O papel do Serviço Social na “dança”

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Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Ciências Humanas e sociais
Escola de Serviço Social
Graduação em Serviço Social
Bailarino ou Coreógrafo:
O papel do Serviço Social na “dança” pela emancipação humana
Ique Hillesheim de Moraes
Rio de Janeiro RJ
Abril de 2016
Ique Hillesheim de Moraes
Bailarino ou Coreógrafo:
O papel do Serviço Social na “dança” pela emancipação humana
Trabalho de Conclusão de Curso para aprovação no curso de bacharelado de
Serviço Social na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro na área das
ciências humanas e sociais. Orientação da professora Terezinha Martins dos Santos
Souza e co-orientação da professora Vanessa Bezerra de Souza.
Rio de Janeiro RJ
Abril de 2016
Ique Hillesheim de Moraes
Bailarino ou Coreógrafo:
O papel do Serviço Social na “dança” pela emancipação humana
Trabalho de Conclusão de Curso para aprovação no curso de bacharelado de
Serviço Social na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro na área das
ciências humanas e sociais. Orientação da professora Terezinha Martins dos Santos
Souza e co-orientação da professora Vanessa Bezerra de Souza.
Rio de Janeiro RJ
Abril de 2016
Banca examinadora:
_____________________________________________
Terezinha Martins dos Santos Souza
Doutora em Psicologia Social
ESS - UNIRIO
____________________________________________
Paula Bonfim Guimarães Cabral
Doutora em Serviço Social
FSS - UERJ
__________________________________________
Lobelia da Silva Faceira
Doutora em Educação
ESS - UNIRIO
Este
trabalho
é
dedicado
à
classe
trabalhadora, responsável pelas condições
objetivas
da
vida
humana.
É
também
dedicado a todas e todos que, junto à essa
classe,
colaboram
emancipação humana.
no
projeto
da
Agradecimentos
A professora Paula Bonfim e Lobelia Faceira por comporem a banca de avaliação,
que nos obstáculos para realização compreenderam as dificuldades e se
mantiveram em compromisso.
Aos
meus
pais,
Lisete
Regina
e
Claudio
Moraes,
que
consciente
e
inconscientemente me deram/e dão as direções no meu crescimento, que me
propiciaram as minhas escolhas em diversos momentos e tornaram possível essa
graduação e muitas outras realizações.
A Joana Couto, minha esposa, por toda contribuição e atenção desde que estivemos
juntos, me fazendo reconhecer os aspectos bonitos e positivos da vida. Pela
paciência no período conturbado ao fim da graduação.
A Ellis Nathana, pela permanente disposição para me ouvir e me ajudar a entender
as mais diversas questões da vida.
Aos Alaídes, Felipe Vivarelli, Felipe Navegantes, Daniel Klein, Gabrielle Ramos,
Letícia Vazquez e Thales Rios, pela composição de um lado importante da minha
vida.
Aos amigos, Heitor Olimpo, Erika Alves e Alberto Roger, pela contribuição inicial às
inquietações que influenciaram o rumo da minha formação.
A minha orientadora professora Terezinha Martins, que com sua dedicação e
exigência tornou possível a realização deste trabalho, bem como as formas de
enxergar e pensar o mundo, nas situações adversas, tendo a paciência de um ano
dentro de dois meses. Que ao longo deste processo orientou para além do TCC se
mostrando íntegra e coerente. Agradeço também a colaboração de sua
família(Iruatã e Ivan) que me recebeu com carinho inclusive nos dias inoportunos.
A minha co-orientadora Vanessa Bezerra, que trouxe para minha formação grande
contribuição desenvolvendo as condições de articular o Serviço Social com as
demais parcialidades do mundo real.
A primeira turma da ESS-UNIRIO 2010.1que passou comigo as mais diversas
dificuldades, se mantendo unida nos momentos de necessidade.
A Tatiana Jardim, que não apenas esteve presente na absoluta maioria dos espaços
da
universidade
e
militância
mas
conhecimentos se tornando especial.
também
compartilhou
de
emoções
e
Ao Alexandre Magno de Carvalho por me ceder a poesia que compõem as epígrafes
dos capítulos.
Aos professores e professoras da ESS-UNIRIO e os(as) que por lá passaram
durante a minha graduação, sem os quais não teria este trabalho a direção e que
ganhou.
Aos técnicos da ESS-UNIRIO que foram parte fundamental ao longo desses anos.
Aos professores da EEDMO, por toda contribuição na disciplina e comprometimento
que por uma educação corporal atingiram minha mente.
Agradeço a todos pelo carinho, experiências e por fazerem parte do que me tornei e
do que produzi neste trabalho.
A Ana Beatriz Pestana e Stéphanie Alves que me cederam o vídeo de registro da
performance e trazerem o tema do trabalho para o meio artístico.
Resumo: Esta monografia se propõe analisar as concepções do Serviço Social como práxis
fundante ou fundada, a partir das contribuições teóricas dos autores Marilda Iamamoto e
Sérgio Lessa. Os autores dissertam acerca da natureza do Serviço Social tentando
perspectivar quais as (possíveis) contribuições desta profissão na construção da
emancipação humana. O debate travado incide sobre a identificação de quais são os
trabalhadores, na atual sociedade de classes sob a forma de acumulação flexível do
Capital, que podem defrontar-se objetivamente com a ordem do capital e provocar a
sua destruição. Utiliza-se o materialismo histórico dialético como referencial teórico que
orienta a análise realizada.
Palavras-Chave:
Serviço
Social;
Emancipação
humana;
trabalho
ontológico
ODE AO ALICERCE (na Ronda Crepuscular)
De pedras brutas, pedras sobrepostas,
Que a rígida argamassa em bloco firma,
Diz o Alicerce: aqui, nestas encostas,
Quem a muralha que eu sustento pode
Sacudir-ma?
Vultos senhoriais de governantes
Calcam os pavilhões. Crésus bojudo
Loas burila aos tetos fulgurantes:
E a Arte se obumbra e a Ciência tudo aplaude,
Tudo! Tudo!
Num baque surdo, para aquele rumo
Foram as pedras num montão jogadas;
Depois, a trolha, o camartelo, o prumo,
E o plano feito: em linha foram todas
Colocadas.
Mundo que é a febre do viver humano,
Encastelado nas muralhas; e estas
O poderio, rígido e tirano,
À luz ostentam entre varandins
E giestas.
Talhando o solo a pique, da comprida
Vala terrosa lento ele se erguera,
Erato e largo, devassando a vida,
Com a solidez de um contraforte de aço
Se fizera.
E o Construtor o gênio não disperse
Em calcular o peso do mundo,
Que subterrâneo e humílimo o Alicerce,
Ninguém o vê, mas ei-lo ali supremo
E profundo.
Então, sobre o Alicerce, pedra a pedra,
Erguem-se paredões e a de granito
Bela fachada, que a alma desempedra
De uma arte antiga, relembrando assombros
Do alto Egito.
De que ele exista (é bem humana a incúria)
Dos paredões abaixo, quem se lembra?
Ah! mais um dia fende-o, horror, a fúria
Do terramoto; e à convulsão que trágica
O desmembra.
Veem-se portais que ao passo humano tentam
Para cultos de Apolo ou das Fortunas;
Ou plintos onde hieráticas assentam
Desse mármore branco do Pentélico
As colunas.
Ele estremece. A grita e a insânia dá-lhas
O pânico; e, num rápido minuto,
Ruem tombando a cúpula e muralhas,
E mármores e bronzes, num reboo
Longo e bruto.
Fustes coríntios; capitel de acanto,
Que a lenda evoca de uma noiva morta;
Cariátides de olhar frio, do espanto,
Que à vencida de Cária, ou Salamina
Desconforta.
E ao fundo o novo Atlante vê o entulho
Do orbe que há pouco lhe pesava aos ombros;
Um século de lutas e de orgulho
Que desmoronam; e ele inda é alicerce,
Nos escombros.
E a soberba muralha que recorda,
Cruel, do Coliseu a arena imensa,
Ou Brunellesco que a amplidão acorda
Quando a assombrosa cúpula levanta
De Florença.
Povo, assim és; o plinto da estrutura
Na Mole social; e era oculto
Sob a ruma de andrajos e amargura.
Quem do Kremlin, ou de Versailles, vira
O teu vulto?
Suntuosa e vasta é pronta a maravilha:
Palácio ou templo, escola ou alcaçares;
De amplos salões em que a Ilusão rebrilha
Do Gozo farto; mas... e se for tudo
Pelos ares?...
Mas se ao peso do guantes ou da fome
A juba enristas, o rugido atroa;
E nada mais a cólera sem nome
Detém-te, e Alhambras ou Bastilhas, tudo
Se esboroa.
Pompas de ouro e veludo, lá por dentro,
Geram orgias; e, paramentado,
De Judas e Iago é o orientalesco centro.
E ninguém mais se lembra do Alicerce,
Enterrado.
E não sucumbes, não; pária indomável.
E te hás de alevantar um dia invicto,
Povo! como as montanhas, admirável,
Bloco integral com o vértice em demanda
Do Infinito.
Silveira Neto
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO................................................................................................10
2
En Face com a ECONOMIA POLÍTICA.........................................................12
2.1
Trabalho em Marx..........................................................................................13
2.2
Estado e sociedade.......................................................................................19
2.3
“Questão Social”...........................................................................................26
2.4
Emancipação Política e Emancipação Humana.........................................31
3
SERVIÇO SOCIAL, O PALCO DO DABATE ................................................35
3.1
Aspectos
teóricos-metodológicos
de
origem
e
desenvolvimento
histórico..........................................................................................................35
3.2
Ética e Serviço Social....................................................................................41
4
BAILARINO OU COREÓGRAFO...................................................................48
4.1
A coreografia de Marilda Iamamoto.............................................................48
4.2
A coreografia de Sérgio Lessa.....................................................................56
5
CONCLUSÃO..................................................................................................62
REFERÊNCIAS...............................................................................................65
10
1 INTRODUÇÃO
“O tempo que te roubam
Não é achado
É irremediavelmente perdido
One way
Não tem retorno
O tempo que te roubam
Subtraem de muitas maneiras
Tem por destino a carteira
De ações, de crédito, do bolso do paletó
Do outro, do investidor, do patrão
(...)”
Tempo reificado (ou Mészáros e Galeano contra a “vida passa em velocidade 4G”)
Alexandre Magno Teixeira de Carvalho
A produção teórica do Serviço Social, profissão inscrita na divisão sócio
técnica do trabalho, enfrenta a partir dos anos 1980 uma discussão acerca da sua
característica profissional, cuja relação com a totalidade do sistema capitalista é
expressa. Atribui-se nessa expressão qualificações à atividade exercida pelos
profissionais do Serviço Social, tendo como finalidade reconhecer as implicações e
desenvolver/aprimorar tais atividades.
São postas sob análise as posições de dois teóricos do Serviço Social:
Marilda Villela Iamamoto e Sérgio Lessa.
Em Iamamoto, a posição sustentada é de que o Serviço Social atua em
processo de trabalho intrínseco às relações sociais do modo de produção capitalista.
Neste sentido os procedimentos do(a) assistente social em exercício profissional
configuram exercício do trabalho alterando o objeto de trabalho (expressão da
“questão social”).
Contrapondo-se, Lessa discorre sobre o exercício profissional argumentando
que tal atividade é prática profissional própria de uma classe, não trabalhadora,
atuante na esfera da reprodução social em funcionalidade das relações sociais do
modo de produção capitalista.
O que as duas posições buscam em comum é discutir qual o papel que o
Serviço Social ocupa na sociedade de classes, focando a atenção nas
características
reconhecimento.
da
profissão
e
quais
as
possíveis
consequências
deste
11
O objetivo desta monografia é problematizar aspectos ligados a esta temática,
partindo do pressuposto de que a produção científica significa que necessariamente
devem ser explicitadas as divergências existentes, de acordo com o princípio de que
é com questionamentos que se constrói a ciência. Objetiva desta forma realizar a
crítica, na acepção marxiana do termo, que significa superar (conservar, negar e
soerguer a um novo patamar) as análises realizadas, sendo necessário então, que
se conheça as formulações dos autores que produzem sobre o tema, buscando
apreender as determinações que construíram e constroem esta polêmica que orienta
a práxis profissional de assistentes sociais em todo o Brasil. Trata-se de apreender
as categorias teóricas cuja importância reside na compreensão dos processos por
meio dos quais os seres humanos podem atuar (e aqui o trabalho tem primazia no
complexo categorial) para a manutenção das relações sociais existentes ou para a
sua superação; categorias necessárias ao movimento de compreender a realidade
para transformá-la.
O objeto de análise é a característica que assume a profissão nas diferentes
formulações teóricas e a partir disto, em que medida contribui na construção da
emancipação humana.
Para tal discussão esta monografia foi pensada em três partes sendo a
primeira composta pelas principais categorias da economia política subsidiando o
campo teórico do qual parte a análise. No segundo momento é posto a delimitação
própria da área que
propõe a discussão da profissão trazendo os pontos da
formulação teórica desde a origem do Serviço Social no Brasil e os fundamentos da
ética para seu exercício. Concluindo, a terceira parte apresenta apontamentos a
respeito das duas elaborações teóricas no Serviço Social e qual a contribuição para
o pensamento da profissão na contemporaneidade.
12
1
2 EN FACE COM A ECONOMIA POLÍTICA
“(...)
O tempo que te roubam
Não é só teu – você nem sabia É da história
Deveria ser de quem trabalha
Do filho de quem trabalha
Do amor de quem trabalha
Do sonho de quem trabalha
Do desejo de quem trabalha
Da verve de quem trabalha
Da luta de quem trabalha
Do livro de quem trabalha
Da cama, do leito, da mesa
Da árvore, do debaixo da árvore
Da beira do rio, do rio, do mar
Da praia, da mata, da montanha
De quem trabalha
Um fruto de quem trabalha
Um fruto lento e espesso
Um fruto com gosto
Um fruto sem veneno
Um fruto lento
Se desejado
Um fruto mais espesso
Se compartido
Um fruto ainda mais, mais
Se de quem trabalha é o fruto
Da humanidade é o fruto
O fruto é ralo
O tempo é escasso
(...)”
Tempo reificado (ou Mészáros e Galeano contra a “vida passa em velocidade 4G”)
Alexandre Magno Teixeira de Carvalho
Neste capítulo busca-se abordar as categorias e temas relevantes para
compreensão das relações sociais estabelecidas na organização da produção e
reprodução da vida humana. Relações essas em que o Serviço Social aparece e
engrena, como todas as atividades e profissões, durante sua existência. Mais do que
as características que assume ou a conjuntura em que assume as determinadas
características, trata-se de desmembrar minimamente o modo de organização social
da modernidade (tomado como o período que se estende do século XIX até a
contemporaneidade).
Neste processo de desmembrar os componentes da totalidade, se torna
possível enxergar as relações estabelecidas entre eles, condicionando, então,
ensaios teóricos de maior abrangência da realidade.
1
Posição corporal em que o bailarino se coloca de frente para o público.
13
1.1 Trabalho em Marx
Para iniciar o tema da economia política, ao qual esta produção teórica se
ancora tem-se no primeiro subcapítulo a discussão da categoria trabalho pela
perspectiva do autor da crítica à economia política, Karl Marx. Para compreender as
proposições que se seguem nesta produção a respeito das transformações dos
sujeitos e do mundo, parte-se do trabalho como categoria central e fundamental.
