UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA CURSO DE MESTRADO ACADÊMICO CUIDADOS CLÍNICOS EM SAÚDE CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE PARA A CLÍNICA DE ENFERMAGEM EM DROGADIÇÃO: DO DROGADITO AOS DITOS DOS DROGADOS FRANCISCO PAIVA FILHO FORTALEZA – CE 2011 1 FRANCISCO PAIVA FILHO CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE PARA A CLÍNICA DE ENFERMAGEM EM DROGADIÇÃO: DO DROGADITO AOS DITOS DOS DROGADOS Dissertação apresentada como requisito parcial para o título de Mestre ao Curso de Mestrado Acadêmico em Cuidados Clínicos em Saúde da Universidade Estadual do Ceará. Área de Concentração: Cuidados Clínicos em Saúde e Enfermagem Linha de Pesquisa: Concepções Teórico-Filosóficas de Saúde e Enfermagem; Área Temática: Psicanálise e saúde: interfaces na clínica do sujeito. Orientadora: Dra. Lia Carneiro Silveira FORTALEZA – CE NOVEMBRO DE 2011 2 PAIVA FILHO, Francisco. Contribuições da psicanálise para a clínica de enfermagem em drogadição: do drogadito aos ditos dos drogados / Francisco Paiva Filho – Fortaleza/CE: [s.n.], 2011. 156 f. Orientadora: Dra. Lia Carneiro Silveira Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, PósGraduação em Cuidados Clínicos em Saúde. 1. Enfermagem Psiquiátrica. 2. Cuidado Clínico. 3. Psicanálise. 4. Drogadição. I. Lia Carneiro Silveira. II. Universidade Estadual do Ceará. III. Título 3 FRANCISCO PAIVA FILHO CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE PARA A CLÍNICA DE ENFERMAGEM EM DROGADIÇÃO: DO DROGADITO AOS DITOS DOS DROGADOS Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Cuidados Clínicos em Saúde da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para o título de Mestre. Data de apresentação: 23/11/2011 BANCA EXAMINADORA _____________________________________________ Dra. Lia Carneiro Silveira Universidade Estadual do Ceará – UECE Orientadora _____________________________________________ Dra. Karla Patrícia Holanda Martins Universidade Federal do Ceará – UFC 1º Membro Efetivo _____________________________________________ Dra. Ana Ruth Macedo Monteiro Universidade Estadual do Ceará – UECE 2º Membro Efetivo _____________________________________________ Dra. Karla Corrêa Lima Miranda Universidade Estadual do Ceará – UECE Membro Suplente 4 Aos ditos drogados 5 AGRADECIMENTOS A orientadora e amiga, Lia Silveira, pela sua generosidade e pelo estímulo a enfrentar desafios. Aos meus pais, Alzira e Paiva, pelos seus incansáveis esforços em me dar alguma educação. A Goreth Albuquerque, amiga e grande incentivadora. A Marina Brizeno, cujo apoio foi fundamental nesses últimos momentos do trabalho. Aos profissionais do CAPSad de Maracanaú, pela árdua tarefa política de trabalhar em Saúde Mental. A professora Célia Freitas, por ter cruzado mais uma vez o meu caminho e me apoiado no percurso dentro do mestrado. Aos amigos do LACSU, especialmente a Emilie e a Bruna, pelo companheirismo, paciência e ajuda. Aos colegas do Fórum de Psicanálise, especialmente a Sandra Mara, por sua amizade, apoio e pela forma tão singular de transmitir a psicanálise. Aos membros da banca tanto do projeto de qualificação como da defesa da dissertação, Professoras Violante Braga, Karla Patrícia, Ana Ruth e Karla Corrêa. A todos os colegas, alunos e trabalhadores, do CMACCLIS. As minhas irmãs, Ana e Acácia, pelas redescobertas que a vida proporciona. Ao Cássio, pela presença e pelos silêncios que me fizeram caminhar. A Valdeana Linard, por todas as formas diferentes que encontramos de dizer a palavra amor. 6 “Decifra-me ou devoro-te.” 7 RESUMO A partir da experiência na clínica de enfermagem localizada em um CAPSad buscamos compreender quais as implicações da abordagem psicanalítica para o cuidado nesse contexto. Assim, apresentamos uma breve trajetória da enfermagem em saúde mental e em drogadição, a contextualização histórica dos usos de droga ao longo da história da humanidade e de alguns conceitos introdutórios da psicanálise. A psicanálise também forneceu as bases da pesquisa em relação ao caráter teórico-metodológico, apresentando-se como uma forma de construir saber diferente das ciências comuns. Saber este que veio dos sujeitos atendidos, de sua fala como orientadora do percurso tanto do tratamento quanto da pesquisa. Em seguida, relatamos a experiência de implantação da clínica de enfermagem no CAPSad a partir dos conceitos da psicanálise.A metodologia consistiu na construção do caso clínico, organizado em três etapas: A escrita do “Pathos”-Doença; A escrita do “Pathos”-Transferência e a escrita da Construção Teórica. Assim, dois casos foram construídos: o caso “Maluco Beleza”, onde o