PNPB: UMA QUESTÃO AMBIENTAL, ECONÔMICA E DE “INCLUSÃO SOCIAL” Jocéia Gouveia de Sousa Universidade Federal da Paraíba - UFPB/PPGG [email protected] Rafaella Rodrigues da Silva Universidade Federal da Paraíba - UFPB [email protected] Emília Moreira Universidade Federal da Paraíba – UFPB/DGEOC/PPGG [email protected] Bartolomeu Israel de Souza Universidade Federal da Paraíba - UFPB/DGEOC/PPGG [email protected] Resumo Este trabalho tem como objetivo apresentar de forma sucinta o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), que é uma política pública interministerial instituída em 2004/5 e que tem como principal objetivo incentivar a produção e o consumo de biodiesel e como uma de suas premissas a inclusão social. Nessa perspectiva, é feita uma análise da viabilidade do Programa, considerando suas diretrizes gerais, sua missão como política pública, dentre outros aspectos como a introdução do biodiesel em nossa matriz energética e seu desenvolvimento. Outro ponto enfatizado é a agricultura familiar que, na produção de oleaginosas compõe o centro da proposta do PNPB no que tange ao desenvolvimento econômico-social-ecológico. Buscamos alcançar tais objetivos, valorizando a literatura que subsidiou o trabalho. Palavras-chave: PNPB. Biodiesel. Inclusão Social. Agricultura Familiar. Introdução Considerando que a preocupação com a questão ambiental não se limita apenas a preservação do planeta, e que também estão inseridas neste contexto as relações sociais e econômicas, o que inclui o desenvolvimento agrícola sustentável, procuramos dar seguimento a tais perspectivas que são de interesse mundial, analisando um tipo de política pública criada para a biomassa em suas dimensões social, econômica e ambiental. Assim, propomos apresentar e estabelecer uma discussão a respeito do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), que tem como objetivo a “implementação de forma sustentável, tanto técnica, como economicamente, da 1 produção e uso do Biodiesel, com enfoque na inclusão social e no desenvolvimento regional, via geração de emprego e renda” (PNPB, 2008). O PNPB visa ainda a redução das importações de diesel e petróleo, a diversificação da matriz energética e principalmente a inclusão social e o desenvolvimento regional via geração de emprego e renda para os agricultores familiares (BRASIL, 2008). Nessa perspectiva, fazemos uma análise da viabilidade do PNPB, considerando suas diretrizes gerais, sua missão como política pública, dentre outros aspectos como a introdução do biodiesel em nossa matriz energética e seu desenvolvimento. Outro ponto enfatizado é a agricultura familiar que se apresenta nesta política pública como sendo o sujeito principal na dimensão social que condicionará tendenciosamente a dimensão ambiental. Os procedimentos metodológicos utilizados para levar a efeito o estudo consistiram basicamente na pesquisa bibliográfica e documental. A discussão conceitual é realizada em torno dos significados de biocombustível, de desenvolvimento sustentável, de agricultura familiar e de políticas públicas. O artigo é um dos produtos resultantes de nossa monografia de graduação. Breve discussão conceitual Para a Biodieselbr (2010) os biocombustíveis, são combustíveis produzidos a partir da biomassa (matéria orgânica), isto é, a partir de fontes renováveis – produtos vegetais ou compostos de origem animal. As fontes mais conhecidas no mundo são: cana-de-açúcar, milho, soja, semente de girassol, madeira e celulose. O biodiesel segundo a Biodieselbr (2010) é um combustível biodegradável derivado de fontes renováveis, que substitui total ou parcialmente o óleo diesel de fonte mineral nos motores de combustão interna de ciclo (movidos a) diesel, como os de caminhões, tratores, ônibus e outros veículos, ou em motores estacionários, como os utilizados para geração de energia elétrica. Ao abordar o tema dos biocombustíveis, acaba-se por adentrar numa discussão polêmica, mas que a ele está diretamente relacionada: a do desenvolvimento sustentável. De acordo com Veiga (2005), a ideia de desenvolvimento passou por muitas