 2009, p.360). Ainda, segundo o mesmo autor, quando os princípios de recuperação, resgate da cidadania, reabilitação física e psicológica e de reinserção social são corretamente aplicados, os tratamentos apresentam resultados positivos, sendo o objetivo agir nos fatores psicossociais do indivíduo, ficando o tratamento medicamentoso por conta de outros órgãos, como hospitais e clínicas. Toda estrutura e organização de uma CT devem levar o residente a interagir com o tratamento, havendo um trabalho conjunto da equipe e dele mesmo. Segundo Fracasso (2009), O objetivo da Comunidade Terapêutica é o crescimento das pessoas através de um processo individual e social; o papel da equipe é ajudar o individuo a desenvolver seu potencial. A Comunidade Terapêutica é um grupo de autoajuda permanente, portanto, devem-se considerar tudo que possibilita um ambiente terapêutico e educativo. (FRACASSO, 2009, p.281). Essa mudança de estilo de vida proposta pelas CT’s pressupõe mudanças de valores, atitudes e hábitos que favoreçam a possibilidade de novos relacionamentos, inclusive familiares e em sociedade. Não tem como objetivo só o tratamento sobre a 41 abstinência total de droga, mas também o processo de reinserção do individuo na sociedade. Por isso, o tratamento desenvolvido nas CT’s é estendido à família do dependente químico. A presença da família permeia todo o processo de tratamento e está presente de forma muito significativa quando o interno parte para a etapa da reinserção social. A primeira fase dessa nova etapa, sem dúvida, é o retorno ao meio familiar. A forma como ele é recebido e como as relações se restabelecem (entre ele e seus familiares) são de fundamental importância para a sua segurança emocional e social, propiciando-lhe condições propícias para manter-se abstêmio. A família de um dependente químico pode vir a ser considerada codependente. Nas palavras de Sanda (2009), “o co-dependente deixa de viver sua própria vida e passa a viver na dependência dos acontecimentos que ocorrem na vida do dependente químico, ele nunca sabe o que esperar, constantemente é bombardeado com problemas, perdas e mudanças”. (SANDA, 2009, p. 246). O autor classifica a co-dependência em cinco fases: negação; depressão; negociação ou barganha; raiva e aceitação, que serão explicadas mais à frente. Por isso a importância de incluir a família no tratamento, pois ela precisa refletir sobre a qualidade da relação familiar, para quando o dependente químico voltar ao convívio familiar, não se deparar com os mesmos comportamentos negativos, que talvez o levasse a usar drogas. Apesar das drogas serem tão antigas quanto à história da humanidade, atualmente, a magnitude e a expansão da utilização de drogas ilícitas, nos faz perceber que é uma demanda urgente para o assistente social; por isso é importante que o profissional tenha conhecimento a respeito das drogas como um fenômeno mundial que acarreta diversas consequências sociais, psicológicas, econômicas, políticas e culturais. Mesmo investigando a dependência química, nosso foco é a prática profissional inserida nesse contexto, e para o desenvolvimento desse estudo faz-se necessário um direcionamento investigativo, assim destacaremos a seguir as concepções de prática profissional, permeada de contradições e conflitos. 42 CAPÍTULO 2 A PRÁTICA PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL 2.1 O Serviço Social como trabalho O trabalho é um componente essencial do homem. Representa a atividade que medeia o gênero humano com a natureza, independentemente da época ou do tipo de sociedade o trabalho será um componente indispensável à vida humana. Marx (2008), afirma que o trabalho é nada mais que “necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio material entre o homem e a natureza, e, portanto, de manter a vida humana”. (MARX, 2008, p.50). A categoria trabalho, uma vez compreendida na sua historicidade material e dialética, permite alcançar uma definição de homem como ente que, para ser, necessita produzir os seus próprios meios de subsistência material e simbólica. Marx compreende o trabalho, consequentemente, desvelando a relação homem-natureza. O trabalho é, em primeiro lugar, um processo de que participam igualmente o homem e a natureza, e no qual o homem espontaneamente inicia, regula e controla as relações materiais entre si próprios e a natureza. [...] atuando assim sobre o mundo exterior e modificando-o, ao mesmo tempo ele modifica a sua própria natureza. Ele desenvolve seus poderes inativos e compele-os a agir em obediência à sua própria autoridade. [...] Pressupomos o trabalho em uma forma que caracteriza como exclusivamente humano (Marx, 2008, p. 197-198). O trabalho assume uma centralidade fundante do ser social e no conjunto de atividades intelectuais e manuais organizadas pela espécie humana e aplicadas sobre a natureza, visando assegurar sua existência. Para Marx (2008), os homens, ao existirem, devem ser capazes de se reproduzirem enquanto seres humanos; forma específica dessa reprodução é dada por uma peculiar relação dos seres humanos com a natureza através do trabalho. A categoria do trabalho emerge, desta forma, como categoria central do ser social. 43 O que Marx nos diz relaciona-se com o sentido mesmo do humano como ser social, que transforma a natureza, e a partir desta transformação desenvolve um processo de aprendizagem de seus limites e suas potencialidades enquanto ser. Caso não seja assim, o ser humano não existe enquanto ser social, diferente dos demais seres. O conceito do trabalho em Marx não se limita ao conceito econômico cotidiano do trabalho como meramente ocupação ou tarefa, e sim como categoria central nas relações sociais, nas relações dos homens com a natureza e com os outros homens, porque esta é sua atividade vital. Conforme sustenta Lukács (apud ANTUNES, 1999), o que distingue o trabalho de todas as demais atividades humanas é a sua função social. Desta forma, é a partir do trabalho que o ser humano, ser social, se diferencia de outras formas pré-humanas na história. Somos dotados de consciência, temos a possibilidade de planejar antes de dar forma ao objeto. Esta é a razão de o trabalho ser a categoria ontológica central para o mundo dos seres humanos, tanto em Marx quanto em Lukács, pois sem a transformação da natureza não há qualquer reprodução social. O trabalho é, portanto, resultado de um pôr teleológico que (previamente) o ser social tem ideado em sua consciência, fenômeno esse que não está essencialmente presente no ser biológico dos animais. Em Marx o trabalho não é entendido como uma das diversas formas fenomênicas da teleologia em geral, mas como único ponto onde a posição teleológica pode ser ontologicamente demonstrada como um momento efetivo da realidade material. Marx verifica que em sua contemporaneidade, o trabalho assumiu características diferentes das anteriormente pensadas: os homens que produzem seus bens materiais, alguns indispensáveis a sua própria existência, não se realizam como seres humanos em suas atividades. Ocorre que, na sociedade capitalista, o trabalho é explorado definindo, assim, um processo de alienação. Se o trabalho, como atividade essencial e vital traz a 44 possibilidade de realização plena do homem enquanto tal, a exploração do trabalho determina um processo inverso, de alienação. Sob a exploração do trabalho, os homens tornam-se menos homens, há uma quebra na possibilidade de pelo trabalho promover a humanização dos homens. Nesse sentido, Marx (2008) fala sobre a práxis humana afirmando que “toda vida social é essencialmente prática” (MARX, 2008, p.29). Portanto, a Práxis é o todo que interconecta os fundamentos teóricos, filosóficos, metodológicos, ideológicos, históricos de uma decisão. Compreende todo o contexto que envolve a prática profissional. Partindo do conceito de que Prática Profissional significa as concepções teórico-metodológicas que caracterizam a profissão, à práxis caberá a contextualização, em campo, dessas concepções que são a Prática Profissional. A Prática Profissional consiste, então, numa pequena parcela do todo formado pela práxis: que inclui a parte teórica que antecede o agir propriamente dito, e o agir desenvolvido mediante uma teoria que inspira uma reflexão, chamado de prática. Nesse grande todo se encontra a prática profissional do Serviço Social: um resultado prático, ativo, de um longo processo reflexivo e construtor, que se interrelaciona aos contextos históricos e às decisões éticas praticadas em campo. O Serviço Social, enquanto prática profissional não é somente a aplicação de uma teoria, mas a reflexão em torno de uma categorização teórica e sua qualificação enquanto ação emancipadora do indivíduo atendido, e enquanto prática garantidora de direitos. Faleiros (2008) afirma que a “prática é particular, ela é específica, ela implica sujeitos com múltiplas determinações no todo” (FALEIROS, 2008, p.89). A prática profissional enquanto conceito é imensa, e quase indefinível em sua totalidade. Como diz Netto (2006), o Serviço Social é uma profissão, e não uma ciência, e desse modo lhe são privados os benefícios de conceituação ampla e definitiva, permitida às ciências. 45 Ao se falar em prática profissional, tem-se em mente o que o assistente social faz, ou seja, o conjunto de atividades que são desempenhadas pelo profissional. O assistente social, em função de sua qualificação profissional, dispõe de uma relativa autonomia teórica, técnica e ético-politica na condução de suas atividades. Todavia essas dependem de meios e recursos para serem efetivadas, os quais não são propriedades do assistente social, visto que se encontra alienado de partes dos meios e condições necessárias à efetivação de seu trabalho. Para Iamamoto (2007), o Serviço Social afirma-se como um tipo de especialização do trabalho coletivo8, ao se constituir em expressão de necessidades sociais derivadas da prática histórica das classes sociais no ato de produzir e reproduzir seus meios de vida e de trabalho. 2.2 Institucionalização do Serviço Social O Serviço Social, no Brasil, emergiu com o capitalismo monopolista. Sua origem de influência europeia deu-lhe uma identidade calcada no controle e na repressão, sendo um instrumento da burguesia. O Serviço Social, constituindo uma atividade especializada da ação social da Igreja, embasada na sua doutrina, vinha com um caráter paternalista e assistencial. [...] o Serviço Social surge da iniciativa de grupos e frações de classes dominantes, que se expressam através da Igreja, como um dos desdobramentos do movimento do apostolado leigo. Aparece como uma das frentes mobilizadas para a formação doutrinária e para um aprofundamento sobre os “problemas sociais” de militantes, especialmente femininas, do movimento católico, a partir de um contato direto com o ambiente operário. [...] (IAMAMOTO, 2007, p. 19). 8 Há uma intensa discussão a respeito de o Serviço Social ser considerado ou não trabalho. De acordo com Lessa (2000), o Serviço Social não é trabalho “porque não realiza a transformação da natureza nos bens materiais necessários à reprodução social. Não cumpre a função mediadora entre os homens e a natureza; pelo contrário, atua nas relações puramente sociais, nas relações entre os homens” (LESSA, 2000, p. 52). Contrariamente, Marilda Iamamoto (2010) diz que o ato de trabalho não se reduz a relação homem x natureza, divergindo-se com Lessa. Ela traz para o debate, a análise do trabalho na sociedade capitalista inserindo o trabalho concreto do assistente social na divisão sócio técnica do trabalho. Para Iamamoto, na relação capital x trabalho há a materialização das relações sociais e a personificação das coisas. O capital fetiche intensifica, assim, a exploração do trabalho e, torna invisível a centralidade do trabalho. Porém, dados os limites dessa pesquisa não aprofundaremos esse debate. 46 Dessa forma, o Serviço Social só pode afirmar-se como prática institucionalizada e legitimada na sociedade ao responder às necessidades sociais derivadas da prática histórica das classes sociais na produção e reprodução dos meios de vida e de trabalho de forma socialmente determinada. À medida que a satisfação dessas necessidades se torna mediatizada pelo mercado, isto é, pela produção, troca e consumo de mercadorias, tem-se uma crescente divisão do trabalho. É nesse processo, onde se demanda a presença de um conjunto de instituições sociais, que cria o espaço ocupacional para o Serviço Social emergir como profissão, no contexto em que a questão social se põe como alvo da intervenção do Estado, por meio das políticas sociais públicas. Constitui, também, o processo de profissionalização do Assistente social, que se torna uma categoria assalariada. Conforme destaca Iamamoto (2007). A vinculação institucional altera, ao mesmo tempo, a chamada “clientela” do Serviço Social: de uma parcela insignificante da população pobre em geral, atingida pelas ações dispersas das obras sociais, seu pública concentrarse-á, agora, nos grandes setores do proletariado, alvo principal das políticas públicas assistenciais desenvolvidas pelas instituições. (IAMAMOTO, 2007, p. 94). O Serviço Social deixa, assim, de ser um mecanismo de distribuição de caridade privada das classes dominantes para se transformar em uma das engrenagens de execução das políticas públicas do Estado e setores empresariais. O Estado controlava a classe trabalhadora e subordinava os assistentes sociais exercendo um papel extremamente autoritário e controlador. Passa a tratar a questão social não somente pela via da coerção, mas sim buscando um consenso na sociedade. Na visão de Iamamato (2000) são essas as bases históricas da nossa demanda profissional. A constituição e institucionalização do Serviço Social como profissão na sociedade dependem de uma progressiva ação do Estado na regulação da vida social, quando passa a administrar e gerir o conflito de classe, o que pressupõe, na sociedade brasileira, a relação capital/ trabalho constituída por meio do processo de industrialização e urbanização. (IAMAMOTO, 2000, p. 23). De acordo com SERRA (1986), o Serviço Social, por seu atrelamento ao Estado e ao poder instituído, é uma profissão constituída como um subpoder institucional. O profissional é utilizador de um saber reconhecido pela instituição 47 como as políticas, as normas e regras da instituição e que, portanto, pode-lhe ser retirado se não se submeter aos ditames para sua utilização. Desta maneira, ele não é dono dos meios para intervir, mas produz conhecimento científico à medida que, para atuar, necessita pesquisar sobre a realidade, sua atuação exige uma investigação sobre a prática, portanto, o assistente social é produtor e detentor de conhecimento e não só executor de um saber institucional. As discussões a respeito da prática profissional avançam de acordo com o momento histórico. Entre os pesquisadores da história do Serviço Social, é consenso que o processo de Renovação do Serviço Social foi iniciado nos anos 1960, na América Latina, tendo como objetivo romper com o Serviço Social tradicional mediante uma nova proposta para a categoria profissional. Com as novas exigências postas aos profissionais daquela época, pelos seus empregadores, o Serviço Social começa um processo de questionamento da forma como vinha desenvolvendo sua prática. Os profissionais começaram a se questionar a respeito da eficácia dos métodos tradicionais utilizados para atuar na realidade. Dessa forma, iniciaram um movimento de contestação, chamado Movimento de Reconceituação, que tem início na década de 1960, e seu refluxo, na década de 1970, devido aos golpes ditatoriais ocorridos. Segundo Netto (2011), no Brasil, assume três dimensões: a Perspectiva Modernizadora, a Reatualização do Conservadorismo e a Intenção de Ruptura. A perspectiva modernizadora orienta a atuação dos assistentes sociais e fundamenta teoricamente a profissão por meio da vertente teórica Positivista. Dessa forma, as expressões da questão social são consideradas como questões da natureza humana e não como problemas gerados por uma sociedade desigual, classista e excludente. A reatualização do conservadorismo possui como pano de fundo para o serviço social a perspectiva teórica da Fenomenologia. Esta busca colocar o assistente social como um profissional de ajuda psicossocial, sendo sua atuação 48 profissional pautada na situação existencial, problema de cada usuário responsável pelo próprio lugar que ocupa nessa sociedade. A Intenção de Ruptura trata do debate a cerca da formação profissional e atuação dos assistentes sociais com uma bagagem teórica Marxista. Os anos de 1970 e 1980 foram cenários para o fortalecimento de movimentos vinculados à luta por direitos da classe trabalhadora. Vinculado à grande onda dos movimentos sociais, o serviço social coloca, para o debate profissional, a importância de uma teoria que pudesse compreender a dinâmica contraditória da sociedade brasileira. Em resumo, esse movimento reuniu assistentes sociais com experiências e aspirações bastante heterogêneas e desencadeou alterações de tamanha magnitude que influenciam a profissão até a atualidade. A partir desse movimento, começaram a se fazer presentes discussões e até questionamentos sobre a forma como a prática era desenvolvida. Pode-se dizer que a década de 1970, foi marcada pela introdução da perspectiva marxista9 no contexto do Serviço Social. Como consequência, alguns profissionais passaram a negar o espaço institucional, alegando ser este um aparelho ideológico do Estado. Ainda que num primeiro momento do Movimento de Reconceituação os profissionais tenham se confundido com um viés político partidário que abandonava o espaço institucional, foi no final dessa década que o Serviço Social retomou esse espaço como portador de possibilidades e eivado de contradições a serem exploradas a favor da classe trabalhadora. Assim, os profissionais partiram do conceito de Estado ampliado, entendendo o espaço institucional como representante da luta de classes e como espaço contraditório. A década de 1980 foi um período em que a profissão começou a passar por algumas alterações que incidiram positivamente na mesma. Após a abertura política, o Serviço Social realizou alterações em seu currículo e os acadêmicos começaram a discutir e a construir uma alteração no perfil da profissão. 