Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Humanas e sociais Escola de Serviço Social Graduação em Serviço Social Bailarino ou Coreógrafo: O papel do Serviço Social na “dança” pela emancipação humana Ique Hillesheim de Moraes Rio de Janeiro RJ Abril de 2016 Ique Hillesheim de Moraes Bailarino ou Coreógrafo: O papel do Serviço Social na “dança” pela emancipação humana Trabalho de Conclusão de Curso para aprovação no curso de bacharelado de Serviço Social na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro na área das ciências humanas e sociais. Orientação da professora Terezinha Martins dos Santos Souza e co-orientação da professora Vanessa Bezerra de Souza. Rio de Janeiro RJ Abril de 2016 Ique Hillesheim de Moraes Bailarino ou Coreógrafo: O papel do Serviço Social na “dança” pela emancipação humana Trabalho de Conclusão de Curso para aprovação no curso de bacharelado de Serviço Social na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro na área das ciências humanas e sociais. Orientação da professora Terezinha Martins dos Santos Souza e co-orientação da professora Vanessa Bezerra de Souza. Rio de Janeiro RJ Abril de 2016 Banca examinadora: _____________________________________________ Terezinha Martins dos Santos Souza Doutora em Psicologia Social ESS - UNIRIO ____________________________________________ Paula Bonfim Guimarães Cabral Doutora em Serviço Social FSS - UERJ __________________________________________ Lobelia da Silva Faceira Doutora em Educação ESS - UNIRIO Este trabalho é dedicado à classe trabalhadora, responsável pelas condições objetivas da vida humana. É também dedicado a todas e todos que, junto à essa classe, colaboram emancipação humana. no projeto da Agradecimentos A professora Paula Bonfim e Lobelia Faceira por comporem a banca de avaliação, que nos obstáculos para realização compreenderam as dificuldades e se mantiveram em compromisso. Aos meus pais, Lisete Regina e Claudio Moraes, que consciente e inconscientemente me deram/e dão as direções no meu crescimento, que me propiciaram as minhas escolhas em diversos momentos e tornaram possível essa graduação e muitas outras realizações. A Joana Couto, minha esposa, por toda contribuição e atenção desde que estivemos juntos, me fazendo reconhecer os aspectos bonitos e positivos da vida. Pela paciência no período conturbado ao fim da graduação. A Ellis Nathana, pela permanente disposição para me ouvir e me ajudar a entender as mais diversas questões da vida. Aos Alaídes, Felipe Vivarelli, Felipe Navegantes, Daniel Klein, Gabrielle Ramos, Letícia Vazquez e Thales Rios, pela composição de um lado importante da minha vida. Aos amigos, Heitor Olimpo, Erika Alves e Alberto Roger, pela contribuição inicial às inquietações que influenciaram o rumo da minha formação. A minha orientadora professora Terezinha Martins, que com sua dedicação e exigência tornou possível a realização deste trabalho, bem como as formas de enxergar e pensar o mundo, nas situações adversas, tendo a paciência de um ano dentro de dois meses. Que ao longo deste processo orientou para além do TCC se mostrando íntegra e coerente. Agradeço também a colaboração de sua família(Iruatã e Ivan) que me recebeu com carinho inclusive nos dias inoportunos. A minha co-orientadora Vanessa Bezerra, que trouxe para minha formação grande contribuição desenvolvendo as condições de articular o Serviço Social com as demais parcialidades do mundo real. A primeira turma da ESS-UNIRIO 2010.1que passou comigo as mais diversas dificuldades, se mantendo unida nos momentos de necessidade. A Tatiana Jardim, que não apenas esteve presente na absoluta maioria dos espaços da universidade e militância mas conhecimentos se tornando especial. também compartilhou de emoções e Ao Alexandre Magno de Carvalho por me ceder a poesia que compõem as epígrafes dos capítulos. Aos professores e professoras da ESS-UNIRIO e os(as) que por lá passaram durante a minha graduação, sem os quais não teria este trabalho a direção e que ganhou. Aos técnicos da ESS-UNIRIO que foram parte fundamental ao longo desses anos. Aos professores da EEDMO, por toda contribuição na disciplina e comprometimento que por uma educação corporal atingiram minha mente. Agradeço a todos pelo carinho, experiências e por fazerem parte do que me tornei e do que produzi neste trabalho. A Ana Beatriz Pestana e Stéphanie Alves que me cederam o vídeo de registro da performance e trazerem o tema do trabalho para o meio artístico. Resumo: Esta monografia se propõe analisar as concepções do Serviço Social como práxis fundante ou fundada, a partir das contribuições teóricas dos autores Marilda Iamamoto e Sérgio Lessa. Os autores dissertam acerca da natureza do Serviço Social tentando perspectivar quais as (possíveis) contribuições desta profissão na construção da emancipação humana. O debate travado incide sobre a identificação de quais são os trabalhadores, na atual sociedade de classes sob a forma de acumulação flexível do Capital, que podem defrontar-se objetivamente com a ordem do capital e provocar a sua destruição. Utiliza-se o materialismo histórico dialético como referencial teórico que orienta a análise realizada. Palavras-Chave: Serviço Social; Emancipação humana; trabalho ontológico ODE AO ALICERCE (na Ronda Crepuscular) De pedras brutas, pedras sobrepostas, Que a rígida argamassa em bloco firma, Diz o Alicerce: aqui, nestas encostas, Quem a muralha que eu sustento pode Sacudir-ma? Vultos senhoriais de governantes Calcam os pavilhões. Crésus bojudo Loas burila aos tetos fulgurantes: E a Arte se obumbra e a Ciência tudo aplaude, Tudo! Tudo! Num baque surdo, para aquele rumo Foram as pedras num montão jogadas; Depois, a trolha, o camartelo, o prumo, E o plano feito: em linha foram todas Colocadas. Mundo que é a febre do viver humano, Encastelado nas muralhas; e estas O poderio, rígido e tirano, À luz ostentam entre varandins E giestas. Talhando o solo a pique, da comprida Vala terrosa lento ele se erguera, Erato e largo, devassando a vida, Com a solidez de um contraforte de aço Se fizera. E o Construtor o gênio não disperse Em calcular o peso do mundo, Que subterrâneo e humílimo o Alicerce, Ninguém o vê, mas ei-lo ali supremo E profundo. Então, sobre o Alicerce, pedra a pedra, Erguem-se paredões e a de granito Bela fachada, que a alma desempedra De uma arte antiga, relembrando assombros Do alto Egito. De que ele exista (é bem humana a incúria) Dos paredões abaixo, quem se lembra? Ah! mais um dia fende-o, horror, a fúria Do terramoto; e à convulsão que trágica O desmembra. Veem-se portais que ao passo humano tentam Para cultos de Apolo ou das Fortunas; Ou plintos onde hieráticas assentam Desse mármore branco do Pentélico As colunas. Ele estremece. A grita e a insânia dá-lhas O pânico; e, num rápido minuto, Ruem tombando a cúpula e muralhas, E mármores e bronzes, num reboo Longo e bruto. Fustes coríntios; capitel de acanto, Que a lenda evoca de uma noiva morta; Cariátides de olhar frio, do espanto, Que à vencida de Cária, ou Salamina Desconforta. E ao fundo o novo Atlante vê o entulho Do orbe que há pouco lhe pesava aos ombros; Um século de lutas e de orgulho Que desmoronam; e ele inda é alicerce, Nos escombros. E a soberba muralha que recorda, Cruel, do Coliseu a arena imensa, Ou Brunellesco que a amplidão acorda Quando a assombrosa cúpula levanta De Florença. Povo, assim és; o plinto da estrutura Na Mole social; e era oculto Sob a ruma de andrajos e amargura. Quem do Kremlin, ou de Versailles, vira O teu vulto? Suntuosa e vasta é pronta a maravilha: Palácio ou templo, escola ou alcaçares; De amplos salões em que a Ilusão rebrilha Do Gozo farto; mas... e se for tudo Pelos ares?... Mas se ao peso do guantes ou da fome A juba enristas, o rugido atroa; E nada mais a cólera sem nome Detém-te, e Alhambras ou Bastilhas, tudo Se esboroa. Pompas de ouro e veludo, lá por dentro, Geram orgias; e, paramentado, De Judas e Iago é o orientalesco centro. E ninguém mais se lembra do Alicerce, Enterrado. E não sucumbes, não; pária indomável. E te hás de alevantar um dia invicto, Povo! como as montanhas, admirável, Bloco integral com o vértice em demanda Do Infinito. Silveira Neto SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO................................................................................................10 2 En Face com a ECONOMIA POLÍTICA.........................................................12 2.1 Trabalho em Marx..........................................................................................13 2.2 Estado e sociedade.......................................................................................19 2.3 “Questão Social”...........................................................................................26 2.4 Emancipação Política e Emancipação Humana.........................................31 3 SERVIÇO SOCIAL, O PALCO DO DABATE ................................................35 3.1 Aspectos teóricos-metodológicos de origem e desenvolvimento histórico..........................................................................................................35 3.2 Ética e Serviço Social....................................................................................41 4 BAILARINO OU COREÓGRAFO...................................................................48 4.1 A coreografia de Marilda Iamamoto.............................................................48 4.2 A coreografia de Sérgio Lessa.....................................................................56 5 CONCLUSÃO..................................................................................................62 REFERÊNCIAS...............................................................................................65 10 1 INTRODUÇÃO “O tempo que te roubam Não é achado É irremediavelmente perdido One way Não tem retorno O tempo que te roubam Subtraem de muitas maneiras Tem por destino a carteira De ações, de crédito, do bolso do paletó Do outro, do investidor, do patrão (...)” Tempo reificado (ou Mészáros e Galeano contra a “vida passa em velocidade 4G”) Alexandre Magno Teixeira de Carvalho A produção teórica do Serviço Social, profissão inscrita na divisão sócio técnica do trabalho, enfrenta a partir dos anos 1980 uma discussão acerca da sua característica profissional, cuja relação com a totalidade do sistema capitalista é expressa. Atribui-se nessa expressão qualificações à atividade exercida pelos profissionais do Serviço Social, tendo como finalidade reconhecer as implicações e desenvolver/aprimorar tais atividades. São postas sob análise as posições de dois teóricos do Serviço Social: Marilda Villela Iamamoto e Sérgio Lessa. Em Iamamoto, a posição sustentada é de que o Serviço Social atua em processo de trabalho intrínseco às relações sociais do modo de produção capitalista. Neste sentido os procedimentos do(a) assistente social em exercício profissional configuram exercício do trabalho alterando o objeto de trabalho (expressão da “questão social”). Contrapondo-se, Lessa discorre sobre o exercício profissional argumentando que tal atividade é prática profissional própria de uma classe, não trabalhadora, atuante na esfera da reprodução social em funcionalidade das relações sociais do modo de produção capitalista. O que as duas posições buscam em comum é discutir qual o papel que o Serviço Social ocupa na sociedade de classes, focando a atenção nas características reconhecimento. da profissão e quais as possíveis consequências deste 11 O objetivo desta monografia é problematizar aspectos ligados a esta temática, partindo do pressuposto de que a produção científica significa que necessariamente devem ser explicitadas as divergências existentes, de acordo com o princípio de que é com questionamentos que se constrói a ciência. Objetiva desta forma realizar a crítica, na acepção marxiana do termo, que significa superar (conservar, negar e soerguer a um novo patamar) as análises realizadas, sendo necessário então, que se conheça as formulações dos autores que produzem sobre o tema, buscando apreender as determinações que construíram e constroem esta polêmica que orienta a práxis profissional de assistentes sociais em todo o Brasil. Trata-se de apreender as categorias teóricas cuja importância reside na compreensão dos processos por meio dos quais os seres humanos podem atuar (e aqui o trabalho tem primazia no complexo categorial) para a manutenção das relações sociais existentes ou para a sua superação; categorias necessárias ao movimento de compreender a realidade para transformá-la. O objeto de análise é a característica que assume a profissão nas diferentes formulações teóricas e a partir disto, em que medida contribui na construção da emancipação humana. Para tal discussão esta monografia foi pensada em três partes sendo a primeira composta pelas principais categorias da economia política subsidiando o campo teórico do qual parte a análise. No segundo momento é posto a delimitação própria da área que propõe a discussão da profissão trazendo os pontos da formulação teórica desde a origem do Serviço Social no Brasil e os fundamentos da ética para seu exercício. Concluindo, a terceira parte apresenta apontamentos a respeito das duas elaborações teóricas no Serviço Social e qual a contribuição para o pensamento da profissão na contemporaneidade. 12 1 2 EN FACE COM A ECONOMIA POLÍTICA “(...) O tempo que te roubam Não é só teu – você nem sabia É da história Deveria ser de quem trabalha Do filho de quem trabalha Do amor de quem trabalha Do sonho de quem trabalha Do desejo de quem trabalha Da verve de quem trabalha Da luta de quem trabalha Do livro de quem trabalha Da cama, do leito, da mesa Da árvore, do debaixo da árvore Da beira do rio, do rio, do mar Da praia, da mata, da montanha De quem trabalha Um fruto de quem trabalha Um fruto lento e espesso Um fruto com gosto Um fruto sem veneno Um fruto lento Se desejado Um fruto mais espesso Se compartido Um fruto ainda mais, mais Se de quem trabalha é o fruto Da humanidade é o fruto O fruto é ralo O tempo é escasso (...)” Tempo reificado (ou Mészáros e Galeano contra a “vida passa em velocidade 4G”) Alexandre Magno Teixeira de Carvalho Neste capítulo busca-se abordar as categorias e temas relevantes para compreensão das relações sociais estabelecidas na organização da produção e reprodução da vida humana. Relações essas em que o Serviço Social aparece e engrena, como todas as atividades e profissões, durante sua existência. Mais do que as características que assume ou a conjuntura em que assume as determinadas características, trata-se de desmembrar minimamente o modo de organização social da modernidade (tomado como o período que se estende do século XIX até a contemporaneidade). Neste processo de desmembrar os componentes da totalidade, se torna possível enxergar as relações estabelecidas entre eles, condicionando, então, ensaios teóricos de maior abrangência da realidade. 1 Posição corporal em que o bailarino se coloca de frente para o público. 