!""# Capítulo III DINÂMICA 1. Introdução Dinâmica é, por definição, o estudo da relação entre o movimento dos corpos e as suas causas. Tal como no capítulo anterior, neste capítulo iremos estudar a dinâmica de corpos que, pelas suas dimensões, se podem reduzir a um ponto. Esta aproximação, que é válida em muitas circunstâncias, designa-se por aproximação do ponto material. A Dinâmica de um corpo cujas dimensões não podem ser desprezadas será abordada no capítulo V dedicado ao estudo do corpo rígido. Como vimos em Cinemática, a posição de um ponto material é descrita pelo seu vector posição, , e o movimento é descrito pela sua variação, que se caracteriza pelas grandezas velocidade e aceleração = = = As causas dos movimentos são atribuídas às Forças. O conceito de força é um conceito intuitivo a que a Dinâmica irá dar uma descrição formal. A força, tal como as grandezas que caracterizam o movimento, é uma grandeza vectorial, tem um módulo, uma direcção e um sentido. As forças traduzem interacções entre corpos, que podemos genericamente agrupar em acções de “contacto” de um corpo sobre outro (atrito, tensão num fio, reacção normal, impulsão) ou acções “à distância” de um campo (o campo gravitacional, o campo eléctrico, o campo magnético). Até Galileu, a interpretação da relação entre as forças e o movimento foi dominada pelos conceitos dos filósofos gregos, como Aristóteles. Para estes pensadores, a acção de uma força constante deveria provocar um movimento com velocidade constante. Aumentando a força observaríamos um aumento da velocidade do corpo. Esta interpretação parecia funcionar bem para os corpos que eram puxados mecanicamente, como uma quadriga atrelada a cavalos, mas tinha imensa dificuldade em explicar o movimento de projécteis. Nos projécteis, após o lançamento inicial não há aparentemente nenhuma força a actuar e no entanto eles movem-se. Para explicar o movimento dos projécteis os filósofos gregos eram obrigados a postular uma interacção complicada com o ar, dizendo que o projéctil empurrava o ar à sua fronte que formaria turbilhões de tal forma que esses turbilhões empurrariam o projéctil por trás. Esta explicação parecia ser suficiente para uma Filosofia que se baseava sobretudo no pensamento e não na observação. Tudo isto mudou com Galileu que, através da experimentação, concluiu sobre a verdadeira relação entre as forças e o movimento. Galileu terá enunciado esta relação através da sua Lei da Inércia de Galileu, que mais tarde foi aproveitada por Newton para apresentar aquilo que é hoje conhecida como a 1ª lei de Newton. Cap.3-1 !""# 2. As 3 leis de Newton 2.1 A 1ª lei de Newton, ou lei da Inércia “Na ausência de qualquer força, um corpo ou está em repouso, ou tem movimento rectilíneo uniforme”. Esta lei encerra vários ensinamentos. Quando a lei se refere ao repouso ou ao movimento rectilíneo uniforme, isto representa movimentos em que o vector velocidade é constante, = , isto é, são movimentos em que o vector aceleração é nulo, = . Por isso, podemos entender a primeira lei como dizendo que, quando a força é nula, então a aceleração também é nula = = = Este enunciado contraria de todo o conceito filosófico aceite até então relativo á dinâmica dos corpos em movimento. Se a força não for nula, então a consequência será, não uma velocidade constante, mas sim uma variação da velocidade, uma aceleração diferente de zero, isto é, forças causam acelerações ≠ ∆ ≠ ≠ Uma outra maneira de ler a 1ª lei de Newton, ou a lei da Inércia, é dizer que um corpo só altera o seu estado de repouso ou de movimento rectilíneo uniforme (MRU), se sofrer a acção de forças. Isto é, os corpos resistem naturalmente à alteração do seu estado de repouso ou MRU. Chamamos Inércia precisamente a esta propriedade dos corpos em resistir à mudança do seu estado de repouso ou MRU. Quanto mais difícil for alterar o seu estado, maior será a sua inércia. 2.2 A 2ª lei de Newton, a lei fundamental da Dinâmica A observação da relação entre as forças e as acelerações por elas provocadas levou ao enunciado da 2ª lei de Newton ou a lei fundamental da Dinâmica: “As forças são directamente proporcionais às acelerações que produzem e o coeficiente de proporcionalidade chama-se massa.” Esta lei é mais conhecida pela sua expressão formal = Esta lei introduz uma nova grandeza, , que é a massa inercial, ou simplesmente massa. Se imaginarmos que uma mesma força actua sobre diferentes corpos com massas diferentes, a 2ª lei de Newton diz-nos que a aceleração produzida vale = isto é, a aceleração produzida é inversamente proporcional à sua massa. Vemos assim que esta grandeza, massa, mede a resistência que o corpo oferece à alteração do seu estado de repouso ou de movimento rectilíneo uniforme pela acção de uma força, a massa mede a inércia do corpo. A massa é uma grandeza fundamental no Sistema Internacional de unidades (SI) e a sua unidade é o quilograma, (notar o “k” Cap.3-2 !""