9 Para Netto (2011), esse momento configurou-se como uma aproximação ao marxismo sem o recurso ao pensamento de Marx, de forte caráter pragmático e reproduzido em manuais populares e partidários. Nesse contexto, o tripé que sustenta a teoria marxiana foi simplificado por esquemas de manuais: a dialética materialista é compreendida como um jogo mecânico e formal entre a tese, a antítese e a síntese e a categoria da totalidade esvaziada por um tipo de epistemologismo e de formalismo metodológico. A intenção de ruptura se firmou apenas nos anos de 1990, quando se passou a ter acesso às fontes originais de Marx e Lucáks. 49 É demandado pelos contratantes dos assistentes sociais, o desenvolvimento de uma prática voltada para mudanças de hábitos, atitudes e comportamentos do trabalhador, porém, com a proximidade, a “absorção” e discussão com as Ciências Sociais e com o marxismo, apesar dos acadêmicos perceberem e discutirem a importância da prática profissional, enquanto uma prática dotada de uma dimensão política, seja para conformação da população atendida ou para iniciar um movimento de reflexão. A categoria profissional não introjetou essa diretriz no desenvolvimento de sua prática cotidiana. Essa discussão se desenvolve prioritariamente na academia e através das revisões curriculares do Serviço Social vai sendo difundido para os novos profissionais em formação. Apesar disto, essa “nova prática profissional” não consegue penetrar no campo de trabalho, tornando-se uma discussão residual. (RODRIGUES, 2006, p.40). Assim, uma forma de romper com práticas profissionais tradicionais é a formação de profissionais críticos, com preparo teórico, técnico e político, capazes de articular as demandas postas, bem como de ser um pesquisador da realidade na qual atua, com o objetivo de transpor o imediatismo da demanda e criar propostas de enfrentamento para melhorar a qualidade dos serviços prestados. É o próprio Estado o grande impulsionador da profissionalização do assistente social, responsável pela ampliação e constituição de um mercado de trabalho nacional, cada vez mais amplo e diversificado, acompanhando a direção e os rumos do desenvolvimento capitalista na sociedade brasileira. Mesmo o Brasil vivendo o auge do neoliberalismo, a década de 1990 distinguiu-se por várias legislações importantes no país, inclusive para o Serviço Social, que, de forma efetiva, lutou para sua consolidação: em 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Sistema Único de Saúde (SUS); em 1993 a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS); em 1994 a Lei de Política Nacional do Idoso; em 1996 a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)10, dentre outras. Essas legislações trouxeram condições objetivas no âmbito dos direitos para a classe trabalhadora. 10 Desde a edição da LDB de 1996, a educação brasileira sofreu algumas modificações. No que diz respeito à expansão do atendimento, houve progressos em todos os níveis e modalidades de ensino. A educação profissional, flexibilizada, teve um percurso mais tortuoso: embora a educação continuada tenha feito progressos difíceis de mensurar, houve recuo das matrículas no nível técnico. Houve avanços na cobertura escolar também na educação especial e na indígena, assim como se ampliaram as oportunidades para os jovens e adultos que não puderam cursar ou concluir, na idade esperada, o ensino fundamental e médio. As iniciativas de educação à distância, tradicionalmente restringidas pela legislação, puderam multiplicar-se, com o apoio das novas tecnologias, em especial, da Internet. Quanto à qualidade do ensino, os limites da LDB são mais evidentes. Porém, apesar de seus defeitos e limitações, a LDB tem representado um marco de valor para a educação brasileira. FONTE: http://www.senado.gov.br. 50 No que tange ao Serviço Social, essa década solidificou a profissão, com projetos relacionados à formação, bem como à categoria profissional. Foi confirmada nessa década, a nova Lei de Regulamentação da Profissão, mostrando o direcionamento do Serviço Social, suas competências e suas atribuições, marcando a identidade profissional, contraposta à identidade que lhe era atribuída, bem como a recusa à ordem social. Assim, o próprio documento do projeto de investigação sobre a formação profissional revela que o Serviço Social é situado como uma Atividade inscrita na divisão social do trabalho [...] historicamente determinada pela maneira como se organiza a sociedade e, ao mesmo tempo, como resultado da atuação da categoria profissional, isto é, dos posicionamentos e respostas às demandas sociais dos diferentes grupos e classes sociais. (ABESS, 1984, p.108). O último e atual Código de Ética foi publicado em 1993 em resposta a manifestações vindas das universidades e dos amplos espaços de discussão e representatividade da categoria profissional (encontros regionais e nacionais, congressos brasileiros, oficinas, etc.), nele constando os princípios e valores que identificaram o posicionamento da profissão. Nesse código, fica clara a identidade profissional articulada a um projeto da sociedade justa e democrática. [...] o novo código de ética (1993) reafirma o projeto profissional comprometido com as classes trabalhadoras e dá outro tratamento à dimensão ético-política da profissão: os princípios e valores calcados no horizonte de um projeto de superação da ordem burguesa. Assim, o código de ética propõe a ampliação da liberdade, concebido como autonomia, emancipação e pleno desenvolvimento dos indivíduos sociais; a consolidação da democracia, enquanto socialização política e da riqueza socialmente produzida e a defesa da equidade e justiça social enquanto universalização do acesso a bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais e à sua gestão democrática. (ABESS, 1996, 146-147). Dessa forma, o Código de Ética está em consonância com o projeto éticopolítico profissional valorizado nessa década de forma intensa, por trazer uma proposta de “ordem societária”. O projeto ético-político do Serviço Social materializou-se, e continua nos tempos de hoje, mais expressivamente nesse período, quando a profissão, revisada em seu código de ética, assumiu um compromisso com a classe trabalhadora, na busca de um projeto de sociedade contraposto à sociedade capitalista. O projeto ético-política profissional expressa a perspectiva hegemônica impressa no Serviço Social brasileiro. A operacionalização do projeto 51 profissional supõe o reconhecimento das condições sócio históricas que circunscrevem o trabalho do assistente social na atualidade, estabelecendo limites e possibilidades (IAMAMATO, 2000, p.23). Assim, o projeto ético-político do Serviço Social vincula-se a um projeto societário, que luta por uma sociedade distinta, com componentes coletivos e com forças diferentes, exigindo da categoria, a partir de uma perspectiva micro e macrossocial, uma postura, um posicionamento frente à disputa de classe, uma disputa de concepção, uma disputa política. 2.3 As mudanças no mercado profissional de trabalho e o redimensionamento da profissão Entendemos que a prática do Serviço Social se insere em um movimento contraditório, uma vez que, para oferecer respostas às demandas, sua ação é determinada tanto pelas condições histórico-conjunturais quanto pelos limites que a realidade impõe aos profissionais. Compreender esse movimento contraditório “é condição básica para se apreender o perfil e as possibilidades do Serviço Social hoje, as novas perspectivas do espaço profissional.” (IAMAMOTO, 2007, p. 103). O agravamento da questão social, decorrente do processo de reestruturação produtiva e da adoção do ideário neoliberal, repercute no campo profissional, tanto nos sujeitos com os quais o Serviço Social trabalha – os usuários dos serviços sociais públicos – como também no mercado de trabalho dos assistentes sociais que, como o conjunto dos trabalhadores, sofre o impacto das mudanças que atingem o exercício profissional, conforme analisa Iamamoto (2000). Os assistentes sociais funcionários públicos vêm sofrendo os efeitos deletérios da Reforma do Estado no campo do emprego e da precarização das relações de trabalho, tais como a redução dos concursos públicos, demissão dos funcionários não estáveis, contenção salarial, corrida à aposentadoria, falta de incentivo à carreira, terceirização acompanhada de contratação precária, temporária, com perda de direitos etc. (IAMAMOTO, 2000, p. 123-124). Nesse contexto, há uma redução de postos governamentais, principalmente nos níveis federal e estadual, e a sua transferência para os municípios. Intensificamse os processos de subcontratação de serviços individuais dos assistentes sociais por parte de empresas de serviços ou de assessoria na prestação de serviços aos 52 governos, acenando para o exercício profissional privado, temporário, por projeto, por tarefa, em função das novas formas de gestão das políticas sociais. De acordo com Raichelis (2009), em alguns campos de atuação, como é o caso da habitação social, entre outros, a terceirização vem se consolidando como novo modelo de produção e gestão da habitação, no qual o projeto, a obra, a operação, sua fiscalização e gerenciamento, bem como o trabalho social passam a ser contratados através de processos licitatórios, sem que, no entanto, a administração pública consiga manter a regulação e o controle estratégico de todo o processo. As consequências da terceirização são profundas, pois desconfigura o significado e a amplitude do trabalho técnico realizado pelos assistentes sociais e demais trabalhadores sociais, desloca as relações entre a população, suas formas de representação e a gestão governamental, pela intermediação de empresas e organizações contratadas. Além disso, as ações desenvolvidas passam a ser subordinadas a prazos contratuais e a recursos financeiros destinados para esse fim, implicando descontinuidades, rompimento de vínculos com usuários e descrédito da população para com as ações públicas. Amplia-se cada vez mais a seletividade dos atendimentos. Diante desta crescente restrição da capacidade de atendimento, o assistente social, por estar em contato direto com a população usuária na prestação dos serviços, “vê-se institucionalmente, cada vez mais compelido a exercer a função de um juiz rigoroso da pobreza, técnica e burocraticamente conduzida, como uma aparente alternativa à cultura do arbítrio e do favor” (IAMAMOTO, 2000, p. 161). Segundo Raichelis (2009), embora historicamente os assistentes sociais tenham se voltado à implementar políticas públicas, como executores terminais das políticas sociais, esse perfil vem mudando nos últimos anos, pois esse cenário acarreta novos desafios para a prática profissional, abrindo novas alternativas e áreas de trabalho profissional. Os assistentes sociais passam a ser requisitados para atuar também na formulação e avaliação de políticas, bem como no planejamento e na gestão de 53 programas e projetos sociais, desafiados a exercitarem uma intervenção cada vez mais crítica e criativa. De acordo com a autora, os espaços ocupacionais se ampliam também para atividades relacionadas ao funcionamento e implantação de conselhos de políticas públicas nas áreas da saúde, assistência social, criança e adolescente, habitação, entre outros, em programas de capacitação de conselheiros, na elaboração de planos municipais, no monitoramento e avaliação de programas e projetos, na coordenação de programas e projetos, no planejamento estratégico do trabalho, etc. Ainda segundo Raichelis (2009), tais inserções são acompanhadas de novas exigências de qualificação, tais como: o domínio de conhecimentos para realizar diagnósticos socioeconômicos de municípios; a competência no gerenciamento e avaliação de programas e projetos sociais; a capacidade de negociação, o conhecimento na área de recursos humanos e relações no trabalho, entre outros. Somam-se possibilidades de trabalho nos níveis de assessoria e consultoria para profissionais mais experientes e altamente qualificados em determinadas áreas de especialização. Registram-se, ainda, requisições no campo da pesquisa, de estudos e planejamento, entre inúmeras outras funções. 2.4 Inserção do Serviço Social na área da dependência química Diante da realidade em que vivemos hoje, a emergência de espaços especializados para prevenir e tratar a dependência de substâncias psicoativas criou uma nova área de intervenção profissional, ocupada por diversos profissionais, entre os quais o assistente social. “Esses espaços se constituíram uma novidade para o Serviço Social, pois os profissionais não tinham acúmulo de experiência e conhecimento de intervenção profissional na questão das drogas”. (OLIVEIRA, 2003, p.163). Percebemos que o trabalho com a dependência química poderá estar presente em todas as áreas de atuação do Serviço Social, devido ser ela uma das diversas expressões da questão social, por isso é uma das demandas para o assistente social. 54 O campo de atuação em ambulatórios e clínicas que possuem um trabalho voltado para o dependente do álcool e outras drogas é relativamente novo para o Serviço Social. De uma forma geral, o Serviço Social começa a ser requisitado, por instituições dessa natureza, no Rio de Janeiro, no decorrer da década de 1980. Porém, segundo Bravo apud Azevedo (2009), a consolidação do Serviço Social no Brasil, no campo da saúde, acontece a partir da segunda metade dos anos 40, após a II Guerra Mundial. Com o aprofundamento do capitalismo no país, o Estado assume a responsabilidade de atender às demandas e exigências no campo da saúde, assistência, habitação, educação, lazer, entre outras; que são atendidas e materializadas através das políticas sociais. As primeiras práticas do Serviço Social em Saúde Mental, conforme descrito em Bisneto (2005) ocorreu nos Centros de Orientação Infantil e Centros de Orientação Juvenil (COI/ COJ) em 1946. Esta foi uma importante experiência na conformação do modelo de “Serviço Social clínico”. Porém, o número de assistentes sociais permaneceu pequeno e o escopo de atuação era bem distinto do atual, atendendo à jovens e famílias na prevenção higienista. Posteriormente, nos anos 1990, esta estrutura assistencial com equipes multiprofissionais e com visão social foi reaproveitada pelo Movimento de Reforma Psiquiátrica no Brasil em serviços psiquiátricos alternativos. Ao Serviço Social cabiam funções como triagem e entrevista com familiares. Em ambos os trabalhos o papel de mediador do Serviço Social é destacado nas relações entre instituição e clientela. Além de realizar entrevistas com os usuários e seus familiares, cabia ao serviço social a elaboração de um histórico da criança e/ou adolescente na escola, na vida familiar, como também do problema por aquele apresentado. Tal histórico era chamado pelos assistentes sociais de diagnóstico e deveria ser apresentado para discussão com os demais profissionais nas reuniões de equipe. Nessa mesma época, aumentava a absorção de assistentes sociais na saúde, sendo que esse fato estava associado ao “novo” conceito de saúde, elaborado pela OMS em 1948, que previa a saúde como resultado das condições de vida em que os indivíduos estão inseridos. Esse conceito inovador enfocava os aspectos 55 biopsicossociais e, por isso, foi determinante para a requisição de outros profissionais para atuar nesse campo. A partir das análises de Vasconcelos (2010), as práticas do assistente social no campo da saúde pública e mental são pautadas por uma concepção de “higiene da alma”, centrada na formação dos pais, educadores, diretores e chefes de toda ordem. Conforme Bisneto (2005), em 1973 foi colocado a demanda do Serviço Social em saúde mental pelo Estado, via MPAS (Ministério da Previdência Social), INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) e INPS (Instituto Nacional de Previdência Social), o que forneceu as bases de legitimidade e consolidação, a partir de demandas concretas no sentido da prestação de benefícios sociais, cidadania, direitos dos usuários, de reabilitação social. Apesar de o assistente social já atuar em diversos problemas sociais provenientes da dependência química, o trabalho específico, nessa área, a partir dos anos de 1980, se