13 1.1 Trabalho em Marx Para iniciar o tema da economia política, ao qual esta produção teórica se ancora tem-se no primeiro subcapítulo a discussão da categoria trabalho pela perspectiva do autor da crítica à economia política, Karl Marx. Para compreender as proposições que se seguem nesta produção a respeito das transformações dos sujeitos e do mundo, parte-se do trabalho como categoria central e fundamental. O trabalho para Marx é condição de existência do ser humano, independente de todas as formas de sociedade, constituindo-se como eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre ser humano e natureza e, portanto, da vida humana (1988). O trabalho é a utilização da força de trabalho, que é um processo de que participam o ser humano e a natureza, “processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza” (MARX, 1989, p. 202) Para que possa se manter vivo, o ser social, da mesma forma que os demais seres vivos, precisa satisfazer as suas necessidades biológicas, tais como comer, dormir, proteger-se das ameaças á sua vida, necessidades sexuais etc. diferentemente dos demais animais, o ser social necessita também de um conjunto de materiais que permeiam a todo instante para que possa satisfazer as necessidades socialmente estabelecidas. O ser humano precisa de alimento para que tenha energia para viver e precisa, também, de muitos materiais que o tornam capacitado para realizar tarefas nos mais diversos processos da vida, inclusive na obtenção de alimento. Qualquer que seja a forma social do processo de produção, tem este de ser contínuo ou de percorrer, periódica e ininterruptamente, as mesmas fases. Uma sociedade não pode parar de consumir nem de produzir. Por isso, todo processo social de produção, encarado em suas conexões constantes e no fluxo contínuo de sua renovação, é ao mesmo tempo processo de reprodução. As condições da produção são simultaneamente as de reprodução. (MARX, 1988 p.659) Toda forma de vida tem origem na natureza e não seria possível outra forma (de vida) totalmente independente da mesma (natureza). Humanos e animais, seres vivos de diferentes espécies, retiram da natureza seu sustento. Alimentação e 14 proteção são obtidas no meio natural, a partir do que está posto em determinado habitat em que se encontra o ser vivo. O animal não produz a sua própria existência, mas apenas a conserva agindo instintivamente ou, ‘resolvendo problemas’ de maneira inteligente.(LUKÁCS,1997) Esses atos visam à sua defesa, a procura de alimentos e de abrigo (não se trata de trabalho). O animal não trabalha mesmo quando cria resultados materiais com sua atividade, pois sua ação não é deliberada, intencional. Ou seja, os animais se mantém na reprodução de suas vidas em relação direta com este meio. Através de suas determinações biológicas agem na natureza para sanar suas necessidades. Neste sentido, se encontram imersos na natureza, não a transformam apenas extraem dela o necessário para sobreviver. Uma girafa se alimenta de folhas das copas das árvores de seu habitat. Uma vez que são comidas, as árvores que tem um corpo vivo produzem novas folhas e então as girafas poderão comer novamente. Assim, elas vivem em determinado espaço com número especificos de árvores suficientes à sua reprodução. A menos que ocorra uma interferência externa como, por algum motivo, morte dos predadores, ocasionando uma superpopulação de girafas que consumam todas as árvores da região, se manterá o ciclo natural com equilíbrio de animais e disponibilidade de recursos para suas sobrevivências. Entretanto, se uma girafa não encontra seu alimento nas árvores, essa passa a buscar outras árvores até que consiga. Ou, caso não consiga, essa girafa, ou o grupo de girafas, desaparecerá. Os seres humanos também tem sua origem na natureza, porém a sua relação com a natureza se dá de forma fundamentalmente diferenciada. A atividade humana é o trabalho. Trabalho é a ação transformadora da realidade, é ação dirigida por finalidades conscientes. É resposta aos desafios da natureza na luta pela sobrevivência.(LUKÁCS, 1997) Os seres humanos, seres vivos que se desenvolveram em longo processo histórico, devido ao trabalho adquiriram habilidades que os diferenciaram dos demais animais. Que o retiraram da instância de relação apenas natural com o mundo. 15 No desenvolvimento humano, homem e mulher passam a intervir na natureza em condições que ultrapassa as instâncias naturais. A medida que o ser humano naturalmente sente fome (por ser corpo biológico, natural que demanda alimentos que o mantenham vivo), direciona-se em sanar sua necessidade em busca de alimento. E assim, como os animais, busca-os na natureza, no entanto o faz de forma diferenciada dos animais, alterando esta natureza, pelo trabalho, e não apenas extraindo dela o necessário para viver. Contudo, os seres humanos dotados de capacidade de aprendizagem e raciocínio – habilidades adquiridas – passam a agir com as condições materiais em que se encontram de forma diferenciada a dos animais. Projetam, pensam e agem na natureza criando as soluções para suas necessidades. Desta forma ele cria técnicas e instrumentos que outros seres humanos reproduzirão. Ao reproduzir técnicas que outros seres humanos já usaram e ao inventar outras novas, a ação humana se torna fonte de ideias e ao mesmo tempo uma experiência propriamente dita. A noção de experiência humana não se separa do caráter abstrato da inteligência do ser humano, pela qual ele pode superar a vivência do “aqui e agora”, passando a existir no tempo: torna-se capaz de lembrar a ação feita no passado e de projetar a ação futura. Isto é possível pelo fato de poder representar o mundo por meio da linguagem simbólica. (LUKÁCS,1997) As diferenças entre os seres humanos e os animais não são apenas de grau, pois o animal permanece envolvido na natureza, já o ser humano é capaz de transformá-lo, tornando possível a existência da cultura. A essência do trabalho consiste precisamente em ir além da fixação dos seres vivos na competição biológica com seu mundo ambiente. O momento essencialmente separatório é constituído não pela fabricação de produtos, mas pelo papel da consciência, que não é um mero epifenômeno da reprodução biológica: o produto é um resultado que no início do processo já existia na representação do trabalhador (de modo ideal). Os seres humanos, na medida em que se alimentavam da colheita e da caça buscavam constantemente novos espaços atrás de novos frutos e outros animais. E nesta condição de nômades, buscavam por abrigos temporários. Instância em que sua existência estava intrinsicamente ligada às condições naturais. 16 Com aumento quantitativo, em largo tempo histórico, de membros dos grupos que se formavam e com a necessidade da reprodução humana, novas capacidades foram surgindo. Os seres humanos passam então a criar as condições de vida, desenvolvem a comunicação de forma mais objetiva e aprendem novas formas de obtenção de alimentos, como o plantio. Surgem então formas fixas, territoriais, de vida humana. As formas de garantia da vida humana passam necessariamente por desenvolvimento à medida que suas intervenções colocam a humanidade novas necessidades. As intervenções que o ser humano estabelece na natureza são identificadas como trabalho, a ação criadora das riquezas2 da humanidade. Diferente das atividades naturais o trabalho é configurado por 3 aspectos: a mediação; conhecimento e habilidade; e variabilidade. A mediação aparece na relação humano-natureza, cujo sujeito que trabalha o faz utilizando instrumento. E essa mediação se faz cada vez mais presente e em novos formatos conforme o desenvolvimento do trabalho. A habilidade e o conhecimento se fazem necessários a partir do momento que o sujeito não responde às suas necessidades por determinação biológica, mas sim por determinações sociais. Na construção do novo, ou mesmo, do produto/instrumento que já foi posto na humanidade, é preciso apreensão dos conhecimentos existentes e desenvolvimento de habilidades para opera-los na intencionalidade de garantir determinado produto final. E esse produto final deve corresponder às necessidades da humanidade. A partir da necessidade humana o trabalho se dá conduzido sob orientação dos conhecimentos até então existentes. Possibilitando também forma de aperfeiçoamento. A variabilidade refere-se às múltiplas formas que o trabalho pode assumir em resposta as necessidades e articula-se também as novas necessidades criadas. Os seres humanos têm certas necessidades fixas, como alimentação, abrigo necessidade sexual etc, para se manterem vivos. As formas que o trabalho assume 2 Dos itens mais simples da pré-história, como lanças, machados de pedra lascada e vestimenta de peles de animais, aos mais sofisticados objetos da contemporaneidade(robôs, celulares, aviões e etc) 17 para tratar de cada necessidade é que podem alterar. E a partir do desenvolvimento das formas de trabalho surgem novas necessidades que irão demandar outros trabalhos. Para construção de um abrigo, o ser humano busca na natureza materiais que ofereçam proteção e através de instrumentos que dispõe o capta e o reorganiza dando a esses materiais nova forma, que servirá de abrigo. Entre o sujeito e o abrigo construído há atividade do trabalho, mediada pelo instrumento. Para construção de uma casa de alvenaria se fazem necessários outros trabalhos que deem forma ao tijolo, cimento, ferro e etc, para então esses produtos entrarem em novo trabalho, o da construção propriamente da casa de alvenaria. Contudo, o material a ser escolhido na construção de abrigo (alvenaria, ou madeira, ou pedras entre outros) dependerá da necessidade posta, se para enfrentar frio ou calor extremos, terremotos ou ondas, e etc. Logo, a realização do trabalho que exige mediação por meio dos instrumentos, tais instrumentos devem corresponder positivamente à produção necessitada. Nesse aspecto, os instrumentos passam a ter caráter qualitativo, bom e ruim, útil e inútil. Mas tal qualificação é feita a partir do que se prefigura. Essa prefiguração faz parte, também, do que se descreve como trabalho. Esta atividade se põe em movimento quando a partir das necessidades se planeja formas de solução e então, para determinada solução pensa-se os meios de realização com base nas condições materiais disponíveis. Esse processo de idealização é possibilitado pela capacidade desenvolvida, exclusivamente, pelo ser humano: a teleologia. E no processo de trabalho que trata da objetivação da teleologia, cuja questão dos instrumentos se faz presente, cabe ao sujeito (que realiza o processo de trabalho) três condicionantes. A primeira se refere as escolhas entre alternativas concretas baseadas em avaliação(racional) para com o que se idealiza no início da atividade de trabalho. A segunda, diz sobre as objetivações do trabalho que são postas ao mundo de forma autônoma ao sujeito que as criou. O humano que trabalha e o produto do trabalho são autônomos, ou seja, não correspondem a uma mesma identidade. Embora participem de um mesmo processo, ocupam lugares diferentes e ao final se tornam independentes. E 18 assim, no trabalho, dá-se a distinção do sujeito que realiza o trabalho e objeto(matéria, instrumento e/ou produto do trabalho) que é operado. A terceira condicionante trata-se das exigências de “conhecimento sobre a natureza e coordenação múltipla necessária ao sujeito” (NETTO; BRAZ, 2006 p.45) postas na questão dos meios e dos fins. Para que se opere o trabalho é preciso que o sujeito conheça as propriedades da natureza possibilitando a materialização de suas ideações. Por exemplo, ao idealizar uma canoa para pescar é preciso conhecer as propriedades dos materiais disponíveis e como se comportariam ao objetivo(flutuar sobre a água) e aos instrumentos disponíveis para construção. Esses conhecimentos precisam refletir a respeito da materialização dos produtos idealizados e serem transmitidos a outros sujeitos, tornando-se universalizados, acessíveis a outros sujeitos para outras idealizações. Tais informações, diferentes dos animais que “nascem sabendo” por determinação biológica, para os seres humanos dependem de comunicação para serem transmitidas, ensinadas e aprendidas. Deve-se levar em conta, também, que o trabalho não é uma atividade realizada isoladamente. Dá-se por organização e contribuição coletiva dos seres humanos. Os indivíduos dependem um dos outros, não apenas pela transmissão de conhecimento, mas também de produção coletiva para dar conta das necessidades individuais. Esse caráter do trabalho diz-se a respeito do caráter social, cuja expressão se dá na interação entre indivíduos e os desmembramentos desta. Por fim, o trabalho distancia o humano da natureza. Esta atividade humana dá forma à condição de vida mais autônomo à natureza (embora não independente). Põe-se como “processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza”(MARX, 1983 apud NETTO; BRAZ, 2006 p.43). Constrói as condições objetivas de vida na relação humano-natureza (sociedade-natureza) e também constrói o próprio sujeito que trabalha, o ser social. Por essa premissa, afirma-se que é a partir do trabalho que a sociedade se constrói e se mantém, tem em si o trabalho como núcleo central de determinação social. 19 2.2 Estado e Sociedade Faz-se necessário colocar as elaborações a respeito do Estado para analisar a organização da sociedade moderna e as relações profissionais que nela existem atribuídas de sentido político, sobretudo as proposições de transformação social nos espaços sócio ocupacional cujos poderes da sociedade e do Estado se fazem presente. É um campo coberto de polêmica e tensões na abrangência de diversos pressupostos teóricos e mesmo múltiplas formulações, mesmo quando dentro de uma única orientação teórica, como o marxismo. No que se refere ao materialismo histórico-dialético, “caminho teórico” que se propõe percorrer este trabalho, busca-se traçar os apontamentos a respeito do Estado. Para análise da concepção de Estado em Marx, faz-se uso do método do materialismo histórico-dialético (método de análise da realidade), partindo-se da categoria central Superação (conservação, negação e elevação a um novo patamar). Neste sentido, deve-se atentar as formulações do filósofo alemão, Hegel (1779-1831), que estudou a formação social moderna depois das revoluções burguesas e serviu de base para que na superação, Marx formulasse suas questões a respeito do Estado. As elaborações dos jusnaturalistas, postos na conjuntura histórica de um Estado que vinha a ser (em formação), detiveram a projetos de modelo ideal. Hegel, numa conjuntura mais avançada do capitalismo, com o Estado já existente, analisa diferentemente esta categoria da forma que está posta na realidade, separando “Sociedade Civil” de “Estado Político” e apontando coexistência sem sobreposição de um estado de natureza. Para Hegel, na Sociedade Civil se encontra os sistemas econômico, jurídico e administrativo. Nesta esfera (da sociedade civil) os seres humanos satisfazem suas necessidades por meio do trabalho, da divisão social e da troca sob determinada ordem (da propriedade privada e expropriação da força de trabalho) que 20 desenvolvem relações econômicas específicas. Nas regulamentações jurídicoadministrativas, os indivíduos asseguram a defesa de suas liberdades, a propriedade privada e de seus interesses, a administração da justiça, polícia e das corporações. A Sociedade Civil é a esfera dos interesses privados, econômicoscorporativos, que para o autor são antagônicos entre os indivíduos e grupos. Esta esfera (sociedade civil) não se opõe ao “estado de natureza” por conformação de um contrato, ela expressa uma conduta ética ao meio de interesses particulares e parciais para níveis universais, postos no Estado. O Estado é, então, o momento superior da vida social, a esfera dos interesses públicos e universais, no qual seriam superadas todas as contradições dos interesses individuais da sociedade civil. Para Hegel, Sociedade Civil se refere ao plano dos indivíduos com seus espaços privados e com seus interesses exclusivos. E Estado se refere a vida pública, portador de uma vontade maior, universal, condensando os interesses privados e contrapostos junto à normatização e respeito por meio da força. Caso o Estado assegure unicamente a proteção da propriedade e da liberdade pessoal, rebaterá sobre os indivíduos de forma negativa, pois cada indivíduo só viria conhecer e desenvolver seu interesse pessoal, impossibilitando assim que ele perceba e reconheça seus laços tanto históricos como sociais. Para Hegel então, é o Estado que mantém e organiza a ordem social, a forma como se manifesta no nível da sociedade civil enquanto produção do desenvolvimento histórico. E não só determina como contrapõe a finalidade coletiva ao interesse particular, colocando o bem público como contraposição ao bem estar particular, configurando-se desta forma como esfera superior da sociedade. O autor afirma que de forma dialética, o Estado constitui-se seja enquanto força contrária ao sistema da vida privada e seus componentes, “uma necessidade externa” e “o poder mais alto”, responsável por estabelecer e impor coercitivamente as condições jurídicas nas quais o processo social pode explicitar-se na esfera civil, seja enquanto “ (...)finalidade imanente do sistema da vida privada e de seus componentes, na medida em que se põe como integração dos interesses e das realidades particulares na realidade universal da coletividade”.