UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO Disciplina: Metodologia da Pesquisa Professores: NELSON CERQUEIRA, RODOLFO PAMPLONA e HERON SANTANA RODRIGO PORTELA FRANCO Durkheim, Êmile. As Regras do método sociológico Salvador 2012 RODRIGO PORTELA FRANCO TRABALHO SOBRE AS REGRAS DO MÉTODO SOCIOLÓGICO DE ÊMILE DURKHEIM Fichamento apresentado como requisito parcial de avaliação na disciplina Metodologia da Pesquisa Científica do Mestrado de Direito Público da Universidade Federal da Bahia SALVADOR MARÇO DE 2012 Antes de procurar qual método convém ao estudo dos fatos sociais, importa saber quais fatos chamamos assim. A questão é ainda mais necessária porque se utiliza essa qualificação sem muita precisão. Ela é empregada correntemente para designar mais ou menos todos os fenômenos que se dão no interior da sociedade, por menos que apresentem, com uma certa generalidade, algum interesse social. Mas, dessa maneira, não há, por assim dizer, acontecimentos humanos que não possam ser chamados sociais. Todo indivíduo come, bebe, dorme, raciocina, e a sociedade tem todo o interesse em que essas funções se exerçam regularmente. Portanto, se esses fatos fossem sociais, a sociologia não teria objeto próprio, e seu domínio se confundiria com o da biologia e da psicologia. Mas, na realidade, há em toda sociedade um grupo determinado de fenômenos que se distinguem por caracteres definidos daqueles que as outras ciências da natureza estudam. Eis portanto uma ordem de fatos que apresentam características muito especiais: consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se impõem a ele. Por conseguinte, eles não poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos, já que consistem em representações e em ações; nem com os fenômenos psíquicos, os quais só têm existência na consciência individual e através dela. Esses fatos constituem portanto uma espécie nova, e é a eles que deve ser dada e reservada a qualificação de sociais. Essa qualificação lhes convém; pois é claro que, não tendo o indivíduo por substrato, eles não podem ter outro senão a sociedade, seja a sociedade política em seu conjunto, seja um dos grupos parciais que ela encerra: confissões religiosas, escolas políticas, literárias, corporações profissionais, etc. Por outro lado, é a eles só que ela convém; pois apalavra social só tem sentido definido com a condição de designar unicamente fenômenos que não se incluem em nenhuma das categorias de fatos já constituídos e denominados. Eles são portanto o domínio próprio da sociologia. É verdade que a palavra coerção, pela qual os definimos, pode vira assustar os zelosos defensores de um individualismo absoluto. Aliás, pode-se confirmar por uma experiência característica essa definição do fato social: basta observar a maneira como são educadas as crianças. Quando se observam os fatos tais como são e tais como sempre foram, salta aos olhos que toda educação consiste num esforço contínuo para impor à criança maneiras de ver, de sentir e de agir às quais ela não teria chegado espontaneamente. Desde os primeiros momentos de sua vida, forçamolas a comer, a beber, a dormir em horários regulares, forçamo-las à limpeza, à calma, à obediência; mais tarde, forçamo-las para que aprendam a levar em conta outrem, a respeitar os costumes, as conveniências, forçamo-las ao trabalho, etc., etc. Se, com o tempo, essa coerção cessa de ser sentida, é que pouco a pouco ela dá origem a hábitos, a tendências internas que a tornam inútil, mas que só a substituem pelo fato de derivarem dela. É verdade que, segundo Spencer, uma educação racional deveria reprovar tais procedimentos e deixar a criança proceder com toda a liberdade; mas como essa teoria pedagógica jamais foi praticada por qualquer povo conhecido, ela constitui apenas um desideratum pessoal, não um fato que se possa opor aos fatos que precedem. Ora, o que torna estes últimos particularmente instrutivos é que a educação tem justamente por objeto produzir o ser social; pode-se portanto ver nela, como que resumidamente, de que maneira esse ser constituiu-se na história. Essa pressão de todos os instantes que sofre a criança é a pressão mesma do meio social que tende a modelá-la à sua imagem e do qual os pais e os mestres não são senão os representantes e os intermediários. Não é possível definir o fato social pela sua generalidade no interior da sociedade. O fato social generaliza-se por ser