deve a ênfase dada àquela problemática, quando dois fatores se conjugam: primeiro, a necessidade de criação de instituições para atendimento ao dependente químico; e segundo, a expansão do tráfico de drogas nos centros urbanos. De acordo com Rodrigues (2006), como o poder público se volta, principalmente, para a repressão da oferta de substâncias ilícitas, o vácuo existente, na questão do tratamento, é preenchido pelas instituições filantrópicas, as quais, numa iniciativa pioneira, começam a contratar assistentes sociais, para atuar especificamente nessa área, inaugurando uma nova demanda institucional para a profissão. É fato que a dependência química é um dos mais graves problemas de saúde pública da atualidade e são válidos todos os esforços que se somem no sentido de amenizar os danos por ela causados. É fato também, que o assistente social tem conquistado um papel fundamental no processo tanto de prevenção como de recuperação dos usuários de álcool e/ou drogas. O Serviço Social faz parte da base do processo de recuperação do dependente químico, tendo em vista que é o assistente social o responsável por grande parte dos trabalhos desenvolvidos com 56 os pacientes e seus familiares, envolvendo-se não só no tratamento durante a internação, mas também em projetos de prevenção, recuperação e manutenção da abstinência e reinserção social. De acordo com Kawall (2003), a especialidade do trabalho do assistente social com o dependente químico é promover a boa convivência do mesmo com a comunidade, levando-o a estabelecer a melhor relação possível com todos aqueles que com ele convive, bem como com o seu meio ambiente. A habilidade especial do assistente social nesta área é estudar o conjunto de relacionamentos que constituem a vida de uma pessoa e construir junto com ela, elementos que levem a uma vida mais saudável. Apesar da restrita bibliografia sobre a atuação do Serviço Social no âmbito da Saúde Mental, as clínicas e instituições que tratam de dependência química já trabalham há muito tempo neste movimento interdisciplinar, ou seja, integrando seus usuários, a família e a comunidade. O próprio assistente social é visto, a partir da década de 1990, também como um profissional da saúde, "com procedimentos específicos de atuação reconhecidos na Tabela Descritiva de Procedimentos Sid/SUS em vigor desde 1992." (VASCONCELOS, 2010, p. 137). O assistente social ainda está encontrando seu espaço e definindo seu papel na área de álcool e outras drogas, e, para isso, depende das relações institucionais; com isso, em alguns momentos, existe um avanço e, em outros, um retrocesso. Ainda segundo Kawall (2003), fatores importantes que, talvez, contribuam para as dificuldades relativas à prática profissional, é a falta de estrutura e condições de trabalho bem como o baixo prestígio junto às coordenações e aos demais colegas da área da saúde. Voltando nossa análise para os problemas decorrentes da utilização e da dependência de drogas, percebemos que, via de regra, o problema das drogas (e seus desdobramentos e implicações) vai chegar às mãos do assistente social, uma vez que as drogas podem provocar consequências negativas, em todos os âmbitos da vida da pessoa. Dessa forma, o assistente social se depara com os mais variados tipos de problemas: conflitos familiares, violência doméstica, desemprego, mau 57 desempenho ou abandono escolar, criminalidade, grande demanda por tratamento, entre outros. De acordo com dados do II Levantamento Domiciliar sobre Drogas Psicotrópicas em nossa sociedade, realizado pelo CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas) em 2005 nas 198 maiores cidades do país, 12,3% dos brasileiros com idade entre 12 e 65 anos se declaram dependentes de bebidas alcoólicas. O álcool e tabaco são as drogas mais consumidas pela população brasileira – uso na vida, 68,7% de álcool e 41,1% o tabaco. A pesquisa revela ainda que, em 2001, 19,4% dos entrevistados já haviam usado algum tipo de droga e, em 2005, esse número subiu para 22,8%, o que corresponde a uma população estimada de aproximadamente 11.603.000 pessoas, excluindo o álcool e o tabaco. Em relação aos dados sobre a prevalência do uso na vida de qualquer droga psicotrópica, houve bastante variação nas cinco regiões brasileiras. O nordeste é a região onde quase um terço (27,6%) dos moradores, das 22 cidades mais populosas da região, já fizeram uso na vida de drogas, exceto tabaco e álcool. Por isso, é muito importante que o assistente social tenha conhecimento a respeito das drogas como um fenômeno mundial que pode acarretar diversas consequências sociais, psicológicas, econômicas, políticas e culturais. Pensando nessas questões, através do olhar do Serviço Social, torna-se muito relevante analisarmos quem são os assistentes sociais que lidam com essa situação e qual é a prática desenvolvida no âmbito dessa área tão complexa. 58 CAPÍTULO 3 ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL EM COMUNIDADES TERAPÊUTICAS 3.1 Levantamento das instituições e escolha do universo da pesquisa A proposta desse capítulo é abordar a atuação dos Assistentes Sociais que trabalham em Comunidades Terapêuticas localizadas em Fortaleza e na região metropolitana, segundo informações obtidas em entrevistas realizadas com quatro profissionais de Serviço Social que trabalham junto aos dependentes de álcool e outras drogas. Para alcançarmos os objetivos traçados, a pesquisa realizada foi de natureza qualitativa, pois como afirma Minayo (1994), ela contempla os sujeitos envolvidos no processo, se caracteriza por ser uma abordagem que procura descrever e analisar a cultura e o comportamento das pessoas. Nossa pesquisa foi realizada em quatro instituições que atendem dependentes químicos e possuem Assistente Social em seu quadro de funcionários, três instituições privadas e uma de natureza filantrópica, sendo que uma das privadas mantém parceria com o Governo do Estado. Uma vez que não dispomos de muitas instituições com esse perfil e garantindo o sigilo na pesquisa, que é papel do Assistente Social, manteremos, na análise de nossos dados, o anonimato dos entrevistados que, vendo a relevância do nosso estudo, concederam as entrevistas para que pudéssemos desenvolver a pesquisa. Baseado no guia Drogas: onde buscar ajuda (2010), organizado pela Assembleia Legislativa do estado do Ceará, que traz dados de vários serviços disponíveis no estado para o atendimento à dependência química, fizemos um levantamento de 30 (trinta) Comunidades Terapêuticas localizadas em Fortaleza e região metropolitana, a fim de identificar quais possuíam Assistente Social em seu quadro de funcionários. Através de contato telefônico, conseguimos nos comunicar 59 com apenas 21 (vinte e uma) instituições, identificamos que 20 (vinte) são de natureza privada e 01 (uma) de natureza filantrópica, das privadas 01 (uma) matinha convênio com o Governo do Estado do Ceará. Destas, 11 (onze) instituições não tinham religião específica, 08 (oito) eram evangélicas e 02 (duas) de religião católica. Das 21 (vinte e uma), 07 (sete) eram localizadas em Fortaleza e 14 (quatorze) na região metropolitana. Em seu quadro de funcionários 16 (dezesseis) instituições possuíam profissionais de nível superior, sendo que apenas 05 (cinco) tinham Assistente Social, e outras 05 (cinco) não contavam com nenhum profissional de nível superior, os funcionários eram todos ex-residentes voluntários. Delimitamos, pois, nosso estudo a essas 05 (cinco) Comunidades Terapêuticas que contavam com Assistente Social em sua equipe. Porém, devido a problemas alheios à nossa vontade, só foi possível pesquisar em 04 (quatro) destas. 3.2 Identificação dos entrevistados e sua inserção no Serviço Social Em nossa pesquisa, identificamos que a faixa etária desses profissionais varia entre 35 e 67 anos e que todos são graduados há mais de dez anos. “Graduei-me em Serviço Social na época em que o curso nem era na Uece, ainda era Escola de Serviço Social e fazia parte da UFC” (E1). De acordo com Costa et al (2010), a Escola de Serviço Social de Fortaleza tem sua gênese no ano de 1950, surge com a proposta clara de atender aos interesses da burguesia local e do Estado, e estava diretamente vinculada à Igreja Católica. As fundadoras da Escola eram membros da Juventude Feminina Católica Cearense e da Ação Católica Local. Conforme a mesma autora, o arcabouço teórico que norteou as primeiras turmas de Serviço Social abrangia disciplinas relacionadas à Sociologia, Psicologia, Higiene, Enfermagem, Puericultura, Direito, Moral, Patologia Social e Doutrina Social da Igreja. Não havia a disciplina de Filosofia e as disciplinas referentes ao Serviço Social diziam respeito apenas à introdução do curso. 60 Ainda segundo Costa et al (2010), não era necessário ter concluído o ensino médio, ou científico na época, para ingressar na Escola. É tanto que, na primeira turma que se formou aqui no Estado algumas alunas tinham concluído apenas a quarta série ginasial, o que corresponde hoje ao nono ano do ensino fundamental. Somente após o curso ser agregado à Universidade do Ceará, hoje Universidade Federal do Ceará, e ter reconhecimento de nível superior foi que se passou a exigir como critério de aprovação, além da seleção, a conclusão do Ensino Médio ou Científico. O currículo mínimo das primeiras turmas de Serviço Social obedecia a um critério positivista que sectarizava a totalidade social. Disciplinas como Sociologia, Medicina, Direito, entre outras, gerava uma compreensão da sociedade como algo estático, em que se podia atuar tratando, por assim dizer, as anormalidades que assolavam a ordem social perfeita. Portanto, o assistente social era uma espécie de patologista social que atuava como um técnico do tratamento da questão social. O Serviço Social no Brasil tem suas origens na primeira metade do século XX, com suas raízes cristãs de assistencialismo, a igreja Católica controlava todo processo de ajuda ao próximo e benefícios aos menos favorecidos, sendo patrocinada pela ordem burguesa vigente. Observamos que a identidade inicial do Serviço Social está caracterizada pelo conteúdo doutrinário e confessional da Igreja, sendo que sua emergência é ampliada a partir da criação das primeiras escolas, que visavam à profissão da assistência e o seu tutelamento pelo aparato religioso. Em relação à escolha da profissão, percebemos, através de pesquisas, que as pessoas que escolhiam a profissão tinham como motivação principal a vontade de ser útil e ajudar os outros, tinham a concepção da profissão como uma vocação pela qual o profissional promove os valores nobres que aceita pessoalmente, estes valores seriam a promoção humana, o desenvolvimento do país, a caridade cristã, a democracia e outros. Identificamos essa afirmação na fala de um dos entrevistados que escolheu a profissão na década de 1960. “A minha mãe me criou com essa consciência forte de ajudar os menos favorecidos e o Serviço Social era mais visto nessa área do que nas outras.” (E1). 61 Considerando o âmbito da pesquisa, concluímos que, apesar de passadas algumas décadas, algumas pessoas continuavam com essa mesma consciência, que podemos perceber na fala de outro entrevistado que se formou na década de 1990. “Eu sempre gostei [...] dessa coisa de ajudar, de me identificar com as pessoas, com o sofrimento do outro e tal.” (E3). Ainda segundo as motivações para a escolha da profissão, um dos entrevistados não teve a mesma opinião que a maioria, ele escolheu a profissão “pelo seu caráter emancipatório, de autonomia, em pleno rigor militar”, reproduzindo o que diz o Código de Ética do Serviço Social atual que tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor ético central – a liberdade concebida historicamente, como possibilidade de escolher entre alternativas concretas; daí um compromisso com a autonomia, a emancipação e a pela expansão dos indivíduos sociais. Outra característica da gênese do Serviço Social que perdura até os dias de hoje, é o caráter feminino da profissão. Um dos profissionais entrevistados é homem, e iniciou no curso em 1969, sobre isso ele fala que “homem no Serviço Social em 1969 era uma coisa muito difícil, não muito bem aceita pela sociedade, no mercado de trabalho então era mais difícil ainda.” (E2). Segundo Iamamoto (2011), desde a emergência da profissão do Serviço Social no Brasil observamos a predominância do sexo feminino entre tais profissionais. Assim, a predominância feminina na profissão do Serviço Social em suas origens, está diretamente ligada às características enraizadas e culturalmente legitimadas ao âmbito feminino. Aceitando a idealização de sua classe sobre a vocação natural da mulher para as tarefas educativas e caridosas, essa intervenção assumia, aos olhos dessas ativistas, a consciência do posto que caiba à mulher na preservação da ordem moral e social e o dever de tornarem-se aptas para agir de acordo com suas convicções e suas responsabilidades. Incapazes de romper com essas representações, apostolado social permite àquelas mulheres, a partir da reificação daquelas qualidades, uma participação ativa no empreendimento político e ideológico de sua classe, e da defesa faculta um sentimento de superioridade e tutela em relação ao proletariado, que legitima a intervenção (IAMAMOTO, 2011, p. 172). Fica evidente na citação acima que a categoria de profissionais do Serviço Social estava em construção e em pleno desenvolvimento, neste momento, a categoria dos Assistentes Sociais atribui à posição social, ideológica da mulher 62 dentro da sociedade e consequentemente dentro da profissão. Portanto, a imagem de contribuidora para a construção de uma nova e melhor ordem social, dentro da sociedade capitalista é de extrema relevância no que diz respeito às atribuições da mulher não só no âmbito social, como, principalmente, no âmbito histórico profissional do Serviço Social. Essa característica de femininalização da profissão desde sua origem permeou, por muito tempo, a trajetória histórica do Serviço Social. Na contemporaneidade, ainda pode-se observar a prevalência das mulheres na profissão de Serviço Social. Na atualidade algumas pesquisas foram realizadas no que tange ao perfil dos Assistentes Sociais, e na grande maioria uma questão primordial diz respeito ao perfil feminino da categoria profissional do Serviço Social. Neste sentido, no ano de 2005 foi publicada uma pesquisa pelo Conselho Federal de Serviço Social – CFESS intitulada “Assistentes Sociais no Brasil: Elementos para o Estudo do Perfil Profissional” no qual 97% dos Assistentes Sociais pesquisados eram do sexo feminino enquanto apenas 3% do sexo masculino. Neste sentido, a pesquisa acabou Confirmando a tendência histórica da profissão, a categoria das (os) assistentes sociais, ainda é predominantemente feminina, contando com apenas 3% de homens. A região com maior percentual masculino é a Sudeste (7%) e a menor é a região Sul (1%). (CFESS, 2005, p.18-19). Outra pergunta realizada aos entrevistados foi sobre a opinião deles em relação à área da dependência química, se eles consideravam um campo aberto ou fechado para o Serviço Social, dando ênfase nas Comunidades Terapêuticas. Resolvemos fazer essa pergunta devido à dificuldade, relatada no início do capítulo, em encontrar instituições que possuíssem o profissional de Serviço Social em seu quadro de funcionários. Os profissionais foram unânimes em afirmar que não é um campo fechado, mas que ainda não é comum ver o Assistente Social trabalhando nas Comunidades Terapêuticas. “A área não veda a participação do profissional, mas no organograma profissional não tem Assistente Social, psicólogo, médico, etc.” (E1); “Não existe essa definição de organograma oficial, cada Comunidade Terapêutica tem a sua, não tem essas sugestões ou diretrizes estabelecidas, não tem nada que coloque o papel do Assistente Social em uma equipe profissional”. (E2); “Não acho que esse 63 campo seja fechado, são as pessoas que não querem e que não aderem, é uma área difícil, trabalhar com a Dependência Química é trabalhar com o fracasso todo dia”. (E3) e Eu acho que é um campo aberto para o Serviço Social, até porque não existe recuperação de dependente químico se não for trabalhada a reinserção e a família, e quem faz isso geralmente é o Assistente Social, que tem outro olhar, temos todo um cuidado voltado para o mercado de trabalho, escolaridade, a questão da cidadania, temos uma visão bem mais ampla desse sujeito como cidadão, para ele estar voltando pra sociedade como um todo. (E4). Um dos profissionais declarou que, talvez, o motivo da dificuldade de inserção do Assistente social no campo das Comunidades Terapêuticas seja por que “a visão que se tem é ainda positivista de que é da área da saúde ou de justiça”. (E2) e outro afirmou que é devido à dificuldade financeira. Essa visão de que a Dependência Química é da área da saúde traz consigo a falta de estrutura e condições de trabalho, bem como o baixo prestígio junto às coordenações e aos demais colegas dessa área. Segundo Bisneto (2005), o Serviço Social trabalha subordinado à Psiquiatria, atuando nas questões que poderiam prejudicar o tratamento se não forem sanadas a contento, quando essas questões não são atendidas pelos outros profissionais que tem uma especificidade em Saúde Mental