Document

Propaganda
QUANDO OS FILHOS MENTEM - parte 01
Rosely Sayão: Yves, não há mãe e pai que não se defronte, mais cedo ou mais tarde, com
mentiras dos filhos. O que eles devem considerar, de fato, como mentira?
Yves de La Taille: Vamos definir a mentira. Tecnicamente falando, ela consiste em dizer,
intencionalmente, algo que se sabe não ser verdadeiro. A mentira se distingue, portanto, do erro
e da ilusão. Vejamos agora o lado moral. A moral costuma condenar a mentira porque, quase
sempre, ela corresponde a uma vontade de prejudicar outra pessoa, de privá-la de uma verdade
à qual ela tem direito. Nem sempre é o caso. Por exemplo, se um pai ou uma mãe procuram
invadir a vida privada dos filhos – e eles não têm esse direito, a não ser que esteja
dramaticamente em jogo a saúde física ou mental deles, fato raro – estes não têm outra saída a
não ser escondê-la pelo silêncio e até pela mentira. Mas, casos desse tipo são raros. Como eu
disse, quase sempre a mentira traduz um problema moral, pois representa alguma violência
dirigida a quem se mente. Logo, temos um tema de educação moral.
Rosely: E como os pais precisam reagir frente a essa situação, já que é um tema delicado
da educação?
Yves: Em primeiro lugar, os pais devem, eles mesmos, serem exemplos de pessoas que não
mentem. Ora, nem sempre é o caso, até mesmo em casa. Alguns falam abertamente em sonegar
impostos – sonegação implica mentir. Outros aconselham os filhos a dizer aos professores que
não ‘conseguiram’ fazer a lição de casa porque estavam passando mal, quando na verdade foi
pura preguiça – é mentira deslavada! Outros ainda valorizam em alto e bom som jogadores de
futebol que cavam pênaltis – outra forma de enganação. Um último exemplo: há pais – e não são
raros nesse caso – que, ao invés de dizer a seus filhos que não querem participar de tal ou tal
atividade com eles, lhes dizem que ‘não podem’. Ora é mentira, e as crianças rapidamente
percebem o engodo. Em resumo, se elas percebem que a mentira é vista como fazendo parte
do jogo normal das relações sociais, as crianças terão a tendência em tolerá-la e, elas mesmas,
empregá-la. Em segundo lugar, é preciso lembrar que a moral é, antes de mais nada, uma
empreitada humana para valorizar o bem. Ora, não raramente ela é apresentada apenas como
algo que combate o mal. É um erro filosófico e pedagógico. Não é tanto a mentira que deve ser
condenada, é a verdade que deve ser claramente valorizada. Logo, de nada adianta esperar
que a criança minta para falar no valor da verdade. Tal valor deve ser apresentado antes e
sempre. Moral é vacina, não remédio. Em terceiro lugar, eu diria que a firmeza dos educadores
em defender os valores morais, entre os quais a verdade, é condição necessária a uma
formação ética bem sucedida. Assim como a criança compreende, - bem cedo no caso – que a
lei da gravidade faz os objetos inapelavelmente caírem, ela deve perceber que as leis morais
têm a mesma força e consistência. Não se trata de castigar a toda hora, trata-se de nunca deixar
de falar que a verdade é um bem e, logo, a mentira um mal. Em último lugar, lembraria que não
há relação social pacífica e rica sem confiança mútua. Ora, a mentira quebra justamente os laços
de confiança. Ela é uma via de rápido acesso à violência. É preciso explicar isto à criança. E
também aos adolescentes que, por ventura e estranhamente (mas certamente em razão de um
processo educacional falho) ainda não tenham tomado consciência deste fato.
O professor Yves é docente e pesquisador no Instituto de Psicologia da USP e especialista em moralidade.
Os pais que tiverem interesse em aprender mais com o trabalho dele podem – e devem – consultar os
seguintes livros:
LIMITES: TRÊS DIMENSÕES EDUCACIONAIS – Yves de La Taille - Editora Ática
NOS LABIRINTOS DA MORAL – Mario Sergio Cortella e Yves de La Taille – Editora Papirus
(Entrevista originalmente publicada em 12/05/2006)
Download