81º link - V Congresso Internacional de História

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Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/
Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.
Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
ELEMENTOS SOBRE AS RELAÇÕES DE GÊNERO E O MST1
ENGELMANN, Solange I. (mestranda)2
Universidade Federal de Uberlândia
RESUMO: Esse trabalho apresenta sucintamente uma proposta de estudo sobre as relações de
gênero no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Procurou-se analisar
como são construídas as relações de gênero entre as trabalhadoras e trabalhadores sem-terra
no cotidiano da luta. Na abordagem propõe-se identificar como as mulheres sem-terra se
mobilizam no interior desse movimento social procurando garantir o direito a participação e o
reconhecimento como sujeito político. Para tanto, dividimos a análise em três momentos.
Primeiramente, a partir de Beauvoir (1980), buscando demonstrar como os diferentes
comportamentos entre macho e fêmea, são construídos a partir da convivência social e
educação historicamente. Em seguida, abordamos o conceito de gênero como categoria de
análise social, mediante Scott (1995), que compreende o estabelecimento das relações de
gênero como elemento fundamental na construção social de poder entre os sexos, na
sociedade. Finalmente, a partir da análise de atuação das mulheres nos movimentos sociais e
luta pela visibilidade e reconhecimento, como sujeito político na sociedade civil, procurou-se
identificar as principais características das relações de gênero presentes no interior do MST.
PALAVRAS-CHAVE: Relações de gênero; relações de poder; protagonismo feminino;
movimentos sociais; Movimento Sem Terra.
INTRODUÇÃO
A sociedade ocidental vem construindo ao longo da história relações sociais desiguais
entre mulheres e homens, reforçando assim a dominação da mulher pelo homem como algo
natural. Essas diferenças entre os sexos se manifestam nos comportamentos dos indivíduos e,
principalmente, na identidade sexual. Porém, os estudos de gênero rompem com a concepção
de que as posições sociais de mulheres e homens seriam fruto de determinações biológicas.
Isto é, desvelam que esses padrões sócio-culturais são criados ao longo da historia, pelas
sociedades, que estabelecem modelos de comportamentos, femininos e masculinos, como
aceitáveis ou não, na vida pública e privada.
Diante disso, nesse trabalho realizamos uma breve analise sobre as relações de gênero
no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Procuramos verificar as
características das relações de gênero entre as trabalhadoras e trabalhadores na luta do MST e
1
Trabalho apresentado no Simpósio Temático: “Gênero feminino e Diversidade Cultural”, durante o III
Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – História e Diversidade Cultural, entre 25 e 27 de setembro
de 2012.
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Mestranda em Ciências Sociais na Universidade Federal de Uberlândia − UFU. Email: [email protected].
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como as mulheres sem-terra se organizam na busca de uma participação igualitária e obtenção
do reconhecimento como sujeito político.
Para melhor compreensão da problemática dividimos a análise em três momentos.
Primeiramente, a partir de Beauvoir (1980), desconstruímos ideia da existência de diferenças
biológicas entre mulheres e homens. A autora demonstra que homens e mulheres não nascem
prontos, mas são moldados a partir da convivência social e educação, que estabelecem
distintas perspectivas de vida para os dois sexos. Ainda nesse tópico apresentamos um debate
sobre o conceito de gênero como categoria de análise social, a partir de Scott (1995), que
retrata as relações de gênero como relações de poder, fundamental na construção social e
histórica da diferença sexual entre mulheres e homens.
Num segundo momento, mediante Pinto (1992), discutimos a atuação das mulheres
nos movimentos sociais e a luta feminina por visibilidade e reconhecimento, como sujeito
político na sociedade civil. Em seguida, analisamos as relações de gênero no MST, buscando
compreender como essas relações são construídas no processo de luta das mulheres neste
movimento social.
1. A DIFERENÇA SEXUAL E O CONCEITO DE GÊNERO
1.1- A CONSTRUÇÃO DA DIFERENÇA SEXUAL ENTRE MULHERES E HOMENS
Durante muitas décadas a dominação da mulher foi construída e reproduzida por
alguns autores, que classificavam o feminino como o sexo frágil, tendo capacidade inferior ao
homem. Dessa maneira, o sexo representava um fator biológico determinante na afirmação
das diferenças entre mulheres e homens. Porém, vários estudos apontam que esta concepção é
equivocada. Simone de Beauvoir (1980, p. 9), na obra O Segundo Sexo de 1949, afirma que
“ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. As pessoas não nascem com comportamentos de
homens ou mulheres biologicamente definidos, é a sociedade que “fabrica” machos e fêmeas,
diante da convivência e reprodução social.