# minúsculo). Pela 2ª lei de Newton, a força passa a ser uma grandeza derivada que se define em função da aceleração, uma grandeza cinemática, e do conceito de massa inercial. As -2 dimensões de força são M.L.T (onde M representa massa, L comprimento e T o tempo). Em homenagem a Newton, a unidade de força tem um nome particular que vale precisamente newton (notar a letra pequena no nome da unidade) = Um representa a força que é necessário exercer sobre uma massa de para lhe imprimir uma aceleração de . Vejamos algumas consequências da 2ª lei de Newton. Se um corpo for actuado por uma força constante então ele sofrerá um movimento com aceleração constante. Como vimos da cinemática, se o movimento for rectilíneo então ele será uniformemente variado, mas se o movimento for curvilíneo, então o movimento será apenas variado. Um exemplo consiste no lançamento de projécteis nas proximidades da superfície da Terra, que está sujeito a uma aceleração constante. O primeiro caso corresponde ao movimento de um lançamento vertical, enquanto que o segundo caso corresponde a um lançamento oblíquo. O movimento circular uniforme, apesar de se processar com uma aceleração normal que é constante em módulo, a direcção e sentido estão sempre a variar e por isso a força que causa esse movimento não é uma força constante. Recordemos que a força é uma grandeza vectorial. mas ela de facto representa a No enunciado da 2ª lei fala-se apenas de uma força soma de todas as forças que estão aplicadas a um mesmo corpo, é a resultante das forças aplicadas. A força é uma grandeza aditiva e os seus efeitos somam-se, tal como se somam vectores = = Se a soma de todas as forças que actuam sobre um corpo for nula, então por consequência a aceleração resultante é nula e estamos nas condições designadas por Equilíbrio = = Este equilíbrio designa-se por estático, se tivermos simultaneamente que a velocidade é nula, = , ou dinâmico, se a velocidade for constante mas diferente de ≠ . zero, = Aparentemente, recuperamos com a condição de equilíbrio, a 1ª lei de Newton. Será que a 1ª lei é apenas um caso particular da 2ª lei? Primeiro devemos começar por notar que a 1ª lei é a lei que introduz o conceito de Inércia. Por outro lado, podemos interpretar a 1ª lei como sendo aquela que permite identificar os referencias nos quais as leis da dinâmica de Newton se aplicam. Estes referencias designam-se por referenciais inerciais. Os outros referenciais, nos quais não se verifica a 1ª lei, são os referenciais não-inerciais. Vamos ilustrar esta Cap.3-3 !""# interpretação da 1ª lei através de dois exemplos. Consideremos a situação de um astronauta que na sua nave espacial descreve uma trajectória circular em torno da Terra. O astronauta sabe que todos os corpos na proximidade da Terra são atraídos para o seu centro por uma força que os faz cair. O astronauta sabe por isso que ele e os objectos que o rodeiam estão a ser atraídos para a Terra por uma força. No entanto, quando ele se desloca na nave, ou larga um objecto no seu interior, todas as trajectórias são de movimento rectilíneo e uniforme, que pela 1ª lei de Newton, deveria corresponder à ausência de forças = ≠ Como a 1ª lei de Newton é violada, o que o astronauta pode concluir, correctamente, é que o seu referencial “nave espacial” não é um referencial inercial. Nele as leis de Newton não se verificam. A segunda situação corresponde à nossa experiência de nos deslocarmos num automóvel que descreve uma curva. No interior do automóvel em movimento rectilíneo uniforme todos os objectos estão em repouso e a aceleração é por isso nula. No entanto ao se descrever uma curva os objectos e o próprio condutor são atirados contra a janela, tendo um movimento em que a aceleração é diferente de zero. No entanto, não houve nenhuma força conhecida que possa ser responsável por esse estranho comportamento. Estamos aqui numa situação em que no referencial “condutor” se observam acelerações sem a presença de uma força responsável ≠ = Mais uma vez, o que o observador pode concluir é que o seu referencial não é um referencial inercial e nele as leis de Newton não se verificam. 