reformulações, desde sua configuração clássica como sinônimo de progresso material, ou enriquecimento, a de “desenvolvimento econômico”, de “crescimento com 2 distribuição de renda”, e de “desenvolvimento humano”, até chegar à atual noção de “desenvolvimento sustentável”. Paul Singer (2004) afirma que: Desenvolvimento é um processo de fomento de novas forças produtivas e de instauração de novas relações de produção, de modo a promover um processo sustentável de crescimento econômico, que preserve a natureza e redistribua os frutos do crescimento a favor dos que se encontram marginalizados da produção social e da fruição dos resultados da mesma. (SINGER, 2004, p.2). Em relação à concepção de desenvolvimento sustentável várias são as interpretações que lhe são conferidas. Para Sachs (1990) o desenvolvimento sustentável é entendido como um processo em constante mudança quanto à dinâmica dos investimentos, inovações (que devem cumprir demandas atuais e futuras) e exploração dos recursos. Para a Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento CMMAD (1988), o desenvolvimento sustentável seria aquele que visa atender as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender suas próprias necessidades. No que diz respeito ao desenvolvimento sustentável da agricultura a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) e o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) consideram que para sua concretização faz-se necessário implementar uma política científica e tecnológica “especialmente em sistemas integrando agricultura e pecuária, em produtos tradicionais” e nos produtos dependentes de muita mão-de-obra (FAO/INCRA, 1994). No que tange aos objetivos a serem alcançados pelo desenvolvimento agrícola sustentável Veiga (1994) distingue: A manutenção por longo prazo dos recursos naturais e da produtividade agrícola; O mínimo de impactos adversos ao ambiente; Retornos adequados aos produtores; Otimização da produção com mínimo de insumos externos; Satisfação das necessidades humanas de alimentos e renda; Atendimento das necessidades sociais das famílias e das comunidades rurais. (VEIGA, 1994, p.7). No que se refere ao conceito de agricultura familiar, sabe-se que a expressão ganhou relevância teórica pelo fato de ter surgido atrelada a uma política pública específica, que foi o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar criado em 1996 (BRASIL, 1996). Segundo Ferreira (2008, p.37): 3 A agricultura familiar forma uma categoria social que até bem pouco tempo não havia nem mesmo uma clara definição a respeito. Eram chamados de pequenos produtores, agricultores de baixa renda, agricultores de subsistência, agricultores familiares, entre tantos outros. Pode-se dizer, inclusive, que até a década de 1990 não existia nenhuma política pública dirigida ao entendimento das necessidades deste grupo social. É a partir do aprofundamento da crise da agricultura no início daquela década e das pressões dos movimentos sociais ligados ao campo, que o governo federal dá início aos estudos que culminariam com a criação do Pronaf, em 1996, que se tornou a primeira ação concreta para uma política de apoio à agricultura familiar. Conforme o Manual Operacional do Crédito Rural do Pronaf, o Governo Federal define o agricultor familiar baseado nos seguintes requisitos: 1. Sejam proprietários, posseiros, arrendatários, parceiros ou concessionários da reforma agrária; 2. Residam na propriedade ou em lugar próximo; 3. Detenham, sob qualquer forma, 4 módulos fiscais de terra, qualificados conforme a legislação em vigor e fixados de acordo com cada região; 4. Obtenham no mínimo 80% da renda bruta familiar advinda da exploração agropecuária ou não agropecuária do estabelecimento; 5. Apresentem, como base da exploração do estabelecimento, o trabalho familiar (BRASIL, 1996, S/P). Já o INCRA, considera a agricultura familiar como sendo aquela em que a mão-de-obra da família predomina sobre a mão-de-obra contratada, além disso, o agricultor administra a propriedade, a renda familiar origina-se principalmente das atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento