Como lidar com o cyberbullying na escola?

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bullying
Como lidar com o
cyberbullying na escola?
A prática afeta a aprendizagem, a convivência e o
comportamento dos alunos. Por isso, gestores precisam
prevenir e saber encaminhar judicialmente os casos
extremos
Laís Semis
Intimidações, humilhações e diversos tipos de violência entre crianças e
adolescentes cada dia mais conectados extrapolam o espaço da escola. Com 77%
do total da população brasileira entre 10 e 17 anos navegando pela internet,
como aponta o estudo TIC Domicílios 2014, os ambientes virtuais se tornaram
territórios para práticas já conhecidas que acontecem nos bastidores das aulas,
como o bullying.
Entre mundo online e offline, 27% das crianças e adolescentes de 9 a 17 anos
afirmam já ter vivenciado situações em que alguém agiu de forma ofensiva ou
que lhes chateou nos últimos 12 meses. Desses casos, 15% aconteceram na
Internet. Os dados são da pesquisa TIC Kids Online Brasil 2014 e revelam que o
bullying virtual ocorre principalmente em forma de ameaças e propagação de
calúnias.
A necessidade de tratar o tema nas escolas foi reforçada pela Lei nº 13.185/15
(também conhecida como Lei Anti-Bullying). Ela institui o Programa de Combate à
Intimidação Sistemática (Bullying) e caracteriza todo ato de violência física ou
psicológica, intencional e repetitivo. No campo virtual, depreciar, incitar a
violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de
constrangimento psicossocial configuram cyberbullying. Essa lei coloca como
dever da instituição de ensino assegurar medidas de conscientização, prevenção,
diagnóstico e combate a essa prática.
Diferentemente de outros países, o cyberbullying não é categorizado no Brasil
como crime digital. Mas a ação sempre está vinculada a algum outro crime já
previsto na Constituição. Assim, ofensas podem se configurar como crimes contra
a honra (calúnia, difamação e injúria); comentários como "você não merece viver"
podem ser considerados instigação ao suicídio e invasão de dispositivos e roubo
de dados estão sujeitos à Lei Carolina Dieckmann, nº 12.737/12.
O Marco Civil da Internet prevê responsabilização dos agentes de acordo com
suas atividades, nos termos da lei. Assim, quem comete qualquer tipo de crime na
internet pode ser punido. "A Lei Anti-Bullying exige a abordagem do trabalho no
campo social, psicológico e jurídico. É preciso desmistificar a ideia de que não há
consequências para as ações entre as crianças", explica a advogada Ana Paula
Siqueira Lazzareschi de Mesquita, do escritório SLM Advogados e coordenadora
do programa Proteja-se dos Prejuízos do Cyberbullying, que tem 40 escolas
participantes. O bullying se caracteriza por uma agressão entre pares e,
necessariamente, por uma plateia. Então, quem assiste - calado ou rindo - é
corresponsável pela ação.
Como prevenir e abordar o tema
O ideal é evitar a punição dos agressores em outras instâncias que não a escola,
privilegiando os mecanismos e instrumentos que promovam o diálogo, a
conscientização, a responsabilização e a mudança de comportamento. Para
Luciene Tognetta, professora do Departamento de Psicologia da Educação, da
Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp), e pesquisadora
do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Moral (Gepem), o gestor deve
estabelecer ações preventivas. Manter espaços democráticos, promover rodas de
conversa, palestras e momentos para que os alunos possam participar das
decisões, falar sobre problemas que enfrentam no cotidiano escolar e como se
sentem, por exemplo, pode ajudar que as crianças a se valorizarem e tornar a
convivência sadia um valor para elas. "Como uma das características do autor de
bullying e cyberbullying é pouco se sensibilizar moralmente pela vítima, isso
significa que deve haver espaços para validar que valores todos querem na
escola", explica Luciene.