O trabalho para Marx é condição de existência do ser humano, independente
de todas as formas de sociedade, constituindo-se como eterna necessidade natural
de mediação do metabolismo entre ser humano e natureza e, portanto, da vida
humana (1988).
O trabalho é a utilização da força de trabalho, que é um processo de que
participam o ser humano e a natureza, “processo em que o ser humano, com sua
própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza”
(MARX, 1989, p. 202)
Para que possa se manter vivo, o ser social, da mesma forma que os demais
seres vivos, precisa satisfazer as suas necessidades biológicas, tais como comer,
dormir, proteger-se das ameaças á sua vida, necessidades sexuais etc.
diferentemente dos demais animais, o ser social necessita também de um conjunto
de materiais que permeiam a todo instante para que possa satisfazer as
necessidades socialmente estabelecidas. O ser humano precisa de alimento para
que tenha energia para viver e precisa, também, de muitos materiais que o tornam
capacitado para realizar tarefas nos mais diversos processos da vida, inclusive na
obtenção de alimento.
Qualquer que seja a forma social do processo de produção, tem este de ser
contínuo ou de percorrer, periódica e ininterruptamente, as mesmas fases.
Uma sociedade não pode parar de consumir nem de produzir. Por isso, todo
processo social de produção, encarado em suas conexões constantes e no
fluxo contínuo de sua renovação, é ao mesmo tempo processo de
reprodução. As condições da produção são simultaneamente as de
reprodução. (MARX, 1988 p.659)
Toda forma de vida tem origem na natureza e não seria possível outra forma
(de vida) totalmente independente da mesma (natureza). Humanos e animais, seres
vivos de diferentes espécies, retiram da natureza seu sustento. Alimentação e
14
proteção são obtidas no meio natural, a partir do que está posto em determinado
habitat em que se encontra o ser vivo.
O animal não produz a sua própria existência, mas apenas a conserva agindo
instintivamente ou, ‘resolvendo problemas’ de maneira inteligente.(LUKÁCS,1997)
Esses atos visam à sua defesa, a procura de alimentos e de abrigo (não se trata de
trabalho). O animal não trabalha mesmo quando cria resultados materiais com sua
atividade, pois sua ação não é deliberada, intencional.
Ou seja, os animais se mantém na reprodução de suas vidas em relação
direta com este meio. Através de suas determinações biológicas agem na natureza
para sanar suas necessidades. Neste sentido, se encontram imersos na natureza,
não a transformam apenas extraem dela o necessário para sobreviver.
Uma girafa se alimenta de folhas das copas das árvores de seu habitat. Uma
vez que são comidas, as árvores que tem um corpo vivo produzem novas folhas e
então as girafas poderão comer novamente. Assim, elas vivem em determinado
espaço com número especificos de árvores suficientes à sua reprodução. A menos
que ocorra uma interferência externa como, por algum motivo, morte dos
predadores, ocasionando uma superpopulação de girafas que consumam todas as
árvores da região, se manterá o ciclo natural com equilíbrio de animais e
disponibilidade de recursos para suas sobrevivências. Entretanto, se uma girafa não
encontra seu alimento nas árvores, essa passa a buscar outras árvores até que
consiga. Ou, caso não consiga, essa girafa, ou o grupo de girafas, desaparecerá.
Os seres humanos também tem sua origem na natureza, porém a sua relação
com a natureza se dá de forma fundamentalmente diferenciada.
A atividade humana é o trabalho. Trabalho é a ação transformadora da
realidade, é ação dirigida por finalidades conscientes. É resposta aos desafios da
natureza na luta pela sobrevivência.(LUKÁCS, 1997)
Os seres humanos, seres vivos que se desenvolveram em longo processo
histórico, devido ao trabalho adquiriram habilidades que os diferenciaram dos
demais animais. Que o retiraram da instância de relação apenas natural com o
mundo.
15
No desenvolvimento humano, homem e mulher passam a intervir na natureza
em condições que ultrapassa as instâncias naturais.
A medida que o ser humano naturalmente sente fome (por ser corpo
biológico, natural que demanda alimentos que o mantenham vivo), direciona-se em
sanar sua necessidade em busca de alimento. E assim, como os animais, busca-os
na natureza, no entanto o faz de forma diferenciada dos animais, alterando esta
natureza, pelo trabalho, e não apenas extraindo dela o necessário para viver.
Contudo, os seres humanos dotados de capacidade de aprendizagem e
raciocínio – habilidades adquiridas – passam a agir com as condições materiais em
que se encontram de forma diferenciada a dos animais. Projetam, pensam e agem
na natureza criando as soluções para suas necessidades.
Desta forma ele cria técnicas e instrumentos que outros seres humanos
reproduzirão. Ao reproduzir técnicas que outros seres humanos já usaram e
ao inventar outras novas, a ação humana se torna fonte de ideias e ao
mesmo tempo uma experiência propriamente dita. A noção de experiência
humana não se separa do caráter abstrato da inteligência do ser humano,
pela qual ele pode superar a vivência do “aqui e agora”, passando a existir
no tempo: torna-se capaz de lembrar a ação feita no passado e de projetar a
ação futura. Isto é possível pelo fato de poder representar o mundo por meio
da linguagem simbólica. (LUKÁCS,1997)
As diferenças entre os seres humanos e os animais não são apenas de grau,
pois o animal permanece envolvido na natureza, já o ser humano é capaz de
transformá-lo, tornando possível a existência da cultura.
A essência do trabalho consiste precisamente em ir além da fixação dos seres
vivos
na
competição
biológica
com
seu
mundo
ambiente.
O
momento
essencialmente separatório é constituído não pela fabricação de produtos, mas pelo
papel da consciência, que não é um mero epifenômeno da reprodução biológica: o
produto é um resultado que no início do processo já existia na representação do
trabalhador (de modo ideal).
Os seres humanos, na medida em que se alimentavam da colheita e da caça
buscavam constantemente novos espaços atrás de novos frutos e outros animais. E
nesta condição de nômades, buscavam por abrigos temporários. Instância em que
sua existência estava intrinsicamente ligada às condições naturais.
16
Com aumento quantitativo, em largo tempo histórico, de membros dos grupos
que se formavam e com a necessidade da reprodução humana, novas capacidades
foram surgindo. Os seres humanos passam então a criar as condições de vida,
desenvolvem a comunicação de forma mais objetiva e aprendem novas formas de
obtenção de alimentos, como o plantio. Surgem então formas fixas, territoriais, de
vida humana.
As formas de garantia da vida humana passam necessariamente por
desenvolvimento à medida que suas intervenções colocam a humanidade novas
necessidades. As intervenções que o ser humano estabelece na natureza são
identificadas como trabalho, a ação criadora das riquezas2 da humanidade.
Diferente das atividades naturais o trabalho é configurado por 3 aspectos: a
mediação; conhecimento e habilidade; e variabilidade.
A mediação aparece na relação humano-natureza, cujo sujeito que trabalha o
faz utilizando instrumento. E essa mediação se faz cada vez mais presente e em
novos formatos conforme o desenvolvimento do trabalho.
A habilidade e o conhecimento se fazem necessários a partir do momento que
o sujeito não responde às suas necessidades por determinação biológica, mas sim
por
determinações
sociais.
Na
construção
do
novo,
ou
mesmo,
do
produto/instrumento que já foi posto na humanidade, é preciso apreensão dos
conhecimentos existentes e desenvolvimento de habilidades para opera-los na
intencionalidade de garantir determinado produto final. E esse produto final deve
corresponder às necessidades da humanidade. A partir da necessidade humana o
trabalho se dá conduzido sob orientação dos conhecimentos até então existentes.
Possibilitando também forma de aperfeiçoamento.
A variabilidade refere-se às múltiplas formas que o trabalho pode assumir em
resposta as necessidades e articula-se também as novas necessidades criadas. Os
seres humanos têm certas necessidades fixas, como alimentação, abrigo
necessidade sexual etc, para se manterem vivos. As formas que o trabalho assume
2
Dos itens mais simples da pré-história, como lanças, machados de pedra lascada e vestimenta de peles de
animais, aos mais sofisticados objetos da contemporaneidade(robôs, celulares, aviões e etc)
17
para tratar de cada necessidade é que podem alterar. E a partir do desenvolvimento
das formas de trabalho surgem novas necessidades que irão demandar outros
trabalhos.
Para construção de um abrigo, o ser humano busca na natureza materiais
que ofereçam proteção e através de instrumentos que dispõe o capta e o reorganiza
dando a esses materiais nova forma, que servirá de abrigo. Entre o sujeito e o abrigo
construído há atividade do trabalho, mediada pelo instrumento. Para construção de
uma casa de alvenaria se fazem necessários outros trabalhos que deem forma ao
tijolo, cimento, ferro e etc, para então esses produtos entrarem em novo trabalho, o
da construção propriamente da casa de alvenaria. Contudo, o material a ser
escolhido na construção de abrigo (alvenaria, ou madeira, ou pedras entre outros)
dependerá da necessidade posta, se para enfrentar frio ou calor extremos,
terremotos ou ondas, e etc.
Logo, a realização do trabalho que exige mediação por meio dos
instrumentos, tais instrumentos devem corresponder positivamente à produção
necessitada. Nesse aspecto, os instrumentos passam a ter caráter qualitativo, bom e
ruim, útil e inútil. Mas tal qualificação é feita a partir do que se prefigura. Essa
prefiguração faz parte, também, do que se descreve como trabalho. Esta atividade
se põe em movimento quando a partir das necessidades se planeja formas de
solução e então, para determinada solução pensa-se os meios de realização com
base nas condições materiais disponíveis.
Esse processo de idealização é possibilitado pela capacidade desenvolvida,
exclusivamente, pelo ser humano: a teleologia. E no processo de trabalho que trata
da objetivação da teleologia, cuja questão dos instrumentos se faz presente, cabe ao
sujeito (que realiza o processo de trabalho) três condicionantes. A primeira se refere
as escolhas entre alternativas concretas baseadas em avaliação(racional) para com
o que se idealiza no início da atividade de trabalho. A segunda, diz sobre as
objetivações do trabalho que são postas ao mundo de forma autônoma ao sujeito
que as criou. O humano que trabalha e o produto do trabalho são autônomos, ou
seja, não correspondem a uma mesma identidade. Embora participem de um
mesmo processo, ocupam lugares diferentes e ao final se tornam independentes. E
18
assim, no trabalho, dá-se a distinção do sujeito que realiza o trabalho e
objeto(matéria, instrumento e/ou produto do trabalho) que é operado.
A terceira condicionante trata-se das exigências de “conhecimento sobre a
natureza e coordenação múltipla necessária ao sujeito” (NETTO; BRAZ, 2006 p.45)
postas na questão dos meios e dos fins. Para que se opere o trabalho é preciso que
o sujeito conheça as propriedades da natureza possibilitando a materialização de
suas ideações. Por exemplo, ao idealizar uma canoa para pescar é preciso conhecer
as propriedades dos materiais disponíveis e como se comportariam ao
objetivo(flutuar sobre a água) e aos instrumentos disponíveis para construção.
Esses conhecimentos precisam refletir a respeito da materialização dos
produtos idealizados e serem transmitidos a outros sujeitos, tornando-se
universalizados, acessíveis a outros sujeitos para outras idealizações. Tais
informações, diferentes dos animais que “nascem sabendo” por determinação
biológica, para os seres humanos dependem de comunicação para serem
transmitidas, ensinadas e aprendidas.
Deve-se levar em conta, também, que o trabalho não é uma atividade
realizada isoladamente. Dá-se por organização e contribuição coletiva dos seres
humanos. Os indivíduos dependem um dos outros, não apenas pela transmissão de
conhecimento, mas também de produção coletiva para dar conta das necessidades
individuais. Esse caráter do trabalho diz-se a respeito do caráter social, cuja
expressão se dá na interação entre indivíduos e os desmembramentos desta.
Por fim, o trabalho distancia o humano da natureza. Esta atividade humana dá
forma à condição de vida mais autônomo à natureza (embora não independente).
Põe-se como “processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e
controla seu metabolismo com a natureza”(MARX, 1983 apud NETTO; BRAZ, 2006
p.43). Constrói as condições objetivas de vida na relação humano-natureza
(sociedade-natureza) e também constrói o próprio sujeito que trabalha, o ser social.
Por essa premissa, afirma-se que é a partir do trabalho que a sociedade se
constrói e se mantém, tem em si o trabalho como núcleo central de determinação
social.
19
2.2 Estado e Sociedade
Faz-se necessário colocar as elaborações a respeito do Estado para analisar
a organização da sociedade moderna e as relações profissionais que nela existem
atribuídas de sentido político, sobretudo as proposições de transformação social nos
espaços sócio ocupacional cujos poderes da sociedade e do Estado se fazem
presente.
É um campo coberto de polêmica e tensões na abrangência de diversos
pressupostos teóricos e mesmo múltiplas formulações, mesmo quando dentro de
uma única orientação teórica, como o marxismo.
No que se refere ao materialismo histórico-dialético, “caminho teórico” que se
propõe percorrer este trabalho, busca-se traçar os apontamentos a respeito do
Estado.
Para análise da concepção de Estado em Marx, faz-se uso do método do
materialismo histórico-dialético (método de análise da realidade), partindo-se da
categoria central Superação (conservação, negação e elevação a um novo
patamar).
Neste sentido, deve-se atentar as formulações do filósofo alemão, Hegel
(1779-1831), que estudou a formação social moderna depois das revoluções
burguesas e serviu de base para que na superação, Marx formulasse suas questões
a respeito do Estado.
As elaborações dos jusnaturalistas, postos na conjuntura histórica de um
Estado que vinha a ser (em formação), detiveram a projetos de modelo ideal. Hegel,
numa conjuntura mais avançada do capitalismo, com o Estado já existente, analisa
diferentemente esta categoria da forma que está posta na realidade, separando
“Sociedade Civil” de “Estado Político” e apontando coexistência sem sobreposição
de um estado de natureza.
Para Hegel, na Sociedade Civil se encontra os sistemas econômico, jurídico e
administrativo. Nesta esfera (da sociedade civil) os seres humanos satisfazem suas
necessidades por meio do trabalho, da divisão social e da troca sob determinada
ordem (da propriedade privada e expropriação da força de trabalho) que
20
desenvolvem relações econômicas específicas. Nas regulamentações jurídicoadministrativas, os indivíduos asseguram a defesa de suas liberdades, a
propriedade privada e de seus interesses, a administração da justiça, polícia e das
corporações. A Sociedade Civil é a esfera dos interesses privados, econômicoscorporativos, que para o autor são antagônicos entre os indivíduos e grupos.
Esta esfera (sociedade civil) não se opõe ao “estado de natureza” por
conformação de um contrato, ela expressa uma conduta ética ao meio de interesses
particulares e parciais para níveis universais, postos no Estado.
O Estado é, então, o momento superior da vida social, a esfera dos interesses
públicos e universais, no qual seriam superadas todas as contradições dos
interesses individuais da sociedade civil.