e a área de produção tem extensão máxima determinada pelo que a família pode explorar (INCRA/FAO, 2000). Para o MDA (BRASIL, 2005, S/P): A Agricultura Familiar, enquanto sujeito do desenvolvimento, é ainda um processo em consolidação. O seu fortalecimento e valorização dependem de um conjunto de fatores econômicos, sociais, políticos e culturais que necessitam serem implementados de uma forma articulada por uma diversidade de atores e instrumentos. Sem dúvida, o papel do Estado e das políticas públicas cumpre um papel fundamental. Quanto mais estas políticas conseguirem se transformar em respostas à estratégia geral de desenvolvimento com sustentabilidade e, ao mesmo tempo, às demandas concretas e imediatas da realidade conjuntural, mais adequadamente cumprirão o seu papel . 4 Como estamos a falar de políticas públicas, não podemos deixar de caracterizá-la. Segundo Barros (2007 apud VENTURA e FRAGOSO, 2012), a partir de um consenso, políticas públicas são consideradas como: [...] ações de iniciativa governamental de interesse público, que devem ser construídas com e para a coletividade. A base na legislação, o aparato institucional dos sujeitos políticos, o planejamento e o controle social são reconhecidos como fatores gerais para a efetivação e consolidação das políticas públicas. Entretanto, a eficácia das ações de gestão do bem público frente aos desafios de sustentabilidade das cidades depende da capacidade e da maturidade do governo e da sociedade na apropriação, integração e utilização dos instrumentos operacionais disponíveis e fundamentados em base legal. E mais, políticas públicas de abrangência nacional, promovidas por governos centrais, necessitam do envolvimento de atores governamentais locais, “seja para adequar os objetivos de política e regulações a especificidades locais, para harmonizar prioridades conflitantes, seja para otimizar o uso de recursos públicos cada vez mais escassos” (NEVES, 2012, p.137). De acordo com Villeneuva (2000, p.40 apud NEVES, 2012, p.137), ”a estrutura de relações intergovernamentais é um fator crucial para o êxito das políticas públicas implementadas na esfera central, especialmente a promoção da adaptação recíproca e enriquecedora das perspectivas nacional e local” A referida autora ainda afirma que: A importância da participação dos governos locais, entretanto, não se restringe ao leque de vantagens apontadas na literatura sobre as vantagens da ação estatal localizada – tais como mais eficiência, redução da corrupção, favorecimento de prática das democracia direta, mais controle social, transparência e maior capacidade de atendimento às peculiaridades e preferências locais (NEVES, 2012, p.137). A seguir teceremos algumas considerações sobre uma política pública especifica, o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel- PNPB. Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel- PNPB A criação do PNPB teve início com a criação de uma Comissão Executiva Interministerial e um Grupo Gestor do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel instituídos pelo Governo federal através de um Decreto publicado em 23 de 5 dezembro de 2003. O lançamento do Programa pelo Presidente da República teve lugar em 6 de dezembro de 2004 (MONTEIRO, 2007) com as seguintes diretrizes gerais: Introdução do biodiesel na matriz energética brasileira de forma sustentável; Geração de emprego e renda, especialmente no campo, com a produção de matérias-primas oleaginosas (inclusão social); Atenuar disparidades regionais; Reduzir as emissões de poluentes; Reduzir a importação de diesel de petróleo; Não privilegiar rotas tecnológicas; Conceder incentivos fiscais e implementar políticas públicas (financiamento, assistência técnica) para conferir sustentabilidade econômica, social e ambiental do biodiesel. (MONTEIRO, 2007, p.79). Alem disso, cabia ao PNPB cumprir três missões, quais sejam: a) uma missão ambiental; uma missão estratégica e uma missão social. A missão ambiental está relacionada ao fato de que: O biodiesel permite que se estabeleça um ciclo fechado de carbono no