Civilização com fisionomia peçonhenta Reginaldo Lopes Minaré “Sem contabilizar exageros, creio que a velocidade irresponsável que se pretende imprimir nos avanços da engenharia genética, nos dias atuais, guiada pela desregulamentação gananciosa da globalização econômica, poderá gerir, nos albores do novo milênio, uma esquisita civilização de ‘aliens hospedeiros’, com fisionomia peçonhenta, a comprometer, definitivamente, em termos reais, e não fictícios, a sobrevivência das futuras gerações de nosso planeta”. Aquele que imaginou que a citação acima foi retirada do roteiro de algum filme de ficção científica, enganou-se. O texto citado é parte da decisão judicial proferida em 1998, reiterada em junho de 2000, nos autos do processo nº 19983400027681-8, pelo então Juiz Titular da 6ª Vara Federal do Distrito Federal, Dr. Antonio de Souza Prudente. Nesse processo, que ainda não chegou ao final, está em discussão a necessidade ou não da realização de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para o plantio da soja geneticamente modificada. Além de uma discussão judicial envolvendo argumentos dessa natureza, o avanço da biotecnologia no Brasil enfrenta ainda uma campanha contra o desenvolvimento e uso de técnicas oriundas da engenharia genética. Essa campanha, criada em 1999 e capitaneada por várias Organizações Não Governamentais (ONGs), é veiculada com o título de “Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos”. Enquanto, no Brasil, o avanço da biotecnologia enfrenta esses obstáculos, na Europa, mais precisamente no Conselho Europeu de Lisboa de março de 2000, a União Européia atribuía-se um novo objetivo estratégico para a próxima década: tornar a economia baseada no conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo. Procurando cumprir o objetivo estabelecido, o Conselho Europeu de Estocolmo, em fevereiro de 2001, reconheceu o potencial econômico, social e ambiental das ciências da vida e da biotecnologia, e anunciou a intenção de apresentar uma visão estratégica para a área. Em 4 de setembro de 2001, a Comissão Européia lançou uma vasta consulta pública a partir de um documento denominado "Uma visão estratégica das ciências da vida e da biotecnologia", que culminou com a elaboração da comunicação "Ciências da vida e biotecnologia Uma estratégia para a Europa", encaminhada ao Parlamento Europeu – que a aprovou no dia 21 de novembro de 2002. O documento aprovado é composto por duas partes: um texto de orientação e um plano de ação com medidas a serem adotadas até 2010, que já está sendo executado. Nesse estudo estratégico, a população européia, a Comissão Européia e o Parlamento Europeu, afirmaram que a biotecnologia é, depois da tecnologia da informação, o novo segmento das economias baseadas no conhecimento. Reconheceram que a indústria biotecnológica dos Estados Unidos começou mais cedo, gera um nível de receitas mais de três vezes o da indústria européia, emprega muito mais gente, encontra-se mais capitalizada e, sobretudo, tem mais produtos na forja. Reconheceram também que a revolução das ciências da vida e da biotecnologia é mundial, que um número crescente de países dedicam-se ativamente à biotecnologia, e que os produtos e serviços resultantes serão cada vez mais comercializados nos mercados, com benefícios acrescidos para os primeiros inovadores. Reconheceram, ainda, que o êxito de qualquer economia baseada no conhecimento reside na produção, divulgação e aplicação de novos conhecimentos; que as ciências da vida e a biotecnologia prometem ser, no futuro, uma fonte inesgotável de criação de riqueza, empregos, muitos dos quais altamente especializados, e de novas oportunidades de investimentos; e que se a Europa quiser colher os frutos deste segmento, deverá dispor da capacidade para transformar os conhecimentos em novos produtos, processos e serviços, que por sua vez gerarão benefícios para a sociedade, empregos especializados e prosperidade. Diante do que foi argumentado, fica evidente que o povo que acreditar no potencial das ciências da vida e da biotecnologia, da forma como tem feito os Estados Unidos e a União Européia, terá mais êxito do que aquele que acreditar em campanha que inviabiliza a biotecnologia oriunda da engenharia genética, ou que acreditar que o avanço da engenharia genética produzirá uma esquisita civilização com fisionomia peçonhenta e não benefícios para a sociedade. Reginaldo Lopes Minaré Consultor Jurídico [email protected]