2.3 A 3ª lei de Newton, a lei da acção e reacção Esta lei aplica-se a quaisquer interacções entre dois corpos, em que um actua sobre o outro. “A toda a acção de um corpo sobre outro corresponde uma reacção do segundo sobre o primeiro, de igual módulo e direcção mas com sentido oposto.” Para representar graficamente esta lei vamos considerar dois corpos A e B que actuam mutuamente um sobre o outro à distância, como se mostra na figura 1. Se for a força que A exerce sobre B, então pela lei da acção e reacção, o corpo A deve ser igualmente actuado por uma reacção exercida por B sobre A, , de tal forma que =− Devemos salientar que as forças identificadas como acção e reacção se exercem sobre corpos diferentes e por isso é errado dizer que se anulam mutuamente. Cap.3-4 !""# Quando damos uma palmada no tampo de uma mesa, estamos naturalmente a exercer uma força sobre a mesa. No entanto, a nossa mão também sente essa interacção, que pode mesmo ser dolorosa, é a força de reacção da mesa sobre a mão. 3. Algumas das principais forças que actuam sobre os corpos 3.1 O peso Todos os corpos que se encontram na vizinhança da Terra, acompanhando o seu movimento de rotação, são actuados por uma força que os atrai para um ponto próximo do centro da Terra. Esta força é o peso. É o próprio peso que define a direcção da vertical quando penduramos uma massa por um fio. O peso é por isso uma força vertical, de cima para baixo, como se mostra na figura 2. Esta força causa nos corpos um movimento com uma aceleração que é a aceleração da gravidade. Por isso definimos o peso pela expressão = =− onde é o módulo da aceleração da gravidade. 3.2 A reacção normal Trata-se de uma força de contacto que existe sempre que um corpo se encontra assente sobre uma superfície, ou quando se desloca sobre ela. Nestas circunstâncias, havendo contacto, o corpo exerce sempre uma força sobre a superfície, uma “pressão”, e a superfície reage com uma força que é a reacção normal. Esta força é sempre perpendicular à superfície de contacto e apontando para fora da superfície, e daí o seu nome de “normal” no sentido de perpendicular, como se mostra na figura 3. O valor da força depende das restantes forças aplicadas, uma vez que é uma força de “reacção”. Cap.3-5 !""# Quando um corpo está em contacto com uma superfície, o seu movimento só se pode realizar paralelamente a essa superfície. Por isso, o sistema de eixos mais adequado a estudar os movimentos de corpos com superfícies é o indicado na figura 3. Neste sistema de eixos (t) representa a direcção tangencial e (n) representa a direcção normal ao movimento. Como o movimento se confina apenas à direcção tangencial então a componente normal da aceleração deve ser nula e por consequência (2ª lei de Newton) também a componente normal da resultante de todas as forças deve ser nula, = = Isto significa que a reacção normal é aquela força que a superfície exerce sobre o corpo para o obrigar a deslocar-se paralelamente à superfície. Neste sentido podemos dizer que a reacção normal é uma força de ligação, pois ela restringe o movimento dos corpos. Exemplo 1: A queda por um plano inclinado sem atrito Consideremos um bloco de gelo de massa que desliza, sem atrito, por um plano inclinado, com uma inclinação α. Nesta situação, apenas duas forças actuam sobre o corpo, o peso, vertical, e a reacção normal, perpendicular ao plano. Como resultado desta acção, o corpo desliza pelo plano com uma aceleração tangencial ao plano. A 2ª lei de Newton escreve-se na sua forma vectorial como + = Para determinar o valor da aceleração com que cai o bloco de gelo devemos resolver esta equação. Para isso usamos o sistema de eixos indicado na figura e escrevemos cada um dos vectores nesse sistema de eixos = = Para o peso devemos efectuar a sua projecção segundo cada um dos eixos e notar o ângulo do triângulo rectângulo que é igual a α (assinalado na figura). A componente tangencial do peso, também designada por componente eficaz do peso, é o cateto oposto do triângulo rectângulo e por isso o seu valor será positivo (mesmo sentido do eixo) e igual à hipotenusa vezes o seno do ângulo. A componente normal do peso é negativa (sentido negativo do eixo) e sendo o cateto adjacente, o seu valor é igual à hipotenusa vezes o cosseno do ângulo = = α − α Usando esta representação dos vectores em termos das suas componentes escalares, podemos traduzir a 2ª lei de Newton vectorial num sistema de duas equações escalares = α= α + = → − α= = α Concluímos que a aceleração de um corpo que desce um plano inclinado sem atrito vale α Cap.3-6 !""