mais definida. Ao Serviço Social cabem todas as questões genéricas e contextuais tidas como sociais, pois escapam do plano biológico ou psicológico. Nas palavras do mesmo autor “o produto da prática institucional do Serviço Social é alienado pelos poderes médico e “psi”, colocando, às vezes, dificuldades para o reconhecimento de sua competência profissional” (BISNETO, 2005, p. 118). Ainda segundo Bisneto (2005), o Movimento de Reforma Psiquiátrica tem um discurso de valorização do social, mas as categorias “psi” com um privilégio histórico não querem ceder espaço corporativo. Além disso, suas concepções sobre o social diferem das apontadas pelo Serviço Social contemporâneo. O autor sugere uma reversão desse quadro, uma tentativa de valorizar a prática do Serviço Social em Saúde Mental fazendo uma articulação dos objetos das duas áreas, ou seja, “buscar os fenômenos que ligam a questão social aos transtornos mentais por um lado, e a assistência social e a assistência psiquiátrica 64 por outro” (BISNETO, 2005, p.119). Existem vários pontos comuns entre as populações pobres e oprimidas com os transtornos mentais. Para o mesmo, esta é uma oportunidade de ter um objeto integrado das duas áreas, pois de uma forma dialética pode-se sintetizar dois saberes distintos. De acordo com Vasconcelos (2010) o Assistente Social é visto, a partir da década de 1990, também como um profissional da saúde, com procedimentos específicos de atuação reconhecidos na Tabela descritiva de Procedimentos Sid/SUS em vigor desde 1992. Também pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 218, de 06 de março de 1997, que reconhece a categoria de assistentes sociais como profissionais de saúde, além da Resolução CFESS nº 383, de 29 de março de 1999, que caracteriza o assistente social como profissional de saúde. O conceito de saúde contido na Constituição Federal de 1988 ressalta as expressões da questão social, ao apontar que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (CF, 1988, artigo 196). As atribuições e competências dos profissionais de Serviço Social, sejam aquelas realizadas na saúde ou em outro espaço sócio ocupacional, são orientadas e norteadas por direitos e deveres constantes no Código de Ética Profissional e na Lei de Regulamentação da Profissão, que devem ser observados e respeitados, tanto pelos profissionais quanto pelas instituições empregadoras. Esses instrumentos legais são fundamentais para a delimitação das atribuições e competências dos assistentes sociais na saúde. De acordo com a Cartilha intitulada “Parâmetros para a Atuação de Assistentes Sociais na Saúde” publicada pelo CFESS em 2009, que tem como finalidade referenciar a intervenção dos profissionais de Serviço Social na área da saúde, os assistentes sociais na saúde desenvolvem suas ações nos seguintes eixos, que são complementares e indissociáveis: atendimento direto aos usuários; mobilização, participação e controle social; investigação, planejamento e gestão; assessoria, qualificação e formação profissional. 65 3.3 Os Assistentes Sociais e a fundamentação teórica Para um competente exercício profissional é necessário um continuado investimento na qualificação, podendo dispor de cursos de aperfeiçoamento, especialização, mestrado e doutorado, capacitando-se em suas práticas específicas. Entre os profissionais entrevistados, dois disseram que possuíam especialização em dependência química e um em abordagem sistêmica da família. Além disso, todos disseram que participam de cursos de capacitação, seminários, conferências, fóruns, sempre na área da dependência química, já na área de Serviço Social não frequentam nenhum espaço de capacitação, pois se dedicam mais à área que atuam. O assistente social é responsável por fazer uma análise da realidade social e institucional, e intervir para melhorar as condições de vida do usuário. Isso requer uma contínua capacitação profissional que busque aprimorar seus conhecimentos e habilidades nas suas diversas áreas de atuação. Para isso, é necessária também, a articulação entre teoria e prática. Investigação e intervenção, pesquisa e ação, ciência e técnica não devem ser encaradas como dimensões separadas. O que se reivindica, hoje, é que a pesquisa se afirme como uma dimensão integrante do exercício profissional visto ser uma condição para se formular respostas capazes de impulsionar a formulação de propostas profissionais que tenham efetividade e permitam atribuir materialidade aos princípios ético-políticos norteadores do projeto profissional. Ora, para isso é necessário um cuidadoso conhecimento das situações ou fenômenos sociais que são objeto de trabalho do assistente social (IAMAMOTO, 2000, p. 56). Porém, de acordo com nossa pesquisa, percebemos que há uma dificuldade em fazer essa relação por parte de alguns dos profissionais entrevistados, principalmente as matérias do Serviço Social, os profissionais se voltam mais para a área onde estão atuando e é consenso entre eles fazerem leituras apenas sobre a área da dependência química. Como pode ser observado em suas falas “Só leio autores sobre Dependência Química, até porque não sei se tem algum autor do Serviço Social que fale desse assunto”. (E1); “No Serviço Social eu não conheço nenhuma abordagem sobre Dependência Química, tem sobre saúde mental alguma 66 coisa dentro do CAPS, mas ainda naquela visão “hospitalocêntrica”, o Serviço Social é ainda um coadjuvante”. (E2). Outro entrevistado complementa essa análise. Eu me volto muito para a área da Dependência Química, gosto muito de ler os livros e artigos na internet do Dr. Laranjeira, que é fantástico nessa área e também todos da Uniesp, Universidade de São Paulo, eles tem um setor que trabalham Dependência Química, sempre estou dando uma olhada no que sai de novo. Confesso-te que os autores de Serviço Social estou meio parada, por ligar mais para a prática do que estou fazendo, mas preciso voltar. (E3). Um dos entrevistados falou que “na formação acadêmica se aprende a ter um senso crítico mais apurado, eu não falo de autores, mas de pensamentos, aquilo que conseguimos construir ao longo da nossa vida acadêmica, a universidade me abriu essa visão do todo” (E4), ou seja, ele não utiliza os autores do Serviço Social na sua prática profissional, mas sim o que aprendeu com os autores, que é essa visão de totalidade, o senso crítico, etc. O Assistente Social ocupa um lugar privilegiado no mercado de trabalho: na medida em que ele atua diretamente no cotidiano das classes e grupos sociais menos favorecidos, ele tem a possibilidade de produzir um conhecimento sobre essa mesma realidade. E esse conhecimento é, sem dúvida, o seu principal instrumento de trabalho, pois lhe permite ter a real dimensão das diversas possibilidades de intervenção profissional. Dando continuidade aos requisitos necessários para um competente exercício profissional, é preciso que a atuação do Assistente Social esteja de acordo com os princípios do Código de Ética do Serviço Social, como também do Projeto éticopolítico profissional. Percebemos na pesquisa que dois dos entrevistados não têm uma opinião formada sobre esse marco da profissão, talvez isso se deva ao fato desses profissionais terem se graduado bem antes das discussões sobre a formulação de um projeto profissional e do lançamento do Código de Ética de 1993, e também por se aterem somente à prática e a teoria específica sem se aprofundarem muito nas mudanças da realidade da profissão. Em relação ao Código de Ética falaram que “a questão ética tem que ter, até nessas irmandades tem o anonimato”. (E1) e “Eu tenho certo acesso, [...] nós temos 67 que estar muito ligados a tudo que é novo, mas não com tanta frequência como eu deveria, sempre temos essa coisa da prática e para estudar deixamos um pouco pra depois”. (E3). Um dos profissionais conseguiu fazer uma relação com seu cotidiano de atuação, reconhecendo a importância da ética profissional do Assistente Social e a urgência desse profissional nos locais que atendem dependentes químicos. Eu vejo o Código de Ética com muita boa qualidade, haja vista que precisamos sempre estar em constante debate e reformulação. Hoje tá em pauta a questão do internamento compulsório, até que ponto é correto, é viável. Sob a ótica dos Direitos Humanos é lógico que é errado, mas ao mesmo tempo tem a lógica da lei, que é quando a pessoa é considerada incapaz e começa a pôr em risco a vida dela e a de outros, não só a criança e adolescente, como também o adulto. Mas eu acho que não deve ser assim, ela tem que passar por uma avaliação bem criteriosa, com a participação do Assistente Social na equipe interdisciplinar para dar esse laudo, eu acho que deveria se tornar obrigatória a participação do Assistente Social nas Comunidades Terapêuticas e nos serviços de saúde que atendem dependentes químicos, porque falta muito disso, de ser visto a questão familiar, social, o lócus onde ele mora, o que fazer. (E2). Outro entrevistado relatou que acha que não dá para caminhar sem ética, pois “quando você pensa em trabalhar tecnicamente é preciso ter parâmetros e legalização para nortear suas ações, é preciso se preocupar com a questão ética até no trabalho em equipe multidisciplinar”. (E4). Os profissionais abraçaram as causas dos trabalhadores, brigaram para retirada do código de menores, lutaram contra a ditadura, e se mobilizaram pela Constituição de 1988. Assim, vários debates e discussões ocorreram e, em 1993, materializa-se de forma coerente com as orientações filosóficas e políticas da profissão, a reformulação do Código de Ética. O Código de Ética nos indica um rumo ético-político, um horizonte para o exercício profissional. O desafio é a materialização dos princípios éticos na cotidianidade do trabalho, evitando que se transformem em indicativos abstratos, deslocados do processo social. Afirma como valor ético central, o compromisso com a parceria inseparável, a liberdade. Implica a autonomia, emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais, o que tem repercussões efetivas nas formas de realização do trabalho profissional e nos rumos a ele impressos (IAMAMOTO, 2000, p. 77). O Código de Ética dos Assistentes Sociais é uma direção para profissão. Nele encontram-se princípios fundamentais que devem nortear as práticas destes profissionais. São princípios que dão suporte para vencer os desafios do cotidiano. Assumindo a defesa intransigente dos direitos humanos, recusando toda forma de 68 autoritarismo e arbítrio, reforçando a democracia, o compromisso com a cidadania, o zelo pela qualidade dos serviços prestados e, um exercício profissional empenhado na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade e à discussão das diferenças. Sobre o Projeto Ético-político profissional, um profissional entrevistado disse que não conhecia e outro disse que ele é mais discutido hoje na academia, há tempos atrás não era. É muito recente – datando da segunda metade dos anos noventa do século XX – o debate sobre o que vem sendo denominado de projeto ético-político do Serviço Social. O caráter relativamente novo desta discussão revela-se claramente na escassa documentação sobre o tema. O desejo de romper com o Serviço Social tradicional contribuiu para a formação de grupos de discussão dentre os profissionais assistentes sociais, culminando com debates ao longo dos vários congressos nacionais periódicos da categoria e delimitando os espaços de pensamentos, entre conservadores e aqueles modernizadores que defendiam um novo projeto com vistas à transformação social. Porém, sua construção é permanente, ela acontece todos os dias no cotidiano da prática profissional dos Assistentes Sociais que se atualizam que questionam as demandas institucionais, que acompanham o movimento e as mudanças da realidade social. E por fim, para uma atuação competente, os profissionais precisam estar atualizados em relação à legislação e às Políticas Públicas existentes na sua área de atuação, nesse caso as leis e políticas sobre drogas, como também de todas as outras áreas, como Previdência, Assistência Social, Saúde, entre outras. Um dos entrevistados mostra a boa vontade de estar sempre se informando e se voltando para esse assunto, mas não conseguiu formular uma opinião crítica sobre o tema. Estamos sempre bem voltados pra essa questão da Dependência Química, estamos sempre querendo nos informar sobre as políticas, então temos essa noção básica sobre as políticas atuais, de como está não só no Brasil, mas no mundo, porque a Dependência Química é uma questão mundial, então estamos voltados pra tudo que é lei e política até pra beneficiar os meninos, pois como eles são adolescentes e jovens tem essa coisa de reinserir no mercado de trabalho, na escola, cursos, então estamos muito atentos a tudo que aparece para inseri-los. (E3). 69 Já os outros entrevistados fizeram uma crítica, principalmente em relação à deficiência, atraso e ao caráter paliativo dessas políticas, como também ao desinteresse dos governantes com o aspecto legal. As políticas são muito deficitárias, tem muita conversa bonita, muita notícia que saiu bilhões [...] se pegar esses bilhões e dividir dá uma porqueira, vem muito dinheiro, mas quando nós vemos é 70,00 ou 80,00 reais por mês pra manter uma pessoa internada. [...] Não vou dizer que as políticas públicas estão totalmente desinteressadas, já foi implantado no governo Lula os CAPSad, passou a dar dinheiro para algumas clínicas que tem convênio. (E1). Eu acho que se constroem políticas boas, mas a meu ver muitas vezes quem constrói o material são pessoas que não tem vivência prática e isso atrapalha bastante, porque colocam coisas absurdas que na prática você não consegue efetivar. É importante que hoje estejam tendo essa visão de política pública para a atenção a Dependência Química, mas recursos ainda são muito escassos. O Governo lança editais que são pontuais, isso se coloca como paliativo porque eles querem números. Na parte da legislação, eles procuraram fazer a justiça terapêutica, que seria uma boa se não fosse à questão da obrigatoriedade, o usuário não tem adesão voluntária, não participa do tratamento, está apenas cumprindo um acordo que fez para não ser preso e a própria justiça não tem profissionais para acompanhar isso. (E4). O Governo está com dez anos de atraso nas iniciativas que está tomando agora, muito paliativas, fazendo questão de focar no crack, quando a questão maior não é o crack, ele está atingindo mais por causa da violência que gera e por ter atingido todas as categorias, mas o álcool é muito mais danoso, mas o dinheiro que o álcool arrecada né, o Governo não faz nada. Tem muitas políticas que são inadequadas, elas não contemplam tudo. (E2). Essa última fala se reporta à iniciativa do Governo de criar o Plano Nacional de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, já citado anteriormente nessa pesquisa no item que trata da legislação brasileira e das políticas públicas de atenção à dependência química, onde o Governo dá muita importância para o crack, quando deveria melhorar as políticas de prevenção ao álcool, que é a droga que mais mata no Brasil. A nomenclatura do Plano dá uma noção de repressão, se configurando como um retrocesso no avanço conseguido através das leis e políticas ao longo desses anos, hoje já se foca na prevenção e no tratamento do indivíduo e não mais só na prisão. Um dos entrevistados citou ainda a relevância do Terceiro Setor, na forma das Comunidades Terapêuticas, para o tratamento da dependência química, mostrando a importância dessas instituições na falta do Estado. 70 As Comunidades Terapêuticas são uma alternativa viável para a sobrevivência do pessoal, tem mais de 6 mil no Brasil inteiro, o próprio presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria disse que quase 80% dos tratamentos que estão sendo feitos hoje no Brasil são das Comunidades Terapêuticas, como negar a importância de uma coisa dessas, isso não é dinheiro da saúde, é orçamento federal, é política pública, muito mais deveria ter. (E2). De acordo com Silva (2012), mais do que uma reforma administrativa, a contrarreforma do Estado inicia uma refundação da relação Estado-sociedade e as parcerias público-privadas substituem a implementação de Programas Sociais nacionais e regionais por programas locais em “parcerias” com ONG’s, criando agências executivas e de organizações sociais, transferindo a responsabilidade do Estado para o mercado ou o chamado “Terceiro Setor”. Segundo a mesma autora, a expansão das instituições de terceiro setor intensificou-se no governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. A proposta neoliberal de Estado mínimo para o social implicou na privatização das políticas sociais na medida em que o Estado transfere para a sociedade civil a responsabilidade de ações para solucionar a questão social. As demandas originárias destes espaços, em sua maioria, advêm de segmentos da população (criança e adolescente, idoso, mulher e ou relações de gênero, pessoas com necessidades especiais), como ainda, com movimentos urbanos, meio ambiente, questão étnica, e vitimizados (dependentes químicos, vítimas de violência sexual, doméstica, entre outras). Estas instituições, financeiramente custeiam suas despesas através de doações, e até mesmo de financiamentos diretos do Estado através de verbas que são direcionadas a projetos sociais. 