qual o CO2 é absorvido quando a planta cresce e é liberado quando o biodiesel é queimado na combustão do motor. Esta equação corresponde a uma redução de até 78% na emissão de CO2 na atmosfera, dependendo da sua porcentagem de mistura ao diesel (BRASIL, 2004, S/P). A missão estratégica tem a ver com o fato de que: O Brasil possui em sua história um bem sucedido projeto de biocombustíveis que é o Proálcool, lançado na década de 1970, e reconhecido mundialmente como uma alternativa sustentável à substituição de derivados de petróleo. Com o biodiesel, aumenta-se a diversificação de combustíveis, reduzindo as importações de diesel e criando uma nova oportunidade de desenvolvimento econômico sustentável na cadeia produtiva do biodiesel (BRASIL, 2004, S/P). Já a missão social do PNPB estaria relacionada à inclusão da agricultura familiar como fornecedora de matéria- prima para a indústria de biodiesel, “gerando renda e emprego no campo e pretende fazê-lo em modalidades produtivas que evitem a monocultura e permitam o uso de áreas até então pouco atrativas, além de garantir preços competitivos, qualidade e suprimento” (BRASIL, 2004, S/P). Procurando dar seguimento às diretrizes gerais apresentadas pelo PNPB, analisaremos agora como procedeu à introdução do biodiesel em nossa matriz energética. 6 Em 13 de janeiro de 2005, a Lei n° 11.097/05, introduziu o biodiesel na matriz energética brasileira, estabelecendo percentuais mínimos de mistura de biodiesel ao diesel mineral e o monitoramento da inserção do novo combustível no mercado, estabelecendo, também, prazos para cumprimento da adição de percentuais mínimos de mistura de biodiesel ao diesel mineral (MONTEIRO, 2007, p.93). Os percentuais da mistura do biodiesel ao diesel mineral, que deverá ser comercializado ao consumidor final em todo o território nacional (Lei n° 11.097/05) e o mercado potencial de biodiesel estimado pelo Governo Federal, estão apresentados na Figura 1, a seguir: Figura 1 – Percentuais previstos de mistura de biodiesel ao diesel no Brasil. 2% 2% 5% Autorizado Obrigatório Obrigatório Fonte: PNPB (www.biodiesel.gov.br) Organização: Jócéia Gouveia de Sousa Entre 2005 e 2007 foi autorizado o uso de 2% de mistura de biodiesel no óleo diesel oriundo do petróleo. No entanto, estes 2% (B2) só passariam a ser obrigatório em todo território nacional entre 2008 e 2012; e de 2013 em diante seria obrigatório o uso de 5% (B5) de biodiesel no óleo diesel mineral. Porém, a Resolução 03 (setembro de 2005), do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) foi antecipada e o B2 passou a ser obrigatório para o período de 2008 e 2010. Após este último ano o B2 seria substituído pelo B5, que foi antecipado, uma vez que este percentual de mistura (5%) deveria ser obrigatório somente a partir de 2013. Dando seguimento às diretrizes gerais apresentadas pelo PNPB, um segundo ponto apresentado refere-se à geração de emprego e renda, especialmente no campo, com a produção de matérias-primas oleaginosas (inclusão social). Para tanto foi criado o Selo Combustível Social (SCS) pelo Decreto 5.297, de 06/12/2004. 7 Selo Combustível Social O Selo Combustível Social (Fig. 2) é concedido ao produtor de biodiesel que promover a inclusão social dos agricultores familiares enquadrados no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar- PRONAF, que lhe forneça matéria-prima e que comprovar regularidade perante o Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores- SICAF (LIMA, 2007, p.10). Lima (2007, p. 10) afirma que para promover a inclusão social dos agricultores familiares o produtor de biodiesel deve: - Adquirir do agricultor familiar, uma parcela não inferior ao percentual a ser definido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, matéria-prima para a produção de biodiesel. - Celebrar contrato com os agricultores familiares, especificando as condições comerciais que garantam renda e prazos compatíveis com a atividade, conforme requisitos a serem estabelecidos pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário; -Assegurar assistência e capacitação técnica aos