IV Seminário de Iniciação Científica www.prp.ueg.br www.ueg.br História Social do Naturalismo Einstein Augusto da Silva1 , 4 Nildo Silva Viana (Coord.)2 , 4 Renato Dias de Souza 3 ,4 RESUMO A pesquisa teve como objeto de estudo a história social do naturalismo brasileiro. O objetivo foi reconstituir o processo de formação social deste movimento literário, o que nos remeteu ao estudo de seu surgimento na Europa e seu contexto, e, posteriormente, a sua reprodução no Brasil, com seu contexto sócio-histórico específico. A análise das obras literárias assumiu importância para perceber suas características peculiares, elemento importante para estabelecer sua relação com os processos sociais e culturais que contribuíram com sua emergência. Para efetivar a pesquisa realizamos uma revisão bibliográfica referente ao estudo sobre a relação literatura e sociedade, e colocamos a indissociabilidade entre história da sociedade e história da literatura. Posteriormente, analisamos o processo histórico de engendramento do naturalismo na Europa, através da percepção dos processos de mudança social que fizeram emergir este movimento literário. Após isto, abordamos brevemente o contexto social em que houve a emergência do naturalismo brasileiro, analisando o seu processo social de gestação e suas características, em comparação com o naturalismo europeu, visando descobrir a especificidade do naturalismo brasileiro a partir de suas diferenças com o naturalismo europeu. O processo de colonização cultural de nosso país forneceu a chave explicativa para compreender a especificidade do naturalismo brasileiro. Palavras-chave: Naturalismo, Literatura, Individualismo. INTRODUÇÃO O objeto de estudo em nossa pesquisa é o naturalismo no Brasil. Este movimento literário já foi abordado por alguns pesquisadores e historiadores (Tinhorão, 1966; Werneck Sodré, 1965) mas de forma não sistemática, limitada, pois o pequeno livro de Tinhorão tem a maioria de suas páginas dedicada ao contexto histórico e poucas páginas dedicadas ao naturalismo, além de sua concepção mecanicista, que empobrece a análise. Já o livro de Werneck Sodré aborda principalmente o naturalismo na Europa e apenas no final do livro, no último capítulo, trata do naturalismo no Brasil. Isto sem colocar que sua abordagem também padece do mecanicismo. Os livros de História da Literatura raramente realizam uma história social da literatura, buscando compreender a gênese social deste movimento literário. O naturalismo nasce na Europa e logo chega na sociedade brasileira. Para alguns autores, Zola é o grande representante do naturalismo europeu e juntamente com Eça de Queiroz, em Portugal, vão garantir um espaço no mundo literário e promover uma forte influência no movimento naturalista no Brasil (Sodré, 1965). É no Estado do Ceará que este movimento vai se desenvolver com maior força, mas também terá presença marcante no Maranhão e em outros estados. Um dos seus grandes representantes no Brasil será Aluísio Azevedo. O naturalismo representou um dos capítulos mais importantes da literatura brasileira e uma análise fundada na sociologia da literatura e outras contribuições tem o papel de resgatar sua importância e parte da história da cultura brasileira. Para a realização da pesquisa retomamos a contribuição de vários historiadores e sociólogos que abordaram a arte e a literatura (Duvignaud, 1970; Canclini, 1979; Bastide, 1979; Francastel, 1982; Hauser, 1984; Lukács, 1 Voluntário Iniciação Científica PVIC/UEG; 2 Pesquisador – Orientador; 3 Bolsista PBIC/UEG; 4 Curso de História, UnUCSEH/UEG. 610 IV Seminário de Iniciação Científica www.ueg.br www.prp.ueg.br 1970; Vázquez, 1978; Lukács, 1968; Prévost, 1976; Goldmann, 1976; Lefebvre, 1978; Jameson, 1985; Barbu, 1975; Eagleton, 1997), que são o ponto de partida teórico e referência para a análise e pesquisa. A relação entre literatura e sociedade nos remete, também, a outras questões, tal como a questão das classes sociais, da mentalidade, da cultura (Barbu, 1975), bem como o contexto histórico-social implícito nos elementos referidos. A literatura é constituída socialmente, seus temas, problemas, concepções, etc., são produtos sociais, veiculadas através do autor, que expressa uma consciência individual que é, ao mesmo tempo, social e que é constituída no conjunto das relações sociais travadas pelo indivíduo. A história da literatura só pode ser compreendida no interior da história da sociedade (Viana, 1997). M ATERIAL E M ÉTODOS A pesquisa teve como ponto de partida a leitura das principais obras naturalistas, pois o seu estilo, temas, conteúdo, valores exp ressos, são fundamentais para analisar sua relação com o processo social e suas relações com a sociedade da época. O nome de Aluísio de Azevedo se destaca, bem como suas obras O Mulato, O Cortiço e Casa de Pensão. Outros autores e obras se destacam: A Normalista, de Adolfo Caminha; A Carne, de Júlio Ribeiro, entre outras, são representativas deste movimento. Neles podemos observar uma forma literária peculiar ligada às mudanças sociais na sociedade brasileira e no mundo, reconhecendo a influência cultural