Para Garzón, anistia não pode livrar cr

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24
Segunda-feira
7 de abril de 2014
Jornal do Comércio - Porto Alegre
Política
Edgar Lisboa
Entrevista Especial
Repórter Brasília
[email protected]
Esquemas de pirâmide
Começou com uma Ferrari Spider dirigida pelo ex-ambulante
Inocêncio Pereira Reis Neto, natural de Nanuque (MG). Ele havia
conseguido sair da pobreza sem fazer muito esforço, sendo vendedor da TelexFree. Depois se descobriu que o carro em questão é
financiado pelo Banco do Brasil em nome de um estelionatário do
Rio Grande do Sul. A TelexFree hoje tem as contas bloqueadas pela
Justiça, que a acusa de ser um esquema de pirâmide. O funcionamento é simples: quem adere paga aos recrutadores. O problema é
que, para a pirâmide não ruir, tem que entrar gente nova. Quando
não há mais recrutamentos, o esquema entra em colapso.
Depende do produto
Ao mesmo tempo, várias empresas usam o chamado “marketing multinível”, em que os vendedores podem receber dinheiro pelas vendas ou pelo recrutamento de novos vendedores. A diferença
entre o marketing multinível e o esquema de pirâmide é nebulosa.
“Na medida em que o produto tem sustentabilidade econômica, ele
se distancia da pirâmide”, explica o ex-diretor do Banco Central
Carlos Eduardo Freitas. De acordo com ele, muitos esquemas usam
a existência de um produto para alegar que não são esquemas de
pirâmide. Mas o problema é se o produto não vender. “Existe um
risco de virar pirâmide na medida em que o produto não vende”.
Nos Estados Unidos, a diferença entre marketing multinível e esquema de pirâmide é dada pela regra dos 70%: se a empresa tem
mais de 70% dos rendimentos vindo dos produtos ou serviços, não
é uma pirâmide.
Tentativa de regulamentar
Na Câmara, um grupo de deputados apresentou um projeto de
lei para tentar diferenciar os dois. No caso, o marketing multinível,
que “é legítimo”, seria regulamentado. Assim, os esquemas de pirâmide sairiam de cena. A proposta, de autoria dos deputados Acelino Popó (PRB-BA), Ângelo Agnolin (PDT-TO), Renato Molling (PP-RS), Perpétua Almeida (PCdoB-AC) e Marcelo Matos (PDT-RJ) é, de
acordo com Popó, uma resposta ao bloqueio judicial das empresas
TelexFree e BBOM. Entre as exigências, um plano de viabilidade e
a devolução das quantias investidas ao recrutado.
“Queremos transparência e garantias de autossustentabilidade.
Aí, as empresas terão que se regulamentar. Quem não seguir a lei, sai
do mercado”, explicou o deputado
Renato Molling (PP, foto). Ele já fez
um requerimento para que a comissão especial que discute a proposta
faça um debate sobre o tema no Rio
Grande do Sul.
MARCO QUINTANA/JC
Sair do mercado
Necessidade de diferenciar
O deputado Giovani Cherini (PDT) também procura deixar
claro que o marketing multinível não é crime. Ele apresentou um
projeto de lei diferenciando a modalidade dos esquemas de pirâmide. “O problema é que muitas dessas empresas que praticam esses
golpes identificam-se como se atuassem em um legítimo sistema de
marketing multinível.”
Inibidores de apetite
Proposta do deputado Beto Albuquerque (PSB) que suspende a
proibição de inibidores de apetite pode ser votada já na próxima semana. A decisão foi tomada na reunião de líderes e o projeto deve
ser apreciado assim que a pauta for destrancada.
Para Garzón, anistia não
Guilherme Kolling
[email protected]
Uma das mais destacadas
autoridades internacionais em
reparação de violações de direitos humanos, o jurista espanhol
Baltasar Garzón se notabilizou ao
pedir a prisão do ex-ditador chileno Augusto Pinochet, em 1998. No
seu país, tentou levar adiante uma
investigação dos crimes do ditador
Francisco Franco, que governou a
Espanha de 1939 a 1975. Atualmente, Garzón defende Julian Assange,
do WikiLeaks, a quem visita todos
os meses na Embaixada do Equador, em Londres, onde o ativista
está refugiado. E ainda dirige o
Centro de Direitos Humanos da
Unesco, na Argentina.
Garzón esteve em Porto Alegre na quinta-feira passada para
participar da Semana da Democracia, seminário que debateu os
50 anos do golpe militar no Brasil,
e analisou a discussão sobre a Lei
da Anistia. Antes da palestra, em
entrevista ao Jornal do Comércio,
salientou que a anistia não pode
impedir a investigação de crimes
de lesa-humanidade.
