Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. Realização Curso de História – ISSN 2178-1281 ELEMENTOS SOBRE AS RELAÇÕES DE GÊNERO E O MST1 ENGELMANN, Solange I. (mestranda)2 Universidade Federal de Uberlândia RESUMO: Esse trabalho apresenta sucintamente uma proposta de estudo sobre as relações de gênero no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Procurou-se analisar como são construídas as relações de gênero entre as trabalhadoras e trabalhadores sem-terra no cotidiano da luta. Na abordagem propõe-se identificar como as mulheres sem-terra se mobilizam no interior desse movimento social procurando garantir o direito a participação e o reconhecimento como sujeito político. Para tanto, dividimos a análise em três momentos. Primeiramente, a partir de Beauvoir (1980), buscando demonstrar como os diferentes comportamentos entre macho e fêmea, são construídos a partir da convivência social e educação historicamente. Em seguida, abordamos o conceito de gênero como categoria de análise social, mediante Scott (1995), que compreende o estabelecimento das relações de gênero como elemento fundamental na construção social de poder entre os sexos, na sociedade. Finalmente, a partir da análise de atuação das mulheres nos movimentos sociais e luta pela visibilidade e reconhecimento, como sujeito político na sociedade civil, procurou-se identificar as principais características das relações de gênero presentes no interior do MST. PALAVRAS-CHAVE: Relações de gênero; relações de poder; protagonismo feminino; movimentos sociais; Movimento Sem Terra. INTRODUÇÃO A sociedade ocidental vem construindo ao longo da história relações sociais desiguais entre mulheres e homens, reforçando assim a dominação da mulher pelo homem como algo natural. Essas diferenças entre os sexos se manifestam nos comportamentos dos indivíduos e, principalmente, na identidade sexual. Porém, os estudos de gênero rompem com a concepção de que as posições sociais de mulheres e homens seriam fruto de determinações biológicas. Isto é, desvelam que esses padrões sócio-culturais são criados ao longo da historia, pelas sociedades, que estabelecem modelos de comportamentos, femininos e masculinos, como aceitáveis ou não, na vida pública e privada. Diante disso, nesse trabalho realizamos uma breve analise sobre as relações de gênero no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Procuramos verificar as características das relações de gênero entre as trabalhadoras e trabalhadores na luta do MST e 1 Trabalho apresentado no Simpósio Temático: “Gênero feminino e Diversidade Cultural”, durante o III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – História e Diversidade Cultural, entre 25 e 27 de setembro de 2012. 2 Mestranda em Ciências Sociais na Universidade Federal de Uberlândia − UFU. Email: [email protected]. 1 Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. Realização Curso de História – ISSN 2178-1281 como as mulheres sem-terra se organizam na busca de uma participação igualitária e obtenção do reconhecimento como sujeito político. Para melhor compreensão da problemática dividimos a análise em três momentos. Primeiramente, a partir de Beauvoir (1980), desconstruímos ideia da existência de diferenças biológicas entre mulheres e homens. A autora demonstra que homens e mulheres não nascem prontos, mas são moldados a partir da convivência social e educação, que estabelecem distintas perspectivas de vida para os dois sexos. Ainda nesse tópico apresentamos um debate sobre o conceito de gênero como categoria de análise social, a partir de Scott (1995), que retrata as relações de gênero como relações de poder, fundamental na construção social e histórica da diferença sexual entre mulheres e homens. Num segundo momento, mediante Pinto (1992), discutimos a atuação das mulheres nos movimentos sociais e a luta feminina por visibilidade e reconhecimento, como sujeito político na sociedade civil. Em seguida, analisamos as relações de gênero no MST, buscando compreender como essas relações são construídas no processo de luta das mulheres neste movimento social. 