Periodontia Relato de caso clínico Recobrimento radicular com enxerto gengival livre Léo Guimarães Soares* Roberto Luiz Guaitolini* Celso Renato de Souza Resende* Márcio Eduardo Vieira Falabella** Denise Gomes da Silva** Eduardo Muniz Barretto Tinoco*** Root coverage with free gengival graft Resumo O objetivo deste trabalho foi relatar dois casos de recessão gengival na área de incisivos centrais inferiores, com ausência de mucosa ceratinizada, tratados com enxerto gengival livre, mostrando aumento da faixa de mucosa ceratinizada e recobrimento radicular parcial. Unitermos - Enxerto gengival livre; Recobrimento radicular. Abstract The purpose of this work is relate two cases report of free gingival graft in the lower anterior vestibular central incisors of youngs patients no attached gingiva and exposed roots. In both cases occurred increase in attached gingival and partial coverage recession. Key Words - Root coverage; Free gengival graft. *Mestre em Periodontia - Unigranrio. **Professor adjunto - Unigranrio - Disciplina de Periodontia; Doutor em Periodontia - Uerj. ***Professor adjunto - Unigranrio - Disciplina de Periodontia; Doutor em Periodontia - Univerdade de Oslo. Recebido em fev/2010 Aprovado em maio/2010 Revista PerioNews 2010;4(3):259-65 363 Soares LG • Guaitolini RL • Resende CRS • Falabella MEV • da Silva DG • Tinoco EMB Introdução dicular desejado, sendo necessária uma cirurgia complementar, como por exemplo, o retalho posicionado coronalmente9. Por muitos anos se discutiu qual seria a quantidade de O enxerto gengival livre colocado sobre um leito recep- gengiva inserida ideal para a manutenção da saúde periodon- tor pode facilitar a migração coronária pós-operatória do tal. Atualmente, baseado em estudos longitudinais, observa- tecido gengival marginal sobre superfícies radiculares ante- se que uma faixa estreita de gengiva inserida pode ser sufi- riormente desnudas, particularmente no segmento anterior ciente para esta manutenção, todavia, observa-se que esta inferior, proporcionando recobrimento radicular tardio, fenô- faixa estreita associada a alguns fatores como mal posicio- meno denominado creeping attachment10. E, na maioria dos namento dentário, tábua óssea fina, presença de deiscências casos, observa-se algum creeping attachment nos dois próxi- e fenestrações ósseas podem favorecer o aparecimento de mos anos após a cirurgia de enxerto11. recessões associadas à lesões inflamatórias induzidas pelo O objetivo deste artigo foi descrever dois casos biofilme. Pode-se definir recessão gengival como uma migra- clínicos onde foram realizadas cirurgias de enxerto gengival ção apical da margem gengival livre, que normalmente se livre com segundos tempos distintos. No primeiro caso foi localiza na junção cemento/esmalte e gera exposição da su- observado creeping attachment não havendo necessidade de perfície radicular, além de dificultar a higienização por parte um segundo tempo cirúrgico. E no segundo caso foi realizada do paciente, decorrente do desconforto ao se escovar um uma cirurgia complementar, com retalho reposicionado coro- tecido gengival fino e delicado1. nalmente. Dentre as cirurgias mucogengivais, destaca-se o enxerto gengival livre, sendo um enxerto autógeno de gengiva, remo- Relato de Caso Clínico I vido de seu local de origem e colocado em um leito receptor que tenha sido preparado com periósteo e tecido conjuntivo Paciente leucoderma, do sexo feminino, 30 anos, não que reveste o osso . Introduzida em 1963, esta foi uma das fumante e sem alterações sistêmicas significativas, procurou primeiras técnicas de cirurgia mucogengival que visava o au- a Clínica de Odontologia da Unigranrio, com relato de hiper- mento da faixa de gengiva inserida, sendo utilizada até hoje, sensibilidade exacerbada nos incisivos centrais inferiores. 