O juiz espanhol também analisou o distanciamento do Judiciário
da população – problema que, segundo ele, é recorrente em quase
todos os países –, a crise da democracia representativa e manifestações populares, como as passeatas
de junho no Brasil e o Movimento
dos Indignados da Espanha.
Jornal do Comércio – Qual é
o conceito de justiça universal
e como se relaciona com os crimes de lesa-humanidade?
Baltasar Garzón – É um conceito mais amplo que o instrumento para levar adiante a justiça
universal, que é a jurisdição universal. A jurisdição universal, que
se estabelece para juízes de qualquer país do mundo, é criada como
principal instrumento contra a impunidade frente àqueles crimes especialmente graves: crimes de lesa-humanidade, crimes de guerra,
genocídios, em que a comunidade
internacional é a vítima. Ao serem
crimes internacionais, a jurisdição
tem também que ser universal.
Quer dizer, independentemente do
país onde tenham acontecido os fatos, da nacionalidade das vítimas
e dos criminosos, qualquer juiz
tem a obrigação de intervir, a não
ser que já se tenha julgado, investigado ou sancionado.
JC – Ainda que não sejam vítimas da nacionalidade do juiz?
Garzón – O conceito é vítima
universal. Agora, na Espanha,
houve um retrocesso, com uma
série de restrições, a última é que
tem que haver vítimas na Espanha
ou espanholas. Mas o conceito de
jurisdição universal puro, como
se idealizou e como se foi criando
internacionalmente, é o que não
distingue nem a nacionalidade das
vítimas, nem a dos autores desses
graves delitos.
JC – A prisão de Pinochet se
enquadra nesse conceito?
Garzón – Aí havia vítimas espanholas também, mas não foi o
objetivo principal. Na investigação
e no processo de Pinochet, a ata
de acusação formal não distingue
vítimas espanholas de outras nacionalidades – se incluem logicamente as vítimas espanholas, mas
também as demais. E se processa
ele por genocídio, terrorismo de
Estado, tortura, a respeito de todas
as vítimas desses delitos.
JC – Em função dos 50 anos
do golpe militar no Brasil, o
tema da punição a crimes de
lesa-humanidade, como a tortura, voltou a ser discutido, assim
como a Lei da Anistia...
Garzón – O Brasil está fazendo avanços importantes na área
da revisão do que é a anistia, a Lei
da Anistia, depois da sentença da
Corte Interamericana de Direitos
Humanos no caso (da Guerrilha
do) Araguaia. Tem também a Comissão (Nacional) da Verdade, que
se instituiu, os avanços que alguns
procuradores estão fazendo no
âmbito da Operação Condor, com
Uruguai, Argentina, Chile. E creio
que é o momento correto para conjugar esses princípios de verdade,
memória, reparação e justiça. Em
que medida? Terá que ser definido, mas é preciso que haja algum
princípio de justiça.
JC – É possível fazer uma reparação histórica sem punição
aos culpados?
Garzón – Não, por isso digo:
tem que haver, do meu ponto de
vista, alguma possibilidade de justiça penal, salvo que, pelo transcurso do tempo, pelo falecimento
dos criminosos, seja impossível
fazê-lo. No caso espanhol, tentei fazer uma investigação (dos crimes
de Franco), para que se constatassem os delitos e fossem reparadas
as vítimas. A Corte Suprema disse
que não. Portanto, a Espanha é um
exemplo de impunidade.
JC – Quando se fala em punição a autores de crimes de lesa-humanidade, como a tortura,
no Brasil, há defensores da tese
de que já se passaram 50 anos, o
tempo pode cumprir algum papel, muitos agentes são idosos...
Garzón – Creio que se confundem os planos. O fato de uma
pessoa ser idosa pode ter influência no cumprimento de uma possível condenação, mas não em
uma investigação. A investigação
tem que ser garantida, em todo o
caso, e uma vez que se chegue ao
momento do julgamento, depois
se decide o que fazer, inclusive se,
pela idade, não deve ser levada
adiante (a punição), se a prisão tem
que ser domiciliar, se se estabelece
um tipo de justiça diferente, se se
compensa com uma comissão da
verdade, há muitas formas. O que
não se pode impedir é a investigação. Esse é um direito fundamental, e a Convenção Interamericana
de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos
são claras: a investigação rápida e
eficaz, independente e imparcial é
um direito fundamental.
JC – Qual é a importância de
uma comissão da verdade para
a democracia de um país como
“O Judiciário
e a sociedade
são mundos
diferentes.
Recorrer ao juiz
dá medo”
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