agricultores familiares (LIMA, 2007, p.10). Figura 2: Logomarca do Selo Combustível Social. Fonte: Ministério de Desenvolvimento Agrário. (2011). Na lógica do PNPB (2010) com inclusão social e desenvolvimento, a geração de emprego e renda proveniente da integração da agricultura familiar à produção de oleaginosas na região semiárida nordestina e a integração da agricultura familiar à cadeia produtiva do biodiesel, podem romper com a realidade de exclusão social inerente a parcela significativa desses agricultores O PNPB também estabelece a obrigação de fornecimento de assistência técnica aos produtores contratualmente ligados às empresas processadoras. O PNPB busca, dentro desse segundo ponto das diretrizes gerais, alcançar também outros objetivos tais como: atenuar disparidades regionais, conceder incentivos fiscais e 8 implementar políticas públicas (financiamento, assistência técnica) para assim conferir sustentabilidade econômica, social e ambiental ao biodiesel. O Selo Combustível Social (SCS) é concedido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) às empresas que adquiram a matéria-prima de agricultores familiares, em percentuais mínimos de 50% para a região Nordeste e semiárido; 30% para as regiões Sudeste e Sul; e 10% para as regiões Norte e Centro-Oeste (Instrução Normativa MDA No. 1, de 05 de julho de 2005) (MONTEIRO, 2007, p.81). Porém em Julho de 2011, o MDA em uma reunião da câmara setorial de biodiesel apresenta a nova instrução normativa do selo combustível social, como podemos observar na tabela 1. Tabela 1: Nova instrução normativa do selo combustível social Região % mínimo Sudeste, Nordeste e Semi-árido 30% Centro-Oeste e Norte 20% Sul 40% % = custo anual, em reais, de aquisição de matérias-primas da agricultura familiar, em relação ao custo anual, em reais, das aquisições totais de matérias primas utilizadas no período para a produção de biodiesel. Condição - Volume total de matérias primas utilizadas no período para a produção de biodiesel informado ao MDA >= volume produzido e informado à ANP. Fonte: Ministério de Desenvolvimento Agrário. (2011). Dentro desta perspectiva, de acordo com Lima (2007), para promover a inclusão social dos agricultores familiares, o produtor de biodiesel deve: adquirir a matéria-prima do agricultor familiar, em parcela não inferior ao percentual a ser definido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário;; celebrar contrato com os agricultores familiares, especificando as condições comerciais que garantam renda e prazos compatíveis com a atividade, conforme requisitos a serem estabelecidos pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário; e assegurar assistência e capacitação técnicas aos agricultores familiares. 9 É importante deixar claro que o programa abrange outras questões sobre inclusão social como aquelas que se referem ao modelo tributário do biodiesel, a leilões de biodiesel, dentre outras que não estão referenciadas neste trabalho. Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel e a Inclusão Social A inclusão social é um assunto de interesse público, visto ser vislumbrado como um dos acessos para o desenvolvimento de uma nação, por isso os países do mundo têm trabalhado em diversos programas que visam, especialmente, buscar a inclusão socioeconômica de parcela da população que se encontra, por algum motivo, excluída enquanto agente social (SANTOS; CORREIA, 2007, p. 7). Para os referidos autores, foi nesse sentido que o Governo Federal brasileiro desenvolveu um projeto que se adequasse à nova realidade global, que é a de buscar um efetivo crescimento econômico de um país de forma a preservar os recursos naturais, nele existentes, promovendo a inclusão social. Taisis características foram extraídas do que hodiernamente, denomina-se de desenvolvimento sustentável. Então, foi elaborado o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel – PNPB. Santos e Correia (2007) afirmam que: A inclusão social é praticada quando o PNPB proporciona ao pequeno agricultor, incentivo e oportunidade de auferir renda, por meio de uma cultura