(HEGEL, 1980) 21 É a partir de vontades particulares que existem na sociedade civil que se constrói a esfera estatal enquanto expressão de interesses públicos e universais, ou seja, o Estado é a conservação/superação da sociedade civil. A Sociedade civil se constitui enquanto esfera das realizações parciais da universalidade, cuja moral particular sofre transformações causadas pela totalidade ética dos direitos e instituições sociais que nela existem (justiça, polícia, corporação). A universalidade se realiza nos mecanismos diretamente ligados ao Estado, pois aqueles mecanismos de regulamentação jurídica e administrativa se dão como mediações e expressões do universal (do Estado) na sociedade civil. Este Estado constituído pela monarquia constitucional, gera a separação dos poderes executivo e legislativo. Para Hegel, ao mesmo tempo que busca pela manutenção da sociedade civil e seus fundamentos – assentados na propriedade privada- o Estado garante o bem público. O Estado seria então o sujeito real que ordena, funda e materializa a universalização dos interesses privados e particulares da sociedade civil. Nas produções de Marx ao que se refere ao Estado não se vê uma identidade entre si, não há uma Teoria do Estado marxiana. Ao tratar de Estado na tradição marxista os principais autores são tidos como referência às concepções de Estado são: Marx e Engels, Lênin e Gramsci. Karl Heinrich Marx e Friederich Engels, para elaborar o referencial teórico que deu origem à tradição, partem de 3 fontes: o materialismo histórico-dialético (filosofia alemã com Hegel e Feuerbach), as teorias do valor-trabalho e mais-valia (economia política inglesa com Ricardo e Smith) e as teorias das lutas de classes (socialistas utópicos franceses com Proudhon, Saint Simon, Fourier, Blanc e Owen). Para tomar algumas categorias principais com relação ao Estado, Marx afirma que a sociedade capitalista é composta de estrutura e superestrutura sendo que na Sociedade Civil se encontra a base econômica(estrutura), e no Estado o âmbito da superestrutura. Se para Hegel se faz na sociedade civil a esfera das relações econômicas e dos interesses particularistas e no Estado a esfera da universalização, para Marx e 22 Engels a sociedade civil é a sociedade burguesa, onde se faz a esfera da produção e reprodução da vida material. Como diz Engels(1999), “a sociedade civil abrange todo o intercâmbio material dos indivíduos [...] Abrange toda a vida comercial e industrial de uma dada fase”. Sendo assim, a Sociedade civil, para Marx e Engels é sinônimo de estrutura econômica e nela é fundamentada a origem do Estado, posição oposto à defendida por Hegel. Para Marx, o Estado não está posto em uma esfera independente, portadora de uma razão própria, como afirma Hegel, mas como um produto da sociedade civil expressa suas contradições e as reproduz. Analisando a obra do Hegel, afirma que, “Para Hegel o sujeito é o Estado, o predicado é a sociedade civil”(MARX, 2005). Para Marx, o Estado é o produto, o regime político e o elemento subordinado, sendo as relações econômicas o elemento dominante, o inverso do que afirma Hegel. O que forma a base, tanto das estruturas sociais da sociedade (capitalista) como da consciência humana, são as condições materiais da sociedade ou seja, a produção e circulação de produtos para consumo e as relações sociais. Enquanto em Hegel a formulação de Estado se dá como sobreposição à sociedade, como uma coletividade idealizada, em Marx e Engels afirma-se que o Estado emerge das relações de produção, Não é o Estado que molda a sociedade mas a sociedade que molda o Estado. A sociedade por sua vez, se molda pelo modo dominante de produção e das relações de produção inerentes a esse modo.[...] A estrutura social e o Estado nasce [...] do processo de vida de indivíduos determinados[...] tal e como atuam e produzem materialmente e, portanto, tal e como desenvolvem suas atividades sob determinados limites, pressupostos e condições materiais, independentes de sua vontade (MARX; ENGELS,1999 p.36) E assim, as relações reais não são criadas pelo poder do Estado, são elas como poder que criam o Estado. Contrário à formulação hegeliana de que o Estado é o momento da universalização, afirma-se que o Estado emerge das relações de produção e expressa os interesses da estrutura, especificamente, de classe inerente às relações de produção. É a classe economicamente dominante, a burguesia, que controla os meios de produção e o trabalho no processo de produção, e assim, 23 estende seu poder sobre o Estado, que passa a expressar seus interesses, em normas e leis. A contribuição (uma delas) de Marx está na denúncia do caráter autônomo do Estado conferido por Hegel, como se realizasse a mediação universal dos interesses privados e gerais. Para Marx, o que Hegel faz é realizar uma transposição especulativa dos interesses privados e particulares de um indivíduo de classe (burguês) para interesses públicos universais próprio do sujeito abstrato, o cidadão. Na formulação marxiana a relação de troca de mercadorias constitui a diferença específica da sociedade moderna, constituindo-se como uma relação que pressupõe não simplesmente a liberdade do ser humano como cidadão privado (civil-burguês) mas a ‘liberdade’ própria da grande maioria dos seres humanos, a ‘liberdade’ em relação à propriedade dos meios de produção - que divide os seres humanos em duas classes sociais contrapostas. Ou seja, seres humanos desvinculados diretamente (livres) do modo de produção e aptos (livres) para se associarem à produção via emprego por aqueles que detém as forças produtivas. Desta forma, para Marx a sociedade civil moderna é a sociedade burguesa (dominante). As produções teóricas de Marx inspiraram diversas análises da vida social e que mesmo numa única fundamentação teórica guardam também certas divergências. No Serviço Social a discussão a respeito do Estado também apresenta divergências. Um dos autores que tem grande referência na contribuição de Gramsci e colaboração com o Serviço Social é Carlos Nelson Coutinho. Este tematiza sobre Estado contrapondo teoria “restrita” com teoria “ampliada” do Estado, baseado fortemente na teoria gramsciana. Coutinho afirma, que a teoria “restrita” é própria do período “proto-capitalista”, o que em Marx se expressa na formulação do Estado enquanto comitê executivo para gerir os interesses e negócios de uma classe dominante. A teoria que Coutinho nomeia como “ampliada” acrescenta a dimensão do consenso à categoria da dominação/coerção, derivando daí o conceito de Hegemonia. 24 Trata-se então do questionamento, se conforme a teoria “restrita” o Estado é simplesmente uma máquina política, burocrática e jurídica na defesa e garantia de uma ordem e dos interesses de uma classe, impondo diretamente à sociedade estes interesses ou se, conforme a teoria “ampliada”, existe a possibilidade de mediações para além das instituições políticas, que no interior da sociedade agiriam, por meio de uma ordem de entidades, para colocar a possibilidade de que determinado poder consiga se garantir, que possa se legitimar. Trata-se então de conceber a Sociedade Civil enquanto síntese, espaço nem público nem privado. No interior do Serviço Social e para além dele, esta polêmica tem consequência importante, pois dela derivam posições teórico-políticas significativas no interior da profissão. Para alguns autores esta posição esvazia a principal questão da sociedade capitalista, negando a luta de classes, uma vez que aceita o espaço público e do próprio Estado como algo acima dos conflitos particulares, como possibilidade de expressão do “bem comum” ou do “interesse geral” . Os(as) autores(as) que se reivindicam marxistas afirmam que tal posição não nega o caráter de classes nem os conflitos dela decorrente como central na luta pela mudança social. O que afirmam os adeptos da teoria “ampliada” de Estado e de Sociedade Civil é que ambos são espaços da luta de classes, sendo o Estado, diferente do que Marx afirma, não é instrumento exclusivo de umas das classes, mas se constituiu enquanto resultado de uma “correlação de forças”, passível de disputa. E desta forma, com a tendência burguesa de instrumentalização do Estado, como a privatização do espaço público, essa noção de possibilidade de disputa teria mais interesse à classe trabalhadora. Segundo os autores que defendem esta posição, foi a luta histórica dos(as) trabalhadores(as) pela ampliação e efetivação de seus direitos que obrigou a burguesia a aceitar o princípio democrático da gestão do Estado. Os críticos desta posição questionam as consequências sobre os projetos de mudança social. No que se refere ao ponto de vista político, a mudança social passaria a ser resultado não mais de uma ruptura revolucionária violenta – a violência é posta como parteira da história em Marx – mas um longo processo de reformas, ou de um “reformismo revolucionário” (COUTINHO, 1997). Já ao que se referem as ações profissionais, as atividades apareceriam como momentos de 25 disputa de hegemonia e de acúmulo de forças, que ocorreriam no interior da luta de processos societários distintos. A síntese destas lutas se encontraria no caráter da política posta por um Estado que, a depender da correlação de forças dos agentes e grupos em luta, assumiria ou um caráter conservador (em relação à ordem do capital) ou um caráter progressista em direção a um futuro Estado proletário. Para Marx as relações jurídicas, assim como as formas históricas do Estado são incompreensíveis por si mesmas, e nem podem ser entendidas pela dita “evolução do espírito humano” (como proposto por Hegel). Pra compreensão das relações jurídicas faz-se necessário como ponto de partida as condições materiais da vida, posto por Hegel como “sociedade civil”. Para Hegel a compreensão do Estado, e, consequentemente, do direito, leva à unidade Estado-sociedade civil como manifestação dos momentos genéricos e particulares. Sendo assim, o Estado burguês torna esta possibilidade real ou expressa uma universalidade do direito, os direitos naturais dos indivíduos que compõem a sociedade civil. Em contraposição, Marx afirma que esta “sociedade civil” trata-se de uma abstração, significando somente o oposto a um suposto Estado de natureza que nunca existiu. Para Marx, o mito contratualista faz com que o Estado não apareça como um produto da sociedade, mas como instituição que possibilita a sociedade, ou seja, como se o Estado criasse a sociedade. Marx afirma como imprescindível análise da “anatomia” da sociedade civil para sua apreensão, isto é, o modo pelo qual os seres humanos concretos produzem materialmente sua existência, o momento da economia. E é exatamente ao analisar a forma particular na qual os seres humanos produzem e reproduzem sua vida, a forma capitalista de produção, que Marx possibilita desvendar esta particular forma de sociabilidade contemporânea para então, realizar a crítica do Estado e do direito. Marx demonstra então o segredo das contradições liberais: não se trata de uma abstrata “sociedade civil”, mas de uma sociedade de ordem burguesa. Por desassociar esta sociedade com a sociedade universalmente concebida, o Estado aparece então, não como se fora expressão universal da natureza, mas 26 como uma forma particular de Estado. Estando inserido no modo de produção capitalista que corresponde a uma sociedade burguesa, este Estado tem caráter burguês. É importante enfatizar que para Marx estes momentos não são estruturas blindadas e separadas, mas são parcialidades no interior de uma totalidade dinâmica que tem determinação pelas condições materiais. Contrapõe-se à visão mecanicista que separa mecanicamente uma estrutura econômica e uma superestrutura política, jurídica e a que corresponde certa forma de consciência. Para Gramsci (1999) “O Estado é a organização econômico-política da classe burguesa. O Estado é a burguesia na sua concreta força atual”. A breve discussão é posta aqui para elucidar a concepção de Estado que perpassa o exercício do Assistente Social. Posto que o Estado é o grande responsável pela execução das Políticas Sociais e, consequentemente, intrínseco ao exercício da profissão. Ou seja, a compreensão e escolha de uma concepção teórico-política acerca do Estado pela profissão e pelo profissional, implica diretamente sobre a forma de execução do exercício profissional. 2.3 “Questão social” Nas Cinco Notas a Propósito da "Questão Social", Netto (2004) nos mostra que o termo “questão social” é empregado na história há aproximadamente 180 anos (170 no texto publicado em 2004) pelos críticos e filantropos da época. Um termo que surge para conceituar os rebatimentos de um novo modelo de produção de bens - primeira era de industrialização do capitalismo, com início na Inglaterra – referente à pauperização em massa. A desigualdade social na história da humanidade tem longa data, muito superior ao início do período capitalista, que ainda se encontra vigente. Mas no que se refere à desigualdade social no capitalismo são identificadas características específicas. São motivos diferentes que a configuram, diferente aos períodos anteriores. O fator que condicionava a pobreza anteriormente ao modo de produção capitalista, para além da desigualdade na distribuição da riqueza (com as 27 classes dominantes ficando com a maioria e a melhor parte do que era produzido), era o precário desenvolvimento das forças produtivas. Com o capitalismo, a (suposta) solução da escassez parecia estar prestes a acontecer, pelo incremento da tecnologia própria da era industrial. Porém a produção industrial sob a lógica da propriedade privada e empregadora da força de trabalho livre3 é transformada em impulsionadora da pobreza. Estabelece-se uma nova forma de produção cujo atendimento das necessidades humanas já não são necessariamente a razão da produção. "Pela primeira vez na história registrada, a pobreza crescia na razão direta em que aumentava a capacidade social de produzir riquezas." (NETTO, 2004 p.42) O pauperismo se caracteriza desse modo, especificando a pobreza que surge dos próprios meios que dariam conta de sanar as necessidades humanas. Conforme apresentado no sub capítulo 2.1, na tradição marxista afirma-se que o modo como se organizam os processos de produções dos bens materiais determina toda organização da sociedade. Logo, essa nova estrutura de produção faz com que surjam novos desdobramentos sócio-políticos para o meio social. No processo que Marx designa como acumulação primitiva, parcela da população é retirada dos seus antigos meios de subsistência no campo, por roubos e pressões econômicas, sendo condicionada às péssimas condições de trabalho nas fábricas, em situação de máxima exploração, configurando a pauperização. Trabalhadores em situação de pauperização constituíam um grupo uniforme em posição, características e interesses. Mas se a consciência de classe não é um processo simples nem rápido, no entanto ele aparece sempre na história. Trabalhadores imersos na situação de pauperização absoluta, começam a questionar, lutar, exigir, constituindo-se rapidamente como ameaçadores á ordem do capital. Nesta situação as classes dominantes tentam elaborar respostas à ameaça posta pela organização dos trabalhadores, ocupando-se então de pensar saídas que não ameaçassem a lógica vigente,para o que passa a ser denominado, a partir daí, de “questão social”. 