entrevista do mês: março/2016 - Análises de Políticas de Saúde no

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PROJETO:
ANÁLISE DE POLÍTICAS
DE SAÚDE NO BRASIL
ENTREVISTA DO MÊS: MARÇO/2016
CENTRO DE
DOCUMENTAÇÃO
Análise Política
em Saúde
Instituto de Saúde Coletiva - UFBA
Rua Basílio da Gama, s/nº
Campus Universitário do Canela
Cep: 40.110-040 - Salvador - BA
www.analisepoliticaemsaude.org
Maria da Glória Teixeira
A epidemia de microcefalia no Brasil é o tema central do batepapo com a pesquisadora e epidemiologista Maria da Glória
Teixeira, a entrevistada do mês de março do Observatório de
Análise Política em Saúde. Mestre em Doenças Infecciosas e
Parasitárias pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
e Doutora em Saúde Pública pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA), Glória é professora de Epidemiologia dos cursos de
graduação e pós-graduação do Instituto de Saúde Coletiva da
UFBA (ISC/UFBA) e integrante dos comitês de Avaliação da
Secretaria de Vigilância em Saúde e do Programa Nacional de
Controle de Dengue, ambos do Ministério da Saúde.
Em conversa com a equipe do OAPS, Glória falou sobre os esforços
no âmbito da pesquisa para identificar os agentes causais da
atual epidemia de microcefalia – “talvez o Zika realmente seja
necessário, mas será que ele por si só é suficiente?” – e sobre
a sensação de medo ao tomar conhecimento desta provável
relação, ainda em outubro de 2015. “Eu disse: ‘Por favor, Zika não!
Porque nós temos Aedes aegypti em quase todos os municípios
brasileiros. Isso vai ser uma tragédia’”, relembrou.
Integrante do Conselho Deliberativo da Abrasco, a pesquisadora
criticou a nota técnica divulgada pela associação, com
questionamentos sobre a efetividade das medidas adotadas
pelo Governo Federal para combate ao Aedes aegypti, e
problematizou a representatividade do documento: “Não é uma
nota oficial da Abrasco, não é a posição institucional de jeito
nenhum”.
Confira a entrevista completa!
Observatório de Análise Política em Saúde (OAPS): Após a
descoberta de evidências da relação do Zika vírus com casos
de microcefalia, o Ministério da Saúde declarou situação de
“Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional”
em novembro de 2015. Medida semelhante foi tomada pela
última vez em 1917 devido aos casos de gripe espanhola no
país. A Organização Mundial de Saúde, por sua vez, declarou
“Estado de Emergência em Saúde Pública de Importância
Internacional” no início de fevereiro. O que essas medidas
significam nos âmbitos nacional e internacional?
Glória Teixeira: Primeiro, é importante por alertar os
profissionais de saúde para o problema e divulgar informações
para a sociedade e para o mundo. Além disso, se intensificam
as medidas de prevenção indicadas e evidencia-se a
a necessidade de que sejam conduzidas investigações
capazes de aperfeiçoar as medidas de prevenção. No caso
específico de Zika, por ser uma doença que pela primeira vez
emergiu nas Américas e não se ter nenhum relato anterior
da relação deste vírus com a produção de malformações
congênitas, foi muito importante estimular a comunidade
científica nacional e internacional a realizar pesquisas para
esclarecer a existência desta relação, visando esclarecer se
realmente o agente causal é este vírus; se o agente causal
é este vírus, mas se outros fatores adicionais, sejam da
mãe ou do ambiente, se somam ao Zika vírus para produzir
esta doença. Isso é muito importante porque medidas de
prevenção são adotadas e também esforços nacionais e
internacionais são desenvolvidos para tentar resolver ou
minimizar o problema.
OAPS: O Zika vírus tem sido o agente mais relacionado aos
casos de microcefalia nas investigações em andamento.
Quais as outras causas prováveis em investigação? Alguma
está no mesmo patamar de suspeita que o Zika vírus como
fator de origem para a atual epidemia?
Glória Teixeira: Quando você vai investigar uma causa, o
investigador tem que buscar possíveis agentes causais (no
plural). Então, por exemplo, se está se buscando o Zika vírus,
ao fazer um exame de PCR no tecido placentário se investiga
este vírus e também outros agentes, como o vírus da rubéola,
da chikungunya, da dengue, etc. Nos casos suspeitos de
microcefalia por Zika vírus que vêm sendo notificados tem-se
encontrado este agente e procura-se descartar a existência
de outros.O que o Brasil está investigando, inclusive o grupo
de Pernambuco, é se existem fatores de risco outros que,
se somados, vão produzir a doença. Esse estudo de CasoControle está buscando verificar se existem outros fatores
de interação para produzir essa doença. Como se fala em
epidemiologia, talvez o Zika realmente seja necessário,
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ENTREVISTA
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MÊS:
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mas será que ele por si só é suficiente para produzir [má
formação] ou existem outros fatores interagindo? No caso da
investigação de Recife – tipo Caso-Controle porque sempre
tem que ter um grupo de comparação – está se pesquisando
se as gestantes usaram mais inseticidas no ambiente
doméstico, quais medicamentos usaram durante a gestação,
se tem outras doenças genéticas com má-formação na
família, se foi colocado larvicida em recipientes com água
em casa, dentre vários outros fatores que podem, ou não,
contribuir para o desenvolvimento da microcefalia. Esses são
os estudos que tenho conhecimento. Tem um pesquisador,
por exemplo, que pegou o vírus isolado na África e trouxe
para o Brasil para comparar se houve alguma mutação
genética, ou seja, se é diferente o vírus que está circulando
no Brasil do vírus que circula na África. Esses resultados ainda
não estão publicados para saber se houve alguma mutação.