2 com muito sucesso, principalmente em áreas não estéticas. Ao exame clínico foi possível observar recessão gengi- As principais indicações do enxerto gengival são: au- val Classe II de Müller, com ausência de faixa de gengiva mento de tecido ceratinizado3, recobrimento radicular2, cor- inserida na face vestibular dos incisivos centrais inferiores reção de cristas edêntulas , correção peri-implantar , curati- e sinais clínicos de inflamação (Figura 1). No plano de trata- vo biológico5, auxílio à cirurgia maxilofacial6, coadjuvante da mento foi proposta a realização de um enxerto gengival livre frenectomia e aumento de tecido ceratinizado para evitar com a finalidade de aumentar a largura da faixa de mucosa recessões em movimentos ortodônticos8. ceratinizada, utilizando a técnica descrita por autores12. 4 5 7 364 Muitas vezes consegue-se um aumento da faixa de gen- Anteriormente ao procedimento cirúrgico, a paciente re- giva inserida sem, no entanto, conseguir o recobrimento ra- cebeu terapia básica periodontal. Na área receptora, foi rea- Figura 1 - Foto inicial da paciente com recessão gengival Classe II de Müller. Figura 2 - Enxerto retirado da região do palato com cerca de 15 mm. Revista PerioNews 2010;4(3):259-65 Periodontia lizada anestesia infiltrativa, incisão intrassulcular e relaxantes bacteriana, mantido até a remoção das suturas, após sete dias. com descolamento de um retalho dividido. Na área doadora O acompanhamento pós-operatório possibilitou obser- foi realizada anestesia e remoção do enxerto de espessura var a criação de uma faixa de mucosa ceratinizada e reco- total, sendo calculada esta área em milímetros com sonda brimento parcial das superfícies radiculares, satisfazendo os milimetrada (Figura 2). O tecido doador foi retirado da região objetivos inicialmente propostos pela utilização da técnica. do palato com extensão para área de segundo pré-molar es- Devido à baixa previsibilidade desta técnica para recobrimen- querdo entre os dentes 14 e 16. to radicular, foi aguardado um período de cicatrização de 90 O enxerto removido foi comprimido na área receptora por cerca três minutos e, posteriormente, estabilizado com dias para verificar a necessidade da realização de um segundo tempo cirúrgico. suturas interrompidas simples de fio Vicryl 5-0 (Figura 3) e Com acompanhamento do caso foi observada uma cimento cirúrgico (Coe-Pack). E na área doadora também migração coronária da margem gengival sobre a superfície foram realizadas suturas simples (Figura 4) e aplicação de radicular exposta (creeping attachment) que proporcionou re- cimento cirúrgico. cobrimento radicular parcial satisfatório para cessar a hiper- Como cuidados pós-operatórios foram prescritos analgé- sensibilidade relatada pela paciente, e efetivo controle de pla- sico e anti-inflamatório, além de bochecho com gluconato de ca não sendo necessário um segundo passo cirúrgico para clorexidina 0,12%, duas vezes ao dia, para o controle da placa reposicionamento coronário da margem gengival (Figuras 5). A B Figura 3 - Enxerto estabilizado na área receptora com suturas. Figuras 5 - A. Foto inicial; B. Cinco meses após o procedimento. Figura 4 - Na área doadora também foram realizadas suturas simples. Revista PerioNews 2010;4(3):259-65 365 Soares LG • Guaitolini RL • Resende CRS • Falabella MEV • da Silva DG • Tinoco EMB Relato de Caso Clínico II controle de placa bacteriana pela paciente. A área tinha pouco comprometimento estético, embora tenha sido observada Paciente leucoderma, do sexo feminino, 27 anos, não fumante e sem alterações sistêmicas significativas, procurou a uma projeção radicular do dente 31 para vestibular, provavelmente causada pela movimentação ortodôntica prévia. Clínica de Odontologia da Unigranrio, encaminhada pelo orto- Anteriormente ao procedimento cirúrgico, o paciente dontista para avaliação do incisivo central inferior esquerdo. recebeu terapia básica periodontal e a região comprometi- A paciente relatou pequena hipersensibilidade e dificul- da também foi cirurgicamente tratada pela mesma técnica dade de higienização na região. Ao exame clínico, foi possível do primeiro caso12, acrescentando-se apenas a excisão do observar uma recessão gengival Classe II de Müller, ausên- freio labial (Figura 7). O procedimento cirúrgico foi acompa- cia de gengiva inserida na face vestibular do incisivo