3 Liberta das forças produtivas, livre pra compra e consumo em meios de trabalho de propriedade alheia. 28 "Foi a partir da perspectiva efetiva de uma [destruição] da ordem burguesa que o pauperismo designou-se como 'questão social'" (NETTO, 2004 p.43) Passa a se entender "questão social" a partir das problematizações da parcela em situação de miséria frente a tanta produção de riqueza, o embate entre as classes que se configuraram como trabalhadora e burguesa: a luta de classes. A partir da metade do século XIX, o conceito de "questão social" deixa de ser tratado pela criticidade, que de certa forma apontavam as contradições do sistema, e é acolhido por pensadores conservadores. Cuja burguesia já estabelecida econômica e politicamente, com os intelectuais a ela vinculados produzindo e reproduzindo a ideologia dominante para a manutenção da ordem. Produções intelectuais vão buscar justificar as contradições inerentes do capitalismo e legitimar a reposição do Capital. "Posta em primeiro lugar, com o caráter de urgência, a manutenção e a defesa da ordem burguesa, a 'questão social' perde paulatinamente sua estrutura histórica determinada e é crescentemente naturalizada." (NETTO, 2004 p.43) Dentro da perspectiva conservadora a "questão social" toma duas vertentes entre seus pensadores. Uma a qual os intelectuais laicos vão justificar que a expressões da "questão social" são características inerentes e inelimináveis da modernidade, avaliadas e comprovadas em teses científicas. A outra na perspectiva do conservador confessional na qual as mazelas da "questão social" demandam medidas sócio-políticas para diminuir seus efeitos, vistos como pertinentes à vontade divina. Desta forma tratam de criar meios para amenizar expressões decorrentes da “questão social”, restritamente nas aparências desse fenômeno político-econômico, respeitando as leis do livre mercado. Em ambos os casos o enfrentamento à "questão social" se dá sem os apontamentos fundamentais que retratam a realidade e, então, o enfrentamento passa a ser operado na reforma moral do ser humano e da sociedade, nas mudanças de escolhas limitadas dentro de um modelo já posto. Resguarda-se assim a propriedade privada dos meios de produção e a exploração da força de trabalho. 29 Porém, com a explosão em 1848 de um forte movimento social frente às investidas da classe burguesa, a consciência política que identificava a estrutura de sociedade opressora foi alcançada pela classe trabalhadora. Identifica-se a “questão social” como parte da sociedade de classes, atribui-se às suas formulações valores conservadores, posto que o seu fim só poderia ocorrer dado numa sociedade sem classes. Ainda que os movimentos operários tivessem a “questão social” como resultado daquele modelo não se tinha fundamentações teóricas que articulasse as causas na sua gênese. Foi com Marx na publicação d’O Capital que a “questão social” vem articulada ao modo de produção capitalista e que não se apresenta como etapa de uma evolução, e sim como sempre presente e necessária no processo de acumulação de mais-valia. Mostra-se nesta produção como indissociável o fim da “questão social” ao fim do modo de produção capitalista. Com os meios de produção privados e a busca incessante pelo crescimento do lucro, a classe trabalhadora fica condicionada à exaustiva exploração. A análise marxiana situa a “questão social” ao molde capitalista fazendo a diferenciação da exploração do período pré-capital. Na era moderna a produção encontra instrumentos e máquina advindos da inovação tecnológica que capacitam maiores produções em menos tempo. A exploração do ser humano por outro ser humano teria seu fim em vista, mas a constituição de uma de classe(exclusivamente) no controle dos modos produtivos condiciona a finalidade da implementação tecnológica. Logo, a tecnologia não proporciona melhor divisão do tempo e modo de trabalho, mas aprofunda a exploração do esforço físico e mental do(a) trabalhador(a). A energia da classe trabalhadora, apropriada na forma materializada dos produtos de seu trabalho ao acompanhamento dos avanços tecnológicos passa a ser proporcionalmente mais expropriada pela burguesia. A exploração dá-se na apropriação da riqueza gerada por outro, no uso da força de trabalho alheia para obtenção privada dos produtos. Na medida em que a potencialização do trabalho cresce, a exploração da classe trabalhadora cresce na mesma proporção. 30 "A 'questão social', nesta perspectiva teórico-analítica, não tem a ver com o desdobramento de problemas sociais que a ordem burguesa herdou ou com traços invariáveis da sociedade humana; tem a ver, exclusivamente, com a sociabilidade erguida sob o comando do capital." (NETTO, 2004, p.46) Na análise marxiana é posta a construção da “questão social” e mostra que as reformas não sanam suas expressões, tampouco pressupõe seu fim. No Pós II Guerra Mundial o capital obteve até os anos 1970 um grande crescimento econômico nos países vitoriosos da guerra. Esse crescimento deve-se na relação econômica estabelecida com os países derrotados e também com os que eram caracterizados como “terceiro mundo”. Para os países do "primeiro mundo", principalmente na Europa, durante o crescimento pareciam ter jogado para o passado a “questão social”, pois se via nas políticas do Estado de Bem Estar Social que as expressões da “questão social” foram amenizadas. Com as expressões amenizadas as contradições do sistema eram encobertas, trabalhadores conseguiam atendimento de alguns direitos ainda que não superassem a condição de exploração. Nessa conjuntura de crescimento econômico tais acontecimentos fundamentaram a ideia dos intelectuais críticos que a pauperização permanecia porém, de forma relativa. Como próprio da estrutura capitalista após o período de crescimento (pós guerra até os anos 1970) as taxas de lucro começaram a decrescer. A história retrata nesse período uma conjuntura de globalização em perspectiva política e econômica neoliberalista, cuja característica traz o deslocamento das áreas sociais nas atenções do Estado para garantia da superação da crise instalada, como o fim do Welfare State em alguns países. Logo, se apresenta uma nova fase de um modelo antigo de sociedade (pela teoria marxista), mas para alguns intelectuais que concebem um novo modelo posto sobre o antigo, ultrapassado - é o ponto de partida para configuração de uma “nova questão social”. A formulação da “nova questão social” é consequência do rompimento teórico de intelectuais de formulações diversas, com a perspectiva da totalidade, conforme expressa a economia política de Marx. Estes intelectuais rompem também com a perspectiva de superação da ordem do capital, possibilidade posta na teoria social 31 desde as formulações dos socialistas utópicos do século XIX, e colocada como possibilidades não utópicas mas ao alcance da classe trabalhadora pela obra de Marx. Isto é, o que a economia política de Marx aponta é para a possibilidade concreta da construção de uma sociedade sem classes, sem exploração. Possibilidade que assusta parte da comunidade intelectual comprometida com a luta contra a opressão mas que não se perfila ao lado dos que lutam contra o fim da exploração. A tradição marxista demonstra que a “questão social” opera em todo o mundo sob a lei geral de acumulação capitalista em determinadas fases do capital e em conjunturas históricas junto as especificidades de cada país. A supressão da “questão social” fica diretamente ligada a supressão do modelo capitalista. 2.4 Emancipação política e emancipação humana A polêmica entre os autores mencionados (Marilda e Lessa) acerca de qual o papel do Serviço Social, se práxis fundante (trabalho) ou fundada, remete necessariamente à discussão acerca de qual a contribuição que o Serviço Social pode ofertar para o processo da emancipação humana. Analisemos então a relação entre emancipação política e emancipação humana, a partir da forma como o Serviço Social se situa na divisão social do trabalho, analisando as possibilidades de resistência e de luta para avançar coletivamente em direção à emancipação humana. No modo de produção capitalista, a existência da propriedade privada dos meios de produção e a consequente exploração do ser humano sobre o ser humano, condicionam a sociabilidade, os processos de trabalho e as lutas para a superação desta ordem. Os limites das lutas na sociedade capitalista são postos pelo fato de que “a emancipação política é a redução do homem, de um lado, a membro da sociedade cidadão do Estado, a pessoal moral.” (MARX,1991 p. 50). Sendo assim, as expressões da “questão social”, cuja resolução demandam a interlocução com o Estado, mesmo quando exitosas nas suas reivindicações (fato cada vez mais raro 32 em tempos de neoliberalismo) consistem apenas na emancipação possível para os indivíduos dentro do modo de produção capitalista. Os projetos revolucionários colocam a emancipação humana como horizonte, tendo, no entanto, de partir de uma realidade posta que está muito distante de tal horizonte. No entanto, a práxis social expressa no serviço social, dentro do contexto da acumulação flexível do capital, ao lidar com as contradições entre Emancipação Política e Emancipação Humana, pode se constituir como modelo de resistência à barbárie. Dado que a realização de grande parte da vida profissional do assistente social se dá tendo como empregador o Estado ou em estrita relação com ele, é fundamental analisar quais os elementos postos na relação Estado-Sociedade Civil, para a possibilidade de construção de um movimento possível de superação em direção à emancipação política. Como este movimento pode ocorrer na sociedade capitalista na sua fase de acumulação flexível (particularidade), conforme adotemos uma concepção do Serviço Social como práxis fundante ou fundada? Em Marx, a emancipação política se refere ao nível de apropriação e objetivação que um indivíduo pode alcançar dentro da ordem de produção capitalista, significando um avanço. Para o autor, embora a emancipação política não seja a última etapa da emancipação humana em geral, caracteriza-se no entanto como a derradeira etapa da emancipação humana dentro do contexto do mundo atual. (MARX, 1991 p. 28). Para legitimar-se e aparecer como instituição supraclassista, se faz necessário que o Estado acolha as demandas oriundas da luta social dos trabalhadores. O processo de integrar estas demandas sociais (sempre periféricas, jamais centrais), pelo Estado, visa produzir um movimento de coesão (EIKO, 2013). É nesse processo de legitimação que ocorre o desenvolvimento da emancipação política [para Marx], ou seja, começa a existir, por parte do Estado, uma implicação maior em garantir o acesso aos direitos sociais. Para Marx e Engels, o Estado, que é fruto da inconciliabilidade das contradições de classe, cumpre o importante papel de amortecer a colisão das classes, pois isso garantirá a existência e continuidade da classe dominante, da qual ele é o guardião dos interesses. Compreender como tem se desenhado esta relação 33 Estado-Sociedade Civil, é compreender como se dão estas contradições nas lutas e enfrentamentos realizados pelos setores comprometidos com as demandas dos trabalhadores. Para tanto, se faz necessário analisar qual o papel do assistente social na construção de processos de emancipação (política e humana) frente á realidade posta. Afirma-se aqui que para produzir um conhecimento sobre a realidade social é necessário uma radicalidade assente na centralidade ontológica da categoria Trabalho no processo de constituição do ser social. O trabalho tomado em sua dimensão concreta, como atividade de transformação do real pelo ser humano e, que permite e promove dialeticamente, a transformação de si e do mundo, enquanto elemento fundante do gênero humano. Tal processo se dá pelo engendramento dum salto ontológico que, ao mesmo tempo que satisfaz as necessidades humanas por meio da atividade, retira esta existência humana das determinações meramente biológicas. Conforme afirmado anteriormente, é pelo trabalho, pelo “pôr teleológico”(LUKÁCS apud EIKO, 2013), que os seres humanos se desenvolvem objetivamente e que é produzido o chamado gênero humano, entendido como o corpo inorgânico do ser humano, representando todas as aquisições e produções historicamente acumuladas na história da humanidade. A genericidade humana pode ser alcançada somente a partir da apropriação/objetivação do gênero humano, quando supera a determinação unívoca da natureza. Marx também concebe a noção de sujeito enquanto ser genérico sendo que o 'genérico' tem aqui a função primordial de ligar cada indivíduo em particular ao seu gênero. Segundo Eiko, “É a dimensão do “universal” que deve realizar-se em cada ser humano, singularmente, desde que esse universal não seja concebido abstratamente, desencarnado e irreal”. Sendo o individuo um ser singular que se relaciona com o gênero humano, na acepção de Oliveira (2005) a universalidade, a partir da mediação da sociedade, das condições concretas de sua vida, é denominada como particularidade. É nesta particularidade que ocorre a relação entre singular-universal, a qual é engendrada pelo processo de apropriação-objetivação característico da atividade vital humana, o trabalho. No entanto, se a relação singular-universal for tomada apenas do ponto de vista da relação entre o indivíduo e a sociedade, a emancipação do ser humano singular queda restrita á mera emancipação política, inerente à concepção de cidadão, 34 somente referida á relação do indivíduo com o Estado, não realizando a relação do indivíduo com o gênero humano. Assim, posto o motivo último da relação indivíduosociedade se atém ao processo adaptativo do indivíduo à sociedade. A apropriação das relações sociais objetivadas na sociedade capitalista ocorre sob a forma de uma apropriação espontânea, em si. Os seres humanos, como resultado da naturalização de tais relações, passam a se submeter a elas, subjetivando-as e constituindo uma identificação espontânea com a situação dada. Como consequência, ocorrendo o destaque do produto sócio-histórico da evolução da humanidade (gênero humano) da evolução do indivíduo (ontogênese), ocorre a alienação entre as produções históricas da humanidade e a vida particular dos indivíduos. Alienação esta que é a forma como, na sociedade capitalista (MARX,1989), o trabalho se desenvolve, ocorrendo seja na relação do trabalhador com o produto de seu trabalho, seja no próprio ato da produção do trabalho. A forma histórica que o trabalho assume no capitalismo, a partir da exploração ao qual é submetido, engendra a alienação, provocando um distanciamento entre a produção genérica e a apropriação social pelos indivíduos. Somente com o fim da ordem do capital, que promove a exploração do trabalho, aliena e reduz as possibilidades de desenvolvimento das mais altas capacidades humanas, é que podemos perspectivar o alvorecer da emancipação humana, processo no qual todas as potencialidades humanas se realizarão, de forma singular em cada ser social. 