1974/1989: a redescoberta do modesto conceito de democracia

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A4
ID: 56558035
10-11-2014
Tiragem: 34943
Pág: 45
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 20,27 x 23,25 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 1
1974/1989: a redescoberta do
modesto conceito de democracia
João Carlos Espada
Cartas do Atlântico
ntem, o mundo livre
comemorou os 25 anos da
queda do Muro de Berlim e o
fim da tirania comunista na
Europa central e do Leste.
Entre nós, o jornal Avante!,
do PCP, escrevia o seguinte:
“Mais do que a ‘queda do muro
de Berlim’ o que as forças da
reacção e da social-democracia
celebram é o fim da República Democrática
Alemã (RDA), é a anexação (a que chamam
de ‘unificação’) da RDA pela República
Federal Alemã (RFA) com a formação de
uma ‘grande Alemanha’ imperialista, é a
derrota do socialismo no primeiro Estado
alemão antifascista e demais países do Leste
da Europa e, posteriormente, a derrota do
socialismo na URSS.” (O artigo completo
pode ser lido em www.avante.pt/pt/2136/
internacional/132905.)
Esta “pérola” do autoritarismo comunista
pode ser útil para recordar que as ditaduras
comunistas do Leste se reclamavam também
elas da democracia, a chamada “democracia
popular”. Também é frequentemente
esquecido que durante o chamado “PREC”,
em Portugal, os comunistas procuraram
impedir a consolidação de uma democracia
de tipo ocidental — e que se opuseram a ela
em nome de uma democracia socialista, ou
popular. Finalmente, é hoje frequentemente
ignorado que também Mussolini reclamava
que o regime fascista italiano era “mais
democrático do que as oligarquias
capitalistas”, que ele atribuía sobretudo às
democracias inglesa e americana.
A verdade é que, na história do
pensamento político ocidental, sobretudo
na era moderna, coexistiram e rivalizaram
entre si dois conceitos de democracia,
que podemos designar por constitucional
ou pluralista, num caso, e despótica ou
monista, no outro.
Poderíamos recordar a este propósito
O
as penetrantes reflexões de Alexis de
Tocqueville sobre a emergência da era
democrática, ou era da igualdade, e a
ameaça despótica que ela produz — ainda
que essa ameaça possa ser contida por uma
versão liberal, pluralista ou constitucional,
de democracia. Poderíamos ainda recordar
vários grandes autores do século XX — como
Karl Popper, Friedrich A. Hayek, Isaiah
Berlin, Michael Oakeshott, Raymond Aron
ou Leo Strauss — que juntaram as suas vozes
ao alerta tocquevilliano contra a versão
despótica do conceito de democracia.
Poderíamos também recordar como o
caminho para a democracia foi diferente
entre os povos de língua inglesa, por um
lado, e na Europa continental, por outro,
tendo sido Edmund Burke o primeiro a
captar essa diferença fundamental — a
propósito da Revolução Francesa de 1789 e
do seu contraste relativamente às revoluções
inglesa de 1688 e americana de 1776.
Karl Popper argumentou que a principal
virtude da democracia — no sentido pluralista
ou constitucional — é que não pretende ser
um regime perfeito. Por isso está sempre
aberta à crítica, à variedade de opiniões e à
mudança gradual sem violência. A principal
virtude da democracia, ainda segundo
Popper, é de certa forma bastante modesta:
permite-nos mudar de governo através de
eleições livres e sem violência.
Parafraseando Isaiah Berlin, numa frase
famosa sobre a liberdade, a democracia
é democracia, “não é igualdade, nem
equidade, nem justiça, nem felicidade
humana, nem uma consciência tranquila”.
Como disse Winston Churchill, a democracia
é apenas o pior regime, com excepção de
todos os outros.
Foi este modesto conceito de democracia
que o IPRI-UNL e o IEP-UCP celebraram
conjuntamente em Lisboa na passada
quinta-feira. Foi este conceito de democracia
que o IEP-UCP voltou a celebrar no
sábado, num seminário com professores
do ensino secundário. Ambos contaram
com a presença de Maria Barroso — uma
protagonista e símbolo maior da nossa
democracia. O nosso amigo Timothy Garton
Ash celebrizou a redescoberta do modesto
conceito de democracia — sem adjectivos,
nem de esquerda, nem de direita,
simplesmente democracia — num livro em
que relatou as revoluções pacíficas de 1989:
“Em política, eles estão todos a dizer:
não há ‘democracia socialista’, há
apenas democracia. E por democracia
eles entendem
a democracia
parlamentar
multipartidária tal
como é praticada
na contemporânea
Europa do Oeste,
do Norte e do
Sul. Todos eles
estão a dizer: não
há ‘legalidade
socialista’, há
apenas legalidade.
E com isso eles
querem dizer o
Estado de direito,
garantido pela
independência do
judiciário, ancorada
constitucionalmente.
Eles estão todos
a dizer: não
há ‘economia
socialista’, há
apenas economia.
E economia quer
dizer não uma
economia socialista
de mercado, mas uma economia social de
mercado. A direcção geral é totalmente
clara: uma economia cujo básico motor
de crescimento é o mercado, com extensa
propriedade privada dos meios de produção,
distribuição e troca.” (The Magic Lantern:
The Revolution of ‘89 Witnessed in Warsaw,
Budapest, Berlin and Prague, 1990)
Na história do
pensamento
político
ocidental,
sobretudo na
era moderna,
coexistiram
e rivalizaram
entre si dois
conceitos de
democracia
Professor universitário, IEP-UCP
Escreve à segunda-feira
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