Para Hegel, Sociedade Civil se refere ao plano dos indivíduos com seus
espaços privados e com seus interesses exclusivos. E Estado se refere a vida
pública, portador de uma vontade maior, universal, condensando os interesses
privados e contrapostos junto à normatização e respeito por meio da força.
Caso o Estado assegure unicamente a proteção da propriedade e da
liberdade pessoal, rebaterá sobre os indivíduos de forma negativa, pois cada
indivíduo só viria conhecer e desenvolver seu interesse pessoal, impossibilitando
assim que ele perceba e reconheça seus laços tanto históricos como sociais. Para
Hegel então, é o Estado que mantém e organiza a ordem social, a forma como se
manifesta no nível da sociedade civil enquanto produção do desenvolvimento
histórico. E não só determina como contrapõe a finalidade coletiva ao interesse
particular, colocando o bem público como contraposição ao bem estar particular,
configurando-se desta forma como esfera superior da sociedade.
O autor afirma que de forma dialética, o Estado constitui-se seja enquanto
força contrária ao sistema da vida privada e seus componentes, “uma necessidade
externa” e “o poder mais alto”, responsável por estabelecer e impor coercitivamente
as condições jurídicas nas quais o processo social pode explicitar-se na esfera civil,
seja enquanto “ (...)finalidade imanente do sistema da vida privada e de seus
componentes, na medida em que se põe como integração dos interesses e das
realidades particulares na realidade universal da coletividade”.(HEGEL, 1980)
21
É a partir de vontades particulares que existem na sociedade civil que se
constrói a esfera estatal enquanto expressão de interesses públicos e universais, ou
seja, o Estado é a conservação/superação da sociedade civil. A Sociedade civil se
constitui enquanto esfera das realizações parciais da universalidade, cuja moral
particular sofre transformações causadas pela totalidade ética dos direitos e
instituições sociais que nela existem (justiça, polícia, corporação). A universalidade
se realiza nos mecanismos diretamente ligados ao Estado, pois aqueles
mecanismos de regulamentação jurídica e administrativa se dão como mediações e
expressões do universal (do Estado) na sociedade civil.
Este Estado constituído pela monarquia constitucional, gera a separação dos
poderes executivo e legislativo. Para Hegel, ao mesmo tempo que busca pela
manutenção da sociedade civil e seus fundamentos – assentados na propriedade
privada- o Estado garante o bem público. O Estado seria então o sujeito real que
ordena, funda e materializa a universalização dos interesses privados e particulares
da sociedade civil.
Nas produções de Marx ao que se refere ao Estado não se vê uma identidade
entre si, não há uma Teoria do Estado marxiana. Ao tratar de Estado na tradição
marxista os principais autores são tidos como referência às concepções de Estado
são: Marx e Engels, Lênin e Gramsci.
Karl Heinrich Marx e Friederich Engels, para elaborar o referencial teórico que
deu origem à tradição, partem de 3 fontes: o materialismo histórico-dialético (filosofia
alemã com Hegel e Feuerbach), as teorias do valor-trabalho e mais-valia (economia
política inglesa com Ricardo e Smith) e as teorias das lutas de classes (socialistas
utópicos franceses com Proudhon, Saint Simon, Fourier, Blanc e Owen).
Para tomar algumas categorias principais com relação ao Estado, Marx afirma
que a sociedade capitalista é composta de estrutura e superestrutura sendo que na
Sociedade Civil se encontra a base econômica(estrutura), e no Estado o âmbito da
superestrutura.
Se para Hegel se faz na sociedade civil a esfera das relações econômicas e
dos interesses particularistas e no Estado a esfera da universalização, para Marx e
22
Engels a sociedade civil é a sociedade burguesa, onde se faz a esfera da produção
e reprodução da vida material.
Como diz Engels(1999), “a sociedade civil abrange todo o intercâmbio
material dos indivíduos [...] Abrange toda a vida comercial e industrial de uma dada
fase”.
Sendo assim, a Sociedade civil, para Marx e Engels é sinônimo de estrutura
econômica e nela é fundamentada a origem do Estado, posição oposto à defendida
por Hegel. Para Marx, o Estado não está posto em uma esfera independente,
portadora de uma razão própria, como afirma Hegel, mas como um produto da
sociedade civil expressa suas contradições e as reproduz. Analisando a obra do
Hegel, afirma que, “Para Hegel o sujeito é o Estado, o predicado é a sociedade
civil”(MARX, 2005).
Para Marx, o Estado é o produto, o regime político e o elemento subordinado,
sendo as relações econômicas o elemento dominante, o inverso do que afirma
Hegel. O que forma a base, tanto das estruturas sociais da sociedade (capitalista)
como da consciência humana, são as condições materiais da sociedade ou seja, a
produção e circulação de produtos para consumo e as relações sociais.
Enquanto em Hegel a formulação de Estado se dá como sobreposição à
sociedade, como uma coletividade idealizada, em Marx e Engels afirma-se que o
Estado emerge das relações de produção,
Não é o Estado que molda a sociedade mas a sociedade que molda o
Estado. A sociedade por sua vez, se molda pelo modo dominante de
produção e das relações de produção inerentes a esse modo.[...]
A estrutura social e o Estado nasce [...] do processo de vida de indivíduos
determinados[...] tal e como atuam e produzem materialmente e, portanto, tal
e como desenvolvem suas atividades sob determinados limites, pressupostos
e condições materiais, independentes de sua vontade (MARX; ENGELS,1999
p.36)
E assim, as relações reais não são criadas pelo poder do Estado, são elas
como poder que criam o Estado. Contrário à formulação hegeliana de que o Estado
é o momento da universalização, afirma-se que o Estado emerge das relações de
produção e expressa os interesses da estrutura, especificamente, de classe inerente
às relações de produção. É a classe economicamente dominante, a burguesia, que
controla os meios de produção e o trabalho no processo de produção, e assim,
23
estende seu poder sobre o Estado, que passa a expressar seus interesses, em
normas e leis.
A contribuição (uma delas) de Marx está na denúncia do caráter autônomo do
Estado conferido por Hegel, como se realizasse a mediação universal dos interesses
privados e gerais. Para Marx, o que Hegel faz é realizar uma transposição
especulativa dos interesses privados e particulares de um indivíduo de classe
(burguês) para interesses públicos universais próprio do sujeito abstrato, o cidadão.
Na formulação marxiana a relação de troca de mercadorias constitui a
diferença específica da sociedade moderna, constituindo-se como uma relação que
pressupõe não simplesmente a liberdade do ser humano como cidadão privado
(civil-burguês) mas a ‘liberdade’ própria da grande maioria dos seres humanos, a
‘liberdade’ em relação à propriedade dos meios de produção - que divide os seres
humanos em duas classes sociais contrapostas. Ou seja, seres humanos
desvinculados diretamente (livres) do modo de produção e aptos (livres) para se
associarem à produção via emprego por aqueles que detém as forças produtivas.
Desta forma, para Marx a sociedade civil moderna é a sociedade burguesa
(dominante).
As produções teóricas de Marx inspiraram diversas análises da vida social e
que mesmo numa única fundamentação teórica guardam também certas
divergências.
No Serviço Social a discussão a respeito do Estado também apresenta
divergências. Um dos autores que tem grande referência na contribuição de Gramsci
e colaboração com o Serviço Social é Carlos Nelson Coutinho. Este tematiza sobre
Estado contrapondo teoria “restrita” com teoria “ampliada” do Estado, baseado
fortemente na teoria gramsciana. Coutinho afirma, que a teoria “restrita” é própria do
período “proto-capitalista”, o que em Marx se expressa na formulação do Estado
enquanto comitê executivo para gerir os interesses e negócios de uma classe
dominante. A teoria que Coutinho nomeia como “ampliada” acrescenta a dimensão
do consenso à categoria da dominação/coerção, derivando daí o conceito de
Hegemonia.
24
Trata-se então do questionamento, se conforme a teoria “restrita” o Estado é
simplesmente uma máquina política, burocrática e jurídica na defesa e garantia de
uma ordem e dos interesses de uma classe, impondo diretamente à sociedade estes
interesses ou se, conforme a teoria “ampliada”, existe a possibilidade de mediações
para além das instituições políticas, que no interior da sociedade agiriam, por meio
de uma ordem de entidades, para colocar a possibilidade de que determinado poder
consiga se garantir, que possa se legitimar. Trata-se então de conceber a Sociedade
Civil enquanto síntese, espaço nem público nem privado.
No interior do Serviço Social e para além dele, esta polêmica tem
consequência importante, pois dela derivam posições teórico-políticas significativas
no interior da profissão. Para alguns autores esta posição esvazia a principal
questão da sociedade capitalista, negando a luta de classes, uma vez que aceita o
espaço público e do próprio Estado como algo acima dos conflitos particulares,
como possibilidade de expressão do “bem comum” ou do “interesse geral” .
Os(as) autores(as) que se reivindicam marxistas afirmam que tal posição não
nega o caráter de classes nem os conflitos dela decorrente como central na luta pela
mudança social. O que afirmam os adeptos da teoria “ampliada” de Estado e de
Sociedade Civil é que ambos são espaços da luta de classes, sendo o Estado,
diferente do que Marx afirma, não é instrumento exclusivo de umas das classes,
mas se constituiu enquanto resultado de uma “correlação de forças”, passível de
disputa. E desta forma, com a tendência burguesa de instrumentalização do Estado,
como a privatização do espaço público, essa noção de possibilidade de disputa teria
mais interesse à classe trabalhadora. Segundo os autores que defendem esta
posição, foi a luta histórica dos(as) trabalhadores(as) pela ampliação e efetivação de
seus direitos que obrigou a burguesia a aceitar o princípio democrático da gestão do
Estado.
Os críticos desta posição questionam as consequências sobre os projetos de
mudança social. No que se refere ao ponto de vista político, a mudança social
passaria a ser resultado não mais de uma ruptura revolucionária violenta – a
violência é posta como parteira da história em Marx – mas um longo processo de
reformas, ou de um “reformismo revolucionário” (COUTINHO, 1997). Já ao que se
referem as ações profissionais, as atividades apareceriam como momentos de
25
disputa de hegemonia e de acúmulo de forças, que ocorreriam no interior da luta de
processos societários distintos. A síntese destas lutas se encontraria no caráter da
política posta por um Estado que, a depender da correlação de forças dos agentes e
grupos em luta, assumiria ou um caráter conservador (em relação à ordem do
capital) ou um caráter progressista em direção a um futuro Estado proletário.
Para Marx as relações jurídicas, assim como as formas históricas do Estado
são incompreensíveis por si mesmas, e nem podem ser entendidas pela dita
“evolução do espírito humano” (como proposto por Hegel). Pra compreensão das
relações jurídicas faz-se necessário como ponto de partida as condições materiais
da vida, posto por Hegel como “sociedade civil”.
Para Hegel a compreensão do Estado, e, consequentemente, do direito, leva
à unidade Estado-sociedade civil como manifestação dos momentos genéricos e
particulares. Sendo assim, o Estado burguês torna esta possibilidade real ou
expressa uma universalidade do direito, os direitos naturais dos indivíduos que
compõem a sociedade civil.
Em contraposição, Marx afirma que esta “sociedade civil” trata-se de uma
abstração, significando somente o oposto a um suposto Estado de natureza que
nunca existiu. Para Marx, o mito contratualista faz com que o Estado não apareça
como um produto da sociedade, mas como instituição que possibilita a sociedade,
ou seja, como se o Estado criasse a sociedade.
Marx afirma como imprescindível análise da “anatomia” da sociedade civil
para sua apreensão, isto é, o modo pelo qual os seres humanos concretos
produzem materialmente sua existência, o momento da economia. E é exatamente
ao analisar a forma particular na qual os seres humanos produzem e reproduzem
sua vida, a forma capitalista de produção, que Marx possibilita desvendar esta
particular forma de sociabilidade contemporânea para então, realizar a crítica do
Estado e do direito. Marx demonstra então o segredo das contradições liberais: não
se trata de uma abstrata “sociedade civil”, mas de uma sociedade de ordem
burguesa.
Por desassociar esta sociedade com a sociedade universalmente concebida,
o Estado aparece então, não como se fora expressão universal da natureza, mas
26
como uma forma particular de Estado. Estando inserido no modo de produção
capitalista que corresponde a uma sociedade burguesa, este Estado tem caráter
burguês.
É importante enfatizar que para Marx estes momentos não são estruturas
blindadas e separadas, mas são parcialidades no interior de uma totalidade
dinâmica que tem determinação pelas condições materiais. Contrapõe-se à visão
mecanicista que separa mecanicamente uma estrutura econômica e uma
superestrutura política, jurídica e a que corresponde certa forma de consciência.
Para Gramsci (1999) “O Estado é a organização econômico-política da classe
burguesa. O Estado é a burguesia na sua concreta força atual”.
A breve discussão é posta aqui para elucidar a concepção de Estado que
perpassa o exercício do Assistente Social. Posto que o Estado é o grande
responsável pela execução das Políticas Sociais e, consequentemente, intrínseco ao
exercício da profissão. Ou seja, a compreensão e escolha de uma concepção
teórico-política acerca do Estado pela profissão e pelo profissional, implica
diretamente sobre a forma de execução do exercício profissional.
2.3 “Questão social”
Nas Cinco Notas a Propósito da "Questão Social", Netto (2004) nos mostra
que o termo “questão social” é empregado na história há aproximadamente 180
anos (170 no texto publicado em 2004) pelos críticos e filantropos da época. Um
termo que surge para conceituar os rebatimentos de um novo modelo de produção
de bens - primeira era de industrialização do capitalismo, com início na Inglaterra –
referente à pauperização em massa.
A desigualdade social na história da humanidade tem longa data, muito
superior ao início do período capitalista, que ainda se encontra vigente. Mas no que
se refere à desigualdade social no capitalismo são identificadas características
específicas. São motivos diferentes que a configuram, diferente aos períodos
anteriores.
O fator que condicionava a pobreza anteriormente ao modo de
produção capitalista, para além da desigualdade na distribuição da riqueza (com as
27
classes dominantes ficando com a maioria e a melhor parte do que era produzido),
era o precário desenvolvimento das forças produtivas.
Com o capitalismo, a
(suposta) solução da escassez parecia estar prestes a acontecer, pelo incremento
da tecnologia própria da era industrial. Porém a produção industrial sob a lógica da
propriedade privada e empregadora da força de trabalho livre3 é transformada em
impulsionadora da pobreza. Estabelece-se uma nova forma de produção cujo
atendimento das necessidades humanas já não são necessariamente a razão da
produção. "Pela primeira vez na história registrada, a pobreza crescia na razão
direta em que aumentava a capacidade social de produzir riquezas." (NETTO, 2004
p.42)
O pauperismo se caracteriza desse modo, especificando a pobreza que surge
dos próprios meios que dariam conta de sanar as necessidades humanas. Conforme
apresentado no sub capítulo 2.1, na tradição marxista afirma-se que o modo como
se organizam os processos de produções dos bens materiais determina toda
organização da sociedade. Logo, essa nova estrutura de produção faz com que
surjam novos desdobramentos sócio-políticos para o meio social.
No processo que Marx designa como acumulação primitiva, parcela da
população é retirada dos seus antigos meios de subsistência no campo, por roubos
e pressões econômicas, sendo condicionada às péssimas condições de trabalho nas
fábricas, em situação de máxima exploração, configurando a pauperização.