# 3.3 A força de atrito Quando empurramos um móvel, ele inicialmente não se move e resiste à nossa acção. Aumentando o nosso esforço conseguimos vencer essa resistência e depois é possível deslocar o móvel, mas exercendo sempre uma força, pois há outra força de resistência, menor a vencer. Esta força de resistência que se manifesta quando duas superfícies deslizam uma sobre a outra ou se pretendem deslizar duas superfícies, é a força de atrito. Se as superfícies não deslizam, a força de resistência ao movimento é o atrito . Quando existe deslizamento entre as superfícies, temos atrito dinâmico estático, ou atrito cinético, . Quando aplicamos uma força tangencial a um objecto e ele não se desloca é porque esta força é exactamente contrariada pela força do atrito estático, como se mostra na figura 5 =− O atrito estático tem sempre uma direcção tangencial à superfície e o seu sentido é contrário ao da tendência de deslizamento entre as superfícies. Como sabemos por experiência própria, a força de atrito estático tem um limite a partir do qual se dá o deslizamento. Sabemos que o atrito estático máximo é directamente proporcional à força de contacto que se exerce (perpendicularmente) entre as superfícies, a reacção normal, e depende do material que constitui essas superfícies, assim como do grau de polimento das mesmas, é a lei do atrito estático máximo = − A constante de proporcionalidade, , é o coeficiente de atrito estático, que depende das superfícies em contacto. Trata-se de um número sem dimensões. O atrito cinético existe sempre que há deslizamento entre as superfícies. Mostra-se que, em primeira aproximação, este atrito não depende da velocidade, mas apenas da força de contacto que se exerce entre as superfícies, a reacção normal, e do material que constitui essas superfícies, é a lei do atrito cinético = A constante de proporcionalidade, , é o coeficiente de atrito cinético, um número sem dimensões que é função do tipo de superfícies em contacto. Da experiência que temos a empurrar objectos, sabemos que é mais fácil manter um corpo em movimento do que dar início ao movimento, isto é, que o atrito cinético é inferior em módulo ao atrito estático máximo, e por isso tem-se em geral que < Cap.3-7 !""# Exemplo 2: Um plano inclinado com atrito. Consideremos o plano na figura que pode rodar em torno do eixo E, variando assim a sua inclinação α . Ao contrário do exemplo 1, sem atrito, o corpo não cai inicialmente devido à força de atrito estático que contraria a tendência de queda do corpo. Aumentando a inclinação do plano atinge-se um ponto limite em que se dá o deslizamento. Este ponto limite ocorre quando o atrito atinge o seu valor máximo. Para determinarmos qual a relação que existe entre o ângulo limite e o valor do coeficiente de atrito estático, vamos resolver a 2ª lei de Newton para a situação que ocorre imediatamente antes do deslizamento + + − = Trata-se de uma situação de equilíbrio estático. Devemos recordar a lei do atrito estático máximo = − e que a força de atrito se escreve no sistema de eixos da figura como =− − − Reunindo esta expressão com as expressões do exemplo 1 para o peso e reacção normal, válidas também neste caso, podemos escrever o sistema de equações escalares para o equilíbrio do corpo imediatamente antes do deslizamento α− − = α= { − α= α= α = α = − Obtém-se finalmente a relação α= Uma relação que permite obter de forma experimental simples o coeficiente de atrito entre duas superfícies quaisquer. Uma vez iniciado o deslizamento, o corpo terá uma aceleração tangencial, como no exemplo 1, sujeita à acção de 3 forças, o peso, a reacção normal e o atrito cinético + + = Usando a decomposição dos vectores feita anteriormente, e recordando a lei do atrito cinético, podemos escrever α− = α− = − α= → = α− α = α = Podemos comparar este resultado com a aceleração sem atrito, que valia Cap.3-8 = α . !""# 3.4 A tensão em fios, a roldana e corpos ligados Em muitas situações reais ou em modelos de situações reais somos obrigados a considerar corpos ligados por fios. Como se mostra na figura 7, um fio para se manter esticado tem de estar e . As a ser actuado por duas forças nas duas extremidades, as tensões propriedades destas tensões dependem das características do fio. Nas aplicações que iremos estudar, vamos considerar os fios como ideais. 