1. A DIFERENÇA SEXUAL E O CONCEITO DE GÊNERO 1.1- A CONSTRUÇÃO DA DIFERENÇA SEXUAL ENTRE MULHERES E HOMENS Durante muitas décadas a dominação da mulher foi construída e reproduzida por alguns autores, que classificavam o feminino como o sexo frágil, tendo capacidade inferior ao homem. Dessa maneira, o sexo representava um fator biológico determinante na afirmação das diferenças entre mulheres e homens. Porém, vários estudos apontam que esta concepção é equivocada. Simone de Beauvoir (1980, p. 9), na obra O Segundo Sexo de 1949, afirma que “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. As pessoas não nascem com comportamentos de homens ou mulheres biologicamente definidos, é a sociedade que “fabrica” machos e fêmeas, diante da convivência e reprodução social. Entretanto, cada sociedade cria padrões de comportamentos distintos, por isso, mulheres e homens nunca são os mesmos historicamente, em todas as sociedades. Nesse contexto, segundo a autora, nos três ou quatro primeiros anos de vida não são verificadas diferenças nas atitudes de meninas e meninos. Os dois apresentam condutas de sedução que 2 Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. Realização Curso de História – ISSN 2178-1281 desejam agradar, provocar sorrisos e admiração. Porém, após a desmama, aos poucos, beijos e carícias passam a ser recusados para o menino; enquanto que a menina continua sendo acariciada e se busca protegê-la da angústia e da solidão. Sendo assim, a passividade feminina não é biológica, mas resulta de um destino imposto pela educação da sociedade. Com isso, a possibilidade do menino está em sua forma de existir para os outros, que o encorajam a olhar para si, valorizar-se. Ao contrário do que ocorre com a menina, que entra em conflito entre sua existência autônoma e seu "ser-outro", pois lhe ensinam que para agradar é preciso comportar-se como objeto e renunciar à sua autonomia. Na fase de iniciação sexual, na medida em que o pênis torna-se um órgão privilegiado pelo contexto social, a menstruação é vista como uma maldição. Assim, enquanto o órgão masculino representa a virilidade, o feminino demonstra feminilidade, passividade, e principalmente inferioridade e mutilação. “O rapaz reivindica suas tendências eróticas porque assume alegremente sua virilidade; nele o desejo sexual é agressivo; [...] Ao contrário, a vida sexual da menina sempre foi clandestina; [...].” (BEAUVOIR, 1980, p. 60-61). Desse modo, a sociedade estabelece o feminino como posse do homem. O símbolo mais evidente desse domínio físico da mulher se evidencia na penetração pelo sexo do macho. Para Beauvoir (1980), as principais diferenças entre meninos e meninas tornam a diferenciação entre os sexos em relações de poder, pois, em relação ao fisiológico, os dois vivem os mesmos dramas e descobertas da sexualidade, mas a sociedade os transforma em seres diferentes; ao reafirmar a sexualidade no homem como um elemento de autonomia e liberdade, enquanto na mulher esse desejo é representado como vergonha, devendo servir ao desejo do homem. Portanto, as mudanças na convivência entre os sexos e a construção de novas relações de gêneros entre mulheres e homens, depende da compreensão da construção histórica do processo de dominação da mulher na sociedade. Desse modo, o objetivo dos estudos de gênero é desnaturalizar essas construções sociais, fundamentadas nas diferenças biológicas. 1.2- GÊNERO COMO CATEGORIA DE ANÁLISE SOCIAL Os estudos de gênero indicam a construção social do que é o ser homem e o ser mulher. Representando assim um instrumento de análise que explica uma determinada face das relações sociais, da mesma forma que classe e raça/etnia. Assim, o gênero pode ser 3 Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. Realização Curso de História – ISSN 2178-1281 considerado uma construção social que se diferencia do sexo biológico. Para Joan Scott (1995) o conceito de gênero é utilizado na organização social e política, ao longo da historia, para a construção das desigualdades entre os sexos e a dominação da mulher. O próprio vocabulário adquire uma linguagem genereficada e androcêntrica3, que reproduz a divisão sexual e o processo de reafirmação e reprodução do masculino como o ser universal. O uso do conceito de gênero, como uma categoria analítica surge no fim do século XX. Este procura romper com o determinismo biológico presente em referência ao “sexo” ou “diferença sexual”. É incorporado aos estudos, a partir da preocupação de que os debates sobre as mulheres se voltam somente para o feminino. Desse modo, introduz-se um sentido relacional, englobando