O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E A PRÁXIS DOCENTE Arnon de Andrade1 Hoje, nenhum profissional está satisfatoriamente formado após um curso de graduação, dado o volume de conhecimentos produzidos dia a dia em todas as áreas da atividade a que o homem se propõe. No caso particular do professor, de qualquer nível de ensino, nós acrescentamos, como razão essencial, o objeto, por sua natureza, mutante a uma velocidade vertiginosa. Um professor não estará, nunca, inteira e suficientemente formado, por uma ou outra razão. A educação, na confluência do social, do econômico, do natural, do cultural, do político, do biológico, exige um profissional com múltiplas competências e que, a todo e qualquer momento, em toda e qualquer situação, esteja dotado de uma atitude fenomenológica diante do mundo, de um agudo sentimento do real que se esconde atrás de aparências e, também, com uma dúvida incurável que o impulsione na direção do aluno e do que este representa. Não é suficiente, para ser professor, saber os conteúdos dos manuais e dos tratados, conhecer as teorias da aprendizagem, as técnicas de manejo de classe e de avaliação, saber de cor a cronologia dos acontecimentos educativos, nomear as diversas pedagogias da história. Para ser professor é preciso conhecer o seu papel, sua razão profissional – ajudar os alunos a ver e compreender a realidade, expressar-se e expressar a realidade, descobrir e assumir a responsabilidade de ser elemento de mudança dessa realidade (NIDELCOFF, 1985, p. 6). Para ser professor, é preciso vivenciar a ESCOLA, esta instituição que é o espaço de sua prática profissional, e que se encontra povoado de praticantes de um mesmo afazer, e mais, de 1 Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Caen, França. Estágio curricular 21 um afazer que só existe como prática coletiva – é isso que o Estágio Supervisionado permite, mas não garante. Formar um professor é mais do que a soma de todos os créditos de um “Histórico Escolar”, mais do que expressam as ementas das muitas disciplinas pagas durante o curso. O todo continua a ser maior do que a soma das partes. Assim, o Estágio deve preparar para um trabalho coletivo, uma vez que o ensino não é um assunto individual do professor, pois a tarefa escolar é resultado das ações coletivas dos professores e das práticas institucionais, situadas em contextos sociais, históricos e culturais (PIMENTA, 2004, p. 56). Se examinarmos os currículos e sua prática nos cursos de licenciatura de muitas universidades, é quase certo que constatemos que nesses currículos faltam ainda muitas partes que permitam o aparecimento dos fractais que reproduzem, em nível micro, toda a complexidade do macro. Falta a simetria que torna a prática dos professores das licenciaturas, conteúdos imprescindíveis da formação do licenciado – façam o que eu digo e façam o que eu faço. Como podemos pensar na formação de um professor se o professor formador não é e não quer ser professor? Ao contrário, há na academia um sentimento de que professor universitário não precisa ser professor, basta saber sua ciência; não precisa saber fazer uma hierarquização do conhecimento, uma adequada avaliação por amostra de conteúdo e por domínio do comportamento. Parece até que para ensinar não é necessário saber ensinar, não é preciso saber que tipo de profissional se está formando, não é preciso nem mesmo saber a que serve sua ciência. É imprescindível refletir que um curso de Licenciatura em Química, por exemplo, não tem o conteúdo e suas práticas laboratoriais como seu principal objeto de compreensão e mudança. O objeto de estudo e preocupação numa licenciatura, qualquer que seja ela, é o aluno que aprende aquela ciência e a inclusão dessa ciência no seu espaço vital. Um bacharelado e uma licenciatura são cursos diferentes, com objetos e práticas diferentes. 22 Coleção Pedagógica n. 7 O futuro professor de química, nosso estudante, será, antes de tudo, professor e é nessa condição que ele será chamado para dirigir uma escola, coordenar ou participar de um projeto, relacionarse com a comunidade e participar do desenvolvimento dos seus alunos como seres humanos completos e como cidadãos. Saber química é importante nesse contexto para compreender a sociedade em que convivemos com as transformações científicas e tecnológicas, que estão relacionadas com o ar que respiramos, com nossos alimentos, com o meio ambiente, com a instalação de indústrias, enfim, com a realidade material que se apresenta, muitas vezes, sob a forma de opções políticas. As disciplinas ensinadas em sala de aula, até por uma questão de inércia, se cristalizaram como disciplinas teóricas. Se observarmos os setores de sala de aula no Campus Universitário – chamados de setores de aulas teóricas – esquecemo-nos de que ali se realiza uma das práticas que mais caracterizam a instituição: a prática docente. Não é outra a razão das diretrizes para a reformulação dos cursos de graduação recomendarem a dedicação de 400 horas à realização de práticas como atividades curriculares. Não que essas disciplinas devam deixar de ser teóricas, mas, sendo teóricas, dediquem parte de sua carga horária à busca da relação entre o geral e o particular, entre o conceitual e o concreto, entre o virtual e o real. O Estágio Supervisionado, além das práticas como atividade curricular em cada disciplina, é o próprio confronto entre as várias formulações teóricas e alguns problemas com que se depara a escola. No estágio, os alunos perceberão a interdisciplinaridade necessária para a compreensão da realidade. É preciso sempre pensar a teoria como instrumento de compreensão e intervenção [...] O papel das teorias é iluminar e oferecer instrumentos e esquemas para análise e investigação que permitam questionar as práticas institucionalizadas e as ações dos sujeitos e, ao mesmo tempo, colocar elas próprias em questionamento, uma vez que as teorias são explicações sempre provisórias da realidade (PIMENTA, 2004, p. 43). Estágio curricular 