1) Um fio ideal é inextensível. Esta propriedade significa que podemos desprezar a deformação linear do fio quando estudamos o movimento de corpos ligados por fios. Por isso, os deslocamentos (e as velocidades e acelerações) nas duas extremidades do fio serão idênticos 2) Um fio ideal deforma-se facilmente com uma força qualquer não tangencial. Esta propriedade tem como consequência que as únicas forças que podem manter um fio esticado são forças tangenciais, ao longo da direcção do fio esticado. As tensões nos fios ideais sãos sempre forças com a direcção do fio esticado. 3) O fio ideal não tem massa. Para sabermos as consequências desta propriedade, devemos considerar a situação da figura 7 que obedece às propriedades anteriores. Escrevendo a 2ª lei de Newton para o fio, teremos + = = + = → =− isto é, as tensões aplicadas nas extremidades de um fio são iguais em módulo e simétricas. Quando um corpo está ligado por um fio, o que nos interessa estudar é o movimento e a dinâmica do corpo e não a dinâmica do fio, que foi apresentada nos parágrafos anteriores. No entanto, sabendo a 3ª lei de Newton, a lei da acção e reacção, se sabemos quais as forças que mantêm o fio esticado, então o fio deve exercer sobre o corpo ligado uma força exactamente simétrica. Essa reacção do fio esticado sobre o corpo designa-se também por tensão do fio, mas está aplicada no corpo e não no fio, como se mostra na figura 8. Podemos assim concluir que corpos ligados por fios ideais esticados sofrem sempre a acção de uma força de tensão que tem a direcção do fio esticado e o sentido aponta para o fio esticado. As tensões que o fio exerce sobre corpos nas duas extremidades são iguais em módulo. Exemplo 3: Um corpo suspenso por um fio. Um pêndulo é simplesmente um corpo suspenso por um fio preso a um suporte. Quando ele é deixado em repouso o fio toma a direcção do peso mostrando a direcção da vertical (eixo YY da figura). Se abandonarmos o corpo de um ponto afastado da vertical, o pêndulo irá oscilar segundo uma trajectória circular (a tracejado na figura). Para manter o pêndulo em equilíbrio num ponto diferente da vertical é necessário exercer uma força, a força da figura. Para calcular o valor dessa força Cap.3-9 !""# em função do ângulo de desvio do pêndulo da vertical, devemos considerar a equação do equilíbrio entre as forças aplicadas, peso, força e tensão no fio + + = Para traduzir esta equação vectorial num sistema de equações escalares, consideramos o sistema de eixos indicado na figura e a decomposição da tensão = α + α Podemos assim escrever − − + + α= α= = = α = α α α Como vimos através deste exemplo, um corpo suspenso por um fio não pode ter um movimento qualquer. O fio restringe esse movimento, obrigando o corpo a ter uma trajectória circular. Por isso, uma vez que a tensão no fio é a força que exerce essa restrição, também podemos considerar a força de tensão em fios como uma força de ligação. Como iremos ver, certos modelos físicos requerem que a direcção de aplicação das forças de tensão seja modificada pela acção de uma roldana, como se mostra na figura 10. Neste casos devemos usar as propriedades de uma roldana ideal, para a qual o atrito é nulo, isto é, o módulo das tensões não é alterado pela acção da roldana, apenas o seu sentido. Podemos assim dizer que as tensões aplicadas nas extremidades de fios ideais deformados por uma roldana ideal têm exactamente o mesmo módulo = = Exemplo 4: O modelo de uma placa em subducção. A figura 11 à esquerda mostra um esquema de uma zona de subducção onde a placa A choca com a placa B e mergulha sob ela. A placa A está sujeita a várias forças, como sejam as forças de resistência na região de colisão e o atrito no manto. A principal força motora para fazer cair a placa A no manto é o seu próprio peso, a litosfera oceânica é mais densa que o manto subjacente. A figura 11 à direita mostra Cap.3-10 !""