mulheres e homens que passam a ser considerados de forma similar, não sendo possível compreender os sexos, de forma separada. Assim procura-se compreender a importância dos sexos na história, analisando como os papéis do simbolismo sexual em diferentes sociedades e períodos são usados para manutenção ou mudança da ordem social vigente. Contudo, mesmo diante de uma análise relacional, os estudos de gênero devem ressaltar a especificidade feminina e respeitar as diferenças. No entanto, além disso, a discussão de gênero dever estar associada à categoria de classe e raça. Pois, os estudos produzidos a partir dessas categorias apresentam uma análise mais completa, desvelando as relações de poder, como forma de opressão e desigualdades construídas em torno desses três eixos. Segundo Scott (1995), o conceito de “gênero”, além da substituição o termo “mulher”, demonstra que não é possível estudar o feminino separado do masculino, pois a mulher só existe em relação ao homem e vise-versa. (...) o termo “gênero” torna-se uma forma de indicar “construções culturais” – a criação inteiramente social de ideias sobre os papéis adequados aos homens e as mulheres. Trata-se de uma forma de se referir às origens exclusivamente sociais das entidades subjetivas de homens e de mulheres. “Gênero” é, segundo esta definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. (SCOTT, 1995, p.75) A partir da analise de gênero busca-se a construção de uma nova história, com a inclusão de novos aspectos subjetivos, em que as relações de gênero precisam ser pensadas 3 Esta visão se refere à construção social-histórica, centrada na figura masculina como universal, que institui e reproduz a dominação feminina pelo homem, culturalmente construído na cultura ocidental. Esse modelo mítico do "homem" universal não se refere a qualquer homem, mas é construído através da experiência de “homens heterossexuais, brancos, burgueses e ocidentais.” (HARDING, 1993, p. 09). 4 Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. Realização Curso de História – ISSN 2178-1281 dentro de um contexto social e histórico. Desse modo, as mudanças nas relações sociais dependem de modificações nas representações de poder, entre os sexos, em um contexto amplo. Ainda para Scott (1995) a política representa, de forma explícita, o uso constante de relações generificadas, pois concentra o poder público na construção de uma autoridade superior masculina, que exclui as mulheres de seu funcionamento. Procurando, desse modo, colocar a diferença sexual como uma ordem natural. Portanto, o questionamento da dominação feminina ameaça todo o sistema de poder reafirmado historicamente, por meio de uma oposição binária. 2. GÊNERO E MOVIMENTOS SOCIAIS Como historicamente ás mulheres foi imposto à vivência ao espaço privadodoméstico, alguns autores defendem que por muito tempo o feminino esteve ausente, como sujeito político ou público na luta política. Diante disso, Céli Pinto (1992) aponta que, quando passa a participar dos movimentos sociais a mulher elimina sua condição de invisibilidade pública, que historicamente é relegada a vivência privada da família. O movimento feminista dos anos 60 e 70, do século XX, defendiam o resgate da subjetividade e da esfera do privado, em que o “pessoal” também é carregado de conteúdo “político”. Segundo Rodrigues (2001), a politização da esfera privada representou uma grande contribuição do movimento feminista, apresentando a necessidade do estabelecimento de relações interpessoais democrática, da mesma forma que se demanda no espaço público. Com isso, todos os tipos de violência praticados contra as mulheres ganham mais visibilidade, tornando-se uma problemática social, que começa a ser enfrentada com políticas públicas. A segunda forma de construção do poder feminino ocorre quando as mulheres se inserem em movimentos comandados por homens, criando espaços específicos, como departamentos femininos. Esses departamentos podem isolar as mulheres de cargos, em movimentos de base ou organizações sindicais, mas também geram espaços de visibilidade para as mulheres. Todavia, a terceira dimensão são grupos de mulheres que se organizam a partir de reivindicações próprias do espaço privado, como movimentos de donas de casas, por creches, etc. Transformando assim questões, consideradas privadas, em públicas que necessitam de criação de políticas públicas, para a melhoria de vida das mulheres e da família. 