35 3 SERVIÇO SOCIAL, O PALCO DO DEBATE “(...)O tempo histórico Aprisionado, encarcerado, apodrecido, reproduzido Movimentado F = m.a Aceleração = força sobre a massa Aumentá-la até tender ao infinito Pesar sobre a massa Acelerar as massas... Empurrá-las rápido abismo abaixo Em = Ec + Ep À beira do abismo A energia potencial é máxima Para o capital Mas o capital não quer só a potência Quer consumir a força À força Acelerá-la mais, mais, mais Quer a energia cinética máxima A energia cinética máxima que Um corpo adquire quando chega Ao chão depois de um voo cego livre Um cego livre Cegos e livres Corpos no chão Velocidade máxima Potencial mínimo Velocidade zero Tempo arrasado Time of death. (...) Alexandre Magno Teixeira de Carvalho 3.1 Aspectos teóricos-metodológicos de origem e desenvolvimento histórico Para abordar os fundamentos históricos do Serviço Social no Brasil faz-se uso das contribuições de Yazbek(2009) nas análises das tendências que permearam a leitura da realidade e a orientação de intervenção. São as tendências de cunho religioso associado ao catolicismo no acompanhamento do crescente domínio do Brasil pelo capital e também das matrizes teórico metodológicas acerca da sociedade. A primeira tendência, que abarca o surgimento da profissão em contexto de forte expansão capitalista, aparece composta pelo ideário católico. O que implicará na abordagem da “questão social” como um problema moral e religioso, na qual sua resolução deveria se dar na formação da família e do indivíduo junto ao atendimento das necessidades materiais, morais e sociais. Neste momento atua-se sobre valores e comportamentos de seus “clientes”, na ideia de ajuste para adequação às relações sociais econômicas. (YAZBEK, 2009) 36 As orientações teóricas tem origem no pensamento de São Tomás de Aquino 4 (Tomismo) que foram recuperadas ao final do século XIX na França e na Bélgica sob a necessidade de responder aos fenômenos negativos da economia capitalista (Neotomismo5). Surge a Doutrina Social da Igreja6, pautada no programa francobelga. O Serviço Social associado à Igreja Católica se coloca como militante dos valores humanistas conservadores como: a manutenção da dignidade humana; desenvolvimento de potencialidades; a sociabilidade; o bem comum; e a autoridade necessária para justiça. Buscava-se restaurar as ideias da Igreja frente à “questão social”. O que fazia com que de forma acrítica se mantivesse em consonância com a economia liberal. A partir dos anos 1940 em contato com o Serviço Social norteamericano pautado na teoria social positivista, a categoria brasileira incorpora em sua caracterização a tecnificação da sua atividade. Tal qualificação se faz necessária para sistematização do espaço sócio-ocupacional em resposta ao surgimento das políticas sociais implementadas pelo Estado nacional associadas à manutenção econômica do país. Neste período surgem as leis trabalhistas e o ministério do trabalho por um governo de cunho populista. Nesse processo de tecnificação dá-se a legitimação profissional com uma ocupação na divisão sócio técnica do trabalho e condição de assalariamento. O fato do Serviço Social em profissionalização traz o requerimento da ampliação dos referenciais técnicos para operação, o que próximo às influências positivistas e o 4 “Teólogo dominicano que escreveu obra filosófica caracterizada por uma perspectiva humanista e metafísica do ser que vai marcar o pensamento da Igreja Católica a partir do século XIII. Merece destaque na obra Suma Teológica.”(YAZBEK, 2009 p.191) 5 “Neotomismo ‐ retomada do pensamento de São Tomás a partir do papa Leão XII em 1879 na Doutrina Social da Igreja e de pensadores franco belgas como Jacques Maritain na França e do Cardeal Mercier na Bélgica. Buscavam nesta filosofia diretrizes para a abordagem da questão social.”(YAZBEK, 2009 p.191) 7 “No que se refere à Doutrina Social da Igreja merecem destaque nesse contexto as encíclicas ‘Rerum Novarum’ do Papa Leão XIII de 1891, que vai iniciar o magistério social da Igreja no contexto de busca de restauração de seu papel social sociedade moderna e a ‘Quadragésimo Anno’ de Pio XI de 1931 que, comemorando 40 anos da ‘Rerum Novarum’ vai tratar da questão social, apelando para a renovação moral da sociedade e a adesão à Ação Social da Igreja.”(YAZBEK, 2009 p.4) 37 histórico religioso gera-se uma junção “do discurso humanista cristão com o suporte técnico-científico [...] positivista, [reiterando] [...] o caminho do pensamento conservador, pelas mediações das ciências sociais”(YAZBEK,2009 p.169). A autora ressalta, que a doutrina e o conservadorismo não se fazem presente para abstração e explicação das relações sociais, mas se constituem para dar suporte político à ordem econômica. A doutrina por se tratar de uma visão de mundo fundamentada em dogma e o conservadorismo por manter-se resistente aos avanços da modernidade. Já a teoria social, por sua vez constitui conjunto explicativo totalizante, ontológico, e, portanto organicamente vinculado ao pensamento filosófico, acerca do ser social na sociedade burguesa, e a seu processo de constituição e de reprodução. A teoria reproduz conceitualmente o real, é, portanto, construção intelectual que proporciona explicações aproximadas da realidade e, assim sendo, supõe uma forma de autoconstituição, um padrão de elaboração: o método. Neste sentido, cada teoria social é um método de abordar o real. O método é, pois a trajetória teórica, o movimento teórico que se observa na explicação sobre o ser social. (YAZBEK, 2009 P.169) O primeiro suporte teórico-metodológico do Serviço Social brasileiro ancorado à matriz positivista compreende as relações sociais imediatas à objetividade. As “mazelas” da sociedade, os indivíduos e famílias desajustadas, “clientes” do Serviço Social são analisados em sua aparência sem mediação de uma teoria social crítica que subsidie compreensão com as demais relações existentes. Como exemplo, ao indivíduo que se encontra em condição de mendicância se espera com a intervenção do Serviço Social o desenvolvimento de suas potencialidades e integração ao mercado formal de trabalho sem discernimento das forças que o colocaram em tal condição. Parte-se do pressuposto que todos são iguais, podem e merecem uma vida digna e por isso devem conduzir suas vidas para tal direção. Ressaltam-se as forças(escolhas) individuais. Particularmente em sua orientação funcionalista, esta perspectiva é absorvida pelo Serviço Social, configurando para a profissão propostas de trabalho ajustadoras e um perfil manipulatório, voltado para o aperfeiçoamento dos instrumentos e técnicas para a intervenção, com as metodologias de ação, com a “busca de padrões de eficiência, sofisticação de modelos de análise, diagnóstico e planejamento; enfim, uma tecnificação da ação profissional que é acompanhada de uma crescente burocratização das atividades institucionais” (YAZBEK, 1984, apud Ibidem). 38 No contexto dos anos 1960, de grande crescimento econômico dos países centrais do sistema capitalista pós Segunda Guerra Mundial, aos países da América Latina foram postos a exclusão e subordinação. Nesse momento de mudanças políticas, sociais e culturais a profissão contagiada pelas movimentações de insatisfação se direciona para uma revisão de suas orientações teórica, metodológica e operativa. Tal questionamento coloca aos profissionais da América Latina, sentidos pelas mobilizações populares, a necessidade de uma construção de projeto que responda as demandas das classes subalternas. E é nessa nova construção que a teoria social crítica de Marx tem aproximação com a profissão, ainda que de forma limitada e obnubilada. É nesse movimento de Reconceituação(latino americano) que se disputam as tendências para fundamentar o exercício profissional do assistente social e situar a profissão teoricamente. No Brasil, com a presença dos militares no governo, a categoria, dada a conjuntura, priorizou as características tecnocrática e modernizadora em seu projeto profissional num primeiro momento.7 Entretanto, nos demais países do Cone Sul o Serviço Social “assume claramente uma perspectiva crítica de contestação política e a proposta de transformação social”(YAZBEK, 2009 p.171) ainda que não se sustentasse pela ausência de conteúdo crítico que embasasse a atuação e pelas intervenções militares que passam a ocorrer. Ao final dos anos 1970 a categoria brasileira ainda está influenciada pelos autores latino americanos que avançaram na produção crítica, mas tiveram suas falas silenciadas. Porém, há também nesse período início das produções intelectuais do Serviço Social brasileiro que resulta nas seguintes vertentes de análise emergidas na Reconceituação: a vertente modernizadora (NETTO apud YAZBEK, 2009 p.172) [com] abordagens funcionalistas, estruturalistas e mais tarde sistêmicas (matriz positivista), voltadas [...] à melhoria do sistema pela mediação do desenvolvimento social e do enfrentamento da marginalidade e da pobreza na perspectiva de integração da sociedade. [Com] recursos buscados na modernização tecnológica e em processos e 7 Tem-se como registro que melhor expressam esse momento os documentos de Araxá e Teresópolis. 39 relacionamentos interpessoais. [Dá-se em projeto] tecnocrático fundado na busca da eficiência e da eficácia que devem nortear a produção do conhecimento e a intervenção profissional; a vertente inspirada na fenomenologia, [com metodologia dialógica e] visão de pessoa e comunidade [intermediando os sujeitos singulares com o mundo]. Esta tendência que no Serviço Social brasileiro vai priorizar as concepções de pessoa, diálogo e transformação social (dos sujeitos) é analisada por Netto (1994, p. 201 e ss) como uma forma de reatualização do conservadorismo presente no pensamento inicial da profissão; a vertente marxista que remete a profissão à consciência de sua inserção na sociedade de classes e que no Brasil vai configurar‐ se, em um primeiro momento, como uma aproximação ao marxismo sem o recurso ao pensamento de Marx. (YAZBEK, 2009 p. 173) Yazbek, enfatiza que, nesta fase, a apropriação do marxismo se dá tanto no Brasil como na América Latina de formas reducionista, cientificista e estruturalista, e influencia o documento do Método B.H.8. E é nesta relação precária com o marxismo que a profissão se posiciona politicamente questionando a postura do Serviço Social tradicional, dando início ao movimento de ruptura. Segundo a autora, é no início dos anos 1980 com Marilda Iamamoto que o Serviço Social se apropria com maior domínio da teoria social de Marx na apreensão do ser social em suas mediações. Enfatiza-se aqui que, para além da avaliação formulada por Yazbek, outros autores, como Netto, possuem um papel determinante neste processo de apropriação da apreensão da teoria social de Marx. Neste momento a categoria busca a apreensão da realidade a partir dos fatos como indicadores portadores de relações que o explicam na sua totalidade. É esta orientação que concebe a abordagem hegemônica do Serviço Social como participante da reprodução das relações sociais e aparece expressa nas diretrizes curriculares, regulamento da profissão e no código de ética. A abordagem marxista que avança seguindo pelos anos 1990 aproxima e se influencia das formulações de Antonio Gramsci, Agnes Heller, Georg Lukács, Edward P. Thompson e Eric Hobsbawm. A construção hegemônica de perspectiva marxista na profissão deste período carrega em si diferentes correntes. São no debate e na construção coletiva do Serviço Social compromissado com a classe trabalhadora que as múltiplas correntes expressam 8 suas divergências. A categoria profissional passa a abarcar Designação dada ao método elaborado pela equipe da escola de Serviço Social de Belo Horizonte no período de 72 a 75 e que propunha a constituição de uma metodologia alternativa às perspectivas das abordagens funcionalistas da realidade. Buscava articular teoria e ação em sete momentos. 40 desdobramentos teóricos diferenciados ainda que submetidos a um amplo referencial. Coloca-se em voga a percepção de um pluralismo nas produções e organizações da categoria, cuja problematização passa a ser objeto de estudos em contraponto ao ecletismo. A ocorrência da maturação teórica metodológica que no contato com as ciências (sociais) se desenvolve em maturação científica, traz reconhecimento pelas possibilitadas organizações da categoria que se colocam como proponentes das intervenções do Serviço Social. Entretanto, tal maturação científica que possibilita o posicionamento progressista não apaga as diferentes formas de pensar e agir de todos os profissionais. O posicionamento hegemônico, não totalitário, enfrenta as existentes ligações de pensamentos e intervenções com as posturas originárias da profissão. A ruptura com o tradicionalismo não extingue o conservadorismo e o reacionarismo. Tem-se no início dos anos 2000 “[expressão da] democratização da convivência de diferente posicionamentos teórico-metodológicos e ideopolíticos [presentes] desde o final da década de 1980”(YAZBEK, 2009 p. 177) na maturidade profissional. E é nesta fase, pós Constituição Federal(1988) que os profissionais passam de executores a gestores e planejadores das políticas sociais. Cuja conjuntura é atravessada pela flexibilização do trabalho, erosão da proteção social do Estado, priorização dos reajustes da economia, corte de gastos públicos e privatização que dão a “questão social” um novo perfil. Nesses anos de neoliberalismo as políticas sociais passam a ser de responsabilidade não só do Estado mas também da sociedade civil abordando a filantropia e a seletividade (por parte do Estado) nos programas na perspectiva de combate à pobreza. Esse quadro coloca para o Serviço Social novas questões: a profissão enfrenta o desafio de decifrar algumas lógicas do capitalismo contemporâneo particularmente em relação às mudanças no mundo do trabalho e sobre os processos desestruturadores dos sistemas de proteção social e da política social em geral. Lógicas que reiteram a desigualdade e constroem formas despolitizadas de abordagem da questão social, fora do mundo público e dos fóruns democráticos de representação e negociação dos interesses em jogo nas relações Estado e Sociedade.(YAZBEK, 2009 p. 179) 41 Os impactos da economia não apenas afetam o universo do objeto de intervenção, mas também a categoria profissional. Junto às questões analíticas do objeto de trabalho da categoria se colocam também as novas modalidades de intervenção sob novas condições de realização. Aparecem as terceirizações, contratos parciais e temporários que passam a demandar novos conhecimentos técnicos-operativos e capacidades individuais em arena de competitividade e individualismo. Tem-se como resultado declínio da ética9. A “contradição” desse período está posta por um aumento da presença de assistentes sociais de caráter consolidado e maduro, o qual buscam a defesa de um projeto que atenda as classes subalternas, nas execuções e espaços de discussão das políticas sociais enquanto diminui-se10 os recursos às políticas sociais. 3.2 Ética e Serviço Social Trazer o debate acerca da ética na profissão se faz importante não apenas pelo assunto ao qual se propõe esta monografia mas também pela presente conjuntura que apresenta dificuldades para a profissão que tem como marca histórica os avanços e configurações progressistas. Vê-se na contemporaneidade as muitas dificuldades de implementação do código ética que somado às questões práticas e objetivas do exercício profissional fazem-se presentes teorizações que abrangem a abstração histórica da realidade e seus fundamentos em discursos confusos. Fica posto para prática profissional campo amplo para reprodução abstrata das categorias éticas, as sobrepondo à explicação racional. Como colocam Teixeira e Braz(2009): as práticas coletivas projetadas e os projetos societários envolvem diversas atividades, sendo então essas atividades e práticas que constituem os projetos em si. Sendo assim, as práticas do Serviço Social constituem qual/quais projeto(s)? 9 Cf Yazbek, 2009 10 Embora nota-se um aumento quantitativo de valor destinado à assistência social nos anos 2000 até a atualidade é preciso apontar que a maior parte é destinado para os programas de transferência de renda em detrimento das políticas de acessibilidade aos direitos sociais. 