3.4 Cotidiano profissional dos Assistentes Sociais De acordo com as entrevistas realizadas, analisamos a prática profissional dos assistentes sociais que atuam nas Comunidades Terapêuticas pesquisadas. Examinamos o trabalho em equipe; a rotina de funcionamento da instituição; as atividades voltadas para reinserção social do dependente químico e para sua família e o registro dessa prática profissional. Identificamos fatores que levam à 71 precarização do trabalho do Assistente Social, como por exemplo: alta carga horária, trabalho voluntário, salários baixos, não identificação com a profissão, etc. Segundo Antunes (2008), o capitalismo promove a redução das necessidades do ser social que trabalha, na medida em que transforma o trabalho humano em algo estranho a ele mesmo, ocorrendo à alienação do trabalhador em relação ao produto do seu trabalho. A alienação do ser social, a perda de identidade própria e do sentido da vida, pode ser compreendida de forma apressada como o fim da “classe que trabalha para viver” e o surgimento da “classe que só vive para trabalhar”. A reestruturação produtiva criou uma classe trabalhadora mais heterogênea, mais fragmentada e mais complexificada, entre qualificados e desqualificados, mercado formal e informal, jovens e velhos, homens e mulheres, estáveis e precários, imigrantes, etc. (ANTUNES, 2008). Essas características se manifestam em todos os segmentos dos trabalhadores na divisão sociotécnica do trabalho, especificamente em relação ao Serviço Social. Na atualidade, em que o mundo do trabalho passa por profundas mudanças e se acirra a competitividade, tende-se a produzir duas categorias de trabalhadores: os qualificados e os desqualificados profissionalmente. Os primeiros sofrem uma pressão constante para manterem-se atualizados, enquanto que os segundos encontram-se progressivamente afastados das oportunidades de qualificação e consequentemente com grandes dificuldades para a permanência no emprego, ou para o retorno aos seus postos de trabalho. De acordo com os dados do CFESS, o mercado de trabalho para Assistentes Sociais está sendo gradativamente ampliado nos últimos anos no Brasil como reflexo direto da evolução das políticas públicas, como, por exemplo, a instalação, a partir de 2005, do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que, a exemplo do Sistema Único de Saúde (SUS), municipaliza as ações na área. A pesquisa realizada em 2005 pelo CFESS mostra que 40,97% dos Assistentes Sociais estão atuando em instituições públicas municipais, quase o dobro dos que atuam nas públicas estaduais, totalizando 24%. As instituições públicas federais ocupam a terceira posição com 13,19%, reafirmando que a 72 descentralização das políticas sociais no Brasil tem transferido a sua execução da esfera federal para a municipal, a partir dos anos 1990. A pesquisa indica também, que em prefeituras dos municípios de pequeno porte, a maioria dos contratos é de 20 horas, e em cidades maiores são de 40/44 horas para os Assistentes Sociais. Esse fato está diretamente relacionado com a faixa salarial, as menores cargas horárias com os menores salários principalmente no interior do Estado, porém as atividades desenvolvidas e a demanda para o profissional, não são menores. Ainda de acordo com o CFESS, geralmente os salários pagos pelos municípios são baixos, principalmente para a carga horária de 20 horas, e isso faz com que muitos profissionais, trabalhem em dois locais, para aumentar seu rendimento, esse é outro aspecto que compõe a precarização das condições de trabalho dos mesmos. Em relação a essa problemática, foi sancionado em agosto de 2010 a Lei 12.317/2010 que fixa a carga horária máxima dos Assistentes Sociais em 30 horas semanais sem redução de salário. Por ser uma conquista recente ainda há muito que se avançar no que tange a implementação desta Lei. Nesse sentido, vem ocorrendo manifestações da classe junto às instituições representativas da categoria (CFESS/CRESS), reivindicando melhores condições de trabalho. Sobre a carga horária de trabalho, um dos profissionais respondeu “os outros profissionais trabalham 8 horas em regime de plantão e eu estou fazendo um esforço para ficar 12 horas por dia aqui, mas não tenho carga horária definida” (E2). Outro profissional mostra a efetivação da lei ao dizer “eu trabalho 30 horas, chego meio dia e saio 18 horas” (E3), assim como um outro profissional que diz “Não tivemos dificuldade de implantar a lei, assim que saiu nós procuramos só articular com a diretoria e foi muito rápido” (E4). Essa falas demonstram que a Lei das 30 horas está sendo implementada, mas não em todos os espaços sócio ocupacionais. Um dos entrevistados reclama dos baixos salários que são pagos pelo Governo do Estado aos profissionais que atuam na área da dependência química. Nós temos um convênio com a STDS que garante nossos salários em dia todo mês, os profissionais dessa área, principalmente ligados ao Estado, 73 reclamam do salário que é baixo, que trabalham muito, se empenham e não veem esse reconhecimento por parte da secretaria, a questão salarial é colocada em último plano. (E3). Em relação aos salários, no caso dos assistentes sociais, a profissão não dispõe de um piso regulamentado por Lei Federal, o que faz com que a faixa de remuneração varie de município para município. Apesar de não existir um piso salarial, a categoria dispõe de uma resolução do CFESS nº 418/01, que institui a Tabela Referencial de Honorários do Serviço Social, no Brasil, que fixa a hora técnica em, no mínimo, R$ 92,65, para profissionais que trabalhe sem qualquer vínculo empregatício, vínculo estatutário ou de natureza assemelhada, esses valores são corrigidos anualmente com base no ICV/DIEESE (ICV – Índice do Custo de Vida e DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). No entanto, identifica-se que esta tabela de honorários é pouco utilizada em sua atividade profissional, isto porque a maioria dos profissionais não se encontra na condição autônomo, ficando sujeito aos níveis de assalariamento de acordo com cada município. Em nossa pesquisa identificamos, também, diferentes formas de contratação dos profissionais de Serviço Social. Existe profissionais que são pagos pela própria instituição, outro pago pelo Governo do Estado em parceria com a Comunidade Terapêutica e outro que faz trabalho voluntário. Essa dinâmica de precarização atinge bastante o trabalho profissional do assistente social, afetado pela insegurança do emprego, precárias formas de contratação, intensificação do trabalho, baixos salários, pressão pelo aumento da produtividade e de resultados imediatos, ausência de horizontes profissionais de mais longo prazo, falta de perspectivas de progressão e ascensão na carreira, ausência de políticas de qualificação e capacitação profissional, entre outros. Intensifica-se a subcontratação de serviços individuais dos assistentes sociais por parte de empresas de serviços ou de assessoria, de cooperativas de trabalhadores, na prestação de serviços aos governos e organizações não governamentais, acenando para o exercício profissional privado (autônomo), temporário, por projeto, por tarefa, em função das novas formas de gestão das políticas sociais. 74 Apesar do Conjunto CFESS/CRESS ter firmado posição política contrária ao exercício profissional voluntário, por entender que há implicações na valorização do espaço profissional, nas condições de trabalho, na continuidade e qualidade dos atendimentos, inexiste impedimento legal para esta prática por parte dos assistentes sociais. O profissional tem autonomia para atuar de forma voluntária, porém encontra-se sujeito a todas as obrigações dispostas nas legislações do Serviço Social: Código de Ética Profissional, Lei de Regulamentação da Profissão, dentre outras, o que exige com que paute sua atuação nos princípios éticos da profissão, na perspectiva da qualidade dos serviços prestados e no compromisso com a população atendida. Um dos entrevistados opinou sobre o voluntariado nas ONGs dizendo que Nossos salários são pagos pela instituição, são todos funcionários, não temos voluntários. O tratamento não é pra ser um atendimento pontual, é sistemático, você cria uma relação de confiança com as pessoas, é preciso dar uma sequencia. Já foram feitas tentativas de trabalhar com voluntários, mas como eles não recebem ajuda de custo, então o trabalho acaba não sendo uma prioridade para eles e o recuperando fica esperando, por isso a instituição procura manter um profissional em cada setor pra garantir que o atendimento seja sistemático. (E4). Um dos pilares que, atualmente, são sustentadores das organizações do terceiro setor é o voluntariado forte, que atua em prol da manutenção e sobrevivência dessas instituições, participando diretamente do seu gerenciamento também. O poder do voluntariado emana da base econômica, pois contribui para as ONGs na diminuição de pagamentos de mão de obra, sendo também fonte de captação de recursos financeiros e humanos. Acreditamos que, devido às dificuldades financeiras que algumas ONGs enfrentam, é de grande ajuda a utilização de voluntários nas suas atividades, porém, a nosso ver, eles deveriam apenas complementar o trabalho dos profissionais contratados e não serem os únicos trabalhadores da instituição. O Serviço Social no campo do “terceiro setor” vive um paradoxo, no sentido de reconhecermos o espaço das ONGs como estratégia de esvaziamento de direitos sociais, ao mesmo tempo em que o assistente social enquanto um trabalhador assalariado não tem condições de recusar sua inserção nesse campo sócio ocupacional, pois depende da venda de sua força de trabalho. O trabalho do Serviço 75 Social possui na raiz profissional os dilemas da alienação e das determinações sociais que afetam a coletividade dos trabalhadores. Não há como negar o que a realidade nos impõe enquanto trabalhador assalariado, de modo que é necessário estarmos atentos aos inúmeros Assistentes Sociais e estagiários inseridos nas ONGs, que precisam de maior proximidade com o debate acadêmico, com a análise da realidade do cotidiano institucional, pois a questão social se enfrenta com teoria e prática. As consequências desses processos para o trabalho social nas políticas públicas são profundas, pois a terceirização desconfigura o significado e a amplitude do trabalho técnico realizado pelos assistentes sociais e demais trabalhadores sociais, desloca as relações entre a população, suas formas de representação e a gestão governamental, pela intermediação de empresas e organizações contratadas. Além disso, as ações desenvolvidas passam a ser subordinadas à prazos contratuais e aos recursos financeiros destinados para esse fim, implicando descontinuidades, rompimento de vínculos com usuários, descrédito da população para com as ações públicas. Os estudos sobre as condições de trabalho do Assistente Social no exercício profissional necessitam ser mais conhecidos, especialmente num momento em que as mudanças no mundo do trabalho requerem mais do que competência técnica para lidar com a questão social: requerem o amparo numa teoria social crítica que subsidie o arcabouço teórico-metodológico da profissão e numa opção ético-politica capaz de enfrentar os desafios postos à profissão na atualidade. Todos os profissionais entrevistados são graduados em Serviço Social, porém um deles se confunde um pouco quanto à sua atuação. Por ser coordenador da equipe interprofissional, não se reconhece como Assistente Social em alguns momentos do seu cotidiano profissional, dizendo “aqui não tem setor de Serviço Social” ou “o Serviço Social não foi implantado aqui na instituição, sou só eu”. De acordo com Bravo; Matos (2006), o problema não reside no fato dos assistentes sociais buscarem estudos na área da saúde ou em outras áreas, mas no fato de que, ao adquirir conhecimentos específicos, os profissionais passam a exercer outras atividades (direção de unidades de saúde, coordenação, gestão e 76 etc.), não se identificando mais como assistente social, e assim, em retrocesso, “o profissional recupera [...] uma concepção de que fazer o Serviço Social é exercer apenas o conjunto de ações que historicamente lhe é dirigido na divisão do trabalho coletivo em saúde” (BRAVO; MATOS, 2006, p. 16-17). Este consiste apenas na ação direta com os usuários. As novas demandas colocadas como gestão, assessoria e a pesquisa como transversal ao trabalho profissional que estão explicitadas na Lei de Regulamentação da Profissão (1993) e nas Diretrizes Curriculares, aprovadas pela ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social) (1996), na maioria das vezes, não são consideradas. Um profissional qualificado deve ter conhecimentos sobre a política de saúde, como também deve acompanhar o debate profissional, para articular os dois campos e correlacioná-los à questão social, os movimentos sociais e as classes em questão, para que haja uma articulação real entre demandas e respostas profissionais. Observamos nas falas de alguns dos profissionais entrevistados, que não há a prática do trabalho em equipe nas instituições onde atuam, há uma dificuldade de realização de reuniões de equipe e de planejamento coletivo do trabalho. Às vezes acontece algum grupo que eu vou auxiliar a psicóloga, quando ela me pede ajuda, mas não é sempre. Às vezes trabalhamos juntas na organização de alguma comemoração que precisa trazer as famílias. Às vezes alguma dificuldade que percebo e passo pra ela ou ela pra mim. Nós tentamos manter esse relacionamento e esse diálogo, principalmente para tentar resolver e ajudá-los. (E3). Apenas um entrevistado ressaltou que na instituição onde trabalha sempre foi bem claro que um profissional precisa do outro para realizar um bom atendimento e que todas as decisões são tomadas em equipe, em suas palavras, Aqui sempre foi muito tranquilo esse trabalho em equipe, aqui sempre teve uma equipe multidisciplinar, as áreas são bem definidas, um não se mete na área do outro, nós sempre entendemos que precisa da ajuda do outro. Estudo de caso tem toda semana, fora isso quando há necessidade a equipe é chamada para fazer reunião imediata e resolver qualquer pendência que aconteça. As altas terapêuticas, os acompanhamentos, tudo é feito por decisão da equipe, então é muito rico esse trabalho aqui. (E4). De acordo com Santos-Filho (2007), os espaços de encontros e reuniões entre as equipes devem ser valorizados e potencializados no interior dos processos de trabalho, visto que possibilitam trocas entre diferentes profissionais e em diferentes sentidos, e permitem ultrapassar as prescrições e as agendas inflexíveis, 77 e instituir práticas flexíveis e atraentes para os sujeitos que participam do processo de trabalho em saúde – gestores, trabalhadores e usuários. As equipes devem pautar e negociar outros momentos que considerem pertinentes e necessários para direcionamento de seu trabalho, Na perspectiva de informação para planejamento e organização dos serviços, e incentivada enquanto processo pedagógico que lhes possibilite crescer em sua capacidade de análise e intervenção, isto é, crescer pessoal e profissionalmente em seu potencial analítico, crítico (SANTOS FILHO, 2007, p. 264). Campos (1997) ressalta um ponto importante no que se refere ao trabalho das equipes de saúde, qual seja, a falta de entrosamento entre as linhas de trabalho e as categorias profissionais que elaboram seus próprios regulamentos, objetivos e normas, que ocasionam, consequentemente, uma burocratização do trabalho. O autor aponta que este fato faz com que cada profissional se sinta responsável por apenas aquilo que está ligado a sua área ou especialidade, e contribui para a elaboração de protocolos e programas que normatizam condutas. Nas entrevistas realizamos perguntas sobre as atividades desenvolvidas pelos profissionais de Serviço Social nas instituições. Em relação ao método utilizado para o tratamento dos residentes, observamos que houve um consenso em duas instituições: “As atividades eram baseadas no programa Minnesota, filmes, palestras, tarefas, textos, questionários e os 12 passos.” (E1) e “Nós temos o estudo dos 12 passos de NA, três reuniões diariamente, de manhã nós lemos um tópico de meditação, fala sobre a vida pessoal, ajuda na reformulação de valores que são bastante danificados pelo uso abusivo de drogas.” (E2). Outro entrevistado ressaltou a importância dos 12 passos, mas confessou que eles não são utilizados na instituição em que trabalha como critério de tratamento. Eles utilizam alguns passos, os mais enriquecedores, para trabalhar em atividades individuais e grupais com os internos. De acordo com Burns (1998), o Modelo Minnesota baseia-se nas seguintes concepções: dependência química é uma doença e não um sintoma de outra patologia; é uma doença multifacetada e multidimensional; o motivo inicial que leva ao alcoolismo não está relacionado com o resultado. 