Trabalhadores em situação de pauperização constituíam um grupo uniforme
em posição, características e interesses. Mas se a consciência de classe não é um
processo simples nem rápido, no entanto ele aparece sempre na história.
Trabalhadores imersos na situação de pauperização absoluta, começam a
questionar, lutar, exigir, constituindo-se rapidamente como ameaçadores á ordem do
capital. Nesta situação as classes dominantes tentam elaborar respostas à ameaça
posta pela organização dos trabalhadores, ocupando-se então de pensar saídas que
não ameaçassem a lógica vigente,para o que passa a ser denominado, a partir daí,
de “questão social”.
3
Liberta das forças produtivas, livre pra compra e consumo em meios de trabalho de propriedade alheia.
28
"Foi a partir da perspectiva efetiva de uma [destruição] da ordem burguesa
que o pauperismo designou-se como 'questão social'" (NETTO, 2004 p.43)
Passa a se entender "questão social" a partir das problematizações da
parcela em situação de miséria frente a tanta produção de riqueza, o embate entre
as classes que se configuraram como trabalhadora e burguesa: a luta de classes.
A partir da metade do século XIX, o conceito de "questão social" deixa de ser
tratado pela criticidade, que de certa forma apontavam as contradições do sistema, e
é acolhido por pensadores conservadores. Cuja burguesia já estabelecida
econômica e politicamente, com os intelectuais a ela vinculados produzindo e
reproduzindo a ideologia dominante para a manutenção da ordem. Produções
intelectuais vão buscar justificar as contradições inerentes do capitalismo e legitimar
a reposição do Capital.
"Posta em primeiro lugar, com o caráter de urgência, a manutenção e a
defesa da ordem burguesa, a 'questão social' perde paulatinamente sua estrutura
histórica determinada e é crescentemente naturalizada." (NETTO, 2004 p.43)
Dentro da perspectiva conservadora a "questão social" toma duas vertentes
entre seus pensadores. Uma a qual os intelectuais laicos vão justificar que a
expressões da "questão social" são características inerentes e inelimináveis da
modernidade, avaliadas e comprovadas em teses científicas. A outra na perspectiva
do conservador confessional na qual as mazelas da "questão social" demandam
medidas sócio-políticas para diminuir seus efeitos, vistos como pertinentes à
vontade divina.
Desta forma tratam de criar meios para amenizar expressões decorrentes da
“questão social”, restritamente nas aparências desse fenômeno político-econômico,
respeitando as leis do livre mercado.
Em ambos os casos o enfrentamento à "questão social" se dá sem os
apontamentos fundamentais que retratam a realidade e, então, o enfrentamento
passa a ser operado na reforma moral do ser humano e da sociedade, nas
mudanças de escolhas limitadas dentro de um modelo já posto. Resguarda-se assim
a propriedade privada dos meios de produção e a exploração da força de trabalho.
29
Porém, com a explosão em 1848 de um forte movimento social frente às
investidas da classe burguesa, a consciência política que identificava a estrutura de
sociedade opressora foi alcançada pela classe trabalhadora. Identifica-se a “questão
social” como parte da sociedade de classes, atribui-se às suas formulações valores
conservadores, posto que o seu fim só poderia ocorrer dado numa sociedade sem
classes.
Ainda que os movimentos operários tivessem a “questão social” como
resultado daquele modelo não se tinha fundamentações teóricas que articulasse as
causas na sua gênese. Foi com Marx na publicação d’O Capital que a “questão
social” vem articulada ao modo de produção capitalista e que não se apresenta
como etapa de uma evolução, e sim como sempre presente e necessária no
processo de acumulação de mais-valia. Mostra-se nesta produção como
indissociável o fim da “questão social” ao fim do modo de produção capitalista.
Com os meios de produção privados e a busca incessante pelo crescimento
do lucro, a classe trabalhadora fica condicionada à exaustiva exploração. A análise
marxiana situa a “questão social” ao molde capitalista fazendo a diferenciação da
exploração do período pré-capital.
Na era moderna a produção encontra instrumentos e máquina advindos da
inovação tecnológica que capacitam maiores produções em menos tempo. A
exploração do ser humano por outro ser humano teria seu fim em vista, mas a
constituição de uma de classe(exclusivamente) no controle dos modos produtivos
condiciona a finalidade da implementação tecnológica. Logo, a tecnologia não
proporciona melhor divisão do tempo e modo de trabalho, mas aprofunda a
exploração do esforço físico e mental do(a) trabalhador(a). A energia da classe
trabalhadora, apropriada na forma materializada dos produtos de seu trabalho ao
acompanhamento dos avanços tecnológicos passa a ser proporcionalmente mais
expropriada pela burguesia.
A exploração dá-se na apropriação da riqueza gerada por outro, no uso da
força de trabalho alheia para obtenção privada dos produtos. Na medida em que a
potencialização do trabalho cresce, a exploração da classe trabalhadora cresce na
mesma proporção.
30
"A 'questão social', nesta perspectiva teórico-analítica, não tem a ver com o
desdobramento de problemas sociais que a ordem burguesa herdou ou com traços
invariáveis da sociedade humana; tem a ver, exclusivamente, com a sociabilidade
erguida sob o comando do capital." (NETTO, 2004, p.46)
Na análise marxiana é posta a construção da “questão social” e mostra que
as reformas não sanam suas expressões, tampouco pressupõe seu fim.
No Pós II Guerra Mundial o capital obteve até os anos 1970 um grande
crescimento econômico nos países vitoriosos da guerra. Esse crescimento deve-se
na relação econômica estabelecida com os países derrotados e também com os que
eram caracterizados como “terceiro mundo”. Para os países do "primeiro mundo",
principalmente na Europa, durante o crescimento pareciam ter jogado para o
passado a “questão social”, pois se via nas políticas do Estado de Bem Estar Social
que as expressões da “questão social” foram amenizadas. Com as expressões
amenizadas
as
contradições
do
sistema
eram
encobertas,
trabalhadores
conseguiam atendimento de alguns direitos ainda que não superassem a condição
de exploração. Nessa conjuntura de crescimento econômico tais acontecimentos
fundamentaram a ideia dos intelectuais críticos que a pauperização permanecia
porém, de forma relativa.
Como próprio da estrutura capitalista após o período de crescimento (pós
guerra até os anos 1970) as taxas de lucro começaram a decrescer. A história
retrata nesse período uma conjuntura de globalização em perspectiva política e
econômica neoliberalista, cuja característica traz o deslocamento das áreas sociais
nas atenções do Estado para garantia da superação da crise instalada, como o fim
do Welfare State em alguns países. Logo, se apresenta uma nova fase de um
modelo antigo de sociedade (pela teoria marxista), mas para alguns intelectuais que concebem um novo modelo posto sobre o antigo, ultrapassado - é o ponto de
partida para configuração de uma “nova questão social”.
A formulação da “nova questão social” é consequência do rompimento teórico
de intelectuais de formulações diversas, com a perspectiva da totalidade, conforme
expressa a economia política de Marx. Estes intelectuais rompem também com a
perspectiva de superação da ordem do capital, possibilidade posta na teoria social
31
desde as formulações dos socialistas utópicos do século XIX, e colocada como
possibilidades não utópicas mas ao alcance da classe trabalhadora pela obra de
Marx. Isto é, o que a economia política de Marx aponta é para a possibilidade
concreta da construção de uma sociedade sem classes, sem exploração.
Possibilidade que assusta parte da comunidade intelectual comprometida com a luta
contra a opressão mas que não se perfila ao lado dos que lutam contra o fim da
exploração.
A tradição marxista demonstra que a “questão social” opera em todo o mundo
sob a lei geral de acumulação capitalista em determinadas fases do capital e em
conjunturas históricas junto as especificidades de cada país. A supressão da
“questão social” fica diretamente ligada a supressão do modelo capitalista.
2.4 Emancipação política e emancipação humana
A polêmica entre os autores mencionados (Marilda e Lessa) acerca de qual o
papel do Serviço Social, se práxis fundante (trabalho) ou fundada, remete
necessariamente à discussão acerca de qual a contribuição que o Serviço Social
pode ofertar para o processo da emancipação humana.
Analisemos então a relação entre emancipação política e emancipação
humana, a partir da forma como o Serviço Social se situa na divisão social do
trabalho, analisando as possibilidades de resistência e de luta para avançar
coletivamente em direção à emancipação humana.
No modo de produção capitalista, a existência da propriedade privada dos
meios de produção e a consequente exploração do ser humano sobre o ser humano,
condicionam a sociabilidade, os processos de trabalho e as lutas para a superação
desta ordem.
Os limites das lutas na sociedade capitalista são postos pelo fato de que “a
emancipação política é a redução do homem, de um lado, a membro da sociedade
cidadão do Estado, a pessoal moral.” (MARX,1991 p. 50). Sendo assim, as
expressões da “questão social”, cuja resolução demandam a interlocução com o
Estado, mesmo quando exitosas nas suas reivindicações (fato cada vez mais raro
32
em tempos de neoliberalismo) consistem apenas na emancipação possível para os
indivíduos dentro do modo de produção capitalista.
Os projetos revolucionários colocam a emancipação humana como horizonte,
tendo, no entanto, de partir de uma realidade posta que está muito distante de tal
horizonte. No entanto, a práxis social expressa no serviço social, dentro do contexto
da acumulação flexível do capital, ao lidar com as contradições entre Emancipação
Política e Emancipação Humana, pode se constituir como modelo de resistência à
barbárie. Dado que a realização de grande parte da vida profissional do assistente
social se dá tendo como empregador o Estado ou em estrita relação com ele, é
fundamental analisar quais os elementos postos na relação Estado-Sociedade Civil,
para a possibilidade de construção de um movimento possível de superação em
direção à emancipação política. Como este movimento pode ocorrer na sociedade
capitalista na sua fase de acumulação flexível (particularidade), conforme adotemos
uma concepção do Serviço Social como práxis fundante ou fundada?
Em Marx, a emancipação política se refere ao nível de apropriação e
objetivação que um indivíduo pode alcançar dentro da ordem de produção
capitalista, significando um avanço. Para o autor, embora a emancipação política
não seja a última etapa da emancipação humana em geral, caracteriza-se no
entanto como a derradeira etapa da emancipação humana dentro do contexto do
mundo atual. (MARX, 1991 p. 28).
Para legitimar-se e aparecer como instituição supraclassista, se faz
necessário que o Estado acolha as demandas oriundas da luta social dos
trabalhadores. O processo de integrar estas demandas sociais (sempre periféricas,
jamais centrais), pelo Estado, visa produzir um movimento de coesão (EIKO, 2013).
É nesse processo de legitimação que ocorre o desenvolvimento da emancipação
política [para Marx], ou seja, começa a existir, por parte do Estado, uma implicação
maior em garantir o acesso aos direitos sociais.
Para Marx e Engels, o Estado, que é fruto da inconciliabilidade das
contradições de classe, cumpre o importante papel de amortecer a colisão das
classes, pois isso garantirá a existência e continuidade da classe dominante, da qual
ele é o guardião dos interesses. Compreender como tem se desenhado esta relação
33
Estado-Sociedade Civil, é compreender como se dão estas contradições nas lutas e
enfrentamentos realizados pelos setores comprometidos com as demandas dos
trabalhadores. Para tanto, se faz necessário analisar qual o papel do assistente
social na construção de processos de emancipação (política e humana) frente á
realidade posta.
Afirma-se aqui que para produzir um conhecimento sobre a realidade social é
necessário uma radicalidade assente na centralidade ontológica da categoria
Trabalho no processo de constituição do ser social. O trabalho tomado em sua
dimensão concreta, como atividade de transformação do real pelo ser humano e,
que permite e promove dialeticamente, a transformação de si e do mundo, enquanto
elemento fundante do gênero humano. Tal processo se dá pelo engendramento dum
salto ontológico que, ao mesmo tempo que satisfaz as necessidades humanas por
meio da atividade, retira esta existência humana das determinações meramente
biológicas.
Conforme
afirmado
anteriormente,
é
pelo
trabalho,
pelo
“pôr
teleológico”(LUKÁCS apud EIKO, 2013), que os seres humanos se desenvolvem
objetivamente e que é produzido o chamado gênero humano, entendido como o
corpo inorgânico do ser humano, representando todas as aquisições e produções
historicamente acumuladas na história da humanidade. A genericidade humana
pode ser alcançada somente a partir da apropriação/objetivação do gênero humano,
quando supera a determinação unívoca da natureza. Marx também concebe a noção
de sujeito enquanto ser genérico sendo que o 'genérico' tem aqui a função primordial
de ligar cada indivíduo em particular ao seu gênero. Segundo Eiko, “É a dimensão
do “universal” que deve realizar-se em cada ser humano, singularmente, desde que
esse universal não seja concebido abstratamente, desencarnado e irreal”. Sendo o
individuo um ser singular que se relaciona com o gênero humano, na acepção de
Oliveira (2005) a universalidade, a partir da mediação da sociedade, das condições
concretas de sua vida, é denominada como particularidade. É nesta particularidade
que ocorre a relação entre singular-universal, a qual é engendrada pelo processo de
apropriação-objetivação característico da atividade vital humana, o trabalho. No
entanto, se a relação singular-universal for tomada apenas do ponto de vista da
relação entre o indivíduo e a sociedade, a emancipação do ser humano singular
queda restrita á
mera emancipação política, inerente à concepção de cidadão,
34
somente referida á relação do indivíduo com o Estado, não realizando a relação do
indivíduo com o gênero humano. Assim, posto o motivo último da relação indivíduosociedade se atém ao processo adaptativo do indivíduo à sociedade.
A apropriação das relações sociais objetivadas na sociedade capitalista
ocorre sob a forma de uma apropriação espontânea, em si. Os seres humanos,
como resultado da naturalização de tais relações, passam a se submeter a elas,
subjetivando-as e constituindo uma identificação espontânea com a situação dada.
Como consequência, ocorrendo o destaque do produto sócio-histórico da
evolução da humanidade (gênero humano) da evolução do indivíduo (ontogênese),
ocorre a alienação entre as produções históricas da humanidade e a vida particular
dos indivíduos. Alienação esta que é a forma como, na sociedade capitalista
(MARX,1989), o trabalho se desenvolve, ocorrendo seja na relação do trabalhador
com o produto de seu trabalho, seja no próprio ato da produção do trabalho.
A forma histórica que o trabalho assume no capitalismo, a partir da
exploração ao qual é submetido, engendra a alienação, provocando um
distanciamento entre a produção genérica e a apropriação social pelos indivíduos.
Somente com o fim da ordem do capital, que promove a exploração do
trabalho, aliena e reduz as possibilidades de desenvolvimento das mais altas
capacidades humanas, é que podemos perspectivar o alvorecer da emancipação
humana, processo no qual todas as potencialidades humanas se realizarão, de
forma singular em cada ser social.
35
3 SERVIÇO SOCIAL, O PALCO DO DEBATE
“(...)O tempo histórico
Aprisionado, encarcerado, apodrecido, reproduzido
Movimentado
F = m.a
Aceleração = força sobre a massa
Aumentá-la até tender ao infinito Pesar sobre a massa Acelerar as massas...