Entretanto, cada sociedade cria padrões de comportamentos distintos, por isso,
mulheres e homens nunca são os mesmos historicamente, em todas as sociedades. Nesse
contexto, segundo a autora, nos três ou quatro primeiros anos de vida não são verificadas
diferenças nas atitudes de meninas e meninos. Os dois apresentam condutas de sedução que
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desejam agradar, provocar sorrisos e admiração. Porém, após a desmama, aos poucos, beijos e
carícias passam a ser recusados para o menino; enquanto que a menina continua sendo
acariciada e se busca protegê-la da angústia e da solidão. Sendo assim, a passividade feminina
não é biológica, mas resulta de um destino imposto pela educação da sociedade. Com isso, a
possibilidade do menino está em sua forma de existir para os outros, que o encorajam a olhar
para si, valorizar-se. Ao contrário do que ocorre com a menina, que entra em conflito entre
sua existência autônoma e seu "ser-outro", pois lhe ensinam que para agradar é preciso
comportar-se como objeto e renunciar à sua autonomia.
Na fase de iniciação sexual, na medida em que o pênis torna-se um órgão privilegiado
pelo contexto social, a menstruação é vista como uma maldição. Assim, enquanto o órgão
masculino representa a virilidade, o feminino demonstra feminilidade, passividade, e
principalmente inferioridade e mutilação. “O rapaz reivindica suas tendências eróticas porque
assume alegremente sua virilidade; nele o desejo sexual é agressivo; [...] Ao contrário, a vida
sexual da menina sempre foi clandestina; [...].” (BEAUVOIR, 1980, p. 60-61).
Desse modo, a sociedade estabelece o feminino como posse do homem. O símbolo
mais evidente desse domínio físico da mulher se evidencia na penetração pelo sexo do macho.
Para Beauvoir (1980), as principais diferenças entre meninos e meninas tornam a
diferenciação entre os sexos em relações de poder, pois, em relação ao fisiológico, os dois
vivem os mesmos dramas e descobertas da sexualidade, mas a sociedade os transforma em
seres diferentes; ao reafirmar a sexualidade no homem como um elemento de autonomia e
liberdade, enquanto na mulher esse desejo é representado como vergonha, devendo servir ao
desejo do homem.
Portanto, as mudanças na convivência entre os sexos e a construção de novas relações
de gêneros entre mulheres e homens, depende da compreensão da construção histórica do
processo de dominação da mulher na sociedade. Desse modo, o objetivo dos estudos de
gênero é desnaturalizar essas construções sociais, fundamentadas nas diferenças biológicas.
1.2- GÊNERO COMO CATEGORIA DE ANÁLISE SOCIAL
Os estudos de gênero indicam a construção social do que é o ser homem e o ser
mulher. Representando assim um instrumento de análise que explica uma determinada face
das relações sociais, da mesma forma que classe e raça/etnia. Assim, o gênero pode ser
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considerado uma construção social que se diferencia do sexo biológico. Para Joan Scott
(1995) o conceito de gênero é utilizado na organização social e política, ao longo da historia,
para a construção das desigualdades entre os sexos e a dominação da mulher. O próprio
vocabulário adquire uma linguagem genereficada e androcêntrica3, que reproduz a divisão
sexual e o processo de reafirmação e reprodução do masculino como o ser universal.
O uso do conceito de gênero, como uma categoria analítica surge no fim do século
XX. Este procura romper com o determinismo biológico presente em referência ao “sexo” ou
“diferença sexual”. É incorporado aos estudos, a partir da preocupação de que os debates
sobre as mulheres se voltam somente para o feminino. Desse modo, introduz-se um sentido
relacional, englobando mulheres e homens que passam a ser considerados de forma similar,
não sendo possível compreender os sexos, de forma separada. Assim procura-se compreender
a importância dos sexos na história, analisando como os papéis do simbolismo sexual em
diferentes sociedades e períodos são usados para manutenção ou mudança da ordem social
vigente. Contudo, mesmo diante de uma análise relacional, os estudos de gênero devem
ressaltar a especificidade feminina e respeitar as diferenças.
No entanto, além disso, a discussão de gênero dever estar associada à categoria de
classe e raça. Pois, os estudos produzidos a partir dessas categorias apresentam uma análise
mais completa, desvelando as relações de poder, como forma de opressão e desigualdades
construídas em torno desses três eixos.
Segundo Scott (1995), o conceito de “gênero”, além da substituição o termo “mulher”,
demonstra que não é possível estudar o feminino separado do masculino, pois a mulher só
existe em relação ao homem e vise-versa.