social, mas não é social porque se generaliza. Um grupo determinado de fenômenos que se distinguem por características acentuadas dos estudados pelas outras ciências da natureza. Se existiam antes deles é porque existem fora deles. A consciência pública reprime todos os atos que as ofendam através da vigilância que exerce sobre o comportamento dos cidadãos e das penas especiais de que dispõe. O termo social só ter um sentido definido se designar apenas os fenômenos que não entram em nenhuma das categorias de fatos já constituídas ou denominadas. Eles são, portanto o domínio próprio da sociologia. Que só há fatos sociais onde houver organização definida. Mas há outros fatos que, sem apresentar estas formas cristalizadas, têm a mesma objetividade. São as denominadas correntes sociais. A educação ter justamente por objetivo fazer o ser social. Nela se pode ver, como esse ser se constituiu na história. Sua generalidade porém, não serve para caracterizar os fenômenos sociológicos. Um fenômeno não pode ser coletivo se não for comum a todos os membros da sociedade ou, pelo menos, à maior parte deles, portanto, se não for geral. Um fato social reconhece-se pelo poder de coerção externa que exerce ou o suscetível de exercer sobre os indivíduos. A coerção é fácil de verificar quando se traduz exteriormente por uma reação direta da sociedade, os fatos sociais que tomamos como base são todos modos de fazer; há também maneiras de ser coletivas. Quando se quer conhecer a maneira como uma sociedade é dividida politicamente. É somente por meio do direito público que é possível estudar essa organização,se a população se aglomera nas nossas cidades em vez de se dispersar pelos campos é porque há uma corrente de opinião, um impulso coletivo que impõe aos indivíduos esta concentração. A estrutura política de uma sociedade é apenas a maneira como os diferentes segmentos que a compõem se habituaram, a viver uns com os outros. A primeira regra e a mais fundamental é considerar os fatos sociais como coisas. No momento em que uma nova ordem de fenômenos torna-se objeto de ciência, eles já se acham representados no espírito, não apenas por imagens sensíveis, mas por espécies de conceitos grosseiramente formados. Antes dos primeiros rudimentos da física e da química, os homens já possuíam sobre os fenômenos físico-químicos noções que ultrapassavam a pura percepção, como aquelas, por exemplo, que encontramos mescladas a todas as religiões. É que, de fato, a reflexão é anterior à ciência, que apenas se serve dela com mais método. O homem não pode viver em meio às coisas sem fórmar a respeito delas idéias; de acordo com as quais regula sua conduta. Acontece que, como essas noções estão mais próximas de nós e mais ao nosso alcance do que as realidades a que correspondem, tendemos naturalmente a substituir estas últimas por elas e a fazer delas a matéria mesma de nossas especulações. Em vez de observar as coisas, de descrevêlas, de compará-las, contentamo-nos então em tomar consciência de nossas idéias, em analisá-las, em combinálas. Em vez de uma ciência de realidades, não fazemos mais do que uma análise ideológica. Por certo, essa análise não exclui necessariamente toda observação. Pode-se recorrer aos fatos para confirmar as noçôes ou as conclusões que se tiram. Mas os fatos só intervêm então secundariamente, a título de exemplos ou de provas confirmatórias; eles não são o objeto da ciência. Esta vai das idéias às coisas, não das coisas às idéias. Em vez de uma ciência de realidades, não fazemos senão uma mera análise ideológica. É óbvio que um método como este não poderia dar resultados objetivos. Experiência vulgar, eles têm, antes de tudo, como objetivo, pôr as nossas ações em harmonia com o mundo que nos rodeia; são formados pela prática e para ela. Ora uma representação pode ser capaz de desempenhar de forma útil este papel, sendo ao mesmo tempo, teoricamente falsa. Comte, é certo, proclamou que os fenômenos sociais são fatos naturais, submetidos a leis naturais. Reconheceu-lhes, assim, o caráter de coisas, visto que na natureza só há coisas. Mas quando, ao sair destas generalidades filosóficas, tenta, aplicar o seu princípio e extrair dele a ciência que nele estava contida, são idéias que toma como objeto de estudo. Com efeito, a matéria principal da sua sociologia é o processo da humanidade no tempo. Parte da idéia de que há uma evolução contínua do gênero humano. Em