# um modelo físico muito simples desta situação, representando a dinâmica apenas da placa A. A placa A está reduzida a dois blocos, 1 e 2, de massas idênticas. Ambos os blocos se deslocam sem atrito e o bloco 2 cai por um plano inclinado que faz um ângulo α com a horizontal. O estudo dinâmico desta situação envolve dois corpos ligados por um fio esticado cuja direcção é modificada por uma roldana. A figura 12a mostra o diagrama das forças que afectam ambas as massas. Para calcular a aceleração com que os corpos se deslocam, o procedimento recomendado consiste em analisar a situação dinâmica de cada corpo individualmente, para de seguida fazer a ligação entre ambos os corpos, atendendo que em módulo as acelerações são iguais = = = e também os módulos das tensões são iguais = = = A figura 12b mostra o diagrama de forças apenas para o corpo 1 e o sistema de eixos tangencial e normal adequado para a sua resolução. A 2ª lei de Newton aplicada a esta situação permite escrever + + = Esta equação traduz-se no sistema de equações escalares = − = onde já foram usadas as simplificações de índices permitidas pelas identidades anteriores. Para o corpo 2, que desce o plano inclinado, o diagrama de forças encontra-se representado na figura 12c. A 2ª lei de Newton aplicada a esta situação permite escrever + + = Esta equação traduz-se num sistema de equações escalares onde se faz a decomposição habitual do peso segundo os eixos tangencial e normal α− = − α= Usando o resultado do corpo 1 podemos escrever para a equação segundo o eixo tangencial α− = → = α → = α Recordemos que no caso de se ter apenas um bloco a cair pelo plano inclinado a Cap.3-11 !""# α . Esta situação sugere que se tivermos um total de n aceleração seria de = blocos de massa igual, um a descer o plano inclinado e (n-1) a deslizar α . horizontalmente sem atrito, a aceleração seria de = 4. O paradoxo geológico Estamos neste momento em condições de enunciar um problema que ocorre da observação dos fenómenos geológicos no terreno e a que podemos designar como paradoxo geológico. Da observação geológica sabemos que grandes blocos de rocha têm sofrido deslocamentos horizontais sobre outros blocos de rocha numa extensão variável que pode atingir várias centenas de quilómetros. Como podem estes deslocamentos ocorrer contra as forças de atrito? Esta situação está ilustrada nas pranchas das páginas seguintes. Se admitirmos que elas ocorrem por deslizamento gravítico, então para um = coeficiente de atrito estático moderado, , a superfície teria de ter uma , de acordo com os resultados do exemplo 2. Isto significa que inclinação de para se ter um movimento horizontal de !! , o desnível vertical deveria ser de "! , o que é manifestamente impossível (a tangente de valor 0.5 é o quociente entre o cateto oposto e o cateto adjacente dum triângulo rectângulo). Mesmo um movimento horizontal de ! exige um desnível vertical de " . A outra possibilidade é que o movimento seja provocado por forças tangenciais de origem tectónica. Esta força deve ser superior ao atrito estático máximo, ou seja, para um movimento horizontal como o indicado na figura 13, deveremos verificar as seguintes relações, + = → = > − → > → > usando o mesmo valor do coeficiente de atrito estático que anteriormente. Os estudos efectuados de mecânica das rochas mostram que estas forças tectónicas adicionais, superiores a metade do peso, são superiores à resistência das rochas, devendo a sua aplicação levar à destruição das rochas. Este é o enunciado do paradoxo geológico. Como é que é possível efectuar o deslocamento de grandes massas de rocha a grandes distâncias sem um desnível acentuado e sem causar a sua destruição pelas forças aplicadas? A resposta a este paradoxo encontra-se no comportamento de fluidos que será apresentado num capítulo posterior. Cap.3-12 !""# Prancha –1 Cap.3-13 !""# Prancha – 2 5. Densidade, porosidade e força de impulsão 5.1 A densidade Em muitas situações reais, particularmente em Geologia e Geofísica, não é possível conhecer a massa de um dado corpo ou rocha, no entanto é possível conhecer o seu volume e o tipo de material que o constitui. A massa, sendo uma propriedade extensiva, tal como o volume, não é uma característica das rochas. A propriedade física, intensiva, que é característica das rochas é a densidade. Cap.3-14 !""# A densidade de um material ou corpo define-se como sendo a massa por unidade de volume, isto é, a massa total a dividir pelo seu volume ρ= # É habitual representar a densidade pela letra grega “ró”, ρ. No Sistema Internacional $ de unidades, a densidade vem expressa em . Esta é uma unidade pouco $ habitual nas aplicações práticas, dando-se preferência à unidade , uma vez que a água tem uma densidade próxima de nestas unidades. As duas unidades estão relacionadas por um factor de mil = A título de exemplo, a tabela seguinte apresenta as densidades médias e intervalo de variação para um conjunto de rochas. Rocha arenito argila calcário rochas ígneas ácidas dolomite rochas metamórficas rochas ígneas básicas sal água gelo ar Densidade média $ ( ) 2.32 2.42 2.54 2.61 2.70 2.74 2.79 2.18 1.00 0.92 -3 1.293×10 Intervalo