complementar, no caso a produção de mamona, que possa ser auto-sustentável. A auto-sustentabilidade é alcançada quando o agricultor familiar cultiva a mamona, matéria-prima do biodiesel, consorciada com outras culturas como o feijão e o amendoim. Esse consórcio possibilita a rotação de cultura, o que enriquece o solo para a manutenção, ou até mesmo o aumento, da produtividade da mamona além de proporcionar alimento para a família do agricultor, ao lado da piscicultura, caprinocultura e apicultura, evitando inclusive o mal da monocultura (SANTOS; CORREIA, 2007, p. 8). Sobre a cultura consorciada citada, o SEBRAE (2006 apud SANTOS; CORREIA, 2007, p. 8), contribui dizendo que: O cultivo consorciado e a rotação de cultura têm sido uma prática de manutenção da qualidade do solo a na redução nos custos de adubação e de suprimentos de alimentos, além de impactar positivamente a renda do pequeno produtor. Os cultivos consorciados das oleaginosas indicadas para o biodiesel permitem várias composições: mamona e feijão caupí, mamona e amendoim, mamona e dendê, dendê e pimenta, girassol e milho, soja e eucalipto e soja e braquiária e sorgo. 10 Como as possibilidades de cultivos consorciados são múltiplas é importante que as seleções de culturas a serem consorciadas sejam compatíveis com o clima e o solo de cada região, para que se obtenha a melhor produtividade com o menor custo. Recomenda-se consultar aos órgãos técnicos, por exemplo, à Embrapa, que poderá dar a orientação técnica, sobre quais são as culturas de oleaginosas que podem ser consorciadas na região, bem como indicar os locais para a obtenção das cultivares. SEBRAE. Porém, ao falarmos de inclusão social do agricultor familiar nordestino, segundo Santos e Correia (2007), não podemos deixar de esclarecer que essa é plenamente satisfeita quando este cumpre a função social da propriedade rural, a qual é praticada quando são alcançados determinados requisitos, dispostos no art. 186, C.F./88, in verbis: Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (SANTOS; CORREIA, 2007, p. 10). A formação do mercado de biodiesel, com a dimensão da responsabilidade social, é o resultado da coalizão de interesses de três atores: empresas e movimentos sociais, sob a coordenação do governo federal. Atores que antes se encontravam apenas em situações de conflito passaram a ser responsáveis conjuntamente pela formação de um arranjo produtivo. Essa inusitada configuração foi possível em função das substantivas mudanças na concepção de controle que orienta a ação dos três principais agentes responsáveis pela formação do mercado de biodiesel: empresas passaram a adotar a responsabilidade social como núcleo dos seus negócios, movimentos sociais trocaram a contestação pela parceria com empresas e o governo passou a exercer o papel de catalisador de agentes, antes antagônicos, ao invés da tradicional prática corporativista (THOMAS, 1993, S/P). Os agricultores familiares que desejarem participar da cadeia produtiva do biodiesel têm, à disposição, uma linha de crédito adicional do PRONAF para o cultivo de oleaginosas. Com isso, terá uma possibilidade a mais de gerar renda, sem deixar a atividade principal de plantio de alimentos, mantendo a segurança alimentar. O limite de crédito e as condições do financiamento seguem as mesmas regras do grupo do PRONAF em que o agricultor estiver enquadrado. Entretanto, é importante salientar que 11 o programa criado para incentivar a produção de biodiesel e promover a agricultura familiar pode seguir o caminho do etanol e colocar a produção, os ganhos econômicos e o retorno social na mão de poucos. Apropriação do PNPB pelos agricultores familiares A agricultura familiar foi considerada, durante muito tempo, um segmento marginal e de pouca relevância para os interesses econômicos de uma sociedade capitalista, que vislumbra lucro e que se volta para o fortalecimento de uma agricultura de grande porte ou de exportação, pautada na monocultura (cana-de-açúcar, café, trigo, soja, etc.) e na pecuária desenvolvidas em grandes propriedades. O agricultor familiar era considerado inábil