Empurrá-las rápido abismo abaixo
Em = Ec + Ep À beira do abismo
A energia potencial é máxima
Para o capital
Mas o capital não quer só a potência
Quer consumir a força
À força
Acelerá-la mais, mais, mais
Quer a energia cinética máxima
A energia cinética máxima que
Um corpo adquire quando chega
Ao chão depois de um voo cego livre
Um cego livre
Cegos e livres
Corpos no chão
Velocidade máxima
Potencial mínimo
Velocidade zero
Tempo arrasado
Time of death.
(...)
Alexandre Magno Teixeira de Carvalho
3.1 Aspectos teóricos-metodológicos de origem e desenvolvimento histórico
Para abordar os fundamentos históricos do Serviço Social no Brasil faz-se uso
das contribuições de Yazbek(2009) nas análises das tendências que permearam a
leitura da realidade e a orientação de intervenção. São as tendências de cunho
religioso associado ao catolicismo no acompanhamento do crescente domínio do
Brasil pelo capital e também das matrizes teórico metodológicas acerca da
sociedade.
A primeira tendência, que abarca o surgimento da profissão em contexto de
forte expansão capitalista, aparece composta pelo ideário católico. O que implicará
na abordagem da “questão social” como um problema moral e religioso, na qual sua
resolução deveria se dar na formação da família e do indivíduo junto ao atendimento
das necessidades materiais, morais e sociais. Neste momento atua-se sobre valores
e comportamentos de seus “clientes”, na ideia de ajuste para adequação às relações
sociais econômicas. (YAZBEK, 2009)
36
As orientações teóricas tem origem no pensamento de São Tomás de Aquino 4
(Tomismo) que foram recuperadas ao final do século XIX na França e na Bélgica
sob a necessidade de responder aos fenômenos negativos da economia capitalista
(Neotomismo5). Surge a Doutrina Social da Igreja6, pautada no programa francobelga.
O Serviço Social associado à Igreja Católica se coloca como militante dos
valores humanistas conservadores como: a manutenção da dignidade humana;
desenvolvimento de potencialidades; a sociabilidade; o bem comum; e a autoridade
necessária para justiça. Buscava-se restaurar as ideias da Igreja frente à “questão
social”. O que fazia com que de forma acrítica se mantivesse em consonância com a
economia liberal.
A partir dos anos 1940 em contato com o Serviço Social norteamericano
pautado na teoria social positivista, a categoria brasileira incorpora em sua
caracterização a tecnificação da sua atividade. Tal qualificação se faz necessária
para sistematização do espaço sócio-ocupacional em resposta ao surgimento das
políticas sociais implementadas pelo Estado nacional associadas à manutenção
econômica do país. Neste período surgem as leis trabalhistas e o ministério do
trabalho por um governo de cunho populista.
Nesse processo de tecnificação dá-se a legitimação profissional com uma
ocupação na divisão sócio técnica do trabalho e condição de assalariamento. O fato
do Serviço Social em profissionalização traz o requerimento da ampliação dos
referenciais técnicos para operação, o que próximo às influências positivistas e o
4
“Teólogo dominicano que escreveu obra filosófica caracterizada por uma perspectiva humanista e metafísica
do ser que vai marcar o pensamento da Igreja Católica a partir do século XIII. Merece destaque na obra Suma
Teológica.”(YAZBEK, 2009 p.191)
5
“Neotomismo ‐ retomada do pensamento de São Tomás a partir do papa Leão XII em 1879 na Doutrina Social
da Igreja e de pensadores franco belgas como Jacques Maritain na França e do Cardeal Mercier na Bélgica.
Buscavam nesta filosofia diretrizes para a abordagem da questão social.”(YAZBEK, 2009 p.191)
7
“No que se refere à Doutrina Social da Igreja merecem destaque nesse contexto as encíclicas ‘Rerum
Novarum’ do Papa Leão XIII de 1891, que vai iniciar o magistério social da Igreja no contexto de busca de
restauração de seu papel social sociedade moderna e a ‘Quadragésimo Anno’ de Pio XI de 1931 que,
comemorando 40 anos da ‘Rerum Novarum’ vai tratar da questão social, apelando para a renovação moral da
sociedade
e
a
adesão
à
Ação
Social
da
Igreja.”(YAZBEK,
2009
p.4)
37
histórico religioso gera-se uma junção “do discurso humanista cristão com o suporte
técnico-científico [...] positivista, [reiterando] [...] o caminho do pensamento
conservador, pelas mediações das ciências sociais”(YAZBEK,2009 p.169).
A autora ressalta, que a doutrina e o conservadorismo não se fazem presente
para abstração e explicação das relações sociais, mas se constituem para dar
suporte político à ordem econômica. A doutrina por se tratar de uma visão de mundo
fundamentada em dogma e o conservadorismo por manter-se resistente aos
avanços da modernidade. Já a teoria social,
por sua vez constitui conjunto explicativo totalizante, ontológico, e, portanto
organicamente vinculado ao pensamento filosófico, acerca do ser social na sociedade
burguesa, e a seu processo de constituição e de reprodução. A teoria reproduz
conceitualmente o real, é, portanto, construção intelectual que proporciona
explicações aproximadas da realidade e, assim sendo, supõe uma forma de
autoconstituição, um padrão de elaboração: o método. Neste sentido, cada teoria
social é um método de abordar o real. O método é, pois a trajetória teórica, o
movimento teórico que se observa na explicação sobre o ser social. (YAZBEK, 2009
P.169)
O primeiro suporte teórico-metodológico do Serviço Social brasileiro ancorado
à matriz positivista compreende as relações sociais imediatas à objetividade. As
“mazelas” da sociedade, os indivíduos e famílias desajustadas, “clientes” do Serviço
Social são analisados em sua aparência sem mediação de uma teoria social crítica
que subsidie compreensão com as demais relações existentes. Como exemplo, ao
indivíduo que se encontra em condição de mendicância se espera com a
intervenção do Serviço Social o desenvolvimento de suas potencialidades e
integração ao mercado formal de trabalho sem discernimento das forças que o
colocaram em tal condição.
Parte-se do pressuposto que todos são iguais, podem e merecem uma vida
digna e por isso devem conduzir suas vidas para tal direção. Ressaltam-se as
forças(escolhas) individuais.
Particularmente em sua orientação funcionalista, esta perspectiva é absorvida pelo
Serviço Social, configurando para a profissão propostas de trabalho ajustadoras e um
perfil manipulatório, voltado para o aperfeiçoamento dos instrumentos e técnicas para
a intervenção, com as metodologias de ação, com a “busca de padrões de eficiência,
sofisticação de modelos de análise, diagnóstico e planejamento; enfim, uma
tecnificação da ação profissional que é acompanhada de uma crescente
burocratização das atividades institucionais” (YAZBEK, 1984, apud Ibidem).
38
No contexto dos anos 1960, de grande crescimento econômico dos países
centrais do sistema capitalista pós Segunda Guerra Mundial, aos países da América
Latina foram postos a exclusão e subordinação. Nesse momento de mudanças
políticas, sociais e culturais a profissão contagiada pelas movimentações de
insatisfação se direciona para uma revisão de suas orientações teórica,
metodológica e operativa.
Tal questionamento coloca aos profissionais da América Latina, sentidos
pelas mobilizações populares, a necessidade de uma construção de projeto que
responda as demandas das classes subalternas. E é nessa nova construção que a
teoria social crítica de Marx tem aproximação com a profissão, ainda que de forma
limitada e obnubilada. É nesse movimento de Reconceituação(latino americano) que
se disputam as tendências para fundamentar o exercício profissional do assistente
social e situar a profissão teoricamente.
No Brasil, com a presença dos militares no governo, a categoria, dada a
conjuntura, priorizou as características tecnocrática e modernizadora em seu projeto
profissional num primeiro momento.7
Entretanto, nos demais países do Cone Sul o Serviço Social “assume
claramente uma perspectiva crítica de contestação política e a proposta de
transformação social”(YAZBEK, 2009 p.171) ainda que não se sustentasse pela
ausência de conteúdo crítico que embasasse a atuação e pelas intervenções
militares que passam a ocorrer.
Ao final dos anos 1970 a categoria brasileira ainda está influenciada pelos
autores latino americanos que avançaram na produção crítica, mas tiveram suas
falas silenciadas. Porém, há também nesse período início das produções intelectuais
do Serviço Social brasileiro que resulta nas seguintes vertentes de análise
emergidas na Reconceituação:
a vertente modernizadora (NETTO apud YAZBEK, 2009 p.172) [com]
abordagens funcionalistas, estruturalistas e mais tarde sistêmicas (matriz positivista),
voltadas [...] à melhoria do sistema pela mediação do desenvolvimento social e do
enfrentamento da marginalidade e da pobreza na perspectiva de integração da
sociedade. [Com] recursos buscados na modernização tecnológica e em processos e
7
Tem-se como registro que melhor expressam esse momento os documentos de Araxá e Teresópolis.
39
relacionamentos interpessoais. [Dá-se em projeto] tecnocrático fundado na busca da
eficiência e da eficácia que devem nortear a produção do conhecimento e a
intervenção profissional;
a vertente inspirada na fenomenologia, [com metodologia dialógica e] visão
de pessoa e comunidade [intermediando os sujeitos singulares com o mundo]. Esta
tendência que no Serviço Social brasileiro vai priorizar as concepções de pessoa,
diálogo e transformação social (dos sujeitos) é analisada por Netto (1994, p. 201 e ss)
como uma forma de reatualização do conservadorismo presente no pensamento
inicial da profissão;
a vertente marxista que remete a profissão à consciência de sua inserção na
sociedade de classes e que no Brasil vai configurar‐ se, em um primeiro momento,
como uma aproximação ao marxismo sem o recurso ao pensamento de Marx.
(YAZBEK, 2009 p. 173)
Yazbek, enfatiza que, nesta fase, a apropriação do marxismo se dá tanto no
Brasil como na América Latina de formas reducionista, cientificista e estruturalista, e
influencia o documento do Método B.H.8. E é nesta relação precária com o marxismo
que a profissão se posiciona politicamente questionando a postura do Serviço Social
tradicional, dando início ao movimento de ruptura.
Segundo a autora, é no início dos anos 1980 com Marilda Iamamoto que o
Serviço Social se apropria com maior domínio da teoria social de Marx na apreensão
do ser social em suas mediações. Enfatiza-se aqui que, para além da avaliação
formulada por Yazbek, outros autores, como Netto, possuem um papel determinante
neste processo de apropriação da apreensão da teoria social de Marx.
Neste momento a categoria busca a apreensão da realidade a partir dos
fatos como indicadores portadores de relações que o explicam na sua totalidade. É
esta orientação que concebe a abordagem hegemônica do Serviço Social como
participante da reprodução das relações sociais e aparece expressa nas diretrizes
curriculares, regulamento da profissão e no código de ética. A abordagem marxista
que avança seguindo pelos anos 1990 aproxima e se influencia das formulações de
Antonio Gramsci, Agnes Heller, Georg Lukács, Edward P. Thompson e Eric
Hobsbawm.
A construção hegemônica de perspectiva marxista na profissão deste período
carrega em si diferentes correntes. São no debate e na construção coletiva do
Serviço Social compromissado com a classe trabalhadora que as múltiplas correntes
expressam
8
suas
divergências.
A
categoria
profissional
passa
a
abarcar
Designação dada ao método elaborado pela equipe da escola de Serviço Social de Belo Horizonte no
período de 72 a 75 e que propunha a constituição de uma metodologia alternativa às perspectivas das
abordagens funcionalistas da realidade. Buscava articular teoria e ação em sete momentos.
40
desdobramentos teóricos diferenciados ainda que submetidos a um amplo
referencial. Coloca-se em voga a percepção de um pluralismo nas produções e
organizações da categoria, cuja problematização passa a ser objeto de estudos em
contraponto ao ecletismo.
A ocorrência da maturação teórica metodológica que no contato com as
ciências (sociais) se desenvolve em maturação científica, traz reconhecimento pelas
possibilitadas organizações da categoria que se colocam como proponentes das
intervenções do Serviço Social. Entretanto, tal maturação científica que possibilita o
posicionamento progressista não apaga as diferentes formas de pensar e agir de
todos os profissionais. O posicionamento hegemônico, não totalitário, enfrenta as
existentes ligações de pensamentos e intervenções com as posturas originárias da
profissão. A ruptura com o tradicionalismo não extingue o conservadorismo e o
reacionarismo.
Tem-se no início dos anos 2000 “[expressão da] democratização da
convivência de diferente posicionamentos teórico-metodológicos e ideopolíticos
[presentes] desde o final da década de 1980”(YAZBEK, 2009 p. 177) na maturidade
profissional. E é nesta fase, pós Constituição Federal(1988) que os profissionais
passam de executores a gestores e planejadores das políticas sociais. Cuja
conjuntura é atravessada pela flexibilização do trabalho, erosão da proteção social
do Estado, priorização dos reajustes da economia, corte de gastos públicos e
privatização que dão a “questão social” um novo perfil.
Nesses anos de neoliberalismo as políticas sociais passam a ser de
responsabilidade não só do Estado mas também da sociedade civil abordando a
filantropia e a seletividade (por parte do Estado) nos programas na perspectiva de
combate à pobreza. Esse quadro coloca para o Serviço Social novas questões:
a profissão enfrenta o desafio de decifrar algumas lógicas do
capitalismo contemporâneo particularmente em relação às mudanças
no mundo do trabalho e sobre os processos desestruturadores dos
sistemas de proteção social e da política social em geral. Lógicas que
reiteram a desigualdade e constroem formas despolitizadas de
abordagem da questão social, fora do mundo público e dos fóruns
democráticos de representação e negociação dos interesses em jogo
nas relações Estado e Sociedade.(YAZBEK, 2009 p. 179)
41
Os impactos da economia não apenas afetam o universo do objeto de
intervenção, mas também a categoria profissional. Junto às questões analíticas do
objeto de trabalho da categoria se colocam também as novas modalidades de
intervenção sob novas condições de realização. Aparecem as terceirizações,
contratos parciais e temporários que passam a demandar novos conhecimentos
técnicos-operativos e capacidades individuais em arena de competitividade e
individualismo. Tem-se como resultado declínio da ética9.
A “contradição” desse período está posta por um aumento da presença de
assistentes sociais de caráter consolidado e maduro, o qual buscam a defesa de um
projeto que atenda as classes subalternas, nas execuções e espaços de discussão
das políticas sociais enquanto diminui-se10 os recursos às políticas sociais.
3.2 Ética e Serviço Social
Trazer o debate acerca da ética na profissão se faz importante não apenas
pelo assunto ao qual se propõe esta monografia mas também pela presente
conjuntura que apresenta dificuldades para a profissão que tem como marca
histórica os avanços e configurações progressistas. Vê-se na contemporaneidade as
muitas dificuldades de implementação do código ética que somado às questões
práticas e objetivas do exercício profissional fazem-se presentes teorizações que
abrangem a abstração histórica da realidade e seus fundamentos em discursos
confusos.
Fica posto para prática profissional campo amplo para reprodução abstrata
das categorias éticas, as sobrepondo à explicação racional. Como colocam Teixeira
e Braz(2009): as práticas coletivas projetadas e os projetos societários envolvem
diversas atividades, sendo então essas atividades e práticas que constituem os
projetos em si. Sendo assim, as práticas do Serviço Social constituem qual/quais
projeto(s)?
