Colagenose e gânglios mediastinais calcificados

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Colagenose e gânglios mediastinais calcificados
Luiza Helena Degani Costa
Residente de Pneumologia da UNIFESP-EPM
Claudia Hasegawa
Residente de Pneumologia da UNIFESP-EPM
Carlos Alberto de Castro Pereira
Programa de pós-graduação em Doenças Pulmonares Intersticiais da UNIFESPEPM.
Paciente do sexo masculino, 45 anos, branco, natural do Piauí e procedente de
Diadema há 27 anos, porteiro. Procurou o PS do Hospital São Paulo em
27/07/2012 por queixa de falta de ar há 1 ano.
Paciente referia ser previamente hígido até Janeiro de 2011, quando iniciou rash
cutâneo pruriginoso em todo o corpo, acompanhado de edema de mãos e pés,
artralgia em joelhos, metacarpofalangeanas e interfalangeanas proximais de
ambas as mãos e dor na extremidade dos dedos, com surgimento de algumas
lesões ulceradas e descamativas. Referia apresentar ainda episódios de mudança
da coloração dos dedos, às vezes azulados, arroxeados, pálidos, principalmente
no frio.
Em Julho de 2011 iniciou quadro de dispneia aos grandes esforços, progressiva
até pequenos esforços (atualmente para andar pequenas distâncias no plano),
acompanhada de tosse produtiva com secreção amarelada e sibilância diária.
Nega febre, dor torácica, ortopneia, dispneia paroxística noturna ou edema em
membros inferiores. Procurou reumatologista em agosto do mesmo ano e
recebeu o diagnóstico de artrite reumatóide (sic), tendo sido tratado com alguma
medicação (não sabe o nome) associada à prednisona, porém sem melhora dos
sintomas.
No interrogatório complementar, o paciente queixava-se ainda de epigastralgia
em queimação, pirose e sensação de regurgitação há 8 anos, além de perda de
1Kg no último ano.
Antecedentes Pessoais: estava em uso de prednisona 60mg/dia desde
Agosto/2011, além de enalapril 10mg/dia para Hipertensão Arterial Sistêmica.
Exposição prévia a mofo em casa por 10 anos até 5 anos atrás (naquele período,
tratado 20 vezes como “pneumonia”). Negava exposição a pássaros; negava
tabagismo ou etilismo.
Antecedentes ocupacionais: Desde os 18 anos morava em Diadema e trabalhava
como porteiro. Até os 18 anos, no Piauí, desenvolveu inúmeras atividades:
-
Trabalhou carpindo milho, arroz, feijão.
Trabalhou em fundições, produção e uso de tijolos refratários,
escavação de poços e açude (dos 7 aos 18);
Trabalhou com tolueno para lavagem de peças de fórmica
Trabalhou fazendo carvão sem uso de equipamento de proteção
individual.
Ao exame físico, o paciente apresentava-se em bom estado geral, corado,
hidratado, anictérico, acianótico, afebril, fácies cushingóide. Ausculta pulmonar
evidenciava murmúrio vesicular bilateralmente sem RA, f = 20 irpm e SpO2 =
97% em ar ambiente, com dessaturação até 88% no teste do degraus de 3
minutos. Ausculta cardíaca revelava bulhas rítmicas normofonéticas em 2
tempos sem sopros, FC = pulso = 100 bpm, PA = 140 x 100 mmHg. No exame
físico osteoarticular apresentava edema em mãos, sinovite em 2ª e 3ª MCP E, 3ª
IFP E, lesão ulcerada descamativa em 2º QDD, edema de tornozelos bilateral, sem
sinovite. Por fim, a avaliação cuidadosa de pele e anexos mostrava pele
espessada, lesões máculopapulares eritematosas principalmente em tronco,
placas endurecidas de pele em dorso, lesões em sal com pimenta em placa e
cianose em pododáctilos.