5 Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. Realização Curso de História – ISSN 2178-1281 Entretanto, o surgimento dos movimentos sociais e a nova rede de relações de poder modificam, de forma radical, as relações do Estado com a sociedade civil, tendo como característica principal a transferência do privado para o público, criando assim um novo sujeito político, que questiona espaços tradicionais de poder, luta por participação e demandas específicas. Diante de todos os avanços e direitos conquistados, Rodrigues (2001) aponta que a principal característica de luta das mulheres atualmente se encontra na manutenção e implementação de direitos já adquiridos. Além disso, há a necessidade do empoderamento das mulheres, no campo pessoal, social e político, para que consigam ocupar mais espaços que seguem sendo, majoritariamente masculinos. 2.1- AS RELAÇÕES DE GÊNERO NO MST Historicamente, percebe-se uma grande dificuldade em tornar as reivindicações das mulheres como prioridade nas lutas dos movimentos sociais. Sendo que estas, geralmente, são consideradas secundárias, e muitas vezes não estão presentes nas pautas de reivindicações. Vários movimentos sociais, partidos e organizações de esquerda, principalmente no século XIX, acreditavam que a luta contra o machismo e racismo deveria ser deixada para um segundo momento, estando em primeiro plano à luta de classes. Conforme Christiane Campos (2005), diante do discurso da prioridade na luta contra as classes dominantes e o capitalismo, internamente as classes oprimidas acabam reproduzindo discriminações como de raça, gênero e preconceitos contra a homossexualidade masculina e feminina. Criado oficialmente em janeiro de 1984, na cidade de Cascavel-PR, o MST é um movimento social popular nacional que luta por terra e Reforma Agrária. Sendo, formado por trabalhadores sem-terra que realizam ocupações de terras, atos públicos, marchas e ocupações de prédios públicos, como forma de pressionar o Estado para a realização da Reforma Agrária. (MORISSAWA, 2001). Desde a sua fundação, este se organiza em três objetivos principais: “Lutar pela terra; Lutar por Reforma Agrária;” e “por uma sociedade mais justa e fraterna”. Objetivos definidos 6 Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. Realização Curso de História – ISSN 2178-1281 nos Congresso Nacionais do sem-terra e presentes no Programa de Reforma Agrário do MST. (MST, 2009).4 Como o Movimento Sem Terra é formado por famílias que se inserem na luta pela terra, muitas mulheres, assim como os homens, estão presentes desde o início da luta, nos acampamentos, porém, isso não é suficiente para garantir uma participação igualitária entre os sexos na luta e espaços e direções. Dessa maneira, a partir da luta das mulheres sem-terra por reconhecimento como sujeito político, elas percebem que a participação igualitária das trabalhadoras no MST depende da construção de um debate de gênero. Assim, em 2000 é criado o Setor de gênero do MST, que inicia um debate com o objetivo de eliminar as práticas cotidianas que reproduzem as diferenças entre os sexos e construir novas relações de gênero. Todavia, “procura garantir que as mulheres tenham iguais oportunidades de militar e dirigir o movimento. [...] É no processo de formação permanente, com teoria e prática, que vamos deixando de ser objeto para nos transformarmos em sujeitos (as) sociais”. (CAMPOS, 2005, p. 27). A luta das mulheres sem-terra se torna conhecida por parte da sociedade brasileira, a partir de ações e mobilizações realizadas na semana do dia 08 de março, pelo país, em que se organizam para, essencialmente, fazer a denúncia do modelo do agronegócio e cobrar a realização da Reforma Agrária. Uma das ações de grande repercussão na imprensa foi à ocupação do horto florestal da Aracruz e a destruição de mudas, pelas mulheres da Via Campesina, no Rio Grande do Sul, em 2006. Na época, segundo Lourdes Vicente (2006)5, o objetivo era chamar atenção da sociedade para os impactos da monocultura do pínus e eucalipto. Esses fatores demonstram como as mulheres do MST, que integram a Via Campesina, estão presentes nos diversos espaços de luta desse movimento social, inclusive organizando e realizando, de forma autônoma ações radicais de enfrentamento ao capital, e a concentração da terra. Porém, na visão de Campos (2005), o protagonismo das mulheres nas lutas do 08 de março, não garante a efetiva igualdade entre homens e mulheres, nas condições econômicas e políticas dentro do MST. Para ela, de uma forma geral, as mulheres sem-terra, têm menos oportunidade de participar dos espaços políticos e quando se encontram nesses locais 4 5 MST. Quem Somos. 