9
Cf Yazbek, 2009
10
Embora nota-se um aumento quantitativo de valor destinado à assistência social nos anos 2000 até
a atualidade é preciso apontar que a maior parte é destinado para os programas de transferência de
renda em detrimento das políticas de acessibilidade aos direitos sociais.
42
No modo de produção em que a mercadoria é totem/símbolo máximo da
sociedade, a ética criada e utilizada tem caráter individualista e pressupõe
desarticulação com as demais unidades integrantes da realidade social. Nas
condições impostas pelo modo de produção capitalista, os indivíduos buscam sanar
suas necessidades pessoais se sobrepondo aos demais interesses coletivos.
Todavia, as atividades assim são postas devido às determinações reais
geradas na luta de classes. O caráter político de cada prática é dado pelo fato de
inevitavelmente influir sobre interesses de classes e não por escolhas morais. A
moral direciona a ação usando o potencial político nela existente.
Neste modo de produção, (como já apresentado anteriormente a respeito do
caráter criador do trabalho na sociedade) o comportamento, a moral e o ethos social
têm como parâmetro valores próprios do liberalismo. A reprodução da vida humana
constitui o mundo prático-material e consequentemente a constituição do mundo
prático-ideal, necessário a manutenção do primeiro. No capitalismo, produz-se o
ethos burguês fundamental ao seu funcionamento nas orientações ideais (plano das
ideias) às objetivações necessárias na estrutura social.
Busca-se apresentar ética enquanto categoria, produto da socialização
funcional à reprodução social. Carregada de valores morais colocam em movimento
ações orientadas em determinadas finalidades. Tais finalidades podem ser a
reposição da fluente ordem social ou contra proposta.
Como apresenta Barroco(2009), a ética no mundo concreto, nas relações
humanas tem como característica alcance limitado nas transformações porém, é
fortemente contributiva na sociedade. Na ética do ser social, se estabelece
mediação do momento/fase singular para o ser humano genérico. Faz parte da
práxis social.
A práxis presente no trabalho (transformação da natureza) se amplia para
todas as atividades dele oriundas. Com o desenvolvimento do trabalho, a ação do
trabalho ganha maiores mediações se distanciando de uma intervenção direta.
Outras objetivações se fazem presente que não necessariamente tratam em si da
intervenção na natureza, embora estejam ligadas à essa atividade. Tais objetivações
43
circundam o plano imaterial, das ideias, do conhecimento, do comportamento e
nelas se faz presente a ação ética-moral.
Faz-se necessário levar em consideração a composição histórica do ser
social, desenvolvido pelo aperfeiçoamento do trabalho, para compreender a ética. É
tratada na forma da consciência humana com caráter de decisão sobre escolhas por
meio da racionalidade.
Nas escolhas sobre as alternativas faz-se juízo de valor. “O fato de toda ação
consciente conter uma posição de valor e um momento de decisão propicia o
entendimento de que a gênese do valor e das alternativas seja dada somente pela
avaliação subjetiva dos indivíduos.” (BARROCO, 2009) Porém, ressalta a autora que
o valor e a alternativa são produtos concretos, são objetivadas na ação do ser
humano.
Neste sentido as escolhas são feitas entre produtos (materiais e imateriais)
possuidores e não possuidores de valor somado também as possibilidade de
objetivação. Coloca-se com isso que as escolhas não se dão somente entre as
alternativas postas, mas ao que oferecem.
Como apresenta Barroco, a ação ética traz ao sujeito a escolha racional e
consciente entre valores, a projeção teleológica de cada escolha e a intervenção na
realidade social pautando-se em princípios, valores e projetos ético-políticos. Todas
as características postas na ação ética são baseadas nas condições reais postas
social e historicamente.
Como tal, a ética dirige-se à transformação dos homens entre
si, de seus valores, exigindo posicionamentos, escolhas,
motivações que envolvem e mobilizam a consciência, as formas
de sociabilidade, a capacidade teleológica dos indivíduos,
objetivando a liberdade, a universalidade e a emancipação do
gênero humano. (BARROCO, 2009 p. 198)
Na sociedade capitalista cuja perpetuação da exploração do ser humano por
outro ser humano pautada na propriedade privada dos meios de produção cria
classes antagônicas, a objetivação ética se dá de forma desigual e limitada.
Desenvolvem-se produtos materiais e imateriais cujo usufruto é dado de forma
desigual pelos indivíduos da sociedade. Nega-se a universalidade da objetivação do
44
ser social. A ética como posta por Barroco (Ibidem), não é atingida em sua plenitude
neste modo de produção.
No desenvolvimento humano com as forças produtivas em aprimoramento, a
moral torna-se presente nas relações humanas, estas que já não respondem
instintivamente, mas racionalmente ao objetivo planejado. Tem como função a
regulamentação do comportamento humano contribuindo para reprodução das
relações sociais, mediadora das relações sociais. Propriamente como produto da
humanidade tem referencial na história, é coletivamente estabelecida e passível de
transformação.
O agir moralmente envolve a adesão consciente e voluntária aos valores
éticos, com alcance de possibilidade dos indivíduos singulares ao coletivo da
humanidade. Porém, a moral posta nas ações humanas por repetição e reprodução
pode ser interiorizada (e defendida) sem envolver necessariamente uma escolha
livre e consciente de valores. Nesta perspectiva, na sociedade burguesa a moral
possui função ideológica, contribuindo na manutenção da classe dominante
reproduzindo seus interesses, difunde-se na sociedade o ethos dominante.
Na realização das ações desprovidas de reflexão, próprias do cotidiano, a
moral introduzida e/ou incorporadas previamente nessas ações são internalizadas
pelo sujeito que as realiza de forma acrítica. Nesta esfera, do cotidiano, a moral é
objetivada de forma alienada ao terreno do modo operativo superficial e imediato ao
indivíduo singular.
Barroco ao citar Heller(apud BARROCO, 2009 P.201) coloca que ao proveito
da manutenção da lógica dominante preconceitos são produzidos e associados à
moral. Para a classe dominante, que é minoria na sociedade, se faz necessário a
fragmentação da maioria, explorada economicamente, para evitar potencial força de
resistência. Assim, a moral carregada de preconceitos é posta no cotidiano
perpetuando ações favoráveis aos interesses da classe dominante.
Entretanto, a moral não se encontra ligada exclusivamente à condição de
ação sob a individualidade no cotidiano. A moral, ressalta a autora, carrega a
possibilidade
de
suspensão
momentânea
da
cotidianidade
alcançando
a
generalização, a dimensão humano-genérica. Alinhada aos valores éticos possibilita
45
afastamento das resoluções imediatas das necessidades e das intenções puramente
individuais, associa-se às objetivações de alcance à humanidade, realização do ser
humano genérico característico de representatividade do ser social.
O alcance da elevação do cotidiano, tanto por ações práticas ou por reflexões
teóricas ampliando as realizações de escolhas conscientes em prol da coletividade,
condiciona os indivíduos como sujeitos éticos.
As ações éticas do indivíduo carregam elementos de valor que propiciam seu
julgamento. Esses elementos pertencentes às categorias éticas os tornam subsídios
à ética.
Ao que refere a profissão as ações morais ganham dimensão coletiva, uma
frente atuante em diversos espaços. Coletivamente e historicamente, dentro dos
seus limites e possibilidades, a categoria profissional ao lidar com as intervenções
demandadas na divisão sócio-técnica do trabalho desenvolve uma direção éticopolítica própria dando forma ao fazer profissional.
A ação ético-política da profissão tem sua materialidade nas ações morais,
quando elaborada teorização ética e normatizados deveres e valores. Porém, não
são suas formas absolutas de realização ética e dependem de outras
determinações, busca-se para além da intenção dos sujeitos. (BARROCO, 2009 p.
204)
A referida ação moral profissional trata-se da mediação que permeia e
relaciona o indivíduo profissional singular, os demais sujeitos e o produto que se
objetiva na intervenção. Por característica, revela a consciência moral e moralidade
do determinado sujeito que executa a ação moral.
Tal análise não exclui a percepção que os sujeitos carregam em si uma
moralidade existente anterior à formação profissional e que esta é reforçada ou
contraposta à medida que é encarada nos processos de socialização. A adesão a
um projeto profissional pressupõe superação deste confronto moral com
incorporação dos valores inscritos na totalidade que justificam a condição e relação
da profissão com a totalidade da sociedade.
46
Quanto ao projeto ético-político, este ganha materialidade quando assumido a
responsabilidade individual e coletivamente. Pressupõe organização e compromisso
dos integrantes aos espaços de debate e construção, bem como ações consensuais
às deliberações centralizadas. Como já sinalizado incorporam-se nesses processos
visões de mundo advindas da educação formal e informal que irão consolidar
hábitos e costumes.
O próprio projeto ético é em si objetivação da ética. O que não significa
unanimidade no cumprimento da própria profissão que o elabora. As orientações de
conduta legalista não garantem sua realização. É preciso vontade e compromisso
político, cuja orientação é marcada por interesses e não por valores éticos
estabelecidos, ainda que possam estar em consonância.
Posta na sociedade burguesa que possui maior desenvolvimento histórico no
processo produtivo e concomitante negação do ser social, a ética se encontra num
terreno de limites e possibilidades dessa sociedade que cria e nega possibilidades
de avanços.
No histórico da profissão, a categoria se pôs nos anos 1980 em articulação
com movimentos sociais e rearticulação política dos trabalhadores também pelas
lutas democráticas se posicionando contrário às características conservadoras
carregadas por muitos anos desde a origem.11 Constrói-se um novo ethos que busca
afirmação da liberdade, articulando valores e princípios que desencadeiam o
compromisso com a classe trabalhadora uma questão ético-política central no
exercício profissional.
A construção do código de 1986 mostra-se insuficiente teórica e
operacionalmente gerando em 1993 sua reformulação aperfeiçoada. Entretanto os
anos 1990 vivenciaram os impactos da reorganização do mundo do trabalho. O
código de ética(vigente) progressista chega em tempo histórico de grande ofensiva
do Capital nas grandes áreas que afetam diretamente a profissão dos(as)
assistentes sociais. Ainda que em terreno de difíceis objetivações éticas, o
posicionamento tirado propicia ações de resistência política.
11
Movimento indicado no sub-capítulo 3.1 (p.34)
47
Barroco(2009) atenta que neste momento de perda de direitos e
fortalecimento ideológico próprios do neoliberalismo que ocupam o campo de
atuação do Serviço Social, esta categoria que tem um histórico associado aos
valores individualistas e moralistas corre o risco de retomar tais posturas. As
políticas
econômicas
e
sociais
que
trazem
esses
valores
favorecem
o
enfraquecimento da conduta ética por serem inevitavelmente instrumentos da prática
profissional.
E ressalta, que o enfrentamento deve ser pautado no conhecimento crítico da
realidade baseado em conhecimento teórico-metodológico que propicie tal
apreensão. Cujos conflitos morais mais suas formas alienadas e as dimensões
singulares e totalitárias sejam apreendidas nas devidas mediações sob formação
continuada, resguardando das postulações neoconservadoras. Exige-se participação
coletiva dos sujeitos e que questionem radicalmente a realização da plena liberdade,
fundamento central da construção ética.
48
4 BAILARINO OU COREÓGRAFO
“(...) A história faz o tempo A humanidade faz a história
O tempo da história tem peso
Nós o carregamos, havemos de Carrega-lo
Mas não nas tomadas do capital
Velocidade da luz
Nossa matéria não é dinheiro
E = m.c²
O capital não cessa? O capital não Para?
O capital acelera g, 2g, 3g... 4G!
Mais, plus, diferencial, valor
Quem dá mais? Quem dá mais?
Quem vai levar? Qual é o preço? Qual é o lucro?
Não, não estou à venda, obrigado.
Mentira. Sou posto à venda.
Puseram a venda
Meus olhos não veem
O
Abismo a velocidade
Em que me aproximo do abismo
A estupidez de nossa queda.
Não faz sentido.
Faz-se d’, mas sentido não se faz.
Valor é lucro, nada mais.
Nada mal, diz o senhor.
Sempre foi assim, sempre será[?]
(...)
4.1 Coreografia de Marilda Iamamoto
Marilda Iamamoto, formada em Serviço Social com doutorado em Ciências
Sociais, apresenta os resultados de sua pesquisa, no início dos anos 1980, cuja
caracterização do Serviço Social é posta como especialização do trabalho coletivo,
dentro da divisão social e técnica do trabalho, Inserido no processo de produção e
reprodução social.
Para Iamamoto(2000), para a realização deste debate se faz pertinente tomar
a categoria trabalho na centralidade das análises da categoria profissional. Neste
sentido, a autora responde as investidas pós-modernas de descentralização do
trabalho – que justificam seu fim por não haver mais, de forma significativa, o
exercício do trabalho em sua forma clássica – reconhecendo as retrações de
emprego no campo industrial e agrícola que coloca ao trabalhador a situação de
trabalhador livre afastado dos meios de realização de trabalho gerando um grande
contingente excedente aos meios de produção.
49
Os impactos da reestruturação e contingente excedente acarretaram em
múltiplas expressões sociais como crescimento de empregos no setor de serviços e
diminuição de empregos no setor industrial, aumento do numero de mulheres,
jovens e crianças à população economicamente ativa, convivência de trabalho
assalariado com trabalho autônomo, doméstico e clandestino e ainda a precarização
dos vínculos e relações de trabalho.
E afirma que com o desenvolvimento das tecnologias e seu incremento nos
modos de produção o trabalho tem sua potencialidade aumentada por gerar produto
em quantidade e/ou qualidade superior em referência anterior às tecnologias
incorporadas. Desse aumento da potencialidade do trabalho o empregador
consegue reduzir os postos de trabalho vivo e ainda assim garantir a produção em
equivalência ou superior ao processo anterior. Mas, no entanto, a parcela que é
retirada do trabalho gerando novos impactos na sociedade como o aumento da
pobreza, mantém relação com a forma que assume o trabalho no modo de produção
capitalista. Ainda que não ocupem os postos formais de trabalho, este se mantém na
centralidade da sociedade interferindo em todos os aspectos sociais.
Para demonstrar a existência da centralidade do trabalho, Iamamoto(Ibidem)
faz uso das formulações de Marx a respeito do trabalho. Do reconhecimento do
trabalho abstrato enquanto atividade criadora de valor e das mercadorias com
valores referentes ao tempo de trabalho socialmente necessário para sua confecção.
E posto, também, que a mercadoria guarda em si valor de uso e valor, “que também
se repõe na análise do trabalho, como trabalho concreto e abstrato, e dos processos
de trabalho como processo de trabalho e de valorização” (Idem p.83)
No que se refere ao trabalho abstrato a autora cita o trecho de Marx a
respeito da categorização que se baseia na sociedade desenvolvida, do qual já não
é possível analisar exclusivamente em suas determinações e sujeitos que a realizam
em suas particularidades. O trabalho assume uma totalidade qual expressa as
múltiplas objetivações sem sobreposição de uma sobre a outra. Ganha então
dimensão generalizada para meio de produção (o que não se faz isoladamente de
outros meios como ferramentas, matéria prima e etc), enquanto atividade do ser
humano. Trabalho enquanto categoria.