européia, principalmente francesa e portuguesa. No entanto, escolhemos apenas uma obra para focalizar e realizar a análise, sendo O Mulato a obra que consideramos representativa do movimento naturalista no Brasil, o que coincide com a percepção de vários pesquisadores que também tomam esta obra como a mais significativa do naturalismo brasileiro. A segunda etapa consistiu na análise de O Mulato, bem como o contexto sócio-histórico de seu surgimento na Europa e no Brasil, inclusive para ver as diferenças através da comparação. Os estudos sobre o naturalismo de Werneck Sodré (1965) e Tinhorão (1966), ao lado das contribuições de autores que estudaram de forma mais geral a história da literatura brasileira, também foram importantes em nossa pesquisa. Após a concretização desta parte, realizamos a análise de sua gênese social, o seu processo social de formação, o que nos remeteu ao estudo da Europa e principalmente do Brasil na segunda metade do século 19. RESULTADOS E D ISCUSSÃO A época do surgimento do naturalismo é o século 19. Esta fase da sociedade capitalista é marcada por várias mudanças. Até 1840 temos determinada situação de extensas jornadas de trabalho, de participação política restrita das classes sociais desprivilegiadas, mas que 611 IV Seminário de Iniciação Científica www.ueg.br www.prp.ueg.br realizam suas ações e que marcam uma crise e tentativa de solução da crise durante os anos 40 até 50, quando emerge uma forte onda de lutas operárias, que culminam com a Comuna de Paris. Este processo mostra a crise do regime de acumulação extensivo e passagem para o regime de acumulação intensivo (Viana, 2003).. Estas mudanças na esfera sócio-econômica possuem ressonâncias em outras esferas sociais. Na esfera cultural, as idéias de progresso e de ciência, acabam se tornando hegemônicas e dominantes. Isto, sem dúvida, vai se refletir no mundo das artes, especialmente na literatura. Zola diria que “vivemos na era do trem de ferro, do telefone elétrico e outras maravilhas mecânicas” (apud. Sodré, 1965, p. 19). Zola foi o grande nome do naturalismo e foi justamente neste período que a sua obra se destacou, de 1867 a 1893. Ele busca se inspirar no pensamento científico e na medicina de Claude Bernard para enfatizar a observação, a experimentação, em sua visão determinista da realidade (Marin, 1991). Em Portugal surgirá outro grande nome do naturalismo: Eça de Queiroz, um dos fundadores do naturalismo em Portugal aparece a partir de sua obra O Crime do Padre Amaro (1877). O naturalismo no Brasil nasce a partir da influência da literatura européia e destes dois literatos naturalistas. A época de surgimento do naturalismo no Brasil é marcada pela transição do escravismo colonial para o capitalismo. O Brasil passou da situação colonial para a situação neocolonial, ficando inserido na estrutura do capitalismo mundial de forma subordinada, o que gerou também a subordinação cultural. Foi neste contexto que as idéias européias exerciam grande influência na sociedade brasileira, tal como o positivismo e, no plano literário, o naturalismo. Neste contexto também ocorre uma expansão das profissões liberais e dos intelectuais enquanto camada social (Tinhorão, 1966). A ortodoxia do naturalismo brasileiro, segundo Sodré, se prendeu fundamentalmente aos “aspectos mórbidos” e ele cita como exemplos Fome (Rodolfo Teófilo); A Luta (Carmem Dolores); Alma em Delírio (Canto e Melo); Morbus (Faria Neves Sobrinho); O Homem (Aluísio Azevedo); A Normalista (Adolfo Caminha), entre outras obras. Assim, notamos que o naturalismo possui uma origem social e histórica delimitada e que isto produz uma determinada produção literária. Embora seguindo o naturalismo europeu, por não possuir as mesmas bases sociais, acabava promovendo uma determinada produção que se diferenciava da versão européia. Devido a questão de espaço, teremos que selecionar uma obra, O Mulato, de Aluísio Azevedo, para fazermos a análise. 612 IV Seminário de Iniciação Científica www.ueg.br www.prp.ueg.br O primeiro elemento a destacar é o domínio temático de O Mulato. Ora, o tema reproduz uma questão que é típica da sociedade brasileira, especialmente as relações raciais que se vê não somente na escravidão como na opressão sexual da escrava e do destino de um filho de uma escrava, um “mulato”, fruto da miscigenação racial. No interior do tema ainda temos a tragédia – os assassinatos, o enlouquecimento, etc. – e a decadência civilizatória expressa no clero. Aqui temos não somente o procedimento naturalista de optar pelo mórbido e por situações trágicas e decadentes, como este procedimento aplicado à realidade brasileira. A diferença com o naturalismo europeu reside não somente na realidade que é pano de fundo da narração mas também no foco individual ao invés do coletivo, ou seja, enquanto Zola retratava os mineiros e camponeses, isto é, grupos sociais, Aluísio Azevedo retratou um indivíduo, um mulato. A precariedade da situação social de um grupo social é substituída pela precariedade moral de alguns indivíduos. Outro elemento que se observa na narração é o determinismo característico do naturalismo. Um filho de uma escrava acaba sofrendo um destino que é tão trágico quanto o da mãe. A narrativa é de caráter mórbido, tal como se vê no trecho abaixo: “A Praça da Alegria apresentava um ar fúnebre. De um casebre miserável, de porta e janela, ouviam-se gemer os armadores enferrujados de uma rede e uma voz tísica e aflautada de mulher, cantar em falsete a ‘gentil Carolina era bela’, doutro lado da praça, uma preta velha, vergada por imenso tabuleiro de madeira, sujo, seboso, cheio de sangue e coberto por uma nuvem de moscas, apregoava em tom muito arrastado e melancólico: ‘fígado, rins e coração!’ Era uma vendedeira de fatos e boi” (Azevedo, 2004, p. 5). Este trecho deixa entrever as preferências narrativas do autor. As descrições detalhadas da miséria, da sujeira, da tristeza, da imoralidade, permeiam esta obra. Isto é notado e feito sob diversas formas, tal como quando o autor narra o episódio no qual o tio de Raimundo conta sua história de vida e sua origem, o que lhe fez compreender a forma como foi recebido pela população da cidade de São Luís. Ele era um mulato e isto explicava o afastamento de uns, o medo de outros, o preconceito de mais uns tantos. Assim, o mulato Raimundo era desprezado e também desprezava, num círculo de reprodução da maldade humana. O indivíduo é o foco e não grupos sociais mas ele é vítima de uma situação social, onde se manifesta o determinismo. A justificativa disso se encontra nas relações sociais. Sem dúvida, a classe operária brasileira somente irá surgir e aparecer na cena política no início do século 20, porém, Zola abordou outros grupos sociais, como os camponeses e no Brasil existiam diversos outros grupos sociais que poderiam ter sido transpostos para obras literárias naturalistas. 613 IV Seminário de Iniciação Científica www.ueg.br www.prp.ueg.br A explicação da gênese do naturalismo europeu encontra-se nas mudanças sociais da Europa, no qual o romantismo é substituído pelo realismo e, pouco depois, pelo naturalismo, formando as bases do processo de engendramento de uma nova fase do capitalismo europeu. O naturalismo brasileiro, por sua vez, pode ser explicado pela colonização cultural, que provoca uma transposição sem que as bases sociais sejam as mesmas, o que produz algumas diferenças. A emergência, no Brasil, de um grupo de literatos acompanhando o processo de urbanização e formação das academias, tal como no Ceará e Maranhão. A questão é que os literatos europeus se encontravam diante de um processo social marcado pelo conflito de classes entre burguesia e proletariado, enquanto que no Brasil o conflito se dava entre classe escravocrata e classe escrava num processo de abolição da escravidão marcada não por revoluções violentas, mas pela tentativa de parte da classe dominante em “doar” a liberdade aos escravos. Assim, os grupos sociais existiam no Brasil, mas estavam se desarticulando enquanto grupos, e a debilidade desta classe dominante diante dos países europeus, formava uma base social no qual os literatos não conseguiam identificar grupos sociais protagonistas e por isso se dedicavam ao indivíduo, submetido a um determinismo ainda mais cruel do que o encontrado no naturalismo europeu. CONCLUSÕES Neste sentido, a compreensão do naturalismo no Brasil passa pela percepção da colonização cultural, ao produzir “idéias fora do lugar” (Schwarz, 1988), produz um naturalismo colonizado, cuja característica consiste em não retratar grupos sociais e sim indivíduos que, no entanto, podem ser considerados representativos de uma nação colonizada que quer autonomia, reconhecimento, tal como se pode observar no trecho em que Aluísio Azevedo descreve Raimundo, “tipo acabado de brasileiro”, era expressão da miscigenação racial, tendo boa aparência e elegância, amante da arte, ciência e literatura, mas “bem educado”, “despido de pretensão”, o que coloca simultaneamente a questão da beleza e da cultura convivendo simultaneamente com a humildade. Aqui se revela o misto de orgulho e sentimento de inferioridade de um indivíduo, que, no fundo, representa uma nação. A origem oculta é a outra face da miscigenação racial, pois o Brasil nasce como colônia portuguesa, mas tem na África uma fonte de parte de seus habitantes. Este sentimento de inferioridade e humildade de Raimundo, que é ao mesmo tempo endinheirado e possuindo outras qualidades, mostra bem os valores dos literatos brasileiros emergentes, colocando eles enquanto os representantes da nação, pois dotados de cultura, beleza, educação, embora visto com 614 IV Seminário de Iniciação Científica www.ueg.br www.prp.ueg.br preconceito e carregando em si um sentimento de inferioridade. Tal sentimento, embora não fosse exclusividade da intelectualidade, repercutia sob a forma intelectual e literária sobre esta camada social. Desta forma, o naturalismo brasileiro se insere no contexto social da sociedade brasileira de sua época. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, A. O Mulato. São Paulo, Germape, 2004. BARBU, Z. Perspectivas Sociológicas em Arte e Literatura. In: CREEDY, Jean (Org). 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