inferior, nhado clinicamente durante o primeiro mês e após três me- tensão anormal do freio labial e ausência de sinais clínicos ses foi observado um creeping attachment de apenas 2 mm. evidentes de inflamação (Figura 6). Sendo assim, foi verificada a necessidade de uma segunda Sendo assim, no plano de tratamento foi proposta a re- intervenção para recobrimento radicular. Para isto, foi feita alização de um enxerto gengival livre com a finalidade de uma incisão intrassulcular com relaxantes mantendo a região aumentar a largura da faixa de mucosa ceratinizada, diminuir papilar. As incisões relaxantes se estenderam até a região a tensão muscular anormal com remoção do freio e facilitar o de mucosa alveolar possibilitando o tracionamento coroná- Figura 6 - Foto inicial da paciente com recessão gengival Classe II de Müller. Figura 7 - Enxerto estabilizado na área receptora com suturas. A B Figura 8 - Procedimento de reposicionamento coronário com suturas. Figuras 9 - A. Foto inicial; B. Dez meses após o procedimento. 366 Revista PerioNews 2010;4(3):259-65 Periodontia rio do retalho, com ausência de tensões. Além disto, foram esta faixa de gengiva11,18, como observado principalmente no realizadas suturas simples (Figura 8), aplicação de cimento primeiro caso relatado neste artigo. cirúrgico e, posteriormente, a paciente foi reavaliada por seis meses, (Figuras 9). Em relação ao preparo do leito receptor, a discussão está na manutenção ou remoção do periósteo sob o enxerto que será colocado. Enquanto alguns autores2,5,19-20 defendem Discussão a manutenção do periósteo como forma de se obter uma melhor cicatrização, outros10,15,21 alegam que o enxerto colo- Nos casos clínicos relatados, a opção pelo tratamento cirúrgico foi devido à necessidade de restabelecer a saúde cado sobre o periósteo ou diretamente sobre o osso tem a mesma chance de sobrevivência. periodontal comprometida pela dificuldade no controle de pla- Como consequência indesejável do enxerto gengival ca, minimizar a hipersensibilidade e o inconveniente estético livre22-23 destaca-se a diferença de cor entre o tecido enxer- que a recessão gengival acarretava às pacientes. tado e a área receptora, o que também verificado nos dois Parece haver um consenso que, quando necessária, a casos relatados. técnica mais confiável e previsível para criar ou aumentar a São raros os casos de complicações no pós-operatório faixa de gengiva inserida é o enxerto gengival livre9,13. Além e no processo de cicatrização do enxerto5, embora a dor disto, se acrescenta a facilidade de manipulação do enxerto seja quase uma constante, principalmente no sítio doador, gengival livre fazendo com que esta técnica seja a de me- o que está em conformidade com os dois casos descritos. lhor escolha quando comparada com outras técnicas, como Conclusão o reposicionamento apical, que exige maior habilidade do operador . 3 Comparando-se com outras técnicas, o enxerto gengival Apesar de ter uso limitado em condições estéticas e ge- livre é o mais indicado para aumentar a faixa de gengiva inse- rar desconforto pós-operatório pela exposição de uma área rida quando o fator estético não for de grande importância11. cruenta na região doadora, nos casos relatados, a utilização , para o recobrimento ra- do enxerto gengival livre proporcionou ótimos resultados fun- dicular as técnicas de deslize lateral, papila dupla e principal- cionais, promoveu um aumento da faixa de gengiva inserida e mente o enxerto de tecido conjuntivo com deslize coronal se- permitiu, com auxílio do creeping attachment, uma cobertura jam as mais previsíveis e com melhores resultados estéticos. radicular que gerou redução da hipersensibilidade dentinária Entretanto, para alguns autores 3,14 Como resultado, seguramente, obtém-se com o enxerto gengival livre, um aumento significativo na largura da gengiva e melhoria estética. da cirurgia o creeping attachment, aumentando ainda mais Endereço para correspondência: Léo Guimarães Soares [email protected] Referências Bibliográficas 1. 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