50
Afirma-se que é notório que as produções de Marx têm em sua centralidade o
sistema capitalista, porém em sua trajetória notou-se a importância de estudos sobre
outros objetos que estavam para além da sociedade construída sob a égide do
Capital. Da sistematização da categoria trabalho fazem parte das análises os modos
de produção anteriores ao Capital e a forma que assume neste último. Trata-se do
trabalho ontológico e trabalho histórico. A centralidade do trabalho na sociedade tem
sua justificativa na constituição da vida humana, como necessário a reprodução
humana, ou seja, sua existência e importância estão para além da sociedade
capitalista e indissociável da vida humana. A diferença no capitalismo é a forma que
assume o trabalho: fragmentado; alienado e alienante; limitado. O trabalho dá-se
como meio de vida, e não como a vida em si.
Ao tratar de trabalho abstrato, deve-se ter clareza da categoria ampla,
generalizada da atividade criadora, que mantém a vida humana, para além do
capital – sem perder a dimensão, é claro, da forma que assume nesse modo de
produção.
Iamamoto(Ib), ao referir-se às mudanças teóricas que tratam do exercício
profissional do Serviço Social, afirma que a categoria “práxis social” se fez presente
pelos anos 1980 para superar uma visão focalista da prática profissional. Mas junto
a essa incorporação se fez necessário explicitação de suas particularizações para
que evitasse confusão com prática social.
Neste início de século XXI, acompanharam na concepção de prática
profissional as condicionantes, internas e externas, ligadas à sua realização. Cujas
condicionantes internas dizem respeito às capacidades e habilidades do profissional,
já as condicionantes externas seriam as instituições empregadoras, recursos,
políticas sociais e a realidade dos usuários ao qual o atendimento se faz objetivo.
Em síntese, a prática profissional é vista como a atividade do assistente social
na relação com o usuário, os empregadores e os demais profissionais. Mas, como
esta atividade é socialmente determinada, consideram-se também as condições
sociais nas quais se realiza, distintas da prática e a ela externas, ainda que nela
interfiram.(Iamamoto, 2000 p.89) E como contribuição da autora, para se analisar
com mais transparência pôs-se a análise do trabalho profissional inserido em
processo de trabalho, tal qual possui características postas pelo sistema econômico
51
e político determinantes do processo de acumulação, e assim, o trabalho profissional
é moldado pelas relações que estabelece em cada espaço não sendo idêntico em
todas as suas determinações objetivas.
A prática em si é identificada como trabalho, um dos elementos constitutivos
do processo de trabalho. E Iamamoto prossegue, “Mas para existir trabalho são
necessários os meios de trabalho e a matéria-prima ou objeto sobre o que incide a
ação transformadora do trabalho.”(2000, p.95)
A autora coloca também da existência de trabalhos situados no campo
político-ideológico voltado à manutenção da ordem e criação de consenso de
classes - voltados para reprodução social, em que mesmo resguardando as
contradições expressam uma reposição da ordem dominante. E para pensar o
Serviço Social nessa relação recorre à forma em que se apresenta: uma profissão
que embora regulamentada como profissão liberal guardando em si uma relativa
autonomia em seu exercício e compromisso com valores e princípios éticos não
dispõe de livre relação comercial em seus serviços, tendo como alvo do atendimento
os segmentos mais pauperizados da população, e tampouco dos meios de
realização, se inserindo no mercado como trabalhador assalariado, ou seja,
vendendo sua força de trabalho para instituições estatais ou privadas.
Portanto, a análise de que Serviço Social exerce sua atividade inserido em
processo de trabalho se dá em função de que os(as) profissionais da categoria se
apresentam na sociedade como trabalhador livre, desprendidos dos meios de
produção e de relação servil. Mas na citada liberdade possuem apenas sua força de
trabalho qualificada, a qual é posta na relação de mercado como mercadoria a ser
comprada pelo empregador. Desprovido das condições materiais do processo de
trabalho, envolve-se na relação de compra e venda de força de trabalho, ou seja,
torna-se um trabalhador assalariado. Objetivando assim, sua força de trabalho
qualificada.
A interpretação, a qual Iamamoto busca superar, que o Serviço Social exerce
prática profissional traz como pressuposto a disposição, para o(a) assistente social,
de uma autonomia que se faz necessária para acionar e direcionar sua atividade
independente dos empregadores, em âmbito individualizado.
52
Ao se colocar como trabalhador assalariado o(a) assistente social está
submetido às determinações e finalidades postas pelo empregador e nesse limite
alcança a autonomia da profissão. O andamento dos atendimentos e definição de
prioridades, que pela autonomia relativa, são de escolha do(a) profissional e também
o controle diferenciado do seu trabalho que o distingue de um trabalhador como o
operário. Ambas profissões próprias, entre outras, do trabalhador livre na sociedade
capitalista em condição de assalariamento respondem às demandas do empregador
porém, em condições diferentes mesmo que possam estar relacionados em um
único processo de trabalho.
Diferente do operário que age sobre a matéria prima, rígida em
características, por meio de instrumento, o assistente social em seu processo de
trabalho tem como instrumento básico a linguagem, o que faz com que esse trabalho
especializado esteja ancorado sobre a formação teórica-metodológica, técnicoprofissional e ético-política, se fazendo necessário leitura e acompanhamento dos
processos sociais e estabelecimento de relações com os sujeitos envolvidos (de
características flexíveis em referência ao objetivo posto no processo de trabalho) na
atuação do exercício profissional. (IAMAMOTO, 2000)
A origem da relativa autonomia vem associada à especialização do trabalho a
qual se dá pela emergência de uma profissão no campo político-ideológico da
sociedade para realização de serviços de controle social e manutenção da ordem
dominante. Atravessada pela contradição das relações sociais da sociedade
burguesa, atuando entre as duas classes básicas do capitalismo, a profissão tem
como condição de redirecionamento da proposta de origem da profissão na luta de
classes que refletem nas relações sociais e nas abordagens das instituições.
Como afirma a autora, a atividade profissional do Serviço Social inserido em
processo de trabalho carregado de interesses opostos, por meio de conscientização
ético-político dispõe de posicionamento contrário a ordem capitalista (imposta pelo
empregador). Esta mediação ético-política possibilitaria processo de desalienação,
via processo de conscientização de classe em si para classe para si. Dessa forma a
dimensão política da profissão tem em si capacidade de neutralizar a alienação da
atividade, embora não elimine o processo de alienação próprio do trabalho
assalariado.
53
Nota-se que a alienação é posta como ausência ou subtração de consciência
de classe, na qual sua neutralidade poderia ser alcançada por meio da dimensão
política. Considerando a alienação uma característica que trabalho adquire quando
inserido no modo de produção capitalista, tendo em vista as dimensões materiais e
ideológicas, fica evidente que a desalienação não se encontra condicionada à
disputa política e sim a cargo de uma reconfiguração do trabalho como atividade
humanizadora libertadora. Frutífera em sua completude para o sujeito que a realiza
e para toda humanidade, tal qual enquanto categoria.
A perspectiva de desalienação apresentada anteriormente cumpre como
estratégia de superação de uma etapa de um processo maior. A conquista de uma
emancipação política para a busca pela emancipação humana.
E neste sentido, como afirma a autora, busca “Apropriar-se da dimensão
criadora do trabalho e da condição de sujeito, que interfere na direção social do seu
trabalho, [...] uma luta a ser travada quotidianamente” (IAMAMOTO, 2000 p.94).
Retomando, como contraponto à prática profissional feito pela autora, a
condição do(a) assistente social como trabalhor(a) livre e em emprego de sua força
de trabalho junto aos meios e recursos disponibilizados pelo órgão empregador se
fazem necessários para realização do processo de trabalho do Serviço Social.
Nesse modo, diretrizes políticas, ideologia, relações de poder e prioridades políticas
das instituições (empregadoras) não são parte das condições externas à realização
do exercício profissional, são elementos constitutivos desse processo de trabalho.
Ou seja, o erro da leitura da prática profissional estaria em enxergar as
relações de poder, na qual o serviço social está inserido, como exterior a ele e
exercessem influência. Então, que o serviço social estivesse autônomo a esses
elementos.
Intrínseco ao processo de trabalho, faz se pressuposto a existência de uma
matéria prima a qual será transformada. No trabalho do Serviço Social essa matéria
prima se compõe das manifestações da “questão social” que serão avaliadas e
intermediadas pelos instrumentos do(a) profissional. Tais expressões da “questão
social” que se tornam matéria prima, demandam do(a) profissional acompanhamento
das transformações da sociedade de modo imprescindível, uma vez que o trabalho
54
atua sobre objetos que estão em constante movimento, oriundo das relações
sociais.
Sendo assim, o desconhecimento da matéria prima faz com que o(a)
profissional deixe de ser sujeito de suas ações, atuando no processo de trabalho
sem
perspectiva
dos
impactos
de
suas
intervenções.
desse
modo
o
desconhecimento afasta a consciência da possibilidade transformadora da ação
profissional no contraditório processo de trabalho.
Entretanto, afirma-se que o referido trabalho realiza transformação (da
realidade) e neste sentido é preciso reconhecer na dimensão da totalidade a
singularidade da profissão e quais as suas relações estabelecidas, por si, limitadas.
As transformações propostas da realidade não se sustentam no conhecimento da
realidade, na consciência, mas do uso dos conhecimentos nas intervenções de
forma objetiva.
Em consideração ao lugar, na sociedade de classes, que ocupa o Serviço
social, os seus efeitos se encontram limitados às transformações nas manifestações
da “questão social”. E de forma inegável, se reconhece que apesar dos efeitos nas
expressões da “questão social”, a sua origem permanece na exploração da maisvalia. Sendo assim, devemos reconhecer que as transformações propostas pela
intervenção profissional, citada pela autora, tem alcance nas manifestações da
“questão social”. Ou seja, as alterações a partir da intervenção do Serviço social não
transformam a realidade em sua essência, mas em sua aparência, como apresenta
Iamamoto.
Nesse conjunto, se põe ainda a necessidade, não só o conhecimento do
objeto da intervenção, mas também o conhecimento dos processos pelos quais se
constituem estes usuários enquanto demandantes de políticas sociais.
Para compreensão do Serviço Social inserido num processo de trabalho a
autora recorre às formulações de Marx sobre o processo de trabalho na sociedade
capitalista como atividade que emprega trabalho vivo – criador de valor – no modo
produção gerando mercadoria que carrega em si valor de uso e valor que se baseia
no tempo de trabalho socialmente necessário. E assim,
55
Considerar os processos de trabalho em que se insere o assistente social
exige necessariamente pensá-los sob esta dupla determinação: a do valor de
uso e do valor, isto é, como processo de produção de produtos ou serviços de
qualidades determinadas e como processo que tem implicações ao nível da
produção ou da distribuição do valor e da mais-valia.(2000 p. 97)
Todavia, sendo os espaços de maior emprego da profissão o Estado, no qual
não existe uma conexão direta entre trabalho e produção de valor pois os serviços
não se encontram submetidos à lógica do Capital, se destinando, em tese, aos fins
públicos. O que significa considerar necessariamente o caráter de classes do Estado
e conjunto de forças que ele articula.
Neste entendimento, a autora indica duas implicações, a primeira trata da não
constituição de um único processo de trabalho do assistente social. Trata-se de
processos de trabalho nos quais os(as) assistentes sociais se inserem. E no
aperfeiçoamento da leitura das particularidades dos processos de trabalho
enxergam-se as feições, limites e possibilidade do exercício profissional.
Como segunda implicação: o trabalhador assalariado especializado não
possui as condições de organização do processo de trabalho e tão pouco se
apropria de um processo de trabalho, tornando-o exclusivo. “Cabe ao empregador a
função de organizar e atribuir unidade ao processo de trabalho em sua
totalidade.”(IAMAMOTO, 2000 p.102)
Com sua autonomia relativa o(a) profissional é chamado para atuar em um
processo de trabalho coletivo com características históricas e sociais. E saber das
articulações da totalidade desse processo coletivo possibilita maiores contribuições
das particularidades que o compõe. Tal forma de coletividade constitui o chamado
trabalho de cooperação, que abarca diversos profissionais articulados num único
processo de produção ou de processos produtivos que se articulam em alguma
medida. Dada a forma de cooperação, atribuindo o caráter social do trabalho, é
possível estabelecer trabalho social médio das produções das mercadorias.
Implica-se
que
as
operações
individuais
(processos
de
trabalho
particularizados) fazem parte de uma operação maior, de totalidade que existe fora
das partes e dos trabalhadores que se encontram nas operações individuais. A
totalidade a qual os processos de trabalho fazem parte constitui-se da reprodução
do Capital.
56
É colocado, então, por Iamamoto a preocupação de apreender o lugar do
assistente social em um processo coletivo de trabalho, partilhado com outras
categorias de trabalhadores, que, juntos, contribuem na obtenção dos resultados ou
produtos pretendidos. Assim, a compreensão do trabalho do(a) assistente social
ultrapassa a relação individualizada (profissional-usuário(a)) para alcançar no marco
da base material e do significado do seu trabalho a realidade de que o resultado do
trabalho não depende exclusivamente do sujeito individual que realiza o trabalho.
Porém, permanecem as possibilidades de respostas para além da
intencionalidade do empregador. Em sua atividade, ainda que em resposta às
necessidades do empregador, o(a) profissional pode atender as necessidades do(a)
usuário(a), membro da classe trabalhadora.
Conclui Iamamoto(2000 p. 107):
[...]é que os resultados ou produtos dos processos de trabalho em que
participam os assistentes sociais situam-se tanto no campo da reprodução da
força de trabalho, da obtenção das metas de produtividade e rentabilidade
das empresas, da viabilização de direitos e da prestação de serviços públicos
de interesse da coletividade, da educação sociopolítica, afetando hábitos,
modos de pensar, comportamentos, práticas dos indivíduos sociais em suas
múltiplas relações e dimensões da vida quotidiana na produção e reprodução
social, tanto em seus componentes de reiteração do instituído, como de
criação e re-invenção da vida em sociedade.
Apresentando assim, a intervenção do Serviço Social no modo de produção
social por intermédio das alterações na reprodução social, que como já apresentado,
carrega possibilidades de respostas ambíguas nos seus determinados processos de
trabalho.
4.2 Coreografia de Sérgio Lessa
Em seu livro Serviço Social e Trabalho: porque o Serviço Social não é
trabalho(2012), Sérgio Lessa reconhece os avanços do Serviço Social em período
de capilarização das ideias neoliberais nas Ciências Sociais. Esses avanços
consistem no posicionamento ético e político de manutenção a um projeto de
sociedade que vislumbra a superação das classes sociais. Enquanto os caminhos
das Ciências Sociais, majoritariamente, apontavam para novas leituras da realidade
pautadas na subjetividade, o Serviço Social buscou a teorização que pudesse dar
57
conta da realidade baseando-se na centralidade do trabalho, estimulando suas
produções teóricas próprias.