42 No modo de produção em que a mercadoria é totem/símbolo máximo da sociedade, a ética criada e utilizada tem caráter individualista e pressupõe desarticulação com as demais unidades integrantes da realidade social. Nas condições impostas pelo modo de produção capitalista, os indivíduos buscam sanar suas necessidades pessoais se sobrepondo aos demais interesses coletivos. Todavia, as atividades assim são postas devido às determinações reais geradas na luta de classes. O caráter político de cada prática é dado pelo fato de inevitavelmente influir sobre interesses de classes e não por escolhas morais. A moral direciona a ação usando o potencial político nela existente. Neste modo de produção, (como já apresentado anteriormente a respeito do caráter criador do trabalho na sociedade) o comportamento, a moral e o ethos social têm como parâmetro valores próprios do liberalismo. A reprodução da vida humana constitui o mundo prático-material e consequentemente a constituição do mundo prático-ideal, necessário a manutenção do primeiro. No capitalismo, produz-se o ethos burguês fundamental ao seu funcionamento nas orientações ideais (plano das ideias) às objetivações necessárias na estrutura social. Busca-se apresentar ética enquanto categoria, produto da socialização funcional à reprodução social. Carregada de valores morais colocam em movimento ações orientadas em determinadas finalidades. Tais finalidades podem ser a reposição da fluente ordem social ou contra proposta. Como apresenta Barroco(2009), a ética no mundo concreto, nas relações humanas tem como característica alcance limitado nas transformações porém, é fortemente contributiva na sociedade. Na ética do ser social, se estabelece mediação do momento/fase singular para o ser humano genérico. Faz parte da práxis social. A práxis presente no trabalho (transformação da natureza) se amplia para todas as atividades dele oriundas. Com o desenvolvimento do trabalho, a ação do trabalho ganha maiores mediações se distanciando de uma intervenção direta. Outras objetivações se fazem presente que não necessariamente tratam em si da intervenção na natureza, embora estejam ligadas à essa atividade. Tais objetivações 43 circundam o plano imaterial, das ideias, do conhecimento, do comportamento e nelas se faz presente a ação ética-moral. Faz-se necessário levar em consideração a composição histórica do ser social, desenvolvido pelo aperfeiçoamento do trabalho, para compreender a ética. É tratada na forma da consciência humana com caráter de decisão sobre escolhas por meio da racionalidade. Nas escolhas sobre as alternativas faz-se juízo de valor. “O fato de toda ação consciente conter uma posição de valor e um momento de decisão propicia o entendimento de que a gênese do valor e das alternativas seja dada somente pela avaliação subjetiva dos indivíduos.” (BARROCO, 2009) Porém, ressalta a autora que o valor e a alternativa são produtos concretos, são objetivadas na ação do ser humano. Neste sentido as escolhas são feitas entre produtos (materiais e imateriais) possuidores e não possuidores de valor somado também as possibilidade de objetivação. Coloca-se com isso que as escolhas não se dão somente entre as alternativas postas, mas ao que oferecem. Como apresenta Barroco, a ação ética traz ao sujeito a escolha racional e consciente entre valores, a projeção teleológica de cada escolha e a intervenção na realidade social pautando-se em princípios, valores e projetos ético-políticos. Todas as características postas na ação ética são baseadas nas condições reais postas social e historicamente. Como tal, a ética dirige-se à transformação dos homens entre si, de seus valores, exigindo posicionamentos, escolhas, motivações que envolvem e mobilizam a consciência, as formas de sociabilidade, a capacidade teleológica dos indivíduos, objetivando a liberdade, a universalidade e a emancipação do gênero humano. (BARROCO, 2009 p. 198) Na sociedade capitalista cuja perpetuação da exploração do ser humano por outro ser humano pautada na propriedade privada dos meios de produção cria classes antagônicas, a objetivação ética se dá de forma desigual e limitada. Desenvolvem-se produtos materiais e imateriais cujo usufruto é dado de forma desigual pelos indivíduos da sociedade. Nega-se a universalidade da objetivação do 44 ser social. A ética como posta por Barroco (Ibidem), não é atingida em sua plenitude neste modo de produção. No desenvolvimento humano com as forças produtivas em aprimoramento, a moral torna-se presente nas relações humanas, estas que já não respondem instintivamente, mas racionalmente ao objetivo planejado. Tem como função a regulamentação do comportamento humano contribuindo para reprodução das relações sociais, mediadora das relações sociais. Propriamente como produto da humanidade tem referencial na história, é coletivamente estabelecida e passível de transformação. O agir moralmente envolve a adesão consciente e voluntária aos valores éticos, com alcance de possibilidade dos indivíduos singulares ao coletivo da humanidade. Porém, a moral posta nas ações humanas por repetição e reprodução pode ser interiorizada (e defendida) sem envolver necessariamente uma escolha livre e consciente de valores. Nesta perspectiva, na sociedade burguesa a moral possui função ideológica, contribuindo na manutenção da classe dominante reproduzindo seus interesses, difunde-se na sociedade o ethos dominante. Na realização das ações desprovidas de reflexão, próprias do cotidiano, a moral introduzida e/ou incorporadas previamente nessas ações são internalizadas pelo sujeito que as realiza de forma acrítica. Nesta esfera, do cotidiano, a moral é objetivada de forma alienada ao terreno do modo operativo superficial e imediato ao indivíduo singular. Barroco ao citar Heller(apud BARROCO, 2009 P.201) coloca que ao proveito da manutenção da lógica dominante preconceitos são produzidos e associados à moral. Para a classe dominante, que é minoria na sociedade, se faz necessário a fragmentação da maioria, explorada economicamente, para evitar potencial força de resistência. Assim, a moral carregada de preconceitos é posta no cotidiano perpetuando ações favoráveis aos interesses da classe dominante. Entretanto, a moral não se encontra ligada exclusivamente à condição de ação sob a individualidade no cotidiano. A moral, ressalta a autora, carrega a possibilidade de suspensão momentânea da cotidianidade alcançando a generalização, a dimensão humano-genérica. Alinhada aos valores éticos possibilita 45 afastamento das resoluções imediatas das necessidades e das intenções puramente individuais, associa-se às objetivações de alcance à humanidade, realização do ser humano genérico característico de representatividade do ser social. O alcance da elevação do cotidiano, tanto por ações práticas ou por reflexões teóricas ampliando as realizações de escolhas conscientes em prol da coletividade, condiciona os indivíduos como sujeitos éticos. As ações éticas do indivíduo carregam elementos de valor que propiciam seu julgamento. Esses elementos pertencentes às categorias éticas os tornam subsídios à ética. Ao que refere a profissão as ações morais ganham dimensão coletiva, uma frente atuante em diversos espaços. Coletivamente e historicamente, dentro dos seus limites e possibilidades, a categoria profissional ao lidar com as intervenções demandadas na divisão sócio-técnica do trabalho desenvolve uma direção éticopolítica própria dando forma ao fazer profissional. A ação ético-política da profissão tem sua materialidade nas ações morais, quando elaborada teorização ética e normatizados deveres e valores. Porém, não são suas formas absolutas de realização ética e dependem de outras determinações, busca-se para além da intenção dos sujeitos. (BARROCO, 2009 p. 204) A referida ação moral profissional trata-se da mediação que permeia e relaciona o indivíduo profissional singular, os demais sujeitos e o produto que se objetiva na intervenção. Por característica, revela a consciência moral e moralidade do determinado sujeito que executa a ação moral. Tal análise não exclui a percepção que os sujeitos carregam em si uma moralidade existente anterior à formação profissional e que esta é reforçada ou contraposta à medida que é encarada nos processos de socialização. A adesão a um projeto profissional pressupõe superação deste confronto moral com incorporação dos valores inscritos na totalidade que justificam a condição e relação da profissão com a totalidade da sociedade. 46 Quanto ao projeto ético-político, este ganha materialidade quando assumido a responsabilidade individual e coletivamente. Pressupõe organização e compromisso dos integrantes aos espaços de debate e construção, bem como ações consensuais às deliberações centralizadas. Como já sinalizado incorporam-se nesses processos visões de mundo advindas da educação formal e informal que irão consolidar hábitos e costumes. O próprio projeto ético é em si objetivação da ética. O que não significa unanimidade no cumprimento da própria profissão que o elabora. As orientações de conduta legalista não garantem sua realização. É preciso vontade e compromisso político, cuja orientação é marcada por interesses e não por valores éticos estabelecidos, ainda que possam estar em consonância. Posta na sociedade burguesa que possui maior desenvolvimento histórico no processo produtivo e concomitante negação do ser social, a ética se encontra num terreno de limites e possibilidades dessa sociedade que cria e nega possibilidades de avanços. No histórico da profissão, a categoria se pôs nos anos 1980 em articulação com movimentos sociais e rearticulação política dos trabalhadores também pelas lutas democráticas se posicionando contrário às características conservadoras carregadas por muitos anos desde a origem.11 Constrói-se um novo ethos que busca afirmação da liberdade, articulando valores e princípios que desencadeiam o compromisso com a classe trabalhadora uma questão ético-política central no exercício profissional. A construção do código de 1986 mostra-se insuficiente teórica e operacionalmente gerando em 1993 sua reformulação aperfeiçoada. Entretanto os anos 1990 vivenciaram os impactos da reorganização do mundo do trabalho. O código de ética(vigente) progressista chega em tempo histórico de grande ofensiva do Capital nas grandes áreas que afetam diretamente a profissão dos(as) assistentes sociais. Ainda que em terreno de difíceis objetivações éticas, o posicionamento tirado propicia ações de resistência política. 11 Movimento indicado no sub-capítulo 3.1 (p.34) 47 Barroco(2009) atenta que neste momento de perda de direitos e fortalecimento ideológico próprios do neoliberalismo que ocupam o campo de atuação do Serviço Social, esta categoria que tem um histórico associado aos valores individualistas e moralistas corre o risco de retomar tais posturas. As políticas econômicas e sociais que trazem esses valores favorecem o enfraquecimento da conduta ética por serem inevitavelmente instrumentos da prática profissional. E ressalta, que o enfrentamento deve ser pautado no conhecimento crítico da realidade baseado em conhecimento teórico-metodológico que propicie tal apreensão. Cujos conflitos morais mais suas formas alienadas e as dimensões singulares e totalitárias sejam apreendidas nas devidas mediações sob formação continuada, resguardando das postulações neoconservadoras. Exige-se participação coletiva dos sujeitos e que questionem radicalmente a realização da plena liberdade, fundamento central da construção ética. 48 4 BAILARINO OU COREÓGRAFO “(...) A história faz o tempo A humanidade faz a história O tempo da história tem peso Nós o carregamos, havemos de Carrega-lo Mas não nas tomadas do capital Velocidade da luz Nossa matéria não é dinheiro E = m.c² O capital não cessa? O capital não Para? O capital acelera g, 2g, 3g... 4G! Mais, plus, diferencial, valor Quem dá mais? Quem dá mais? Quem vai levar? Qual é o preço? Qual é o lucro? Não, não estou à venda, obrigado. Mentira. Sou posto à venda. Puseram a venda Meus olhos não veem O Abismo a velocidade Em que me aproximo do abismo A estupidez de nossa queda. Não faz sentido. Faz-se d’, mas sentido não se faz. Valor é lucro, nada mais. Nada mal, diz o senhor. Sempre foi assim, sempre será[?] (...) 4.1 Coreografia de Marilda Iamamoto Marilda Iamamoto, formada em Serviço Social com doutorado em Ciências Sociais, apresenta os resultados de sua pesquisa, no início dos anos 1980, cuja caracterização do Serviço Social é posta como especialização do trabalho coletivo, dentro da divisão social e técnica do trabalho, Inserido no processo de produção e reprodução social. Para Iamamoto(2000), para a realização deste debate se faz pertinente tomar a categoria trabalho na centralidade das análises da categoria profissional. Neste sentido, a autora responde as investidas pós-modernas de descentralização do trabalho – que justificam seu fim por não haver mais, de forma significativa, o exercício do trabalho em sua forma clássica – reconhecendo as retrações de emprego no campo industrial e agrícola que coloca ao trabalhador a situação de trabalhador livre afastado dos meios de realização de trabalho gerando um grande contingente excedente aos meios de produção. 49 Os impactos da reestruturação e contingente excedente acarretaram em múltiplas expressões sociais como crescimento de empregos no setor de serviços e diminuição de empregos no setor industrial, aumento do numero de mulheres, jovens e crianças à população economicamente ativa, convivência de trabalho assalariado com trabalho autônomo, doméstico e clandestino e ainda a precarização dos vínculos e relações de trabalho. E afirma que com o desenvolvimento das tecnologias e seu incremento nos modos de produção o trabalho tem sua potencialidade aumentada por gerar produto em quantidade e/ou qualidade superior em referência anterior às tecnologias incorporadas. Desse aumento da potencialidade do trabalho o empregador consegue reduzir os postos de trabalho vivo e ainda assim garantir a produção em equivalência ou superior ao processo anterior. Mas, no entanto, a parcela que é retirada do trabalho gerando novos impactos na sociedade como o aumento da pobreza, mantém relação com a forma que assume o trabalho no modo de produção capitalista. Ainda que não ocupem os postos formais de trabalho, este se mantém na centralidade da sociedade interferindo em todos os aspectos sociais. Para demonstrar a existência da centralidade do trabalho, Iamamoto(Ibidem) faz uso das formulações de Marx a respeito do trabalho. Do reconhecimento do trabalho abstrato enquanto atividade criadora de valor e das mercadorias com valores referentes ao tempo de trabalho socialmente necessário para sua confecção. E posto, também, que a mercadoria guarda em si valor de uso e valor, “que também se repõe na análise do trabalho, como trabalho concreto e abstrato, e dos processos de trabalho como processo de trabalho e de valorização” (Idem p.83) No que se refere ao trabalho abstrato a autora cita o trecho de Marx a respeito da categorização que se baseia na sociedade desenvolvida, do qual já não é possível analisar exclusivamente em suas determinações e sujeitos que a realizam em suas particularidades. O trabalho assume uma totalidade qual expressa as múltiplas objetivações sem sobreposição de uma sobre a outra. Ganha então dimensão generalizada para meio de produção (o que não se faz isoladamente de outros meios como ferramentas, matéria prima e etc), enquanto atividade do ser humano. Trabalho enquanto categoria. 