à tomada de decisões comprometidas no desenvolvimento de seu meio de sobrevivência. Durante muito tempo, o poder público não demonstrava interesse voltado à promoção de políticas engajadas para o desenvolvimento desse segmento da sociedade (CASTELÕES, 2005, S/P). A partir da década de noventa a agricultura familiar passou a ter maior relevância no cenário econômico, e apesar de contar muitas vezes com suas próprias forças, passou a se destacar enquanto núcleo produtivo que promove o emprego e que pode promover um desenvolvimento econômico mais igualitário. A década de 1990 foi um marco para essa inclusão. Com a democratização e abertura econômica, houve um fortalecimento deste e de outros segmentos sociais, considerados apenas de subsistência, a sociedade passou a discernir e a valorizar a agricultura familiar, onde esta passou a ser vista como a melhor e mais econômica opção para a geração de emprego e de ocupações produtivas para o desenvolvimento de uma sociedade, essa visão lhe proporciona um marketing peculiar, possivelmente, a forma social de produção mais adequada a satisfazer as exigências de mercado no aspecto social e ambiental (AGRICULTURA FAMILIAR NO BRASIL, 1997). A pequena propriedade agrícola passou a ter maior respaldo e destaque na atividade econômica e principalmente no campo social. A expressão “agricultura familiar” vem ganhando legitimidade social e científica no Brasil, passando a ser utilizada com freqüência nos discursos dos movimentos sociais do meio rural, por instituições governamentais e por estudiosos das Ciências Sociais que se ocupam de análises do meio rural (SCHNEIDER, 2006, S/P). 12 Analisar apropriação, neste caso, implica compreender que as políticas públicas não são executadas da forma que são concebidas/ formuladas e que, também, não atingem o público-alvo da mesma forma. Para Moura (2011), esquematicamente, as políticas públicas passam por algumas instâncias que as influenciam no seu processo de concepção, proposição e operacionalização, até mesmo quando chega ao seu público focal, na forma em que é recepcionado. A mesma afirma que: Nesse sentido, pode-se dizer que a primeira fase, em uma perspectiva linear e cronológica, envolve o campo da formulação, em que é justificado, em decorrência de valores e demandas contextualizadas, e politicamente viabilizado. Nesse momento, atuam a alta burocracia, políticos profissionais, atores da sociedade (lobistas, organizações políticas, científicas e sociais etc.), equipes técnicas, etc. Numa segunda fase, cria-se um aparato técnico e institucional, que pode ser um programa, um projeto, uma política, um plano, em escala diversa. Numa terceira fase, a operacionalização, caracteriza-se pela preponderância de atores de nível hierárquico inferior ou intermediário, que atuam próximos ou juntos aos destinatários finais de uma determinada intervenção. Nesta etapa, o importante é por em prática, “a mão na massa”, executar a política, o que envolve as equipes técnicas locais, atores políticos e parceiros de natureza distinta, mas que não podem mudar os princípios e regulamentos ou recursos, mas operá-los, colocá-los a disposição do usuário. Sempre em uma abordagem preliminar e esquemática, pode-se dizer que uma quarta e última fase é a da apropriação pelo usuário final, mediante os direitos, benefícios, oportunidades e meios postos a sua disposição, dos recursos produzidos efetivamente pelo programa, que tem, sempre, uma expectativa de determinadas atitudes positivas com relação ao programa que o usuário deve ter, mesmo porque, acreditase, necessariamente, que será beneficiado pelas ações propostas. (MOURA, 2011, p. 8). No caso do PNPB, segundo Moura (2011), essa estrutura pode ser traduzida conforme esquema a seguir. Este esquema inspira-se livremente em proposição de aula do professor Cassimiro Balsa no grupo de pesquisa “Própolis” da Universidade Estadual de Montes Claros, afirma a autora: 14 MINISTERIOS PNPB EMATER/PETROBRÁS/ORGANIZA ÇÕES SOCIAIS 13 Adaptado por: Jocéia Gouveia de Sousa Pode-se definir como apropriação o resultado da relação estabelecida entre