de variação $ ( ) 1.61 – 2.76 1.77 – 2.45 1.93 – 2.90 2.30 – 3.11 2.36 – 2.90 2.40 – 3.10 2.09 – 3.17 Uma vez conhecida a densidade ρ de um corpo e o seu volume #, então a massa do corpo obtém-se de forma simples por = ρ# Da mesma forma, o peso do corpo pode-se exprimir por = =ρ # 5.2 A porosidade É conhecido que as rochas, sobretudo próximo da superfície, não se apresentam compactas ou maciças, apresentando lacunas no seu interior. Estas lacunas representam vazios devido à formação da rocha ou à sua alteração, ou podem também ser o resultado de fracturação. Num volume total da rocha de #, podemos identificar a parcela que é compacta como a matriz, # , e uma parcela vazia que designaremos genericamente por lacunas, #%, (figura 14), # = # + #% Cap.3-15 !""# Define-se a porosidade, &, como sendo a fracção do volume total da rocha que não é ocupada # & = % # A porosidade é um número sem dimensões que se exprime habitualmente em %. Devemos notar que a definição de porosidade permite exprimir o volume da matriz e o volume das lacunas em função do volume total da rocha #% = &# # = # − #% = # − &# = − & # Uma rocha porosa é um material composto por dois elementos, uma matriz que poderemos caracterizar pela sua densidade, ρ , e um espaço lacunar preenchido por um fluido ou por outro material, caracterizado por uma densidade ρ % . Para determinar a massa da rocha porosa, devemos começar por calcular a massa de cada um dos componentes =ρ # =ρ − & # % = ρ %#% = ρ % &# Podemos agora determinar a densidade da rocha porosa usando a definição de densidade + % ρ − & # + ρ % &# ρ= = = → ρ = ρ% & + ρ − & # # # Exemplo 5: A densidade de um calcário poroso. Consideremos um calcário poroso, com uma porosidade de 20%. A matriz tem uma $ densidade de "' Vamos calcular a densidade do material composto em duas situações, quando os vazios estão preenchidos por ar e por água. A densidade do ar -3 3 vale 1.293×10 g/cm . Usando a expressão anterior, obtemos ρ =ρ & +ρ − & = 3 Se as lacunas estiverem preenchidas por água, de densidade 1.00 g/cm , usando a mesma expressão obtemos ρ =ρ & +ρ − & = Este exemplo serve para ilustrar como é importante a porosidade e a constituição do material que preenche o espaço lacunar para a determinação da densidade de uma rocha. A metodologia aqui apresentada pode ser também usada para determinar a densidade de uma rocha composta por diferentes componentes, cada um ocupando um volume parcial # e cada um com uma densidade ρ . Uma vez que os componentes preenchem integralmente o volume da rocha, devemos ter #= # O equivalente da porosidade designa-se por fracção em volume do componente # = = =ρ # # Cap.3-16 !""# A densidade da rocha composta vem então dada por ρ # ρ= = → ρ= ρ # # = & e = − & , e recuperamos No caso de termos apenas dois componentes, assim a expressão deduzida anteriormente para uma rocha porosa. 5.3 A força de impulsão A densidade é uma grandeza importante porque é característica das rochas e controla o valor da sua massa, conhecido o seu volume. No entanto, a densidade é importante também porque é a grandeza que controla a acção de um fluido sobre um corpo mergulhado no seu interior. Esta acção é regida pelo princípio de impulsão de Arquimedes que iremos aqui aceitar sem demonstração (ficará para um capítulo posterior). Segundo o princípio de Arquimedes todo o corpo mergulhado num fluido sofre uma força vertical, de baixo para cima, igual ao peso do volume de fluido deslocado. Esta força que traduz a acção do fluido sobre o corpo é designada por força de impulsão. Pela definição a força de impulsão tem o sentido oposto ao do peso (figura 15). Para um volume deslocado de # e um fluido de densidade ρ % , a força de impulsão vem dada pela expressão ( = ρ% # Vamos agora discutir diversas situações em que intervém a força de impulsão. Corpo completamente mergulhado num fluido Esta situação encontra-se representada na figura 16. Apenas duas forças estão a actuar sobre o corpo, o seu peso e a força de impulsão do fluido (figura 16). A 2ª lei de Newton permite escrever para esta situação +( = Decompondo os vectores segundo o eixo YY e usando a densidade do corpo e do fluido temos − +( = − ρ # + ρ% # = ρ # Conclui-se que a aceleração resultante vale = ρ% − ρ Cap.3-17 !""