78 Ainda segundo o mesmo autor, o Modelo Minnesota rege-se pelos seguintes princípios: a meta é tratar e não curar. O paciente é motivado a aprender a viver com a dependência, que é uma condição crônica, e, não a procurar as causas e esperar por uma cura; baseia seu programa de tratamento nos 12 Passos de AA 11, especialmente nos cinco primeiros; cria um ambiente onde a comunidade terapêutica seja totalmente aberta e honesta, o que propicia uma troca de experiências em todos os níveis; tem uma equipe multidisciplinar que inclui um profissional denominado "conselheiro em alcoolismo", que pode ser um alcoolista em recuperação, apresenta um programa essencialmente didático que é aplicável a qualquer pessoa, mas se utiliza de um plano de tratamento que é específico para cada paciente. Esse modelo de tratamento visa recuperar e resgatar o ser humano num todo, buscando a sua reinserção e reabilitação social, com uma melhor qualidade de vida. Tem como meta o resgate da autoestima, incentivando de modo permanente a autodisciplina nos internos. Em relação às atividades voltadas para reinserção social dos dependentes químicos, percebemos que algumas das instituições proporcionam cursos para eles se profissionalizarem. Atualmente não estamos tendo cursos, mas já tivemos cursos de pedreiro, instalação elétrica, informática, básico de escritório, em convênios com a Prefeitura de Maracanaú, Governo do Estado, Corpo de Bombeiros, são nossos parceiros eventuais. (E2). 11 Os Doze Passos de A.A. consistem em um grupo de princípios, espirituais em sua natureza que, se praticados como um modo de vida pode expulsar a obsessão pela bebida e permitir que o sofredor se torne íntegro, feliz e útil. São eles: 1. Admitimos que éramos impotentes perante o álcool - que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas; 2. Viemos a acreditar que um Poder Superior a nós mesmos poderia devolver-nos à sanidade; 3. Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na forma em que O concebíamos; 4. Fizemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos; 5. Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exata de nossas falhas; 6. Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter; 7. Humildemente rogamos a Ele que nos livrasse de nossas imperfeições; 8. Fizemos uma relação de todas as pessoas a quem tínhamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os danos a elas causados; 9. Fizemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-las significasse prejudicá-las ou a outrem; 10. Continuamos fazendo o inventário pessoal e quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente; 11. Procuramos, através da prece e da meditação, melhorar nosso contato consciente com Deus, na forma em que O concebíamos, rogando apenas o conhecimento de Sua vontade em relação a nós, e forças para realizar essa vontade; 12. Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a estes passos, procuramos transmitir esta mensagem aos alcoólicos e praticar estes princípios em todas as nossas atividades. FONTE: www.alcoolicosanonimos.org.br 79 Nós também atuamos na reinserção social, desde o 5º mês já começamos a ver até que série ele estudou, ver como é que faz, se coloca no EJA, já começamos a agilizar. Nós tivemos agora em setembro um curso de 120horas de pães e pizzas, pela STDS, muito bom, não só com a prática, mas com a parte teórica de como montar um negócio, a questão do empreendedor, de como comprar, como embalar. Já prevendo as dificuldades de inserir no mercado de trabalho, já que todos têm uma escolaridade muito baixa, nós oferecemos cursos onde eles possam montar um negócio próprio em casa com a família. Então nós procuramos ver onde tem cursos. (E3). A indicação de voltar aos estudos ou frequentar cursos profissionalizantes e de aprimoramento favorece a reinserção e melhora a empregabilidade, especialmente num contexto de desemprego. O retorno aos estudos está diretamente relacionado à questão econômica que, por sua vez, associa-se ao emprego. Uma das Comunidades Terapêuticas pesquisadas matem convênio com a Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), do Governo do Estado do Ceará, como já citado no início desse capítulo, e procura inserir os residentes no Projeto Primeiro Passo, que pertence à mesma Secretaria, como forma de inseri-los no mercado de trabalho. De acordo com o site da STDS, o Projeto cria oportunidades voltadas à cidadania, a inclusão social e profissional, proporcionando o aprendizado prático e experiências que possibilitam o crescimento profissional e pessoal dos jovens de comunidades vulneráveis, entre 16 e 22 anos, que estão cursando o Ensino Fundamental II, Educação Especial, Ensino Médio ou que tenha concluído o Ensino Médio na tentativa de promover uma melhoria na qualidade de vida do público focalizado. De acordo com a idade e nível escolar, o jovem será oportunizado em uma das três linhas de ação: Jovem Aprendiz, Jovem Estagiário e Jovem Bolsista para conquistar sua primeira oportunidade no mercado de trabalho. O acesso à escolaridade faz parte do processo de reinserção social e, quando o egresso do tratamento da dependência química, não retorna aos estudos, por causa de condições financeiras, continua igual a tantos outros brasileiros excluído educacionalmente. 80 Outro profissional entrevistado descreveu as ações de reinserção social desenvolvidas pelo Serviço Social de sua instituição, ressaltando a importância da preparação para sair da Comunidade Terapêutica. Nós não temos profissionalização fazendo parte do nosso programa de tratamento, às vezes conseguimos alguma parceria para fazer cursos de capacitação, mas não faz parte da nossa rotina. A reinserção se dá mais nesse contexto de ajudar a se preparar para sair, ajudar a procurar um anúncio de emprego no jornal, ajudar a fazer um currículo, sempre que surge alguma oportunidade de emprego estamos providenciando, tentando fazer o melhor possível, fora isso é mais o aspecto de estar reforçando e mostrando as potencialidades que eles têm, nós procuramos fazer com que eles identifiquem essas potencialidades e as reforça, para que eles possam estar saindo e procurando emprego nessas áreas. (E4). Essa mesma instituição mantém convênio com a Secretaria de Educação, onde são cedidos professores de supletivo para dar aulas para os residentes, de acordo com o profissional entrevistado esses professores participam também da equipe técnica. Sabemos que existem outros fatores importantes para o dependente químico se reinserir na sociedade. É fundamental contribuir para o restabelecimento dos vínculos familiares e sociais prejudicados ou rompidos, assim como possibilitar ao usuário condições para retomar sua autonomia através da inclusão social e produtiva, propiciar o fortalecimento de autoestima e autocuidado e por último identificar meios de inseri-los de volta na escola e no mercado de trabalho. Para entendermos o processo de Reinserção ou Reintegração Social é necessário que nos reportemos ao conceito de exclusão, que é o ato pelo qual alguém é privado ou excluído de determinadas funções. De acordo com o portal Dependência Química12, a exclusão social implica, pois, numa dinâmica de privação por falta de acesso aos sistemas sociais básicos, como família, moradia, trabalho formal ou informal, saúde, dentre outros. Não é outro senão, o processo que se impõe à vida do indivíduo que estabelece uma relação de risco com algum tipo de droga, cuja fronteira para a exclusão é delimitada pelo início dos problemas sociais. 12 FONTE: http://www.dependenciaquimica.inf.br. 81 Ainda segundo o mesmo site, a reinserção assume o caráter de reconstrução das perdas e seu objetivo é trabalhar para que a pessoa possa exercer em plenitude o seu direito à cidadania. O exercício da cidadania para o dependente químico em recuperação significa o estabelecimento ou resgate de uma rede social inexistente ou comprometida pelo período de abuso da droga. Ao retomarem o curso natural de suas vidas, pós-tratamento, essas pessoas voltam-se basicamente para a dimensão familiar, econômica, educacional, social e espiritual. O processo de reinserção permeia todas essas dimensões. Na reinserção social deve ser levado em conta o fato de que quando a pessoa voltar ao convívio social, se as condições estarão ou não diferentes daquelas que acarretaram o uso de substâncias psicoativas, por isso a importância do acompanhamento familiar pelo profissional de Serviço Social. A presença da família permeia todo o processo de tratamento e está presente de forma muito significativa quando o interno parte para a etapa da reinserção social. A primeira fase dessa nova etapa, sem dúvida, é o retorno ao meio familiar. A forma como ele é recebido e como as relações se restabelecem (entre ele e seus familiares) é de fundamental importância para a sua qualidade de vida. Fazemos visita domiciliar, quando os residentes estão no 5º mês, ao invés da família vir visitar aqui, eles começam a ir a casa, eles passam um dia e meio em casa e retornam para a Comunidade Terapêutica. Antes de eles irem fazemos a visita pra ver a situação familiar, a localização, a questão de ameaças que a maioria tem, para ver como vamos lidar com isso, se a visita dele não tiver como ser na casa dos pais, tentamos articular na casa de um parente onde os pais possam ir. (E3). Essa fala de um entrevistado mostra a importância desse instrumento de trabalho do Assistente Social que é a visita domiciliar, pois ela favorece uma melhor compreensão acerca das condições de vida dos usuários, que envolvem a situação de moradia e as relações familiares e comunitárias. Portanto, faz com que o profissional, a partir do conhecimento da realidade do usuário, tenha mais elementos para buscar o alargamento dos direitos sociais que podem ser acessados por ele. A realidade social, por sua vez se traduz a partir de movimentos complexos, os quais nem sempre são possíveis de serem identificados, de forma imediata, pois para tal, se faz necessário que possamos alcançar o mais próximo possível a vida objetiva do sujeito. É fato que várias relações são estabelecidas entre o sujeito e a 82 sua realidade, mas nem sempre são identificadas por verbalizações, necessitando dedicar atenção ao que não é visível, o que não é dito e o que não está aparente. Os outros entrevistados também citaram as atividades que desenvolvem com as famílias dos residentes, podemos perceber que nas três falas, há a preocupação de trabalhar a co-dependência das famílias. Uma vez por mês tem reunião com os familiares e nos dias de visita que são aos sábados e domingos, procuramos melhorar as relações. Nós temos um formato de entrevista inicial que aprofunda os dados sobre os residentes com os familiares e fazemos um atendimento com os familiares, porque a tendência é que eles se tornem co-dependentes. (E2). Reúno-me com essas famílias nas sextas à tarde pra trabalhar com elas questões ligadas à Dependência Química, trabalhamos vídeos, textos, rodas de conversa, grupo de autoajuda tem dinâmicas, slides. Gosto muito de ouvi-las, todo mundo partilha, chora, é fantástico, trabalhamos a questão da co-dependência, explicamos sobre cada uma das drogas pra eles conhecerem. (E3). A família já está tão sofrida por conta da co-dependência que quando o interno sai e ela não é bem trabalhada, eles têm dificuldades de convivência, é importante que procuremos estabelecer essa harmonia para que as pessoas consigam se entender e se conhecer, isso é necessário. Por isso é critério de permanência dele aqui, que sua família esteja disponível para atendimento também. Antes mesmo dos meninos se internarem a família tem um acompanhamento. (E4). Nas palavras de Sanda (2009), “o co-dependente deixa de viver sua própria vida e passa a viver na dependência dos acontecimentos que ocorrem na vida do dependente químico, ele nunca sabe o que esperar, constantemente é bombardeado com problemas, perdas e mudanças”. (SANDA, 2009, p. 246). O autor classifica a co-dependência em cinco fases: negação (ela tem certeza que todos os filhos dos vizinhos tem problemas menos o seu); depressão (uma angústia muito profunda, muitas emoções negativas, uma fase que atinge o dependente e pode causar certa descompensação levando-o a pensar na possibilidade de tratamento ou o que é mais provável levá-lo ainda mais para o fundo do poço.); negociação ou barganha (Tentam de tudo para mostrar ao filho que são os melhores pais do mundo, oferecem normalmente o que poderiam cumprir, como viagens, carro, dinheiro, mudam o filho de escola, etc.); raiva (como os pais acham que já fizeram tudo que lhes era possível, partem então para liberar sua agressividade contra o dependente químico) e aceitação (quando a família percebe 83 que nada disso resolve, este é o momento do tratamento para o dependente e família). Por isso a importância de incluir a família no tratamento, pois ela precisa refletir sobre a qualidade da relação familiar e tentar melhorá-la para o momento que o dependente químico voltar ao seu convívio. Outra atividade de fundamental importância para o profissional de Serviço Social é o registro sistemático de sua prática profissional, pois constitui uma dimensão importante que favorece uma reflexão contínua de suas respostas sócio institucionais em suas relações de determinação com a dinâmica do ser social. Trata-se de um recurso que permite imprimir ao cotidiano a possibilidade de ser compreendido a partir das relações sociais que lhes dão concretude e significado. Percebemos nas entrevistas que esta não é uma prática muito utilizada pelos entrevistados, que a documentação utilizada para registrar o cotidiano profissional é a mesma utilizada pelos outros profissionais que fazem o acompanhamento dos residentes, é uma espécie de “prontuário de acompanhamento de evolução” disponibilizado pela instituição. Tem umas coisas que nós criamos inclusive uma delas é bastante avançada que dar conta do cotidiano nas diversas atividades e outra parte que é uma avaliação qualitativa em relação ao avanço dele da recuperação. Nós avaliamos a prática dele, o interesse, a responsabilidade, a ajuda ao próximo e aí fazemos o acompanhamento. Não são todos os profissionais que usam esse material, só os monitores, eles fazem lançamento em uma folha de acompanhamento que é escrito se ele saiu para algum lugar, cometeu alguma indisciplina, as sanções que são estabelecidas por eles mesmos no acordo de convivência, então tudo isso é registrado na ficha dele. (E2). Na Comunidade Terapêutica nós temos uma pasta. Eu faço a triagem que acontece na sede do projeto, é uma entrevista com informações pessoais, vida escolar, habilidades, relacionamento familiar, uso de substancia por alguém da família, o uso dele, os problemas que ele apresenta, se toma algum medicamento, se já foi internado em algum centro educacional. Esse documento é comum à coordenação, a psicóloga também usa, nós fazemos a evolução, se houver alguma coisa particular que possa afetar ao grupo nós passamos para os educadores. Só do Serviço Social não tem. (E3). Apenas em uma instituição foi identificado um formulário específico para o Serviço Social registrar suas impressões sobre os atendimentos, o profissional ressaltou a importância do sigilo profissional. 84 Nós temos duas formas de registro, existe um prontuário único, que é uma exigência da própria regulamentação no contexto do funcionamento da Comunidade Terapêutica, o acesso é aberto aos profissionais que lidam com os recuperandos, tem várias observações nesse prontuário único. Cada setor tem seu prontuário específico, pois existem informações que eu não posso colocar no prontuário único, o Serviço Social tem um formulário específico de acompanhamento da família e do recuperando, pois tem a questão do sigilo, só podemos passar para os outros setores informações extremamente necessárias e que de fato vai ser benefício para o recuperando. (E4). Ao longo de sua história, o Serviço Social tem conseguido forjar um conjunto de procedimentos de registro e avaliação de suas atividades, desde relatos de suas abordagens individuais ou grupais até reuniões de equipe, se ocupando de produzir informações e organizar processos em que a sua prática pudesse ser objeto de reflexão. Embora fosse regular o procedimento de registrar dados, não houve a construção de uma cultura profissional alimentada por atividades investigativas, com sistematização do trabalho no Serviço Social. Todo processo de registro e avaliação de qualquer ação é um conhecimento prático que se produz, e que não se perde, garantindo visibilidade e importância à atividade desenvolvida. E mais: sistematizar a prática e arquivá-la é dar uma história ao Serviço Social, uma história aos usuários atendidos, uma história da inserção profissional do Assistente Social dentro da instituição – é essencial para qualquer proposta de construção de um conhecimento sobre a realidade social. 