Para evitar a propagação do cyberbullying, é necessário trabalhar o olhar sobre o
outro. Filmes, textos, pesquisas e projetos sobre o tema podem gerar discussões
em sala e melhorar a percepção e o comprometimento sobre o coletivo. "Quando
você faz um trabalho preventivo, abre o espaço para o diálogo e a
conscientização", coloca Ana Paula. "A plateia pode ser omissa, colaboradora,
coautora ou aprender a ser inibidora dessas ações. Se os alunos são
conscientizados, eles sabem se posicionar diante do que não é legal e não deve
ser compartilhado e podem dizer aos autores que o material deveria ser retirado
do ar", explica a psicóloga Maria Tereza Maldonado, psicóloga e autora do livro
Bullying e Cyberbullying - o Que Fazemos Com o Que Fazem Conosco?.
Luciene destaca, porém, que essas ações não podem ser pontuais ou
concentradas numa semana especial dedicada ao tema. "Quando se trata de um
momento organizado pontualmente, você tem um espaço garantido para aquela
proposta. Mas, na verdade, se trata de questões de convivência, que fazem parte
do cotidiano e que podem surgir em diversas situações. E é preciso que os
estudantes aprendam que existem formas diferentes de resolver conflitos, que
não pela submissão à vontade do outro ou pela agressão. É importante
compreender a dinâmica do bullying e do cyberbullying, os motivos que as
provocam e as consequências", esclarece.
Para Maria Tereza, o tema deve ser foco de projeto institucional, com a
construção de um programa permanente de combate ao cyberbullying que esteja
no projeto político-pedagógico (PPP) da instituição. "Especialmente nos casos
online, a questão é orientar os alunos para fazer um uso responsável das redes.
Cada escola deve elaborar um projeto de acordo com suas características e ele
pode ter a colaboração dos próprios alunos", diz.
Observar as conversas entre os alunos e as movimentações diferentes ajuda a
identificar problemas. Se alguém está sendo isolado ou se isolando, pode ser um
indício de que algo está acontecendo com a turma. Faltas excessivas, silêncio fora
do comum e dores inexplicáveis também podem ser sintomas de que alguém está
sendo constrangido ou intimidado pelos colegas. Se você estiver conectado a eles
pelas redes de relacionamento online e presenciar comportamentos
preocupantes, não deixe de chamá-los para conversar. O diálogo pode resolver
grande parte do conflito. Mas, para isso, não se esqueça de ouvir os dois lados da
história.
Quando a prevenção não é suficiente, a responsabilidade por tratar os casos que
envolvem alunos da instituição também é da escola, mesmo que os ataques
virtuais tenham sido feitos fora desse espaço. "No cyberbullying, pode se atingir
uma plateia imensa com compartilhamento. Independentemente de onde tenha
começado, a repercussão acontece dentro da escola e deve ser lidada por ela,
envolvendo toda a rede de relacionamentos: quem faz, quem recebe e quem
presencia", esclarece Maria Tereza.
Mediadores de conflitos
Uma opção para engajar as crianças e os adolescentes é fazer com que eles
mesmos sejam mediadores de conflito (leia mais sobre o tema aqui). Alguns
alunos podem se sentir mais confortáveis falando com alguém de sua idade. "As
pesquisas mostram que muitos estudantes não falam para pais e professores
que estão sofrendo, principalmente nos casos de cyberbullying. Só ficamos
sabendo quando as coisas estouram e eles não aguentam mais", pontua Luciene.
"Apesar disso, eles contam para os amigos. As redes de apoio entre pares são
uma maneira dos estudantes se envolverem na solução e se sentirem acolhidos
pelos colegas. Eles se identificam com as situações e sabem muito mais do que
nós como intervir", completa.
Mesmo com os alunos envolvidos na solução, o combate ao cyberbullying é um
trabalho de toda a comunidade escolar. Capacitar os docentes e os outros
membros da equipe para a implementação de atividades de prevenção e orientálos para buscar juntos a saída em casos problemáticos são ações essenciais.
"Essas situações pedem um protocolo de atuações que implicam a mudança de
postura do professor na forma como ele introduz o diálogo, o modo como ele dá
possibilidade da vítima se indignar, como leva o autor a reparar o problema que
cometeu, o tratamento dado aos expectadores... Ou seja, é preciso formação para
lidar com o problema", conclui Luciene.