2009. Disponível em: <www.mst.org.br>. Vicente é coordenadora nacional do setor de Gênero do MST. 7 Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. Realização Curso de História – ISSN 2178-1281 possuem menos acesso a informações estratégicas e recursos financeiros. Além de ter menor participação em momentos de estudos. Diante disso, o setor de Gênero do MST luta pela garantia de igualdade nas relações de gênero, do ponto de vista político e econômico: 1. Garantir que o cadastro e o documento de concessão de uso da terra seja no nome do homem e da mulher. [...] 3. Incentivar a efetiva participação das mulheres no planejamento das linhas de produção, na execução do trabalho produtivo, na administração das atividades e no controle dos resultados. (MST, 2005, p. 31). Essas são algumas das principais bandeiras das mulheres sem-terra, em relação à busca de uma igualdade econômica e melhoria nas condições de vida das camponesas. O objetivo central é romper com a ideia do homem como provedor da família, pois historicamente as camponesas assentadas eram consideradas dependentes dos maridos. Sendo que, “[...] o cadastro de quem é acampado hoje deve ser em nome do homem e da mulher, mas isso ainda não é uma realidade para o conjunto do país.” (VICENTE, 2008)6. Nesse contexto, procurando garantir, de forma efetiva, a igualdade de condições na participação, formação e acesso das mulheres aos espaços de direções, o MST estabelece a criação de uma cota de 50% de participação de cada sexo, nas atividades de formação e em todos os espaços de direções. “[...] Em todas as atividades de formação e capacitação, de todos os setores do MST, assegurar que haja 50% de participação de homens e 50% de mulheres;” (MST, 2005, p. 31). Dessa maneira, ao longo dos anos se observa um crescimento da participação feminina no MST. Várias mulheres estão nas direções e inúmeras vêm se destacando como lideranças, mas a criação de cotas de participação tem se mostrado ineficiente, caso não esteja associada a um processo igualitário de formação política, empoderamento sócio-econômico e construção igualitárias de gênero. Entretanto, não se observam na política de gênero do MST reivindicações mais profundas e específicas sobre as diferenças entre mulheres e homens. Sendo que, as demandas centrais estão concentradas na garantia de igualdade de acesso entre os sexos ao poder econômico e de participação política. O que é fundamental para o empoderamento das mulheres e a geração de mudanças nas relações de poder, mas a diferença entre os sexos também deve ser considerada e respeitada na construção de relações igualitárias de gênero, 6 RADIOAGÊNCIA NOTÍCIAS DO PLANALTO. Entrevista Lourdes Vicente. Mulheres em Luta. 2008. Disponível em: <http://www.mst.org.br/node/5427>. 8 Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. Realização Curso de História – ISSN 2178-1281 principalmente em relação à maternidade. Também não se percebe um questionamento em relação à concepção androcentrica da sociedade, voltada ao masculino como padrão universal e abstrato de humanidade, que não considera as especificidades da mulher. Esse processo de mudanças depende da construção de novas relações de gênero, que tenham a capacidade de romper com as diferenças sociais, criadas a partir dos sexos e reproduzidas como naturais. Porém, isso implica na perda de poder econômico e político masculino, que ao longo da historia do MST se concentram, de forma geral, em todos os espaços de direções. Considerações Finais Diante da breve análise apresentada sobre a problemática apontamos a seguir alguns elementos sobre as características das relações de gênero no MST. A partir de Beauvoir (1980) percebe-se claramente que a diferença no tratamento social entre mulheres e homens em sociedade não se determina por atributos biológicos, mas é fruto de um processo de construção e reprodução social, que cria padrões distintos de formação para meninos