diagnóstico de psicose orienta a direção do tratamento, o qual utiliza o significante Raul Seixas como suplência ao Nome-do-Pai; e o caso “Beber, Cair, Desejar”, onde o sintoma como enigma de um desejo, possibilita o desvendamento de conteúdos inconscientes. A construção dos casos também apontou para questões clínico-institucionais que interferiram de certa forma no acompanhamento dos pacientes, como a tentativa desenfreada de eliminação de sintomas e a transferência. A clínica foi radicalmente transformada a partir da escuta aos sujeitos, apontando para um direcionamento a questões como as levantadas pela clínica ampliada e pelo trabalho de redução de danos. Assim, apesar dos inúmeros desafios que envolveram este estudo, acreditamos ser possível o trabalho com o sujeito do inconsciente na clínica de enfermagem em drogadição. Descritores: Enfermagem Psiquiátrica; Psicanálise; Cuidado Clínico; Drogadição. 8 ABSTRACT From the experience in the clinical nursing located in a CAPSad seek to understand the implications of the psychoanalytic approach to care in this context. Thus, we present a brief history of nursing in mental health and addiction, the historical context of drug use throughout the history of mankind and some introductory concepts of psychoanalysis. Psychoanalysis also provided the basis of research in relation to a theoretical-methodological character, presenting itself as a way to build knowledge of a different way of common science. This knowing came from the subjects treated in his speech as guiding the course of both treatment and research. Then, we report the implementation experience of clinical nursing CAPSad from concepts of psychoanalysis. The methodology consisted in the construction of the clinical case, organized in three stages: The writing of "Pathos"-Disease; The writing of "Pathos"-Transfer and the writing of Theoretical Construction. Thus, two cases were built: the case of "Maluco Beleza", where the diagnosis of psychosis guides the direction of the treatment, which uses the signifier as Raul Seixas substitute the Name of the Father, and the case "Beber, Cair, Desejar" where the symptom as an enigma of desire, enables the revelation of unconscious contents. The building also pointed to cases of clinical and institutional issues in a way that interfered in the monitoring of patients, such as trying to eliminate symptoms and transfer. The clinic has been radically transformed from listening to the subject, pointing to a direction as to issues raised by the clinic expanded and the work of harm reduction. Thus, despite the many challenges surrounding this study, we believe we can work with the subject of the unconscious in clinical nursing drug addiction.´ Keywords: Psychiatric Nursing; Psychoanalysis, Clinical Care, Addiction. 9 SUMÁRIO DEDICATÓRIA 4 AGRADECIMENTOS 5 EPÍGRAFE 6 RESUMO 7 ABSTRACT 8 1 INTRODUÇÃO 10 2 A ENFERMAGEM E O CUIDADO CLÍNICO EM SAÚDE MENTAL 22 2.1 BREVE HISTÓRICO DA ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL E EM DROGADIÇÃO 24 2.2 A ENFERMAGEM E O DESAFIO DA DROGADIÇÃO 35 3 CAPSAD: ESPAÇO DE ATUAÇÃO NA ABORDAGEM DA DROGADIÇÃO 38 3.1 REFORMA PSIQUIÁTRICA 38 3.2 OS CAPSAD 43 3.3 O CAPS AD DE MARACANAÚ: HISTÓRIA E FUNCIONAMENTO 45 4 A PSICANÁLISE E A DROGADIÇÃO 49 4.1 INVENÇÃO E REINVENÇÃO DO CONCEITO DE SUJEITO 49 4.2 A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO 50 4.3 A DROGA E A PSICANÁLISE 54 5 A CLÍNICA DE ENFERMAGEM E O SUJEITO DO INCONSCIENTE: RELATO DE 61 EXPERIÊNCIA 5.1 A ESPERA DE UMA CLÍNICA 61 5.2 UMA CLÍNICA DESEJADA 65 6 A PESQUISA EM PSICANÁLISE NO CONTEXTO DO CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM 77 6.1 O MÉTODO DA CONSTRUÇÃO DO CASO CLÍNICO 84 6.2 CASO CLÍNICO: MALUCO BELEZA 88 6.3 CASO CLÍNICO: BEBER, CAIR, DESEJAR 107 6.4 POR OUTRA CLÍNICA: DO DROGADITO AOS DITOS DOS DROGADOS 122 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 129 8 REFERÊNCIAS 137 ANEXOS 151 ANEXO 1 APÊNDICES 152 153 APÊNDICE 1 154 APÊNDICE 2 155 APÊNDICE 3 156 10 1 INTRODUÇÃO A questão da droga atualmente tem sido encarada como um grave problema que envolve não apenas a saúde, mas toda uma estrutura de políticas sociais, merecendo a atenção de diversas áreas. Essas discussões ocorrem em vários âmbitos, assim vemos cada vez mais restrições às propagandas de cigarro, leis de trânsito voltadas especificamente para o consumo de álcool, movimentos para descriminalização do uso de algumas drogas consideradas ilícitas, como a maconha, movimentos criminosos organizados a partir do tráfico, pesquisas científicas defendendo usos medicinais de maconha e vinho, utilização de substâncias alucinógenas