Frente à hipótese de Esclerose Sistêmica associada a uma doença intersticial
pulmonar a/e, optou-se por solicitar provas reumatológicas, tomografia
computadorizada de tórax, prova de função pulmonar e ecocardiograma, que
mostraram os seguintes resultados:
TC de tórax (30/07/2012):
-
múltiplos linfonodos mediastinais e hilares discretamente aumentados
com calcificações puntiformes de permeio,
- Múltiplos micronódulos não calcificados bilaterais, predominando nos lobos
superiores alguns deles com distribuição perilinfatica associados a discreto
espessamento septal nodular.
- Vidro fosco difuso disperso pelo parênquima pulmonar, com áreas de
aprisionamento aéreo de permeio, levando a um padrão de atenuação em
mosaico.
- Discreto espessamento pleural bilateral mais acentuado à direita, com
formação de placas pleurais.
- Opacidade irregular no segmento posterior do lobo superior direito de
aspecto retrátil, com distorção arquitetural e com diminutas calcificações de
permeio.
Espirometria (30/07/2012): Compatível com DVR leve. Redução moderada da
capacidade de difusão pulmonar para o monóxido de carbono.
Pré-BD
Absoluto
% Previsto
Pós-BD
Absoluto
% Previsto
CVF
2,99
66
2,98
66
VEF1
2,45
66
2,57
69
VEF1/CVF
0,82
DLCO
0,86
45
Ecocardiograma (30/07/2012): FEVE = 66%, câmaras cardíacas de dimensões
normais, disfunção diastólica de VE leve (alteração de relaxamento), refluxo
valvar tricúspide de grau leve, PSAP estimada em 32mmHg e velocidade de
regurgitação tricúspide de 2,6 m/s.
Provas Reumatológicas (02/08/2012):
-
FAN positivo 1:1280 padrão nuclear pontilhado fino
FR negativo
Anti- DNA negativo
Anti-Scl 70 = 150
Anti-Jo1 negativo
ENA negativo
Complemento normal
A associação de quadro clínico com Esclerose Sistêmica forma difusa com
padrão tomográfico compatível com silicose nos levou à hipótese diagnóstica de
Síndrome de Erasmus. Nesse sentido, optou-se por reduzir a prednisona para
40mg/dia e iniciar pulsoterapia com ciclofosfamida. Após o primeiro ciclo, o
paciente apresentou exacerbação infecciosa da DPI, com necessidade de
internação em UTI por 20 dias. Segue em acompanhamento no ambulatório de
doenças intersticiais da UNIFESP-EPM.
Pergunta 1: Qual dos padrões tomográficos abaixo é mais sugestivo de
silicose?
a) fibrose com distorção arquitetural, padrão reticular predominante em bases e
faveolamento
b) múltiplos cistos de formato regular, difusos e simétricos no parênquima
pulmonar
c) micronódulos difusos predominantemente em lobos superiores, placas
pleurais, linfonodos com calcificação em casca de ovo.
d) Opacidades em vidro fosco entremeadas com áreas de aprisionamento aéreo
(atennuação em mosaico) e nódulos centrolobulares com predomínio em LLII.
Pergunta 2: Quanto à ocorrência de Esclerose Sistêmica em pacientes
expostos à sílica, é correto afirmar que:
a) A Esclerose Sistêmica só ocorre em indivíduos que desenvolvem silicose e
não naqueles expostos à sílica, mas sem doença pulmonar.
b) Pacientes com Síndrome de Erasmus têm maior comprometimento
funcional do que indivíduos com silicose, mas sem Esclerose Sistêmica
c) É necessário um tempo de exposição prolongado à silica (> 10 anos) para
que exista um risco real de desenvolvimento da Esclerose Sistêmica.
d) Após cessada a exposição à silica, o risco de desenvolver Síndrome de
Erasmus deixa de existir.