e meninas. Nesse contexto, Scott (1995) defende que as relações de gênero demonstram as complexas relações sociais de diferenciação de poder entre os sexos, em que o feminino é construído como sexo frágil e dominado e o masculino como o sexo do poder. Assim, o gênero deve ser utilizado enquanto um conceito analítico para o questionamento da hierarquia binária, de relações antagônicas entre masculino e feminino, e na construção de relações mais igualitárias entre os sexos, criando condições para o acesso igualitário dos dois sexos ao poder. Desse modo, Pinto (1992) chama atenção para a importância da participação das mulheres no movimento sociais, possibilitando dessa maneira a eliminação da invisibilidade do feminino na sociedade, passando do espaço privado para o público. A partir desse empoderamento feminino, a mulher se torna um novo sujeito político, questionado as relações tradicionais de poder, centradas na dominação masculina, além de lutar por necessidades específicas e exigir maior participação nos espaços de poder dos movimentos sociais e na sociedade. Em contraposição á concepção do poder como território ‘masculino’, as mulheres sem-terra passam a lutar por maior participação e acesso igualitário, entre os sexos aos 9 Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. Realização Curso de História – ISSN 2178-1281 espaços políticos e na construção de autonomia econômica, internamente no movimento. A partir dessa luta as camponesas criam o Setor de gênero, que busca romper com as relações desiguais entre homens e mulher na organização e criar novas relações de gênero, em todas as instâncias. Dessa maneira, com a criação das cotas de obrigatoriedade de 50% de participação de cada sexo, nos diversos espaços de direções e atividades de formação, verifica-se um avanço na participação das mulheres dentro do MST, e uma maior visibilidade enquanto sujeito político feminino, nesse processo. Porém, as mudanças nas relações de gênero não dependem somente da construção de espaços políticos igualitário, mas também da garantia de uma autonomia econômico das camponesas, pois um não é possível sem o outro. Portanto, a construção de relações igualitárias e democráticas entre os sexos só será possível com a superação dos vários tipos de desigualdades construídas pela sociedade. Ao contrário do que a classe trabalhadora imaginou no passado, não há como trabalhar as desigualdades de classes ou raça/etnia, separada de outras formas de discriminação, as relações desiguais de gênero. Referências Bibliografias BEAUVOIR, S. de. O segundo sexo. A Experiência Vivida. Vol. 2, 2ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1980. CAMPOS, C. As relações de gênero e o MST. IN: Setor Nacional de Gênero – MST. Construindo novas relações de gênero. São Paulo: ANCA – Associação Nacional de Cooperação Agrícola, 2005. HARDING, S. A instabilidade das categorias analíticas na teoria feminista. Revista de Estados Feministas, n.1, 1993. MORISSAWA, M. A história da luta pela terra e o MST. São Paulo: Expressão Popular, 2001. MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA - MST. Linhas políticas de gênero no MST. IN: Setor Nacional de Gênero – MST. Construindo novas relações de gênero. São Paulo: ANCA – Associação Nacional de Cooperação Agrícola, 2005. __________. Quem somos. Disponível em: <www.mst.org.br>. 2009. Acesso em: 09 de jan. 2012. PINTO, C. R. J. Movimentos sociais: espaços privilegiados da mulher enquanto sujeito político. IN: COSTA, Albertina Oliveira, BRUSCHINI, Cristina. Uma questão de gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1992. 10 Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. Realização Curso de História – ISSN 2178-1281 RADIOAGÊNCIA NOTÍCIAS DO PLANALTO. Entrevista Lourdes Vicente. Mulheres em Luta. 2008. Disponível em: <http://www.mst.org.br/node/5427>. Acesso em: 11 de jan.2012. RODRIGUES, A. As lutas, valores e projetos de sociedade dos movimentos feministas e de mulheres. IN: SUSIN, Luiz Carlos (org.). Terra Prometida - Movimento social, engajamento cristão e teologia. Rio de Janeiro: Vozes, 2001. SCOTT, J. W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. Porto Alegre, vol.20, n.2, jul./dez. 1995. VICENTE, L. Mulher Sem Terra na luta por Reforma Agrária. 2006. Disponível em http://www.mst.org.br/node/2964. Acesso em: 10 de jan. 2012. 11