Contudo, tal movimento sofreu de suas debilidades. Como explica José Paulo
Netto (1990 apud LESSA, 2012), a crítica elaborada no Método B.H. pelo viés
epistemológico (althusseriano) homogeneizava as classes sociais não burguesas
velando o caráter ontológico da formação das classes sociais. Tal crítica obscurecia
a identificação da classe revolucionária e concebia a sociedade de forma dualista e
simplória entre opressores e oprimidos, dificultando a leitura (crítica) da reprodução
da sociedade contemporânea, portanto, desvinculando da teoria revolucionária os
aspectos reais da sociedade capitalista contemporânea.
Em resumo, Lessa (Op. Cit), disserta sobre a transformação da concepção do
Serviço Social, a respeito do auto reconhecimento e atuação em produções teóricas
próprias da área, ao longo dos anos de vigência do neoliberalismo:
a concepção democrático-popular típica dos anos de 1970 segundo a qual
chegaríamos ao socialismo pelo acúmulo de pequenos avanços cotidianos na
organização popular, ao longo da década de 1980 cede lugar a uma outra
concepção segundo a qual conquistando os postos de comando do Estado
chegaríamos a uma sociedade mais justa (já não mais se fala em socialismo)
e esta concepção, por fim, ao final dos anos de 1990 é substituída pela
concepção ainda mais moderada segundo a qual não há alternativa ao
Serviço Social senão ter no Estado um parceiro na implementação das
políticas públicas. Caberia aos assistentes sociais apontarem ao Estado suas
responsabilidades sociais. (p. 15)
Para este autor, a preocupação centra-se no reconhecimento dos
pressupostos básicos da formação da sociedade. O entendimento da categoria
trabalho no Serviço Social, mais que contribuição metodológica para intervenção e
identidade profissional, expressa uma concepção de mundo. Entender a práxis
fundante(trabalho) e quem a realiza torna-se necessário para construção de um
projeto contra hegemônico.
Lessa recorre à leitura ontológica da categoria trabalho distinguindo-as das
demais práxis humanas existentes na sociedade. Sendo assim, a condição de práxis
fundante, criadora e base estrutural da sociedade se faz no intercâmbio do humano
com a natureza por intermédio de um instrumento, cuja intencionalidade e escolhas
de meios baseiam-se nas propriedades rígidas (características e qualidades
próprias, naturais) do objeto da natureza, que se apresenta desprovido de
subjetividade e gera produto que se objetiva e transforma a realidade resguardando
características anteriores. As objetivações e nova realidade colocam para o(a)
58
trabalhador(a) uma nova situação que dispõe de novas possibilidades e gera novas
necessidades.
Nesse processo não só a natureza é transformada, o ser humano que realiza
o trabalho também transforma a si mesmo adquirindo conhecimentos e habilidades
que o possibilitam novas ideações – e consequentemente novas objetivações –
frente às novas situações que trazem outras necessidades e possibilidades. Dessas
consequências (transformação do mundo e transformação do sujeito) a atividade
trabalho vai se complexificando nas suas novas determinações.
A complexificação do trabalho posta a cada nova situação não se dá apenas
para o sujeito que realiza a práxis fundante, mas para todos os seres humanos,
adquirindo na sua forma seu caráter social.
Portanto,
ao transformar a natureza para atender à necessidade primeira e “eterna” da
reprodução social, qual seja, a produção dos meios de produção e de
subsistência, o ser humano termina produzindo muito mais do que o
idealizado. Ele produz uma nova situação objetiva e gera transformações
subjetivas nos indivíduos: por isso, todo ato de trabalho remete
necessariamente para além de si próprio. Produz consequências que, ao se
sintetizarem com as consequências dos outros atos dos outros indivíduos,
dão origem às tendências histórico-universais.(LESSA, 2006 p.35)
O trabalho (a produção) a partir de uma situação funda as condições de
reprodução (socialmente condicionada) humana. E na complexificação do trabalho
outras atividades se fazem necessárias para se produzir nas (novas) situações
estabelecidas.
As demais atividades humanas fundadas a partir do trabalho mantém em sua
forma semelhanças do trabalho: demandam teleologia, usam de instrumentos,
participam de um processo de transformação da natureza e se encontram em
condições assalariadas na sociedade capitalista. Os profissionais que realizam as
práxis fundadas são os advogados, professores, médicos, engenheiros, psicólogos,
assistentes sociais entre outros. Essas profissões geradas na reprodução social são
indispensáveis à manutenção da estrutura social, não seria possível uma sociedade
de classes sem profissionais que defendessem a propriedade privada, educassem
sob determinada lógica classista ou controlassem a vida e funcionamento dos(as)
59
trabalhadores(as). Neste âmbito da reprodução social dá-se a relação dos seres
humanos entre si, e não do ser humano com a natureza.
A distinção posta pelo autor entre práxis fundante (trabalho) e práxis fundada
(demais atividades) é a função social que exerce. O trabalho na relação com a
transformação da natureza cria as condições materiais indispensáveis para
reprodução social, as demais práxis são geradas a partir da forma que assume o
trabalho em determinado tempo histórico. Importa reconhecer quem produz as
condições de existência da sociedade e quem cria as condições de reprodução,
organizando os parâmetros e condições da produção de acordo com cada período
histórico. Em outras palavras, reconhecer quem cria novos produtos e gera valor e
quem produz material subjetivo complementar à produção da riqueza.
A coexistência de atividades ontologicamente diferenciadas não cria
independência entre elas. Ao contrário, o trabalho funda a reprodução social, sendo
esta sua função social, e esta atividade de produção depende da atividade de
reprodução para desenvolver-se.
Para sobrevivência da espécie humana é preciso produção dos meios de
subsistência, na sociedade de classes dá-se pela exploração do ser humano por
outro ser humano. A classe que produz fica apenas com parte do que ela mesma
criou. Já a outra classe sobrevive apropriando-se do produzido. Ou seja, são classes
diferentes quem produz as riquezas e quem se apropria delas.
Desta premissa deriva um apontamento: os sujeitos que se encontram
compromissados objetivamente com a fim da exploração e quais os sujeitos importa
a manutenção desta exploração.
Como a categoria trabalho é inserido historicamente na produção teórica do
serviço social, se faz importante discutir qual a posição que ocupa o serviço social,
tomando as premissas anteriormente discutidas como ponto de partida. O Serviço
Social se encontra, na divisão social e técnica do trabalho, dentre os assalariados
sem ocupar o lugar de proletários. Ao identificar a categoria profissional dos
assistentes sociais com o proletariado, a categoria central(trabalho), anteriormente
descrita, como potencial transformadora perde sua caracterização. Duas atividades
distintas ao serem postas numa mesma categoria ganham a mesma definição,
60
encobrindo as diferenças existentes. Esse encobrimento acarreta em duas
consequências para o Serviço Social: o não reconhecimento de sua identidade e a
desarticulação com a revolução no sentido de que se perde de vista quais sujeitos
com os quais ele deve se compromissar e de que forma que possam contribuir para
o combate organizado para a destruição da sociedade de classes.
As lutas travadas pela profissão no âmbito da reprodução social surgem
limitadas, não ultrapassando a ordem do Capital dado as objetividades (o espaço
que ocupam, papel que cumprem e função social que exercem).
A atividade profissional do Serviço Social em si lida com seres humanos. Ou
seja, intervém através de seus métodos e instrumentos buscando determinada
finalidade que vai depender, além das questões objetivas como políticas sociais
efetivas e condições de trabalho, de questões subjetivas do(a) usuário(a)
atendido(a). Um operário ao fazer o aço sabe quais instrumentos, a forma de usar e
o grau de temperatura que deve atingir o ferro para que se transforme. E assim,
sempre o ferro se transformará em aço. Um(a) assistente social ao lidar com o
objeto de sua intervenção (usuário das políticas públicas) para alcançar efetivação
de sua intervenção – objetivação de uma política social – esbarra na subjetividade
do sujeito atendido. Diferente de um objeto natural, cujas características são rígidas
e tem sua forma alterada objetivamente por intervenções físicas e químicas, o
usuário na intervenção sujeito-sujeito, intervenção própria da práxis exercida pelo(a)
profissional do Serviço Social, sofre alteração de forma subjetiva. Ou seja, para
Lessa, a efetividade da ação profissional do Serviço Social depende da subjetividade
do sujeito atendido.
Desta forma, a atuação do Serviço Social se dá mediado ideologicamente
pelos valores próprios do liberalismo – ideologia central do modo de produção
capitalista- na medida em que a relação com o trabalhador é realizada
singularmente, um a um. A objetivação dessa práxis encerra em si mesma, na
transformação do sujeito que é envolvido, não se autonomiza no mundo. Realizada
desta forma, a atividade profissional do assistente social não transforma a realidade
de forma direta (como acontece com o trabalho ao pôr uma nova situação a cada
materialização), o que não significa que não tenha nenhuma contribuição a dar para
o processo de transformação revolucionária da sociedade na qual se insere.
61
Quanto ao entendimento de classe, para Sérgio Lessa, os(as) assistentes
sociais como as demais profissões que ocupam a esfera da reprodução social não
compõem a classe trabalhadora. Para tratar dessa classe, como diz o autor, leva-se
em conta as diferenças que esta possui com relação à burguesia: esses
profissionais assalariados não possuem meio de produção, nem se apropriam
diretamente da mais-valia extraída dos trabalhadores, são identificados, pela
formulação de Marx(1977 apud LESSA, 2007 p. 68), como “classe de transição”.
Conclui o autor:
O assistente social, portanto, não apenas não “trabalha” como o operário,
como ainda é um “trabalhador” distinto do operário. O que os aproxima é
apenas a forma de sua inserção no mercado de trabalho, o fato de serem
assalariados. Mas, por baixo dessa semelhança superficial, há enormes
distinções ontológicas: suas práxis são muito distintas; atendem a funções
sociais muito diferenciadas e, além disso, pertencem a distintas classes
sociais.
[...]O conceito de “classe trabalhadora”, quando empregada para velar a
distinção ontológica entre o proletariado e os outros assalariados, dissolve o
proletariado no interior das “classes de transição” e, por esse meio, vela o
papel revolucionário que cabe ao proletariado na superação do capital.
(LESSA, 2007)
62
5 CONCLUSÃO
(...)
Quem é que diz?
Não faz sentido
Don’t make sense
Make sense
Vamos reconstruir o sentido
Das coisas
Vamos retomar nossas
Palavras
Vamos salvar nossas vidas
Vamos recuperar nossas almas
Retomar as ideias, fazê-las concretas
Vamos expropriar os donos do tempo que nos foi
Expropriado
Tomá-lo de volta.
Mas ele não volta.
Então vamos refazê-lo
Vamos fazer história.
Tempo reificado (ou Mészáros e Galeano contra a “vida passa em velocidade 4G”)
Alexandre Magno Teixeira de Carvalho
As análises aqui apresentadas não têm como objetivo efetuar julgamento de
valor sobre a obra dos autores ou identificar tais produções como certas ou erradas.
Trata-se, como afirmado na introdução, de realizar a crítica no sentido
marxiano de superação, trazendo como contribuição tais elaborações.
Lessa e Iamamoto, autores estudados nesta monografia, convergem sobre a
preocupação de analisar o processo da práxis(antes de distingui-la se fundante ou
fundada) do assistente social nas expressões da “questão social”. Fica evidente a
necessidade de compreensão do conjunto de procedimentos, bem como de que
forma são inseridos os componentes desses procedimentos, ou seja, compreensão
dos processos de trabalho ou processos de práxis, para indicar uma alternativa à
ordem social vigente.
Porém, vale como indicativo das duas formulações, que se práxis social
fundada ou fundante (trabalho), a intervenção do assistente social, ocupando o lugar
determinado na divisão sócio técnica do trabalho, pode possibilitar, por meio dos
seus procedimentos, transformação tanto dos sujeitos demandantes ou usuários,
como transformação social.
Tal indicação é concebida dentro do pressuposto que não é só pelo lugar que
ocupa na sociedade de classes que sua intervenção ganha tal dimensão. É,
imprescindivelmente, pelas mediações teóricas e práticas que tem como
possibilidade ajudar na construção de uma organização coletiva, exclusiva forma de
superar a ordem capitalista.
Para a teoria marxista, em suas múltiplas formulações, a condição de
superação da sociedade de classes está condicionada à tomada dos meios objetivos
63
de produção pela classe trabalhadora. Neste sentido, fica posto que a direção para
uma mudança objetiva da sociedade burguesa é dada pelos trabalhadores, os
verdadeiros artífices da ação revolucionária. Torna-se necessário identificar quais
são os trabalhadores, na atual sociedade de classes sob a forma de acumulação
flexível do Capital, que podem defrontar-se objetivamente com a ordem do capital e
provocar a sua destruição, isto é, quais são os sujeitos principais, protagonistas da
revolução. No entanto, identificar o protagonismo de um setor da classe
trabalhadora, qual seja, o operariado, não significa afirmar que a revolução é um
processo exclusivamente realizado por este setor. Os setores sociais, quer sejam
produtores de práxis fundada ou fundante, podem constituir-se como interessados
na revolução, ocupando posição de resistência.
Cabe a reflexão da conjuntura objetiva da realidade social posta na
contemporaneidade, em que com a alta potencialidade dos meios de produção, no
incremento do trabalho morto, tem-se uma redução do número de trabalhadores na
linha produtiva. Nesta redução dos trabalhadores que produzem trabalho vivo,
aumenta o trabalho morto na execução dos processos produtivos, o que significa
que o quantitativo sobrante é elevado na mesma proporção. O efeito deste processo
implica para o Serviço Social um maior público de atendimento nas suas ações
interventivas, posto que aumentam as expressões da “questão social”.
Neste sentido, poder-se-ia deduzir que para Iamamoto, considerando o
assistente social – enquanto sujeito trabalhador, que exerce práxis fundante,
transformadora da realidade em essência – na conjuntura contemporânea posta pela
acumulação flexível, abstraindo-se as condições de exercício profissional, ganharia
potência de transformação a medida que sua atividade é demandada na crescente
expressão da “questão social”? Se, o Serviço Social tem como característica
intervenção transformadora no mundo do trabalho ao crescimento dos espaços
sócio-ocupacionais torna-se mais potente a sua contribuição na construção da
emancipação humana? Numa perspectiva fatalista, seria proveitoso o crescimento
exponencial da barbárie?
Ou, poder-se-ia deduzir, pautando-se em Lessa, que uma maior procura para
o Serviço Social – considerando que os trabalhadores operários, núcleo central da
transformação social, em menor número encontram-se diante de uma dificuldade
objetiva, postas pelos mecanismos de controle social do Capital, de alcançar
determinada consciência necessária no processo de transformação – significa uma
maior dificuldade de articulação dos protagonistas na busca pela emancipação
humana? Se, o Serviço Social atuante no modo de produção capitalista na esfera da
reprodução social é afastado, por determinações do Capital, das possibilidades de
contribuição com a classe fundamental na revolução, a sua atuação crescente, dado
ao aumento da expressão da “questão social”, estaria cumprindo a função de
reposição social da ordem capitalista?
64
Nesta monografia, posta a preocupação vigente entre os profissionais críticos
a respeito do futuro da humanidade, busca-se conhecer as necessidades sociais
objetivas, transformando-as em questionamentos. Portanto, esta monografia
enquanto produto de um processo teórico, constitui-se como possibilidades de
respostas, a serem elaboradas por profissionais comprometidos com o fim da
sociedade de classes, a questões que estavam postas como superadas ou
esquecidas.
65
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