Outros fatores, a exemplo de contaminações ambientais,
temos ouvido falar pela internet, mas não vi nenhum estudo
conduzido para saber se existem fatores ambientais como
inseticida ou larvicida produzindo microcefalia sob a forma
de epidemia. Eu não vi, mas pode ser que exista, porque nem
tudo que está acontecendo nós temos conhecimento.
OAPS: Você vem estudando os fatores relacionados à
ocorrência e agravamento de infecções pelo vírus da dengue
e também coordena um estudo epidemiológico com grupos
acometidos de chikungunya, ambos transmitidos pelo
Aedes aegypti assim como o Zika vírus. Como foi vivenciar a
epidemia de microcefalia e saber da relação, em estudo, com
o Zika vírus?
Glória Teixeira: Para mim foi um espanto. Digamos assim,
uma comoção. A primeira vez que soube foi exatamente
no dia 26 de outubro, porque no dia 24 eu havia ligado para
o Ministério da Saúde por um outro motivo, para procurar
uma informação no Programa de Controle da Dengue, e
soube que alguns técnicos deste programa tinham se dirigido
para Pernambuco. Então, quando liguei na segunda-feira,
consegui falar com o coordenador da área, que me disse
que a equipe do PNCD (Programa Nacional de Controle de
Dengue) e do CIEVS (Centro de Informações Estratégicas
em Vigilância em Saúde) estavam juntas com a Secretaria
de Saúde de Pernambuco e a OPAS investigando os casos
de microcefalia (isso foi em outubro, logo após os primeiros
dias do alerta para o Ministério, não o alerta de emergência de
saúde pública) e que havia a hipótese, uma suspeita, de que
seria Zika. Eu disse: “Por favor, Zika não! Porque nós temos
Aedes aegypti em quase todos os municípios brasileiros. Isso
vai ser uma tragédia”. Então foi com muito...medo, a palavra é
essa, do que viria pela frente.
OAPS: As campanhas do Governo Federal de combate ao
Aedes aegypti costumam convocar a população a assumir
a responsabilidade na luta contra o mosquito e eliminar
focos de proliferação. A estratégia tem recebido críticas sob
argumentos de que, por um lado responsabiliza as famílias
pelo controle do Aedes e, por outro, exime o Poder Público
do compromisso de implementar medidas mais amplas de
reforma urbana e saneamento ambiental. Quais os limites
dessa estratégia apoiada no controle dos vetores e combate
à epidemia pela população?
Glória Teixeira: Eu entendo que as duas estratégias são
complementares. Sem dúvida nenhuma, é preciso melhorar
toda nossa infraestrutura de saneamento, não só porque
reduz os criadouros potenciais no meio ambiente para
evitar a proliferação do Aedes e, com isso, de chikungunya,
dengue e Zika, mas também vai evitar diarreias, leptospirose
e outras doenças que são de transmissão hídrica. E,
também, pelo problema do lixo. Isso é fundamental, nós
temos que lutar o tempo inteiro pela melhoria das condições
ambientais. Mas não se pode abrir mão do domínio que
chamamos de “domínio privado”, do cuidado individual com
este ambiente doméstico em que vivemos, porque não
acho ideal (nem legal!) que haja invasão sistemática desse
ambiente privado por agentes públicos. Sabemos que por
conta dos hábitos do mosquito ele gosta de ambientes
protegidos, ele procura se esconder dentro da residência ou
em seu entorno e é aí que as fêmeas fazem sua oviposição.
Então nós precisamos, por uma questão civilizatória,
melhorar as condições de saneamento urbano; por uma
questão de saúde, precisamos ainda mais por conta de
dengue, Zika e chikungunya. Temos que estabelecer que
esta deve ser a década para produzir melhorias de nossas
condições ambientais (saneamento), sem dúvida nenhuma.
Mas, especificamente para a questão do Aedes aegypti, é
necessário que a população tome conta e não permita que
haja criadouros em seu ambiente doméstico, que é privativo
de cada família.