50 Afirma-se que é notório que as produções de Marx têm em sua centralidade o sistema capitalista, porém em sua trajetória notou-se a importância de estudos sobre outros objetos que estavam para além da sociedade construída sob a égide do Capital. Da sistematização da categoria trabalho fazem parte das análises os modos de produção anteriores ao Capital e a forma que assume neste último. Trata-se do trabalho ontológico e trabalho histórico. A centralidade do trabalho na sociedade tem sua justificativa na constituição da vida humana, como necessário a reprodução humana, ou seja, sua existência e importância estão para além da sociedade capitalista e indissociável da vida humana. A diferença no capitalismo é a forma que assume o trabalho: fragmentado; alienado e alienante; limitado. O trabalho dá-se como meio de vida, e não como a vida em si. Ao tratar de trabalho abstrato, deve-se ter clareza da categoria ampla, generalizada da atividade criadora, que mantém a vida humana, para além do capital – sem perder a dimensão, é claro, da forma que assume nesse modo de produção. Iamamoto(Ib), ao referir-se às mudanças teóricas que tratam do exercício profissional do Serviço Social, afirma que a categoria “práxis social” se fez presente pelos anos 1980 para superar uma visão focalista da prática profissional. Mas junto a essa incorporação se fez necessário explicitação de suas particularizações para que evitasse confusão com prática social. Neste início de século XXI, acompanharam na concepção de prática profissional as condicionantes, internas e externas, ligadas à sua realização. Cujas condicionantes internas dizem respeito às capacidades e habilidades do profissional, já as condicionantes externas seriam as instituições empregadoras, recursos, políticas sociais e a realidade dos usuários ao qual o atendimento se faz objetivo. Em síntese, a prática profissional é vista como a atividade do assistente social na relação com o usuário, os empregadores e os demais profissionais. Mas, como esta atividade é socialmente determinada, consideram-se também as condições sociais nas quais se realiza, distintas da prática e a ela externas, ainda que nela interfiram.(Iamamoto, 2000 p.89) E como contribuição da autora, para se analisar com mais transparência pôs-se a análise do trabalho profissional inserido em processo de trabalho, tal qual possui características postas pelo sistema econômico 51 e político determinantes do processo de acumulação, e assim, o trabalho profissional é moldado pelas relações que estabelece em cada espaço não sendo idêntico em todas as suas determinações objetivas. A prática em si é identificada como trabalho, um dos elementos constitutivos do processo de trabalho. E Iamamoto prossegue, “Mas para existir trabalho são necessários os meios de trabalho e a matéria-prima ou objeto sobre o que incide a ação transformadora do trabalho.”(2000, p.95) A autora coloca também da existência de trabalhos situados no campo político-ideológico voltado à manutenção da ordem e criação de consenso de classes - voltados para reprodução social, em que mesmo resguardando as contradições expressam uma reposição da ordem dominante. E para pensar o Serviço Social nessa relação recorre à forma em que se apresenta: uma profissão que embora regulamentada como profissão liberal guardando em si uma relativa autonomia em seu exercício e compromisso com valores e princípios éticos não dispõe de livre relação comercial em seus serviços, tendo como alvo do atendimento os segmentos mais pauperizados da população, e tampouco dos meios de realização, se inserindo no mercado como trabalhador assalariado, ou seja, vendendo sua força de trabalho para instituições estatais ou privadas. Portanto, a análise de que Serviço Social exerce sua atividade inserido em processo de trabalho se dá em função de que os(as) profissionais da categoria se apresentam na sociedade como trabalhador livre, desprendidos dos meios de produção e de relação servil. Mas na citada liberdade possuem apenas sua força de trabalho qualificada, a qual é posta na relação de mercado como mercadoria a ser comprada pelo empregador. Desprovido das condições materiais do processo de trabalho, envolve-se na relação de compra e venda de força de trabalho, ou seja, torna-se um trabalhador assalariado. Objetivando assim, sua força de trabalho qualificada. A interpretação, a qual Iamamoto busca superar, que o Serviço Social exerce prática profissional traz como pressuposto a disposição, para o(a) assistente social, de uma autonomia que se faz necessária para acionar e direcionar sua atividade independente dos empregadores, em âmbito individualizado. 52 Ao se colocar como trabalhador assalariado o(a) assistente social está submetido às determinações e finalidades postas pelo empregador e nesse limite alcança a autonomia da profissão. O andamento dos atendimentos e definição de prioridades, que pela autonomia relativa, são de escolha do(a) profissional e também o controle diferenciado do seu trabalho que o distingue de um trabalhador como o operário. Ambas profissões próprias, entre outras, do trabalhador livre na sociedade capitalista em condição de assalariamento respondem às demandas do empregador porém, em condições diferentes mesmo que possam estar relacionados em um único processo de trabalho. Diferente do operário que age sobre a matéria prima, rígida em características, por meio de instrumento, o assistente social em seu processo de trabalho tem como instrumento básico a linguagem, o que faz com que esse trabalho especializado esteja ancorado sobre a formação teórica-metodológica, técnicoprofissional e ético-política, se fazendo necessário leitura e acompanhamento dos processos sociais e estabelecimento de relações com os sujeitos envolvidos (de características flexíveis em referência ao objetivo posto no processo de trabalho) na atuação do exercício profissional. (IAMAMOTO, 2000) A origem da relativa autonomia vem associada à especialização do trabalho a qual se dá pela emergência de uma profissão no campo político-ideológico da sociedade para realização de serviços de controle social e manutenção da ordem dominante. Atravessada pela contradição das relações sociais da sociedade burguesa, atuando entre as duas classes básicas do capitalismo, a profissão tem como condição de redirecionamento da proposta de origem da profissão na luta de classes que refletem nas relações sociais e nas abordagens das instituições. Como afirma a autora, a atividade profissional do Serviço Social inserido em processo de trabalho carregado de interesses opostos, por meio de conscientização ético-político dispõe de posicionamento contrário a ordem capitalista (imposta pelo empregador). Esta mediação ético-política possibilitaria processo de desalienação, via processo de conscientização de classe em si para classe para si. Dessa forma a dimensão política da profissão tem em si capacidade de neutralizar a alienação da atividade, embora não elimine o processo de alienação próprio do trabalho assalariado. 53 Nota-se que a alienação é posta como ausência ou subtração de consciência de classe, na qual sua neutralidade poderia ser alcançada por meio da dimensão política. Considerando a alienação uma característica que trabalho adquire quando inserido no modo de produção capitalista, tendo em vista as dimensões materiais e ideológicas, fica evidente que a desalienação não se encontra condicionada à disputa política e sim a cargo de uma reconfiguração do trabalho como atividade humanizadora libertadora. Frutífera em sua completude para o sujeito que a realiza e para toda humanidade, tal qual enquanto categoria. A perspectiva de desalienação apresentada anteriormente cumpre como estratégia de superação de uma etapa de um processo maior. A conquista de uma emancipação política para a busca pela emancipação humana. E neste sentido, como afirma a autora, busca “Apropriar-se da dimensão criadora do trabalho e da condição de sujeito, que interfere na direção social do seu trabalho, [...] uma luta a ser travada quotidianamente” (IAMAMOTO, 2000 p.94). Retomando, como contraponto à prática profissional feito pela autora, a condição do(a) assistente social como trabalhor(a) livre e em emprego de sua força de trabalho junto aos meios e recursos disponibilizados pelo órgão empregador se fazem necessários para realização do processo de trabalho do Serviço Social. Nesse modo, diretrizes políticas, ideologia, relações de poder e prioridades políticas das instituições (empregadoras) não são parte das condições externas à realização do exercício profissional, são elementos constitutivos desse processo de trabalho. Ou seja, o erro da leitura da prática profissional estaria em enxergar as relações de poder, na qual o serviço social está inserido, como exterior a ele e exercessem influência. Então, que o serviço social estivesse autônomo a esses elementos. Intrínseco ao processo de trabalho, faz se pressuposto a existência de uma matéria prima a qual será transformada. No trabalho do Serviço Social essa matéria prima se compõe das manifestações da “questão social” que serão avaliadas e intermediadas pelos instrumentos do(a) profissional. Tais expressões da “questão social” que se tornam matéria prima, demandam do(a) profissional acompanhamento das transformações da sociedade de modo imprescindível, uma vez que o trabalho 54 atua sobre objetos que estão em constante movimento, oriundo das relações sociais. Sendo assim, o desconhecimento da matéria prima faz com que o(a) profissional deixe de ser sujeito de suas ações, atuando no processo de trabalho sem perspectiva dos impactos de suas intervenções. desse modo o desconhecimento afasta a consciência da possibilidade transformadora da ação profissional no contraditório processo de trabalho. Entretanto, afirma-se que o referido trabalho realiza transformação (da realidade) e neste sentido é preciso reconhecer na dimensão da totalidade a singularidade da profissão e quais as suas relações estabelecidas, por si, limitadas. As transformações propostas da realidade não se sustentam no conhecimento da realidade, na consciência, mas do uso dos conhecimentos nas intervenções de forma objetiva. Em consideração ao lugar, na sociedade de classes, que ocupa o Serviço social, os seus efeitos se encontram limitados às transformações nas manifestações da “questão social”. E de forma inegável, se reconhece que apesar dos efeitos nas expressões da “questão social”, a sua origem permanece na exploração da maisvalia. Sendo assim, devemos reconhecer que as transformações propostas pela intervenção profissional, citada pela autora, tem alcance nas manifestações da “questão social”. Ou seja, as alterações a partir da intervenção do Serviço social não transformam a realidade em sua essência, mas em sua aparência, como apresenta Iamamoto. Nesse conjunto, se põe ainda a necessidade, não só o conhecimento do objeto da intervenção, mas também o conhecimento dos processos pelos quais se constituem estes usuários enquanto demandantes de políticas sociais. Para compreensão do Serviço Social inserido num processo de trabalho a autora recorre às formulações de Marx sobre o processo de trabalho na sociedade capitalista como atividade que emprega trabalho vivo – criador de valor – no modo produção gerando mercadoria que carrega em si valor de uso e valor que se baseia no tempo de trabalho socialmente necessário. E assim, 55 Considerar os processos de trabalho em que se insere o assistente social exige necessariamente pensá-los sob esta dupla determinação: a do valor de uso e do valor, isto é, como processo de produção de produtos ou serviços de qualidades determinadas e como processo que tem implicações ao nível da produção ou da distribuição do valor e da mais-valia.(2000 p. 97) Todavia, sendo os espaços de maior emprego da profissão o Estado, no qual não existe uma conexão direta entre trabalho e produção de valor pois os serviços não se encontram submetidos à lógica do Capital, se destinando, em tese, aos fins públicos. O que significa considerar necessariamente o caráter de classes do Estado e conjunto de forças que ele articula. Neste entendimento, a autora indica duas implicações, a primeira trata da não constituição de um único processo de trabalho do assistente social. Trata-se de processos de trabalho nos quais os(as) assistentes sociais se inserem. E no aperfeiçoamento da leitura das particularidades dos processos de trabalho enxergam-se as feições, limites e possibilidade do exercício profissional. Como segunda implicação: o trabalhador assalariado especializado não possui as condições de organização do processo de trabalho e tão pouco se apropria de um processo de trabalho, tornando-o exclusivo. “Cabe ao empregador a função de organizar e atribuir unidade ao processo de trabalho em sua totalidade.”(IAMAMOTO, 2000 p.102) Com sua autonomia relativa o(a) profissional é chamado para atuar em um processo de trabalho coletivo com características históricas e sociais. E saber das articulações da totalidade desse processo coletivo possibilita maiores contribuições das particularidades que o compõe. Tal forma de coletividade constitui o chamado trabalho de cooperação, que abarca diversos profissionais articulados num único processo de produção ou de processos produtivos que se articulam em alguma medida. Dada a forma de cooperação, atribuindo o caráter social do trabalho, é possível estabelecer trabalho social médio das produções das mercadorias. Implica-se que as operações individuais (processos de trabalho particularizados) fazem parte de uma operação maior, de totalidade que existe fora das partes e dos trabalhadores que se encontram nas operações individuais. A totalidade a qual os processos de trabalho fazem parte constitui-se da reprodução do Capital. 56 É colocado, então, por Iamamoto a preocupação de apreender o lugar do assistente social em um processo coletivo de trabalho, partilhado com outras categorias de trabalhadores, que, juntos, contribuem na obtenção dos resultados ou produtos pretendidos. Assim, a compreensão do trabalho do(a) assistente social ultrapassa a relação individualizada (profissional-usuário(a)) para alcançar no marco da base material e do significado do seu trabalho a realidade de que o resultado do trabalho não depende exclusivamente do sujeito individual que realiza o trabalho. Porém, permanecem as possibilidades de respostas para além da intencionalidade do empregador. Em sua atividade, ainda que em resposta às necessidades do empregador, o(a) profissional pode atender as necessidades do(a) usuário(a), membro da classe trabalhadora. Conclui Iamamoto(2000 p. 107): [...]é que os resultados ou produtos dos processos de trabalho em que participam os assistentes sociais situam-se tanto no campo da reprodução da força de trabalho, da obtenção das metas de produtividade e rentabilidade das empresas, da viabilização de direitos e da prestação de serviços públicos de interesse da coletividade, da educação sociopolítica, afetando hábitos, modos de pensar, comportamentos, práticas dos indivíduos sociais em suas múltiplas relações e dimensões da vida quotidiana na produção e reprodução social, tanto em seus componentes de reiteração do instituído, como de criação e re-invenção da vida em sociedade. Apresentando assim, a intervenção do Serviço Social no modo de produção social por intermédio das alterações na reprodução social, que como já apresentado, carrega possibilidades de respostas ambíguas nos seus determinados processos de trabalho. 