os recursos (bens simbólicos e culturais) que são oferecidos e as formas de recepção dos sujeitos sociais, ou seja, como reagem a esse “encontro”, resultando em nova realidade social (MOURA, 2011, p. 9). No entanto, para se compreender formas de apropriação é necessário compreender, antes, os tipos de agricultores que existem no território analisado, pois, apesar de a condição para ingressar no PNPB é, antes de tudo, ser agricultor familiar, percebe-se, in loco, importante diversidade dentro do segmento, o que se traduz em diferentes formas de apropriações (MOURA, 2011, p. 9). Considerações finais È notório que os bicombustíveis, mais especificamente o biodiesel apresenta-se como uma atividade econômica bastante promissora tanto para o mercado nacional como para o mundial, porém é importante que haja o zoneamento do cultivo das oleaginosas que lhe servem de matéria-prima, assim como respeito à fronteira agrícola e o combate à produção de biodiesel a partir de uma só espécie de oleaginosa, na busca de inibir a monocultura. Em relação ao PNPB, que é um programa governamental e que tem como objetivo introduzir e consolidar o biodiesel na matriz energética brasileira, e mais, tem como um de seus pilares de sustentação a inclusão social, para sua efetivação se faz necessária a abertura de linhas de crédito específicas em bancos oficiais, que devem ocorrer tanto para o plantio das oleaginosas como para as instalações das cooperativas de pequenos agricultores. Sem a linha de crédito incentivada pelo governo à produção de biodiesel corre o risco de ser engolida pelo agronegócio, aumentando os desequilíbrios regionais e o PNPB de perder seu caráter social. No entanto, as políticas públicas não dependem somente da ação dos governantes, elas dependem muito da organização da sociedade. As classes, através dos seus 14 representantes têm que serem mobilizada no sentido de atingir ações capazes de tornar realidades os seus projetos públicos. No que diz respeito à inclusão social é preciso que sejam constituídas reais vantagens aos agricultores familiares quando do fornecimento das matérias primas, permitindo integrar sistemas de produção, entre atividades agrícolas e pecuárias, às cadeias de produção de energia em suas próprias propriedades, de forma que suas competências, infraestrutura e capacidade econômica, pudessem ir se desenvolvendo de acordo com as possibilidades. Exige ainda a disponibilização efetiva de uma assessoria técnica aos processos de produção, organização e gestão dos empreendimentos dos próprios agricultores. Exige disponibilizar, em primeira instância tecnologias, créditos acessíveis a sua condição econômica e capacidade de suportar os riscos inerentes. È inegável que o Brasil tem os elementos fundamentais para ser o fornecedor mundial de energia limpa. Porém é fundamental que a renda resultante deste processo promova desenvolvimento econômico social e ambiental e uma distribuição de renda justa, de outra forma pode-se criar apenas mais um mecanismo de dominação e concentração de renda. O PNPB é um programa de política pública recente e com um horizonte temporal muito longo a sua frente, onde podem ser identificadas e corrigidas algumas falhas, como problemas no uso do solo: monocultura, desmatamentos, perdas biológicas, uso intensivo de fertilizantes e defensivos agrícolas; domínio da cadeia pelo agronegócio; centralização em matérias-primas dominantes; pouca utilização de insumos residuais e matérias-primas diversificadas; baixa participação da agricultura familiar; baixa geração de emprego e renda; e baixa participação e organização social. Referências A AGRICULTURA FAMILIAR NO BRASIL, Material do Informativo Meio Ambiente e Agricultura - ano V nº 17 jan/fev/mar 1997. Disponível em: www.cnpma.embrapa.br. Acesso em Outubro de 2011. BARROS, A. P; SILVEIRA, K. A; GEHLEN, V. R. F. Instrumentos de Políticas Públicas para Gestão Ambiental Urbana. In: III Jornada Internacional de Políticas Públicas do Maranhão, São Luís do Maranhão, v. 3 p. 1-8, 2007. BIODIESEL BR, 2010. 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