23 Está visto que o professor, pela intenção e pela competência, será sempre um pesquisador. O Estágio permite a integração da teoria e da prática e é o momento de concretude da profissão. É, portanto, uma importante parte integradora do currículo, em que o licenciando vai assumir, pela primeira vez, a sua identidade profissional e sentir, na pele, o compromisso com o aluno, com sua família, com sua comunidade, com a instituição escolar, que representa a inclusão civilizatória de vastas camadas da população; com a produção conjunta de significados em sala de aula; com a democracia, com o sentido de profissionalismo que implique competência, isto é, – fazer bem o que lhe compete. Quando falamos em um modelo desejável de Estágio Supervisionado, integrado no processo de formação, pode parecer que esquecemos que a escola pública está longe de ser a escola pela qual temos lutado tanto. É nesse momento que a teoria serve de referência para a compreensão da realidade e para a mudança dessa realidade, enfocando a formação profissional pela crítica, pela reivindicação – por um projeto político do futuro. Este é, seguramente, um tema para reflexão dos supervisores de Estágio: as escolas dos sistemas de ensino, público ou privado, não têm sido espaço real de formação para os alunos das licenciaturas, nos termos em que as diretrizes supõem. As escolas privadas não se interessam por estagiários supervisionados, por agências formadoras como a UFRN, e, além disso, essas escolas não são o modelo para o qual formamos nossos alunos. As escolas públicas, embora sejam a parte principal do mercado de trabalho do profissional de educação, não participam desse esforço de formação com uma política que defina, junto com as agências formadoras, o perfil do professor do ensino básico e que ofereça espaço para os estágios de formação. Os estágios, hoje, são resultado de relações entre amigos em que professores da instituição formadora e professores e diretores das escolas públicas estabelecem as condições para que os estágios supervisionados aconteçam em cada semestre, e que, depois, são oficializados por meio de dezenas de ofícios (um ofício por professor, 24 Coleção Pedagógica n. 7 grupo de alunos, licenciatura, escola, turno etc). As condições de funcionamento da escola não permitem uma atuação profissional – faltam laboratórios, as bibliotecas são precárias, muitas vezes faltam professores nas disciplinas em que os licenciandos deverão estagiar, e, para o professor dessas escolas receber os estagiários é um sobretrabalho para o qual ele não foi consultado, não foi preparado e que exige dedicação, expondo-o à crítica e, finalmente, pelo qual não é recompensado. As condições da educação pública parecem esvaziar todo o discurso pedagógico da expectativa de um estágio como culminância em um processo de formação. À universidade, como agente formadora, também faltou uma política de formação de professores, definindo o perfil do profissional que quer formar, estabelecendo normas gerais que unifiquem as práticas de integração entre as licenciaturas e distinguindo, definitivamente, as licenciaturas dos bacharelados. Foi na compreensão desse momento crítico, e a exemplo do que vêm fazendo outras universidades federais (UFPb – Resolução 04/2004) que a Pró-Reitoria de Graduação, junto com o Departamento de Educação e as Coordenações das Licenciaturas começaram a discutir uma proposta de resolução, para submeter ao Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, regulamentando a formação de professores, incluindo aí a conceituação precisa da Prática como Atividade Curricular e do Estágio Supervisionado. A esse movimento interno da Universidade deve corresponder, da parte das Secretarias de Educação Estadual e Municipais, uma aproximação com as agências formadoras de modo a transformar a escola pública em co-partícipe no processo de formação, particularmente, na discussão do perfil do profissional e, no Estágio Supervisionado, definindo espaços, momentos, rotinas, calendários, enfim, a amplitude dos estágios de formação. Precisamos realizar o planejamento dos estágios em articulação com o planejamento pedagógico das escolas, de tal modo que: as ações se completem; as inovações sejam possíveis; a escola possa ampliar o conhecimento de seus alunos e da comunidade Estágio curricular 25 em que está inserida; a pesquisa se instale nas escolas como atividade rotineira e imprescindível à educação escolar básica. Em foros acadêmicos, promovidos pelo Departamento de Educação com o apoio da Pró-Reitoria de Graduação, representantes dos sistemas de ensino e das agências formadoras e coordenadores de Cursos de Licenciatura da UFRN externaram um sentimento de insatisfação com a prática dos estágios que acontecem hoje nas escolas do sistema público. Os novos conceitos de prática e de estágio nas licenciaturas apontam para a necessidade de reformular procedimentos institucionais. A política de educação adotada pelo estado brasileiro prevê para os próximos anos: a ampliação da jornada escolar e redução das turmas; a diversificação de tipos e modalidades de ensino; a implantação para todos os profissionais de educação, da formação continuada; a ampliação e intensificação da educação de jovens e adultos. Diante desse cenário e dos recursos tecnológicos disponíveis para a educação, não podemos mais repetir a falsa oposição entre a quantidade e qualidade. A compreensão de todos esses problemas e a concretização das condições para a realização adequada dos estágios de formação, fazem parte desse real esforço de salvação nacional que é a construção de um Sistema Público de Educação decente. REFERÊNCIAS NILDECOFF, M.T. Uma Escola Para o Povo. São Paulo: Brasiliense,1985. PIMENTA, S. G. LIMA, M.S.L.– Estágio e Docência. São Paulo: Cortez Editora, 2004. UFPB – Universidade Federal da Paraíba – Resolução – CONSEPE 04/ 2004 – Estabelece a Base Curricular para a Formação Pedagógica dos Cursos de Licenciatura. João Pessoa, 2004. 26 Coleção Pedagógica n. 7