4.2 Coreografia de Sérgio Lessa Em seu livro Serviço Social e Trabalho: porque o Serviço Social não é trabalho(2012), Sérgio Lessa reconhece os avanços do Serviço Social em período de capilarização das ideias neoliberais nas Ciências Sociais. Esses avanços consistem no posicionamento ético e político de manutenção a um projeto de sociedade que vislumbra a superação das classes sociais. Enquanto os caminhos das Ciências Sociais, majoritariamente, apontavam para novas leituras da realidade pautadas na subjetividade, o Serviço Social buscou a teorização que pudesse dar 57 conta da realidade baseando-se na centralidade do trabalho, estimulando suas produções teóricas próprias. Contudo, tal movimento sofreu de suas debilidades. Como explica José Paulo Netto (1990 apud LESSA, 2012), a crítica elaborada no Método B.H. pelo viés epistemológico (althusseriano) homogeneizava as classes sociais não burguesas velando o caráter ontológico da formação das classes sociais. Tal crítica obscurecia a identificação da classe revolucionária e concebia a sociedade de forma dualista e simplória entre opressores e oprimidos, dificultando a leitura (crítica) da reprodução da sociedade contemporânea, portanto, desvinculando da teoria revolucionária os aspectos reais da sociedade capitalista contemporânea. Em resumo, Lessa (Op. Cit), disserta sobre a transformação da concepção do Serviço Social, a respeito do auto reconhecimento e atuação em produções teóricas próprias da área, ao longo dos anos de vigência do neoliberalismo: a concepção democrático-popular típica dos anos de 1970 segundo a qual chegaríamos ao socialismo pelo acúmulo de pequenos avanços cotidianos na organização popular, ao longo da década de 1980 cede lugar a uma outra concepção segundo a qual conquistando os postos de comando do Estado chegaríamos a uma sociedade mais justa (já não mais se fala em socialismo) e esta concepção, por fim, ao final dos anos de 1990 é substituída pela concepção ainda mais moderada segundo a qual não há alternativa ao Serviço Social senão ter no Estado um parceiro na implementação das políticas públicas. Caberia aos assistentes sociais apontarem ao Estado suas responsabilidades sociais. (p. 15) Para este autor, a preocupação centra-se no reconhecimento dos pressupostos básicos da formação da sociedade. O entendimento da categoria trabalho no Serviço Social, mais que contribuição metodológica para intervenção e identidade profissional, expressa uma concepção de mundo. Entender a práxis fundante(trabalho) e quem a realiza torna-se necessário para construção de um projeto contra hegemônico. Lessa recorre à leitura ontológica da categoria trabalho distinguindo-as das demais práxis humanas existentes na sociedade. Sendo assim, a condição de práxis fundante, criadora e base estrutural da sociedade se faz no intercâmbio do humano com a natureza por intermédio de um instrumento, cuja intencionalidade e escolhas de meios baseiam-se nas propriedades rígidas (características e qualidades próprias, naturais) do objeto da natureza, que se apresenta desprovido de subjetividade e gera produto que se objetiva e transforma a realidade resguardando características anteriores. As objetivações e nova realidade colocam para o(a) 58 trabalhador(a) uma nova situação que dispõe de novas possibilidades e gera novas necessidades. Nesse processo não só a natureza é transformada, o ser humano que realiza o trabalho também transforma a si mesmo adquirindo conhecimentos e habilidades que o possibilitam novas ideações – e consequentemente novas objetivações – frente às novas situações que trazem outras necessidades e possibilidades. Dessas consequências (transformação do mundo e transformação do sujeito) a atividade trabalho vai se complexificando nas suas novas determinações. A complexificação do trabalho posta a cada nova situação não se dá apenas para o sujeito que realiza a práxis fundante, mas para todos os seres humanos, adquirindo na sua forma seu caráter social. Portanto, ao transformar a natureza para atender à necessidade primeira e “eterna” da reprodução social, qual seja, a produção dos meios de produção e de subsistência, o ser humano termina produzindo muito mais do que o idealizado. Ele produz uma nova situação objetiva e gera transformações subjetivas nos indivíduos: por isso, todo ato de trabalho remete necessariamente para além de si próprio. Produz consequências que, ao se sintetizarem com as consequências dos outros atos dos outros indivíduos, dão origem às tendências histórico-universais.(LESSA, 2006 p.35) O trabalho (a produção) a partir de uma situação funda as condições de reprodução (socialmente condicionada) humana. E na complexificação do trabalho outras atividades se fazem necessárias para se produzir nas (novas) situações estabelecidas. As demais atividades humanas fundadas a partir do trabalho mantém em sua forma semelhanças do trabalho: demandam teleologia, usam de instrumentos, participam de um processo de transformação da natureza e se encontram em condições assalariadas na sociedade capitalista. Os profissionais que realizam as práxis fundadas são os advogados, professores, médicos, engenheiros, psicólogos, assistentes sociais entre outros. Essas profissões geradas na reprodução social são indispensáveis à manutenção da estrutura social, não seria possível uma sociedade de classes sem profissionais que defendessem a propriedade privada, educassem sob determinada lógica classista ou controlassem a vida e funcionamento dos(as) 59 trabalhadores(as). Neste âmbito da reprodução social dá-se a relação dos seres humanos entre si, e não do ser humano com a natureza. A distinção posta pelo autor entre práxis fundante (trabalho) e práxis fundada (demais atividades) é a função social que exerce. O trabalho na relação com a transformação da natureza cria as condições materiais indispensáveis para reprodução social, as demais práxis são geradas a partir da forma que assume o trabalho em determinado tempo histórico. Importa reconhecer quem produz as condições de existência da sociedade e quem cria as condições de reprodução, organizando os parâmetros e condições da produção de acordo com cada período histórico. Em outras palavras, reconhecer quem cria novos produtos e gera valor e quem produz material subjetivo complementar à produção da riqueza. A coexistência de atividades ontologicamente diferenciadas não cria independência entre elas. Ao contrário, o trabalho funda a reprodução social, sendo esta sua função social, e esta atividade de produção depende da atividade de reprodução para desenvolver-se. Para sobrevivência da espécie humana é preciso produção dos meios de subsistência, na sociedade de classes dá-se pela exploração do ser humano por outro ser humano. A classe que produz fica apenas com parte do que ela mesma criou. Já a outra classe sobrevive apropriando-se do produzido. Ou seja, são classes diferentes quem produz as riquezas e quem se apropria delas. Desta premissa deriva um apontamento: os sujeitos que se encontram compromissados objetivamente com a fim da exploração e quais os sujeitos importa a manutenção desta exploração. Como a categoria trabalho é inserido historicamente na produção teórica do serviço social, se faz importante discutir qual a posição que ocupa o serviço social, tomando as premissas anteriormente discutidas como ponto de partida. O Serviço Social se encontra, na divisão social e técnica do trabalho, dentre os assalariados sem ocupar o lugar de proletários. Ao identificar a categoria profissional dos assistentes sociais com o proletariado, a categoria central(trabalho), anteriormente descrita, como potencial transformadora perde sua caracterização. Duas atividades distintas ao serem postas numa mesma categoria ganham a mesma definição, 60 encobrindo as diferenças existentes. Esse encobrimento acarreta em duas consequências para o Serviço Social: o não reconhecimento de sua identidade e a desarticulação com a revolução no sentido de que se perde de vista quais sujeitos com os quais ele deve se compromissar e de que forma que possam contribuir para o combate organizado para a destruição da sociedade de classes. As lutas travadas pela profissão no âmbito da reprodução social surgem limitadas, não ultrapassando a ordem do Capital dado as objetividades (o espaço que ocupam, papel que cumprem e função social que exercem). A atividade profissional do Serviço Social em si lida com seres humanos. Ou seja, intervém através de seus métodos e instrumentos buscando determinada finalidade que vai depender, além das questões objetivas como políticas sociais efetivas e condições de trabalho, de questões subjetivas do(a) usuário(a) atendido(a). Um operário ao fazer o aço sabe quais instrumentos, a forma de usar e o grau de temperatura que deve atingir o ferro para que se transforme. E assim, sempre o ferro se transformará em aço. Um(a) assistente social ao lidar com o objeto de sua intervenção (usuário das políticas públicas) para alcançar efetivação de sua intervenção – objetivação de uma política social – esbarra na subjetividade do sujeito atendido. Diferente de um objeto natural, cujas características são rígidas e tem sua forma alterada objetivamente por intervenções físicas e químicas, o usuário na intervenção sujeito-sujeito, intervenção própria da práxis exercida pelo(a) profissional do Serviço Social, sofre alteração de forma subjetiva. Ou seja, para Lessa, a efetividade da ação profissional do Serviço Social depende da subjetividade do sujeito atendido. Desta forma, a atuação do Serviço Social se dá mediado ideologicamente pelos valores próprios do liberalismo – ideologia central do modo de produção capitalista- na medida em que a relação com o trabalhador é realizada singularmente, um a um. A objetivação dessa práxis encerra em si mesma, na transformação do sujeito que é envolvido, não se autonomiza no mundo. Realizada desta forma, a atividade profissional do assistente social não transforma a realidade de forma direta (como acontece com o trabalho ao pôr uma nova situação a cada materialização), o que não significa que não tenha nenhuma contribuição a dar para o processo de transformação revolucionária da sociedade na qual se insere. 61 Quanto ao entendimento de classe, para Sérgio Lessa, os(as) assistentes sociais como as demais profissões que ocupam a esfera da reprodução social não compõem a classe trabalhadora. Para tratar dessa classe, como diz o autor, leva-se em conta as diferenças que esta possui com relação à burguesia: esses profissionais assalariados não possuem meio de produção, nem se apropriam diretamente da mais-valia extraída dos trabalhadores, são identificados, pela formulação de Marx(1977 apud LESSA, 2007 p. 68), como “classe de transição”. Conclui o autor: O assistente social, portanto, não apenas não “trabalha” como o operário, como ainda é um “trabalhador” distinto do operário. O que os aproxima é apenas a forma de sua inserção no mercado de trabalho, o fato de serem assalariados. Mas, por baixo dessa semelhança superficial, há enormes distinções ontológicas: suas práxis são muito distintas; atendem a funções sociais muito diferenciadas e, além disso, pertencem a distintas classes sociais. [...]O conceito de “classe trabalhadora”, quando empregada para velar a distinção ontológica entre o proletariado e os outros assalariados, dissolve o proletariado no interior das “classes de transição” e, por esse meio, vela o papel revolucionário que cabe ao proletariado na superação do capital. (LESSA, 2007) 62 5 CONCLUSÃO (...) Quem é que diz? Não faz sentido Don’t make sense Make sense Vamos reconstruir o sentido Das coisas Vamos retomar nossas Palavras Vamos salvar nossas vidas Vamos recuperar nossas almas Retomar as ideias, fazê-las concretas Vamos expropriar os donos do tempo que nos foi Expropriado Tomá-lo de volta. Mas ele não volta. Então vamos refazê-lo Vamos fazer história. Tempo reificado (ou Mészáros e Galeano contra a “vida passa em velocidade 4G”) Alexandre Magno Teixeira de Carvalho As análises aqui apresentadas não têm como objetivo efetuar julgamento de valor sobre a obra dos autores ou identificar tais produções como certas ou erradas. Trata-se, como afirmado na introdução, de realizar a crítica no sentido marxiano de superação, trazendo como contribuição tais elaborações. Lessa e Iamamoto, autores estudados nesta monografia, convergem sobre a preocupação de analisar o processo da práxis(antes de distingui-la se fundante ou fundada) do assistente social nas expressões da “questão social”. Fica evidente a necessidade de compreensão do conjunto de procedimentos, bem como de que forma são inseridos os componentes desses procedimentos, ou seja, compreensão dos processos de trabalho ou processos de práxis, para indicar uma alternativa à ordem social vigente. Porém, vale como indicativo das duas formulações, que se práxis social fundada ou fundante (trabalho), a intervenção do assistente social, ocupando o lugar determinado na divisão sócio técnica do trabalho, pode possibilitar, por meio dos seus procedimentos, transformação tanto dos sujeitos demandantes ou usuários, como transformação social. Tal indicação é concebida dentro do pressuposto que não é só pelo lugar que ocupa na sociedade de classes que sua intervenção ganha tal dimensão. É, imprescindivelmente, pelas mediações teóricas e práticas que tem como possibilidade ajudar na construção de uma organização coletiva, exclusiva forma de superar a ordem capitalista. Para a teoria marxista, em suas múltiplas formulações, a condição de superação da sociedade de classes está condicionada à tomada dos meios objetivos 63 de produção pela classe trabalhadora. Neste sentido, fica posto que a direção para uma mudança objetiva da sociedade burguesa é dada pelos trabalhadores, os verdadeiros artífices da ação revolucionária. Torna-se necessário identificar quais são os trabalhadores, na atual sociedade de classes sob a forma de acumulação flexível do Capital, que podem defrontar-se objetivamente com a ordem do capital e provocar a sua destruição, isto é, quais são os sujeitos principais, protagonistas da revolução. No entanto, identificar o protagonismo de um setor da classe trabalhadora, qual seja, o operariado, não significa afirmar que a revolução é um processo exclusivamente realizado por este setor. Os setores sociais, quer sejam produtores de práxis fundada ou fundante, podem constituir-se como interessados na revolução, ocupando posição de resistência. Cabe a reflexão da conjuntura objetiva da realidade social posta na contemporaneidade, em que com a alta potencialidade dos meios de produção, no incremento do trabalho morto, tem-se uma redução do número de trabalhadores na linha produtiva. Nesta redução dos trabalhadores que produzem trabalho vivo, aumenta o trabalho morto na execução dos processos produtivos, o que significa que o quantitativo sobrante é elevado na mesma proporção. O efeito deste processo implica para o Serviço Social um maior público de atendimento nas suas ações interventivas, posto que aumentam as expressões da “questão social”. Neste sentido, poder-se-ia deduzir que para Iamamoto, considerando o assistente social – enquanto sujeito trabalhador, que exerce práxis fundante, transformadora da realidade em essência – na conjuntura contemporânea posta pela acumulação flexível, abstraindo-se as condições de exercício profissional, ganharia potência de transformação a medida que sua atividade é demandada na crescente expressão da “questão social”? Se, o Serviço Social tem como característica intervenção transformadora no mundo do trabalho ao crescimento dos espaços sócio-ocupacionais torna-se mais potente a sua contribuição na construção da emancipação humana? Numa perspectiva fatalista, seria proveitoso o crescimento exponencial da barbárie? Ou, poder-se-ia deduzir, pautando-se em Lessa, que uma maior procura para o Serviço Social – considerando que os trabalhadores operários, núcleo central da transformação social, em menor número encontram-se diante de uma dificuldade objetiva, postas pelos mecanismos de controle social do Capital, de alcançar determinada consciência necessária no processo de transformação – significa uma maior dificuldade de articulação dos protagonistas na busca pela emancipação humana? Se, o Serviço Social atuante no modo de produção capitalista na esfera da reprodução social é afastado, por determinações do Capital, das possibilidades de contribuição com a classe fundamental na revolução, a sua atuação crescente, dado ao aumento da expressão da “questão social”, estaria cumprindo a função de reposição social da ordem capitalista? 64 Nesta monografia, posta a preocupação vigente entre os profissionais críticos a respeito do futuro da humanidade, busca-se conhecer as necessidades sociais objetivas, transformando-as em questionamentos. Portanto, esta monografia enquanto produto de um processo teórico, constitui-se como possibilidades de respostas, a serem elaboradas por profissionais comprometidos com o fim da sociedade de classes, a questões que estavam postas como superadas ou esquecidas. 65 REFERÊNCIAS BARROCO, Maria Lúcia Silva. Fundamentos Éticos do Serviço Social In: CFESS;ABEPSS. Serviço Social: Direitos sociais e Competências profissionais. 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