# Temos assim três situações possíveis: i) ρ % > ρ O fluido é mais denso que o corpo. O corpo irá subir com um movimento acelerado, eventualmente contrariado pela força de atrito no fluido que não foi considerada. ii) ρ % < ρ O fluido é menos denso que o corpo. O corpo irá descer com um movimento acelerado, eventualmente contrariado pela força de atrito no fluido que não foi considerada. iii) ρ % = ρ Quando as densidades do fluido e do corpo são iguais, a aceleração será nula e o corpo ficará em equilíbrio. É a situação habitual num submarino ou na maioria dos peixes que dispõe de sistemas para variar a sua densidade para manter a estabilidade. Os tubarões não dispõem desses sistemas e por isso, sendo mais densos que a água do mar, são obrigados a nadar constantemente para não irem ao fundo. A acção da gravidade e da força de impulsão são essenciais para se compreender a separação química que resulta da cristalização fraccionada dos minerais. Os minerais mais densos que o magma depositam-se no fundo enquanto que os menos densos acumulam-se à superfície. Corpo que flutua Neste caso devemos considerar que o volume total do corpo se compõe de duas parcelas, o volume emerso, # , e o volume mergulhado ou imerso, # . Naturalmente que esta situação só pode ocorrer se a densidade do fluido for superior à densidade do corpo (ver discussão da situação anterior), ρ % > ρ . Esta trata-se de uma situação de equilíbrio, a soma do peso e da impulsão deve ser nula +( = Segundo o eixo YY temos a equação escalar − ρ # + ρ% # = → # = ρ # ρ% Para calcular o volume emerso podemos usar # = # − # ρ ρ −ρ # =# − # = % # ρ% Cap.3-18 ρ% !""# Exemplo 6: Um iceberg a flutuar em água doce. $ Neste caso o fluido tem densidade !! e o corpo tem a densidade do gelo, $ . Aplicando a expressão deduzida anteriormente obtemos para o volume !) mergulhado # = # → # = # → # = # Quando vemos um iceberg a flutuar, apenas 8% do seu volume é perceptível à superfície, a maior parte do seu volume está escondido debaixo de água. Daqui resulta a expressão popular “ver apenas a ponta do iceberg”. Corpo que não flutua, assente no fundo Uma vez que o corpo está assente no fundo, temos uma situação de equilíbrio sob a acção do peso, da impulsão e da reacção normal no fundo. Naturalmente que esta situação só pode ocorrer se a densidade do fluido for inferior à densidade do corpo, ρ % < ρ . A 2ª lei de Newton aplicada a esta situação dá a equação vectorial +( + = Segundo o eixo YY esta equação de equilíbrio dá origem à equação escalar − ρ # + ρ% # + = Podemos usar esta equação para calcular a reacção normal no fundo, a que podemos designar por “peso aparente” pois é aquela força que nos dá a “sensação de peso” quando mergulhamos numa piscina = ρ − ρ% # Se colocarmos uma balança no fundo da piscina, esta seria a força que acusaria. = ρ # podemos calcular a razão entre o peso Usando a expressão do peso aparente e o peso verdadeiro * = ρ − ρ% ρ Exemplo 7: Uma rocha porosa assente no fundo de uma piscina. 3 Seja um calcário de porosidade 20% e com uma matriz de densidade 2.54 g/cm . Vamos calcular a reacção normal quando um bloco desta rocha está assente no fundo de uma piscina de água, na situação em que os vazios da rocha estão também preenchidos por água. Começamos por determinar a densidade da rocha usando uma expressão deduzida anteriormente ρ = ρ% & + − & ρ Cap.3-19 !""# A diferença de densidades entre o corpo e o fluido vale então ρ − ρ% = ρ% & + − & ρ − ρ% = − & ρ − ρ% e a reacção normal obtém-se como = − & ρ − ρ% # Tudo se passa como se apenas a parte sólida da rocha porosa estivesse em contacto com a base da piscina. Exemplo 8: Pessoa em pé numa piscina, com o corpo parcialmente coberto de água. Vamos aproximar uma pessoa por um cilindro de altura +! e densidade !)" $ A piscina tem uma altura de água de 1.40 m. Este modelo encontra-se representado na figura 19. Pretendemos saber qual é a redução na “sensação de peso” que se obtém. O conjunto de forças a actuar são exactamente as mesmas da situação na figura 18, corpo assente no fundo, a que corresponde a seguinte 2ª lei de Newton +( + = A diferença relativamente a esta situação consiste no facto que neste caso a força de impulsão é dada por um volume deslocado inferior ao volume total do corpo = −ρ # ( = ρ% # = Obtemos então uma equação escalar que podemos resolver em ordem à reacção normal − ρ # + ρ% # + = → = ρ # − ρ %# Sabendo que o volume de um cilindro é igual à área da base vezes a altura e que neste modelo todos os cilindros têm a mesma base , podemos escrever = ρ , − ρ% , = ρ , − ρ% , → = ρ , − ρ% , ρ , = − % ρ, ρ , Usando os valores deste exemplo, optemos para N/P um valor de 0.133, ous seja, a sensação de peso é apenas 13% do peso verdadeiro. Cap.3-20