(...) o termo “gênero” torna-se uma forma de indicar “construções culturais” – a
criação inteiramente social de ideias sobre os papéis adequados aos homens e as
mulheres. Trata-se de uma forma de se referir às origens exclusivamente sociais das
entidades subjetivas de homens e de mulheres. “Gênero” é, segundo esta definição,
uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. (SCOTT, 1995, p.75)
A partir da analise de gênero busca-se a construção de uma nova história, com a
inclusão de novos aspectos subjetivos, em que as relações de gênero precisam ser pensadas
3
Esta visão se refere à construção social-histórica, centrada na figura masculina como universal, que institui e
reproduz a dominação feminina pelo homem, culturalmente construído na cultura ocidental. Esse modelo mítico
do "homem" universal não se refere a qualquer homem, mas é construído através da experiência de “homens
heterossexuais, brancos, burgueses e ocidentais.” (HARDING, 1993, p. 09).
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dentro de um contexto social e histórico. Desse modo, as mudanças nas relações sociais
dependem de modificações nas representações de poder, entre os sexos, em um contexto
amplo.
Ainda para Scott (1995) a política representa, de forma explícita, o uso constante de
relações generificadas, pois concentra o poder público na construção de uma autoridade
superior masculina, que exclui as mulheres de seu funcionamento. Procurando, desse modo,
colocar a diferença sexual como uma ordem natural. Portanto, o questionamento da
dominação feminina ameaça todo o sistema de poder reafirmado historicamente, por meio de
uma oposição binária.
2. GÊNERO E MOVIMENTOS SOCIAIS
Como historicamente ás mulheres foi imposto à vivência ao espaço privadodoméstico, alguns autores defendem que por muito tempo o feminino esteve ausente, como
sujeito político ou público na luta política. Diante disso, Céli Pinto (1992) aponta que, quando
passa a participar dos movimentos sociais a mulher elimina sua condição de invisibilidade
pública, que historicamente é relegada a vivência privada da família.
O movimento feminista dos anos 60 e 70, do século XX, defendiam o resgate da
subjetividade e da esfera do privado, em que o “pessoal” também é carregado de conteúdo
“político”. Segundo Rodrigues (2001), a politização da esfera privada representou uma grande
contribuição do movimento feminista, apresentando a necessidade do estabelecimento de
relações interpessoais democrática, da mesma forma que se demanda no espaço público. Com
isso, todos os tipos de violência praticados contra as mulheres ganham mais visibilidade,
tornando-se uma problemática social, que começa a ser enfrentada com políticas públicas.
A segunda forma de construção do poder feminino ocorre quando as mulheres se
inserem em movimentos comandados por homens, criando espaços específicos, como
departamentos femininos. Esses departamentos podem isolar as mulheres de cargos, em
movimentos de base ou organizações sindicais, mas também geram espaços de visibilidade
para as mulheres. Todavia, a terceira dimensão são grupos de mulheres que se organizam a
partir de reivindicações próprias do espaço privado, como movimentos de donas de casas, por
creches, etc. Transformando assim questões, consideradas privadas, em públicas que
necessitam de criação de políticas públicas, para a melhoria de vida das mulheres e da família.
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Entretanto, o surgimento dos movimentos sociais e a nova rede de relações de poder
modificam, de forma radical, as relações do Estado com a sociedade civil, tendo como
característica principal a transferência do privado para o público, criando assim um novo
sujeito político, que questiona espaços tradicionais de poder, luta por participação e demandas
específicas.
Diante de todos os avanços e direitos conquistados, Rodrigues (2001) aponta que a
principal característica de luta das mulheres atualmente se encontra na manutenção e
implementação de direitos já adquiridos. Além disso, há a necessidade do empoderamento das
mulheres, no campo pessoal, social e político, para que consigam ocupar mais espaços que
seguem sendo, majoritariamente masculinos.
2.1- AS RELAÇÕES DE GÊNERO NO MST
Historicamente, percebe-se uma grande dificuldade em tornar as reivindicações das
mulheres como prioridade nas lutas dos movimentos sociais. Sendo que estas, geralmente, são
consideradas secundárias, e muitas vezes não estão presentes nas pautas de reivindicações.
Vários movimentos sociais, partidos e organizações de esquerda, principalmente no século
XIX, acreditavam que a luta contra o machismo e racismo deveria ser deixada para um
segundo momento, estando em primeiro plano à luta de classes. Conforme Christiane Campos
(2005), diante do discurso da prioridade na luta contra as classes dominantes e o capitalismo,
internamente as classes oprimidas acabam reproduzindo discriminações como de raça, gênero
e preconceitos contra a homossexualidade masculina e feminina.