Discussão
A silica, ou dióxido de silício, é encontrada em toda a crosta da Terra sob as
formas amorfa e cristalina. Inúmeras atividades ocupacionais estão associadas à
exposição a poeiras com sílica, sendo as principais extração e beneficiamento de
rochas, mineração, perfuração de poços, produção de borracha e talco e
fabricação de cerâmica, vidro, materiais de construção e próteses dentárias.
Poeiras de silica, especialmente na sua forma cristalina, são extremamente
tóxicas e sua inalação pode induzir o desenvolvimento de um quadro de fibrose
intersticial pulmonar ao qual se dá o nome de silicose. A silicose é a
pneumoconiose mais comum no Brasil e a principal causa de invalidez entre as
doenças respiratórias ocupacionais, sendo que o risco e a gravidade do quadro
são proporcionais ao tempo e à intensidade da exposição, à forma de silica
cristalina e ao intervalo entre a quebra das partículas e sua inalação.
No entanto, os resultados da exposição à silica não se limitam à silicose. Sabe-se
que a inalação de suas partículas está associada ao desenvolvimento de
neoplasias de pulmão, DPOC, insuficiência renal e tuberculose. Além disso,
doenças autoimunes como artrite reumatóide, esclerodermia, lupus eritematoso
sistêmico e vasculites são mais comuns em indivíduos expostos à silica do que na
população geral.
As primeiras referências a casos de esclerose sistêmica em indivíduos com
silicose datam do início do século XX, porém apenas em 1957 a associação das
duas doenças recebeu o nome de Síndrome de Erasmus. Estudos posteriores
foram capazes de demonstrar uma associação causal entre as duas entidades ao
encontrarem uma incidência até 74 vezes maior de esclerodermia em pacientes
expostos à silica do que na população geral, sendo este valor elevado para 110
vezes quando se comparavam apenas paciente com silicose com a população não
exposta.
Apesar de a associação clínica já estar bem estabelecida, as bases fisiopatológicas
da esclerose sistêmica em indivíduos com silicose ainda não estão claras. Da
mesma forma, não existe definição sobre o tempo mínimo necessário de
exposição à sílica para que exista chance de esclerodermia e nem quanto tempo
depois de cessada a exposição o paciente permanece sob risco de desenvolver a
síndrome. O diagnóstico da Síndrome de Erasmus, nesse sentido, é feito por meio
de uma somatória de fatores: exposição relevante à silica, aspecto radiológico
compatível com silicose e quadro clínico de esclerose sistêmica.
A tomografia de tórax na silicose frequentemente evidencia micronódulos
difusos e bilaterais predominantemente em lobos superiores e em até 10% dos
casos são encontrados anéis de calcificação ganglionar (calcificação “em casca de
ovo” ou egg-shell). Outros achados incluem formação de placas pleurais, fibrose
parenquimatosa com distorção arquitetural e opacidades parenquimatosas
parcialmente calcificadas. Em pacientes com Síndrome de Erasmus, doença
pulmonar intersticial secundária à própria esclerodermia pode se superpor aos
achados radiográficos de silicose, havendo, nesses casos, acometimento mais
importante das bases pulmonares.
Independentemente
de
haver
claro
comprometimento
pulmonar
pela
esclerodermia, a perda funcional em pacientes com Síndrome de Erasmus é mais
acentuada e os pacientes apresentam CVF e DLCO, em média, menores do que
indivíduos expostos à sílica mas sem esclerose sistêmica.
Respostas corretas .
Pergunta 1 : C
Pergunta 2: B
Bibliografia:
1. Souza PFM, Figueired RC, Klumb EM et al. Associação entre silicose e esclerose sistêmica –
Síndrome de Erasmus.. Pulmão RJ 2005; 14: 79-83
2. Cowie RL. Silica-dust-exposed mine workers with scleroderma (systemic sclerosis. Chest 1987; 92:
260-26
3. Terra- Filho, M, Santos UP. Silicose. J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 1):S41-S7
4. Martin JR, Griffin M, Moore E, et al. Systemic sclerosis (scleroderma) in two iron ore mines.
Occup. Med. 1999; 49: 161-169.
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