3.5 Avaliação da prática profissional dos Assistentes Sociais Perguntamos aos entrevistados sobre as limitações do cotidiano profissional que eles identificam dentro da instituição e concluímos que houve um consenso quando se trata da dificuldade de manutenção das Comunidades Terapêuticas. Um dos entrevistados respondeu “a questão dos recursos nós conseguimos até alguma coisa, mas com muito esforço, fazemos uma rifa aqui, e outra ali então conseguimos dentro daquilo que planejamos”. (E3). Outro entrevistado desabafou. As limitações nossas são os recursos materiais, não temos recursos audiovisuais para fazer oficinas sócio pedagógicas, falta tudo, quase tudo aqui é reaproveitado, é reciclado, com exceção de algumas mesas e 85 armários, todo o resto foi doado e reciclado, não temos patrimônio nenhum, o presidente e dono do sítio é motorista da prefeitura e o outro sou eu, o técnico, o dinheiro sai do nosso bolso. Então a grande dificuldade é essa, até hoje só temos convênio com a Prefeitura de Fortaleza que paga R$12.000,00 por mês, é a única subvenção que temos. Alguns dos residentes contribuem com a menor mensalidade do Ceará que é R$500,00, a grande maioria não paga esse valor só dar o que a família pode que é R$200,00 ou R$300,00, o nosso limite de cota social é de 20% que daria 7, mas estamos com 11 que não pagam nada, não é um trabalho filantrópico, mas é sem fins lucrativos mesmo, eu vivo do salário que ganho como licenciado no Pará. (E2). Um profissional de uma Comunidade Terapêutica de natureza filantrópica concordou com a fala anterior dizendo que a principal dificuldade é a financeira, pois na instituição em que atua não é cobrada mensalidade das famílias dos internos, nem possuem convênio com nenhuma outra instituição para manter a CT. A estrutura física não é ideal porque existe uma limitação financeira, nós sobrevivemos de doações, quem mantêm hoje a instituição é a sociedade civil, não temos convênio que esteja mantendo a instituição, algumas empresas doam alimentos, colégios fazem gincana e doam alimentos, pessoas doam em espécie através do telemarketing e é isso que está nos mantendo. As famílias que vem pra cá não são obrigadas a pagar nada, não existe um valor de mensalidade, o que elas fazem é contribuir de alguma forma com qualquer gênero alimentício, como também em espécie com R$50,00 ou R$100,00, é um valor simbólico, pois a maioria dos nossos recuperandos vem de situação financeira difícil. (E4). Alguns dos poucos estudos existentes apontam no terceiro setor brasileiro importante limitações à sua capacidade de desempenhar satisfatoriamente estes papéis que lhe são propostos. Notadamente, ressalta-se a fragilidade organizacional; a dependência de recursos financeiros governamentais e de agências internacionais, cada vez mais escassos; a falta de recursos humanos adequadamente capacitados e a existência de obstáculos diversos para um melhor relacionamento com o Estado. Segundo o Diagnóstico do Terceiro Setor, desenvolvido pelo CAOTS (Centro de Apoio Operacional ao Terceiro Setor), entre 2000 e 2005, a maior parte das ONGs sobrevive através de doações, patrocínios, venda de produtos ou serviços e recursos de origem governamental. Embora o Terceiro Setor tenha apresentado um enorme crescimento desde meados da década de 1990, as instituições dessa área ainda sofrem com a necessidade de recursos financeiros para manutenção e financiamento de seus projetos. A falta desses recursos leva muitas instituições a sofrerem um processo de 86 descontinuidade em suas atividades, com quebra dos compromissos com o públicoalvo e as comunidades beneficiadas. Outra dificuldade citada por um dos entrevistados é a falta de empenho dos profissionais da Política de Assistência Social e de Saúde em buscar informações sobre a questão das drogas. Ele informou que É muito difícil fazer encaminhamentos para o usuário conseguir algum benefício assistencial, devido a falta de informações desses profissionais, que ainda veem a dependência química como um defeito moral, eu lastimo que a Assistência Social não tenha o devido empenho de primeiro conhecer a profundidade da questão das drogas e segundo adotar mecanismos, por exemplo, o BPC, o sujeito que está aqui era para ter direito ao BPC e é a maior dificuldade pra gente conseguir encaminhar alguma coisa tanto de auxilio doença quanto de BPC, a CID10 dá esse direito, mas falta informação. (E2). O capítulo 20 da lei 8742/93, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), traz os critérios para acessar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), deixando claro que, somente poderá ter direito a ele quem for deficiente ou idoso. Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. § 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. Porém, o dependente químico poderá ter acesso aos benefícios previdenciários, como o auxílio-doença, pois a dependência química é considerada uma doença segundo a CID-10, no entanto ele precisa ser segurado do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). De acordo com o site da Previdência Social13, o auxílio-doença é um benefício concedido ao segurado impedido de trabalhar por doença ou acidente por mais de 15 dias consecutivos. Para concessão de auxílio-doença é necessária a comprovação da incapacidade em exame realizado pela perícia médica da Previdência Social. Para ter direito ao benefício, o trabalhador tem de contribuir para a Previdência Social por, no mínimo, 12 meses (carência). 13 FONTE: http://www.previdencia.gov.br. 87 Ainda segundo o site da Previdência Social, o afastamento do trabalho pelo uso de drogas proibidas, como crack, cocaína, anfetaminas e maconha chega a ser oito vezes maior do que pelo consumo de álcool e cigarro. No ano de 2011, a Previdência concedeu 124.947 auxílios-doença a dependentes químicos. A conta para o governo com essa despesa foi de, no mínimo, R$ 107,5 milhões/ano. A Previdência tem dificuldades para calcular o valor exato devido à complexidade desses pagamentos. O auxílio-doença varia de um salário mínimo à R$ 3.916,00. O valor médio pago aos dependentes é de R$ 861,00. O número é crescente. De 2009 para cá, a Previdência concedeu mais de 350 mil auxílios à pessoas que precisaram se afastar do trabalho por uso de drogas. Para as famílias que enfrentam o alto custo do tratamento do dependente químico, gastando dinheiro em clínicas, comunidades terapêuticas, etc., e com a infinidade de outras despesas que aparecem com a dependência, esse benefício é um alento, mas ele só é concedido se o dependente químico estiver em tratamento e só na primeira parte do tratamento – quando o dependente está na fase de abstinência – isso ocorre porque a legislação brasileira permite o afastamento apenas no momento de incapacidade de trabalho. Não existe nenhuma norma válida para o restante do tratamento. Além de todas essas dificuldades relatadas pelos entrevistados, identificamos também algumas possibilidades nessas instituições, todos os entrevistados falaram sobre a importância da autonomia profissional, que conseguem atuar de forma livre e autônoma. Ressaltaram, também, a valorização e reconhecimento do trabalho de cada um, o incentivo à capacitação contínua e a abertura que o Serviço Social tem dentro das instituições. Sobre esse último ponto um dos entrevistados falou “Não existe dificuldade de diálogo com a presidência, nós temos vez e voz, se você tem ideias podem discuti-las, elas podem ser aceitas e enriquecidas também, isso é muito bom, é engrandecedor”. (E4). Perguntamos também como os Assistentes Sociais avaliam sua prática profissional e se essa avaliação é periódica. Nas respostas percebemos que não existe uma avaliação sistemática por parte do Serviço Social, que são avaliações gerais, de toda a instituição e que não existe um instrumental específico para realizar essa análise. “Eu tenho por hábito, quando termina o ano, fazer o 88 levantamento de todas as metas que foram trabalhadas e as que não foram de cada cliente. Não tem um instrumento pra fazer essa avaliação”. (E1). Avalio o todo, nada específico do Serviço Social porque não tenho parâmetro, é mais em cima da minha auto avaliação, o que eu consegui e o que não consegui fazer. É avaliado o funcionamento da casa, o geral, a atenção e a falta de atenção que conseguimos dispensar ao pessoal. Todo final de semana temos reunião de equipe e vemos um por um dos 35 residentes, como cada um avançou ou não dentro da casa, a evolução no contexto da recuperação. (E2). Nós temos uma prática, não só do Serviço Social, mas como coordenação, de avaliar como estamos e como podemos melhorar. Essa casa faz parte de uma Associação e por parte dela fazemos o planejamento estratégico do que vamos fazer durante todo o ano e também avaliamos o planejamento estratégico do ano anterior, o que foi cumprido e o que não foi, é mais em nível de instituição mesmo. Aqui de vez em quando nos sentamos quando há uma necessidade, nós tentamos sempre melhorar, fazer um trabalho de qualidade que atinja os meninos, porque é difícil, mas nós tentamos, então é só quando aparece uma necessidade real, até porque é tudo tão intenso que não temos tempo. (E3). A instituição tem um instrumental de avaliação de serviços, mas não é posto em prática regularmente. Aqui o diálogo é muito aberto com a coordenação, então as avaliações acabam não sendo formais, procuramos fazer com que tudo seja avaliado, pensado, mas não de uma forma regular. (E4). Segundo Raichelis (2006), a avaliação do próprio desempenho profissional, ajuizando, a partir dos resultados obtidos, as necessidades de aprimoramento e atualização, é fundamental para pensar sobre o trabalho desenvolvido a partir de seus resultados e não de discursos sem relação com a realidade. A avaliação possibilitará ao profissional apreciar os fatores que são decorrentes de fragilidades de sua ação ou de fatores alheios à mesma. Esse procedimento tem duas dimensões significativas: de um lado contribui para o aperfeiçoamento profissional individual e de outro para o da categoria, na medida em que o relato da experiência pode ser partilhado e apreciado pelos demais profissionais. Conforme a mesma autora, outro ponto importante é marcar a periodicidade com que vai se realizar a avaliação, estabelecendo rotinas e procedimentos para tanto. Quando o assistente social tem autonomia, deve organizar os cronogramas para que, pelo menos anualmente, faça-se uma avaliação da eficácia e eficiência de sua ação. Tal procedimento não desconsidera os processos avaliativos coletivos com a equipe. De acordo com Vasconcelos (2007), a definição dos objetivos e do fazer profissional não é suficiente para uma ação qualificada e reflete diretamente sobre 89 os resultados da ação. É o processo de avaliação do trabalho que permite ao profissional identificar se suas ações estão sendo coerentes com as necessidades dos usuários e se está alcançando os produtos esperados, o que poderá incidir também em um planejamento diferenciado para o trabalho. Este destaque é relevante, pois o profissional deve permanentemente refletir sobre sua ação e avaliar os objetivos, metas e resultados, tendo como norte as colocações de Iamamoto (2000) de que o Serviço Social atua no processo de reprodução da classe trabalhadora e nos processos sócio-políticos com a perspectiva do direito e da socialização de informações. Ao final das entrevistas, cada Assistente Social ficou livre para deixar uma mensagem para quem tivesse acesso a essa pesquisa. Percebemos algumas coisas importantes nessas falas, principalmente quando se trata da paixão pelo que faz e da dedicação com os dependentes químicos em recuperação. Identificamos que dois profissionais são completamente “apaixonados” pela profissão, pela área onde atuam e pela instituição em que trabalham. Consideram os internos, pessoas boas, dignas, capazes, verdadeiras “pérolas”, “pedras preciosas”. Ficam felizes com a felicidade deles ao chegarem ao final do tratamento, acreditam na mudança das pessoas e, principalmente, são motivados por essa mudança. Esses profissionais enfrentam diversas dificuldades, como salários baixos e atrasados, falta de condições financeiras, mas ainda conseguem se emocionar ao dizer o quanto são apaixonados pelo que fazem. Essa paixão talvez seja o que faz a diferença na vida dessas pessoas. A área da Dependência Química é uma área intrigante, mas é também apaixonante, porque você ver uma pessoa que vai até o fundo do poço, onde é tirado dela toda a dignidade, chegar aqui destruído, é como uma casa que ruiu, eles chegam em ruínas e dentro da Comunidade Terapêutica vão se reconstruir, nós somos os engenheiros que ficaremos orientando, mas quem vai colocar a mão na massa, tijolo por tijolo e vai reconstruir suas vidas são eles, então é uma coisa muito pessoal, o querer tem que vir de dentro. Desde que eu cheguei aqui, vi que nós somos os semeadores de ideias, de pensamentos, de sonhos e é o que eu tento ser nessa casa, sem muitas vezes ver o resultado, é como eu te disse nós trabalhamos com o fracasso. Eu sempre pensei assim, que aqui irei plantar semente, não sei se vou ver os resultados, colher os frutos. Alguns eu já vi, que estão bem, trabalhando, sempre dão o retorno, nos visitam, sempre ligam, mas são poucos ainda. Eu sempre peço a Deus que ele nunca tire do meu coração esse desejo de semear, de ver que o ser humano é bom na sua essência, que ele se desvirtua por infinitas coisas que acontecem na sua vida, desde o ventre até adulto, só ele sabe o que passou e o que passa. Então a nossa missão é essa de semear amor, coisas boas para a vida desses meninos e 90 é isso que eu tenho feito e que me motivou a não ter desistido, então é sempre semear, e se não colhermos, outra pessoa vai colher. Os meninos quando chegam aqui são pedras brutas, mas após eles serem trabalhados, serem polidos, aparece a pérola, ela existe lá dentro, o ser humano nasce bom porque ele vem de Deus, quando vem pra esse mundo é que ele se desvirtua, mas eles são pedras muito preciosas. Amém. (E3 – grifos nossos). Eu sou apaixonada, quando se entra na rotina do tratamento você vê que é muito rico, é engrandecedor, você ver dez pessoas que entram, nove não se recuperam, mas uma pessoa se recupera, isso alimenta o seu ego no sentido de ver que uma pessoa está saindo bem, isso me motiva pra trabalhar, nós acabamos nos prendendo muito aqui por ver que a mudança pode acontecer. Trabalhar aqui é uma oportunidade de crescer mais ainda como pessoa, porque você vê pessoas destituídas de direitos, muitas vezes porque eles fizeram aniquilar-se desses direitos, que são pessoas boas. O que faz com que você se apaixone é conhecer o lado bom dessas pessoas, que por trás desse uso de drogas existem verdadeiros cidadãos, pessoas dignas, capazes e que conseguem com muito esforço se dedicar a um tratamento que é doloroso demais, é muito sofrido parar de usar a droga, mas quando se consegue chegar ao fim e olhar pra trás e ver que se caminhou sem droga, aquilo te torna um cidadão de verdade e enquanto profissional ver essas pessoas nesse processo de evolução te faz crescer não só como profissional, mas como pessoa, te faz ver que mesmo onde você achava, como leigo, que talvez não existia amor, não existia saída, você vê ressurgir das cinzas pessoas que acabam se tornando felizes e isso te deixa muito mais feliz. Eu consigo ter essa felicidade de ver, mesmo a todo custo, que as pessoas podem mudar de vida, que eles sofrem, mas crescem e quando crescem conseguem dar um novo rumo a sua vida, elas conseguem ser dignas e felizes de fato. (E4 – grifos nossos). A fala a seguir é de um profissional que concorda com os dois anteriores em dizer que trabalhar nessa área faz de você uma pessoa melhor e que é reconfortante saber que uma pessoa conseguiu se recuperar. Ele ainda ressalta a importância do profissional se aproximar do dependente químico que está em tratamento, dar a ele e à sua família atenção e carinho e se desnudar dos preconceitos. Essa é uma área que requer bastante dedicação e atenção do profissional, não ter essa postura profissional de distância, tem que quebrar essa distância para chegar ao sujeito, tem muitos que você tem que dar “colo”, ser carinhoso com ele porque ele estar precisando daquilo, muitas vezes é preciso que você dê um abraço, tanto o dependente quanto a família, há uma necessidade que todos os profissionais se interessem. O Assistente Social tem muito a dar, ele tá formado para trabalhar uma coisa que é a consciência da pessoa, sensibilizar a pessoa a se cuidar para ela ir atrás de sua redenção, da sua recuperação. Vale a pena trabalhar nessa área, é altamente reconfortante quando você encontra uma pessoa que passou pela sua vida profissional e ela estar em recuperação, que retomou sua vida na mão. As pessoas que estiverem lendo essa monografia, que já estão interessadas no assunto, que elas continuem porque vale à pena, é uma área difícil, que requer muita experiência de vida e profissional, que o profissional se desnude de preconceitos, da visão 91 estereotipada que a sociedade tem de que quem usa crack não tem mais jeito, ele é um ser humano e precisa conviver com isso. É muito interessante trabalhar nessa área, te torna uma pessoa melhor, por isso eu não poderia deixar de responder essa entrevista, porque é muito bom ver que alguém está interessado em debater sobre Dependência Química. (E1 – grifos nossos). Na mensagem desse entrevistado, percebemos uma tentativa de sensibilizar e conscientizar os políticos, a sociedade e os profissionais de Serviço Social e de saúde da importância de buscar informações sobre drogas e, principalmente, sobre a dependência química. Uma tentativa de mostrar às pessoas que ela é uma doença, e não um desvio de caráter como tantas pessoas pensam. Tenho tanta coisa pra dizer. Eu senti na pele o que é a Dependência Química, o que é a falta de um entendimento adequado dessa doença, sem querer ser alarmista, hoje ela tomou uma proporção de uma verdadeira pandemia, ela é extremamente democrática, não tem fronteiras, atinge todas as classes, categorias sociais, então se faz necessário que os políticos deem mais um pouco de atenção para essa questão e que a sociedade como um todo procure buscar formas de diminuir os riscos de acesso às drogas e aumente a proteção através de políticas públicas adequadas na área da prevenção, que passam necessariamente pela educação, inclusão no currículo. Então políticas adequadas de qualidade de vida, de prevenção ao uso abusivo de drogas seriam fundamentais. Precisamos de mentes mais abertas para entender que isso não é uma doença moral, se torna uma doença de comportamentos doentios, ela é uma doença mesmo, é recorrente, pode ter determinações fatais, é progressiva. Então o entendimento sobre drogas de um modo geral deve ser colocado de uma maneira extensa. A divulgação não faz mal a ninguém, um bom trabalho de prevenção e ao Serviço Social muita informação, pois os danos que a Dependência Química causa são muito extensos e eles podem atingir mais de uma geração, o Serviço Social precisa abrir mais os olhos para essa realidade social, pois poucos profissionais, inclusive da área da saúde, não tem informações sobre Dependência Química. (E2 – grifos nossos). Portanto, de acordo com as entrevistas, percebemos que para atuar junto à recuperação de dependentes químicos, o posicionamento profissional precisa estar em consonância com o projeto ético-político profissional e com o código de ética do assistente social, além de muita dedicação, conhecimento sobre a área, assim como sobre as leis e as políticas públicas sobre drogas, proximidade com os usuários e com as famílias atendidas, acreditar na mudança das pessoas, ter um bom relacionamento com os outros profissionais que fazem parte da equipe e também com a direção da instituição, está se capacitando regularmente, registrando e avaliando sua prática profissional, e por fim, tentar superar os limites da realidade institucional, assim como aproveitar todas as possibilidades para mostrar aos usuários a melhor forma de acessar seus direitos. 