Criado oficialmente em janeiro de 1984, na cidade de Cascavel-PR, o MST é um
movimento social popular nacional que luta por terra e Reforma Agrária. Sendo, formado por
trabalhadores sem-terra que realizam ocupações de terras, atos públicos, marchas e ocupações
de prédios públicos, como forma de pressionar o Estado para a realização da Reforma
Agrária. (MORISSAWA, 2001).
Desde a sua fundação, este se organiza em três objetivos principais: “Lutar pela terra;
Lutar por Reforma Agrária;” e “por uma sociedade mais justa e fraterna”. Objetivos definidos
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nos Congresso Nacionais do sem-terra e presentes no Programa de Reforma Agrário do MST.
(MST, 2009).4
Como o Movimento Sem Terra é formado por famílias que se inserem na luta pela
terra, muitas mulheres, assim como os homens, estão presentes desde o início da luta, nos
acampamentos, porém, isso não é suficiente para garantir uma participação igualitária entre os
sexos na luta e espaços e direções. Dessa maneira, a partir da luta das mulheres sem-terra por
reconhecimento como sujeito político, elas percebem que a participação igualitária das
trabalhadoras no MST depende da construção de um debate de gênero. Assim, em 2000 é
criado o Setor de gênero do MST, que inicia um debate com o objetivo de eliminar as práticas
cotidianas que reproduzem as diferenças entre os sexos e construir novas relações de gênero.
Todavia, “procura garantir que as mulheres tenham iguais oportunidades de militar e dirigir o
movimento. [...] É no processo de formação permanente, com teoria e prática, que vamos
deixando de ser objeto para nos transformarmos em sujeitos (as) sociais”. (CAMPOS, 2005,
p. 27).
A luta das mulheres sem-terra se torna conhecida por parte da sociedade brasileira, a
partir de ações e mobilizações realizadas na semana do dia 08 de março, pelo país, em que se
organizam para, essencialmente, fazer a denúncia do modelo do agronegócio e cobrar a
realização da Reforma Agrária. Uma das ações de grande repercussão na imprensa foi à
ocupação do horto florestal da Aracruz e a destruição de mudas, pelas mulheres da Via
Campesina, no Rio Grande do Sul, em 2006. Na época, segundo Lourdes Vicente (2006)5, o
objetivo era chamar atenção da sociedade para os impactos da monocultura do pínus e
eucalipto.
Esses fatores demonstram como as mulheres do MST, que integram a Via Campesina,
estão presentes nos diversos espaços de luta desse movimento social, inclusive organizando e
realizando, de forma autônoma ações radicais de enfrentamento ao capital, e a concentração
da terra. Porém, na visão de Campos (2005), o protagonismo das mulheres nas lutas do 08 de
março, não garante a efetiva igualdade entre homens e mulheres, nas condições econômicas e
políticas dentro do MST. Para ela, de uma forma geral, as mulheres sem-terra, têm menos
oportunidade de participar dos espaços políticos e quando se encontram nesses locais
4
5
MST. Quem Somos. 2009. Disponível em: <www.mst.org.br>.
Vicente é coordenadora nacional do setor de Gênero do MST.
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possuem menos acesso a informações estratégicas e recursos financeiros. Além de ter menor
participação em momentos de estudos.
Diante disso, o setor de Gênero do MST luta pela garantia de igualdade nas relações
de gênero, do ponto de vista político e econômico:
1. Garantir que o cadastro e o documento de concessão de uso da terra seja no nome
do homem e da mulher. [...] 3. Incentivar a efetiva participação das mulheres no
planejamento das linhas de produção, na execução do trabalho produtivo, na
administração das atividades e no controle dos resultados. (MST, 2005, p. 31).
Essas são algumas das principais bandeiras das mulheres sem-terra, em relação à
busca de uma igualdade econômica e melhoria nas condições de vida das camponesas. O
objetivo central é romper com a ideia do homem como provedor da família, pois
historicamente as camponesas assentadas eram consideradas dependentes dos maridos. Sendo
que, “[...] o cadastro de quem é acampado hoje deve ser em nome do homem e da mulher,
mas isso ainda não é uma realidade para o conjunto do país.” (VICENTE, 2008)6.