Materiais de apoio ao gestor
Publicações como a Cartilha Justiça nas Escolas (disponível aqui), a Cartilha
Bullying Não É Brincadeira (veja aqui), as Saferdic@s (confira) e a Apostila para a
Prevenção do Cyberbullying (que inclui pautas para educadores e responsáveis e
pode ser acessada nesse link) podem ajudar a compreender melhor o fenômeno
e a decidir o que fazer diante dessas situações.
O livro Bullying e Cyberbullying - O Que Fazemos Com o Que Fazem Conosco? traz
um capítulo dedicado à construção de projetos sobre cyberbullying na escola. Já
para trabalhar o tema como leitura para os alunos, a instituição também pode
usar o livro A Face Oculta - Uma História de Bullying e Ciberbullying.
O sucesso dos programas anti-bullying depende da parceria com a família. "A
maioria delas não tem ideia do que os filhos fazem na internet e que redes
acessam", revela Maria Tereza. Para ela, há uma confusão entre acompanhar as
crianças e invadir a privacidade delas. "Assim como os pais não deveriam deixálas na rua sem ideia de onde elas estão, não podem deixá-las soltas na praça do
cyberespaço sem se dar conta dos riscos. A internet tem um potencial
maravilhoso. Mas também tem uma face sombria", reforça.
O que fazer nos casos extremos
A escola deve propor responsabilizações não com a intenção de apenas punir os
praticantes, mas no sentido de reparar o mal. Nos casos de cyberbullying, as
informações publicadas sobre as vítimas devem ser retiradas do ar e, em casos
de calúnia, desmentidas. "O processo básico é restaurar o respeito e os
relacionamentos afetados. É possível também redirecionar as habilidades dos
alunos praticantes de cyberbullying para funções mais benéficas. É comum que
os autores façam edições de vídeos com a finalidade de armar situações
constrangedoras de colegas com conteúdo difamatório. Quem é pego fazendo
isso, por exemplo, pode ter como consequência fazer um vídeo sobre o que é
cyberbullying para apresentar aos colegas", sugere Maria Tereza. Se o autor for
identificado ou não, a escola deve amparar a vítima e dar suporte pedagógico ou
psicológico.
Em casos extremos em que a escola não consegue lidar com o problema, o
indicado é tomar as medidas cabíveis dentro do âmbito legal. De acordo com a
advogada Ana Paula, é recomendável que a criança imprima as mensagens e leve
para a escola, que deve buscar auxílio de um advogado especializado em direito
digital para verificar o melhor caminho para cada situação. "Muitas pessoas usam
perfil falso e fazem ataques muito pesados achando que estão protegidas pelo
anonimato. No entanto, é possível identificar o IP do computador do autor",
explica Maria Tereza. Identificado o responsável, a pessoa pode ser processada.
No caso de menores de 18 anos, os pais são responsabilizados pelos atos.
Endereço da página:
https://gestaoescolar.org.br/conteudo/1649/como-lidar-com-o-cyberbullying-na-escola
Links da página
http://cetic.br/media/docs/publicacoes/2/TIC_Kids_2014_livro_eletronico.pdf
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13185.htm
http://gestaoescolar.abril.com.br/blogs/aluno-em-foco/2015/11/13/programa-anti-bullyingagora-e-lei/
http://novaescola.org.br/formacao/cyberbullying-violencia-virtual-bullying-agressaohumilhacao-567858.shtml
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm
http://www.slmadv.com.br/area-de-atuacao/prevencao-ao-cyberbullying
http://www.saraiva.com.br/bullying-e-cyberbullying-o-que-fazemos-com-o-que-fazemconosco-3421232.html
http://gestaoescolar.abril.com.br/blogs/aluno-em-foco/2015/10/09/alunos-como-mediadoresde-conflitos-na-escola/
http://www.cnj.jus.br/images/programas/justica-escolas/cartilha_bullying.pdf
http://new.netica.org.br/adolescentes/arquivos-cartilhas/cartilha-bullying.pdf
http://www.safernet.org.br/site/sites/default/files/cartilha-site.pdf
http://www.chegadebullying.com.br/pdf/pt/Basta_CyberbullyingPamphlet.pdf
http://www.saraiva.com.br/a-face-oculta-uma-historia-de-bullying-e-ciberbullying-conforme-anova-ortografia-col-jabuti-2739991.html
Publicado em NOVA ESCOLA 01 de Junho de 2016
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