síntese, Comte tomou a noção que tinha do desenvolvimento histórico, e que não difere muito da vulgar, pelo próprio desenvolvimento. Spencer diz que “há uma cooperação espontânea que se efetua sem premeditação quando se tenta atingir fins de caráter privado; e há também uma cooperação conscientemente instituída que supõe fins de interesse público nitidamente reconhecidos”. Denomina as primeiras de sociedades industriais; as segundas, de militares. Porém tal definição inicial enuncia como uma coisa aquilo que não é senão uma visão do espírito. Tal afirmação não é cientificamente legítima, a menos que tenha começado a examinar todas as manifestações da existência coletiva e demonstrando que todas elas são formas diversas da cooperação. Todas as perguntas que de ordinário a ética se põe dizem respeito, não a coisas, mas a idéias; trata-se de saber em que consiste a idéia do direito, a idéia da moral, e não qual é a natureza da moral e do direito em si mesmos. Veja-se, por exemplo, a famosa lei da oferta e da procura. Nunca foi estabelecida indutivamente, como expressão da realidade econômica; jamais foi instituída uma experiência, uma comparação metódica, para estabelecer que, de fato, é segundo esta lei que se processam as relações econômicas. Tudo quanto se pôde fazer e tudo quanto se fez foi demonstrar dialeticamente que os indivíduos devem proceder assim para orientar bem os seus interesses; mas esta necessidade muito lógica não se parece em nada com a necessidade que as verdadeiras leis da natureza apresentam. Em suma, são meros conselhos de sabedoria prática contudo, os fenômenos sociais são coisas e devem ser tratados como coisas. Tratar fenômenos como coisas é tratá-los na qualidade de data que constituem o ponto de partida da ciência. O que nos é dado não é a idéia que os homens têm do valor, pois ela é inacessível; são os valores que se trocam realmente no decurso das relações econômicas. Não é uma ou outra concepção do ideal moral; é o conjunto das regras que determinam efetivamente o comportamento. Ora, já vimos que os fatos sociais têm esta propriedade. Longe de serem um produto da nossa vontade, determinam-na do exterior; são como moldes nos quais temos a necessidade de vazar as nossas ações. Porque pretende utilizar apenas conceitos cientificamente elaborados, isto é, construídos segundo o método que estabeleceu; todos os que provêm de outra origem devem, pois, ser rejeitados, pelo menos provisoriamente. Vimos já que a teoria dos ídolos tem, em bacon, o mesmo sentido. As duas grandes doutrinas, tantas vezes consideradas como opostas, concordam neste ponto essencial, o que torna esta libertação particularmente difícil em sociologia é o fato de o sentimento entrar muitas vezes em jogo. Entusiasmamo-nos, efetivamente, com as nossas crenças políticas qualquer opinião que as incomode é tratada como inimiga. Paixão, para se justificar, não hesita em sugerir razões que facilmente achamos decisivas. Definir aquilo de que trata, para que se saiba e para que ele saiba bem o que está em causa. Nunca tomar como objeto de investigação senão um grupo de fenômenos previamente definidos por certas características exteriores que lhes sejam comuns, e incluir na mesma investigação todos os que correspondam a esta definição. Físico substitui as vagas impressões que a temperatura ou a eletricidade produzem pela representação visual das oscilações do termômetro e do eletrômetro. O sociólogo deve ter as mesmas precauções. Os caracteres exteriores em função dos quais define o objeto das suas pesquisas devem ser tão objetivos quanto possível. Quando o sociólogo empreende a exploração de uma ordem qualquer de fatos sociais, deve esforçar-se por considerá-los sob um ângulo em que eles se apresentem isolados das suas manifestações individuais. 1. Como você acredita que o texto irá ser útil em sua dissertação? Durkheim é considerado o pai da sociologia moderna principalmente por criar o que ele passa a chamar de método sociológico, o objetivo dele era aproximar a sociologia das ciências exatas, dar exatidão à analise sociológica. Sem sombra de dúvidas que as ideias dele já estão sendo ultrapassadas, que o objetivo das ciências sociais não é virar uma matemática, afinal nem a matemática é tão exata assim. Mas perceber que existe sim um método e que a análise social deve ser levada em conta é uma grande contribuição que o pensamento de Durkheim trás ao meu projeto.