OAPS: A Abrasco - Associação Brasileira de Saúde Coletiva
divulgou no início de fevereiro nota técnica na qual questiona
a efetividade das medidas adotadas pelo Governo Federal
para combate ao Aedes aegypti, em particular a intensificação
da estratégia de controle do mosquito com uso de produtos
químicos. O documento alerta para os riscos dos produtos
utilizados e o jogo de interesses da indústria que produz os
inseticidas e larvicidas, além de classificar a proposta de
uso de larvicidas diretamente em carros-pipa em regiões
do Nordeste como “a mais recente medida sanitária absurda
e imprudente imposta pelos gestores do modelo químico
de controle vetorial”. Em um trecho sugere ainda que pode
haver relação entre a intensificação do uso do inseticida
líquido Malathion com o aumento da mortalidade causadas
por complicações da dengue em São Paulo. Qual sua opinião
sobre a nota?
Glória Teixeira: Eu sou representante do ISC [Instituto de
Saúde Coletiva] no Conselho da Abrasco e não subscrevi
esta nota. Entendo que essa nota é extemporânea em um
momento onde estamos vivendo uma emergência sanitária
muito grave e que só serve para confundir a população.
Essa nota gerou uma série de dificuldades, inclusive para a
própria Diretoria da Abrasco, porque não corresponde nem à
totalidade das pessoas que compõem os GTs da Abrasco que
a subscreveram. Eu entendo que nós temos realmente que
discutir com clareza, com serenidade, a questão do uso dos
agrotóxicos, dos inseticidas, o uso do fumacê, que é o inseticida
aplicado a ultra baixo volume (UBV) e tem indicações técnicas
muito restritas, e o mais importante, eu acho, é não deixar os
criadouros com água onde a fêmea do Aedes aegypti coloca
os ovos. O uso do larvicida eu defendo porque em muitas
situações não é possível eliminar um criadouro que armazena
água para consumo humano e que está destampado, então
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ENTREVISTA DO MÊS
se o Aedes vai colocar os ovos ali, o larvicida faz com que as
larvas morram, ou seja, não virem adultos. Eu não concordei
com essa nota e a grande maioria das pessoas com quem eu
conversei da Diretoria e do Conselho também não concordou.
Eu não entendo como uma nota da Abrasco, eu entendo como
uma nota de alguns associados da Abrasco que participam do
GT de Ambiente. Inclusive nós vamos discutir isso na próxima
reunião da Diretoria Ampliada da Abrasco, a necessidade
das pessoas assinarem as notas, e não colocar [Abrasco],
apesar do GT ser da Abrasco não significa que a Diretoria da
Abrasco concordou e muito menos todos os seus associados
[concordaram]. Lembrar que o GT não é um órgão eleito. Eleita
é a diretoria e o seu conselho, que podem e devem falar em
nome dos associados e ter uma discussão antes. Essa é uma
nota do GT de Ambiente da Abrasco que algumas pessoas
elaboraram e concordaram, então não é uma nota oficial da
Abrasco, não é a posição institucional de jeito nenhum.
OAPS: Considerando que estamos no verão, período
mais favorável à proliferação do Aedes aegypti e,
consequentemente, de pico da transmissão do Zika vírus,
podemos esperar uma nova epidemia de microcefalia nos
próximos meses?
Glória Teixeira: Não é só por isso, a epidemia mais grave
de microcefalia que, possivelmente, vamos continuar
enfrentando é daquelas gestantes que tiveram Zika ainda
em 2015. As gestantes de agora estão mais atentas para se
proteger contra a picada destes mosquitos transmissores,
por conta de toda divulgação que o Ministério da Saúde fez,
que a mídia fez, e que eu acho que a rede de saúde está tendo
cuidado em fazer. Mesmo que esta proteção possa falhar
considera-se que pode reduzir as infecções congênitas
pelo Zika vírus. O problema é que antes de saber que o Zika
podia causar malformações congênitas (porque parece que
não é só a microcefalia) essas gestantes não estavam se
protegendo. Então a nossa principal preocupação – é claro,
agora nós estamos no verão e tem um pico maior – é o tempo
todo, ou seja, permanentemente. É o fato de que a cada
semana tem-se um número maior de casos de microcefalia
sendo diagnosticados na nossa rede de maternidades. Essa
é a nossa grande preocupação! Também temos preocupação
com as gestantes que apresentarem ou adquirirem infecção
pelo Zika nesse verão, mas nós não estamos preocupados
só com as [gestantes] deste verão, e sim com tudo que
aconteceu com as gestantes que já estão gestando os filhos
há alguns meses, mesmo antes deste verão.
Expediente
Coordenador Geral : Jairnilson Paim
Coordenação Executiva OAPS: Maria Guadalupe Medina
Equipe OAPS: Nília Prado | Gerluce Alves
Coordenação Executiva CDV: Carmen Fontes Teixeira
Equipe CDV: Maria Clara Guimarães | Maria Creuza Silva
Comunicação: Inês Costal | Patrícia Conceição
Design: Gilson Rabelo | Emerson Luã
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