Nesse contexto, procurando garantir, de forma efetiva, a igualdade de condições na
participação, formação e acesso das mulheres aos espaços de direções, o MST estabelece a
criação de uma cota de 50% de participação de cada sexo, nas atividades de formação e em
todos os espaços de direções. “[...] Em todas as atividades de formação e capacitação, de
todos os setores do MST, assegurar que haja 50% de participação de homens e 50% de
mulheres;” (MST, 2005, p. 31).
Dessa maneira, ao longo dos anos se observa um crescimento da participação feminina
no MST. Várias mulheres estão nas direções e inúmeras vêm se destacando como lideranças,
mas a criação de cotas de participação tem se mostrado ineficiente, caso não esteja associada
a um processo igualitário de formação política, empoderamento sócio-econômico e
construção igualitárias de gênero.
Entretanto, não se observam na política de gênero do MST reivindicações mais
profundas e específicas sobre as diferenças entre mulheres e homens. Sendo que, as demandas
centrais estão concentradas na garantia de igualdade de acesso entre os sexos ao poder
econômico e de participação política. O que é fundamental para o empoderamento das
mulheres e a geração de mudanças nas relações de poder, mas a diferença entre os sexos
também deve ser considerada e respeitada na construção de relações igualitárias de gênero,
6
RADIOAGÊNCIA NOTÍCIAS DO PLANALTO. Entrevista Lourdes Vicente. Mulheres em Luta. 2008.
Disponível em: <http://www.mst.org.br/node/5427>.
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principalmente em relação à maternidade. Também não se percebe um questionamento em
relação à concepção androcentrica da sociedade, voltada ao masculino como padrão universal
e abstrato de humanidade, que não considera as especificidades da mulher.
Esse processo de mudanças depende da construção de novas relações de gênero, que
tenham a capacidade de romper com as diferenças sociais, criadas a partir dos sexos e
reproduzidas como naturais. Porém, isso implica na perda de poder econômico e político
masculino, que ao longo da historia do MST se concentram, de forma geral, em todos os
espaços de direções.
Considerações Finais
Diante da breve análise apresentada sobre a problemática apontamos a seguir alguns
elementos sobre as características das relações de gênero no MST. A partir de Beauvoir
(1980) percebe-se claramente que a diferença no tratamento social entre mulheres e homens
em sociedade não se determina por atributos biológicos, mas é fruto de um processo de
construção e reprodução social, que cria padrões distintos de formação para meninos e
meninas.
Nesse contexto, Scott (1995) defende que as relações de gênero demonstram as
complexas relações sociais de diferenciação de poder entre os sexos, em que o feminino é
construído como sexo frágil e dominado e o masculino como o sexo do poder. Assim, o
gênero deve ser utilizado enquanto um conceito analítico para o questionamento da hierarquia
binária, de relações antagônicas entre masculino e feminino, e na construção de relações mais
igualitárias entre os sexos, criando condições para o acesso igualitário dos dois sexos ao
poder.
Desse modo, Pinto (1992) chama atenção para a importância da participação das
mulheres no movimento sociais, possibilitando dessa maneira a eliminação da invisibilidade
do feminino na sociedade, passando do espaço privado para o público. A partir desse
empoderamento feminino, a mulher se torna um novo sujeito político, questionado as relações
tradicionais de poder, centradas na dominação masculina, além de lutar por necessidades
específicas e exigir maior participação nos espaços de poder dos movimentos sociais e na
sociedade.
Em contraposição á concepção do poder como território ‘masculino’, as mulheres
sem-terra passam a lutar por maior participação e acesso igualitário, entre os sexos aos
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espaços políticos e na construção de autonomia econômica, internamente no movimento. A
partir dessa luta as camponesas criam o Setor de gênero, que busca romper com as relações
desiguais entre homens e mulher na organização e criar novas relações de gênero, em todas as
instâncias. Dessa maneira, com a criação das cotas de obrigatoriedade de 50% de participação
de cada sexo, nos diversos espaços de direções e atividades de formação, verifica-se um
avanço na participação das mulheres dentro do MST, e uma maior visibilidade enquanto
sujeito político feminino, nesse processo. Porém, as mudanças nas relações de gênero não
dependem somente da construção de espaços políticos igualitário, mas também da garantia de
uma autonomia econômico das camponesas, pois um não é possível sem o outro.
Portanto, a construção de relações igualitárias e democráticas entre os sexos só será
possível com a superação dos vários tipos de desigualdades construídas pela sociedade. Ao
contrário do que a classe trabalhadora imaginou no passado, não há como trabalhar as
desigualdades de classes ou raça/etnia, separada de outras formas de discriminação, as
relações desiguais de gênero.
Referências Bibliografias
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