92 CONSIDERAÇÕES FINAIS A orientação política, econômica e social desenvolvida no Brasil, segue a linha neoliberal, a qual favorece o capital financeiro em detrimento do investimento em políticas sociais e isso rebate negativamente na qualidade de vida da população de forma implacável. De acordo com uma pesquisa divulgada em setembro deste ano pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), sobre os gastos sociais do Governo Federal nos últimos 16 anos, observa-se um salto significante de investimentos no governo Lula (2003-2010). O gasto do governo federal com políticas sociais aumentou 172% entre 1995 e 2010. Com relação ao Produto Interno Bruto (PIB), a parcela da área social passou de 11,24%, em 1995, para 15,54%, em 2010. Esse crescimento de 4,3 pontos percentuais foi distribuído, principalmente, para a previdência social e para políticas de assistência social (IPEA, 2012). Apesar desse crescimento, o Estado continua seguindo a orientação neoliberal e a área mais afetada é a social, seja a saúde, a educação, a assistência, entre outras. A área da dependência química não foge desta situação. Segundo a política do Ministério da Saúde para a Atenção ao Álcool e Outras Drogas, os locais de tratamento para dependentes químicos seriam as unidades extra hospitalares CAPSad. Porém, após oito anos da elaboração desta política, percebemos que o número dessas instituições no Brasil ainda é bem reduzido em comparação à procura por atendimento. Desta forma, o vácuo existente no atendimento aos dependentes químicos continua existindo e é preenchido por instituições privadas ou filantrópicas, onde se enquadram as Comunidades Terapêuticas. Ao nos apropriarmos do suporte teórico, tanto na parte da prática profissional, quanto da legislação e das políticas sobre drogas, e das entrevistas com os assistentes sociais, percebemos que essa problemática é muito complexa. 93 E é neste contexto completamente diferente e confuso que se insere o Serviço Social. Reconhecemos que o trabalho do assistente social em instituições que tratam do dependente químico, principalmente nas Comunidades Terapêuticas, é relativamente novo, por isso o profissional ainda está buscando o lugar e o papel do Serviço Social dentro dessa área. Pensando na prática profissional do Serviço Social, umas das atribuições do assistente social é a democratização de informações e principalmente dos direitos, os quais o dependente químico nem sempre tem atendidos, por isso a importância dessa prática. Para desenvolver tal prática, o profissional precisa estar sempre se atualizando e se capacitando. Isso é realizado não só via academia (especialização, mestrado e doutorado), mas também através do conhecimento, leitura e discussão dos acontecimentos. Precisa, também está sempre em consonância com o Código de Ética profissional e o Projeto Ético-político da profissão, assim como à teoria específica de sua área de atuação. Assim, é necessário que o assistente social seja capaz de compreender a realidade que desencadeia as demandas que lhes são apresentadas e analisá-las criticamente, pois vivemos em uma sociedade capitalista marcada pela desigualdade social que traz consigo diversas consequências negativas para a vida das pessoas, esse crescente abuso de drogas, citado anteriormente, talvez seja um desses problemas trazidos por essa sociedade que enaltece o consumo e a competição. Os dados obtidos nas entrevistas contribuíram em muito para traçar um perfil desses profissionais de Serviço Social que atuam em Comunidades Terapêuticas. Conseguimos identificar o que eles fazem como são sua relação como os outros profissionais da equipe multidisciplinar, o trabalho desenvolvido por eles. Percebemos uma quase ausência do registro e avaliação da prática desses profissionais, mostramos a forma como estão inseridos na instituição, como superam os limites da realidade institucional para dar uma resposta satisfatória às demandas postas e o nível de comprometimento deles com a profissão e, principalmente, com o tratamento dos dependentes químicos. 94 Percebemos que o assistente social precisa valorizar a prática do Serviço Social em Saúde Mental, articulando os objetos das duas áreas, ou seja, buscar os fenômenos que ligam a questão social aos transtornos mentais por um lado, e a assistência social e a assistência psiquiátrica por outro. Existem vários pontos comuns entre as populações pobres e oprimidas com os transtornos mentais. Assim, terá um objeto integrado das duas áreas. Identificamos que o Serviço Social tem um papel fundamental no tratamento do dependente químico. De acordo com os entrevistados não existe recuperação se não for trabalhada a reinserção e a família, e quem faz isso geralmente é o assistente social, que tem outro olhar, tem todo um cuidado voltado para o mercado de trabalho, escolaridade, a questão da cidadania, tem uma visão bem mais ampla desse sujeito como cidadão, para ele está voltando para sociedade como um todo. Concluímos que, para trabalhar com a recuperação de dependentes químicos, é necessário, além do que foi citado anteriormente, confiar na mudança das pessoas, acreditar que elas são capazes de se recuperarem. Essa confiança e comprometimento do profissional com a instituição, com o tratamento, com a reinserção social e com o dependente químico e sua família, é que vai fazer a diferença na vida das pessoas. No entanto, para que esse trabalho seja realizado com qualidade, se faz necessário todo uma estrutura e um aparato legal, assim não dependendo apenas do profissional. Precisamos de políticas públicas mais atuantes na área da dependência química; uma legislação que perpasse todos os fatores relacionados à vida do ser humano, não só baseadas na repressão; boas condições de trabalho oferecidas pelas instituições aos profissionais; entre outras. Assim, o assistente social terá sua atuação totalmente voltada para a perspectiva da garantia de direitos. Ao final dessa trajetória, entendemos que nosso propósito com essa pesquisa foi alcançado. Revelamos o perfil do profissional de Serviço Social que atua em Comunidades Terapêuticas, assim como sua relação com os outros saberes que compõem a equipe multiprofissional, mostramos a importância da fundamentação teórica, do constante aprimoramento e de uma análise sistemática da sua prática 95 para a qualidade dos serviços prestados, investigamos a contribuição do assistente social no tratamento e na reinserção do dependente químico. Além de todos esses resultados obtidos, esta pesquisa contribui também para nosso crescimento pessoal e profissional, pois a área da dependência química, em especial as Comunidades Terapêuticas, se revelou um campo de atuação bastante rico e desafiador, um pouco diferente das experiências vivenciadas no estágio supervisionado. Compreendemos ainda mais o quanto o trabalho realizado pelo profissional de Serviço Social é importante para que os usuários consigam acessar seus direitos, principalmente para os dependentes químicos que têm dificuldade no atendimento destes. Apesar de todas as políticas desenvolvidas pelo Estado no âmbito da dependência química, ainda não se tem respostas efetivas que contemplem todas as áreas do ser humano. Há também certo preconceito com as Comunidades Terapêuticas, que foram as primeiras instituições, sem ser hospital ou polícia, que atenderam os dependentes químicos numa perspectiva psicossocial. Percebemos que essas instituições vêm se modificando ao longo dos anos e cada vez mais se enquadrando nos padrões de funcionamento da ANVISA e que necessitam de profissionais de nível superior capacitados para esse tipo de trabalho, garantindo um atendimento eficaz e de qualidade. Entendemos como um dos pontos negativos mais marcantes das instituições pesquisadas, a escassez de recursos financeiros para o desenvolvimento do trabalho dos profissionais. Esse limite institucional interfere tanto no tipo de tratamento disponibilizado aos dependentes químicos, quanto na relação dos profissionais com as referidas instituições. 96 REFERÊNCIAS ANDRADE, Maria Margarida. Como preparar trabalhos para cursos de pósgraduação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 1997. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 13. Ed. São Paulo: Cortez, 2008. ______. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999. 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Brasília: CFESS, 1993. 101 APÊNDICE 102 APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM ASSISTENTE SOCIAL IDENTIFICAÇÃO DO ENTREVISTADO 1. Idade e religião. 2. Ano e local da graduação. Cursos de pós-graduação (especializações, mestrado ou doutorado). 3. Escolha da profissão. Quais eram suas expectativas para a profissão. 4. Como entrou na área da dependência química. Tempo de serviço. 5. O que acha desse campo de atuação. Aberto ou fechado para o Serviço Social. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 6. Frequência que participa de seminários, congressos, cursos de capacitação na área da dependência química. Incentivo da instituição. 7. Importância do Código de Ética e do Projeto Ético-político para sua prática. 8. Autores do Serviço Social e da área da dependência química referência para sua prática. 9. Conhecimento sobre Leis e Políticas Públicas sobre drogas. 10. Como você vê a dependência química e os dependentes químicos. Articulação entre as discussões no âmbito do Serviço Social com as discussões no âmbito da dependência química. PRÁTICA PROFISSIONAL 11. Função; tempo de serviço na instituição. Carga horária de trabalho (em horas/semanal). É igual para os outros profissionais de nível superior. 12. Rotina de funcionamento da instituição (número de usuários e profissionais – atividades) 13. Trabalho em equipe. Relação com os outros profissionais. 103 14. Implantação do Serviço Social na instituição. 15. Papel do setor de Serviço Social na instituição. 16. Atividades do Serviço Social dirigidas à família. 17. Ações Serviço Social de reinserção social. 18. Documentação utilizada no registro da prática do Serviço Social. AVALIAÇÃO 19. Limites e possibilidades da sua atuação profissional (estrutura física, sala do Serviço Social, recursos financeiros e humanos, salários) 19. Existe uma avaliação periódica da sua prática profissional? Como é feita essa análise? É uma prática institucional ou do setor de Serviço Social? 20. Poderia deixar uma mensagem no final dessa entrevista que fosse importante para as pessoas que terão acesso a essa pesquisa. 104 APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO DOS RESPONSÁVEIS PELA INSTITUIÇÃO / COORDENADOR DA COMUNIDADE TERAPÊUTICA I. DADOS DE IDENTIFICAÇÃO Nome da instituição ___________________________________________________ Nome ______________________________________________________________ Documento de identidade nº _____________________________ Sexo M ( ) F ( ) Data de nascimento ____/____/____ Endereço ___________________________________________________________ Bairro _______________________ Cidade ___________________ Estado _______ CEP ________________________ Telefone (___) __________________________ E-mail ______________________________________________________________ II. DADOS SOBRE A PESQUISA CIENTÍFICA Título do Protocolo de Pesquisa: Serviço Social na área da Dependência Química: uma análise da atuação profissional do Assistente Social em comunidades terapêuticas. Pesquisadora: Débora da Silva Lemos, residente na Rua Pernambuco nº 93. Demócrito Rocha, Fortaleza – CE. CEP: 60.440-140. Telefone: (85) 88071222. Cargo / Função: Aluna de graduação de Serviço Social da Faculdade Cearense. Avaliação de risco da pesquisa: não haverá risco para os sujeitos do estudo. Duração da pesquisa: 03 meses (coleta, organização e análise de dados). III. REGISTRO DAS EXPLICAÇÕES DA PESQUISADORA AO RESPONSÁVEL PELA INSTITUIÇÃO / COORDENADOR O presente estudo tem por objetivos analisar a atuação profissional do Assistente Social em Comunidades Terapêuticas, especificar as atividades, 105 procedimentos e instrumentos de trabalho. Além de identificar os limites e as possibilidades da realidade em que o profissional atua, avaliando, também, sua relação com outros profissionais. Informo que os procedimentos utilizados para a coleta de dados serão entrevistas gravadas com perguntas abertas e fechadas. Nas entrevistas serão coletadas informações a cerca da atuação do Assistente Social. Devo esclarecer que não há nenhum tipo de dano que possa prejudicar qualquer participante ou instituição, inclusive será guardado o anonimato, e que os benefícios oriundos deste estudo poderão conduzi-lo a melhor compreensão do agir cotidiano, resultando numa melhoria dos serviços prestados para a dependência química. Eu ___________________________________________________ Coordenador (a) da Comunidade _________________________________________________, Terapêutica declaro, concordar com a realização da pesquisa – Serviço Social na área da Dependência Química: uma análise da atuação profissional do Assistente Social em comunidades terapêuticas – após esclarecimento da pesquisadora e ter entendido o que me foi explicado sobre os objetivos, interesses e metodologia, assim sendo, consinto que a instituição participe do estudo. Declaro, também, ter ciência dos dados da pesquisadora, a Sra. Débora da Silva Lemos. Local ________________________ Data ___/___/___ ____________________________________________ Assinatura do Coordenador (a) 106 APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Título da Pesquisa: “Serviço Social na área da Dependência Química: uma análise da atuação profissional do Assistente Social em Comunidades Terapêuticas” Pesquisadora: Débora da Silva Lemos Orientador (a): Verbena Paula Sandy O Sr. (Sra.) está sendo convidado(a) a participar desta pesquisa que tem como finalidade analisar a atuação profissional do Assistente Social em Comunidades Terapêuticas. Para isto, será necessário a participação de profissionais de Serviço Social que atuem em instituições que tratem da Dependência Química. Ao participar deste estudo o Sr. (Sra.), permitirá que a pesquisadora utilize suas informações para a realização desta pesquisa. Entretanto, os dados obtidos serão mantidos em sigilo, somente a pesquisadora e o orientador (a) terão conhecimento dos dados. O participante tem a liberdade de desistir a qualquer momento do estudo caso julgue necessário, sem qualquer prejuízo. A qualquer momento poderá pedir maiores esclarecimentos sobre a pesquisa através do telefone da pesquisadora do projeto. O maior benefício para o participante será a sua contribuição pessoal para o desenvolvimento de um estudo científico de grande importância, onde a pesquisadora se compromete a divulgar os resultados obtidos. Após estes esclarecimentos, solicito o seu consentimento de forma livre para participar desta pesquisa. Portanto preencha, por favor, os itens que se seguem: Consentimento Livre e Esclarecido Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida, manifesto meu consentimento em participar da pesquisa. ____________________________________________ Assinatura do participante