em rituais religiosos, dentre outros. Assim, o olhar sobre o que chamamos de droga está longe de ser algo unidirecional, ou algo meramente destinado à punição ou às restrições. Para compreendermos melhor esse fenômeno é preciso relacioná-lo à cultura e aos elos que os homens têm feito com essas substâncias ao longo da história. A relação do homem com a droga é encarada muitas vezes como algo exclusivamente patológico, ligado à violência, e, mesmo com a política de redução de danos, percebemos que a mentalidade sobre os hábitos de consumo de qualquer substância psicoativa ainda tende a estimular a abstinência, sem entender como se dá a relação do objeto droga a partir do sujeito. Longe de estar limitado a um vínculo com o problema da violência ou da criminalidade social, o consumo de drogas, desde sempre, remeteu a várias esferas da vida humana, ligando-se a fenômenos religiosos, movimentos de construção (ou reconstrução) de identidades de minorias sociais, étnicas, geracionais, de gênero, ou ainda a produções estéticas, como no campo das artes. Estamos no terreno das culturas, dessa enorme diversidade de práticas, representações, símbolos e artes que habitam o Brasil. Tanto de forma positiva como de forma negativa, as drogas estão nas culturas, não podem ser entendidas fora 11 delas. Nossos pesquisadores e nossa legislação precisam levar em consideração as dimensões históricas e culturais para cunhar políticas públicas mais eficazes e mais adequadas à contemporaneidade (GIL & OLIVEIRA, 2008). Gil e Oliveira (2008) observam ainda os conflitos provocados pelas políticas do estado, como o não estabelecimento da diferenciação entre o consumo próprio – individual ou coletivo – e o tráfico, atribuindo um tratamento de desconfiança moral, policial e legal frente a todos os usuários de substâncias psicoativas, independente de seus hábitos e dos contextos culturais. Dizem ainda que isso ocorre pois a lei brasileira para droga (lei n. 11.343/06) foi influenciada pela conferência da ONU de 1971, que não reconhece usos tradicionais ou em rituais, desconsiderando fatores culturais. Para Cunha (2010) certas substâncias eram dotadas de efeitos estimulantes ou sedativos, e havia uma grande diversidade nas finalidades do uso: ritos religiosos ou místicos para purificação do corpo e da alma, pela medicina com fim curativo, e o próprio costume cultural para uso recreativo. O tabaco (nicotina), a Cannabis sativa (maconha), a papoula (ópio), as folhas de Coca sp. (cocaína) e os cogumelos chamavam a atenção para os efeitos no corpo daqueles que os consumiam. Exemplo disso é o xamanismo, onde o xamã (sacerdote ou outro representante tribal) através de substâncias intoxicantes acredita fazer uma ligação com o divino. Seria um comportamento religioso que envolve técnicas capazes de alterar a consciência, induzindo à experiência espiritual e à cura. Existem indícios de que há 50 anos os neandertais já usavam uma erva estimulante com propriedades semelhantes às da efedrina e desenhos feitos em cavernas no período Paleolítico sugerem que os artistas conheciam alguns alucinógenos (LOTUFO, 2005). Dionísio (Baco) está entre nós há muito tempo. Na Grécia Antiga, substâncias já eram utilizadas como forma de acessar mais rapidamente o divino, ou para aliviar dores, tendo finalidades terapêuticas e religiosas. Em A Farmácia de Platão, o phármakon pode ser 12 compreendido como remédio e veneno ao mesmo tempo e paradoxalmente, situando-se numa não materialidade, algo como a paixão, que está posto além de um objeto (BENTO, 2010). Na Grécia Antiga, ao mesmo tempo em que o uso moderado do phármakon favorecia o estabelecimento de laços sociais - ao aplacar a dor de aliados ou matar inimigos com doses letais -, também o excesso era encarado como caminho à solidão e à desrazão/loucura. Desde essa época, o abuso de drogas já caminhava ao lado da loucura, por que a embriaguez era uma das quatro formas da loucura para Platão (FERREIRA, 2009). Durante a Baixa Idade Média, a Santa Inquisição da Igreja Católica perseguiu pessoas, condenadas como bruxas e hereges, que utilizavam de substâncias oriundas das plantas. Porém, com o início do contato com os povos orientais, a partir das Cruzadas e em seguida das grandes navegações, a busca pelo paraíso na terra relaciona-se com a busca por substâncias com gosto de paraíso (VARGAS, 2008). Paracelso (1493–1541) foi o primeiro nome decisivo no processo de introdução química (alquimia) na medicina, afirmando que as doenças constituíam entidades que deveriam ser tratadas mediante o emprego de substâncias químicas. Também afirmava que todas as substâncias da natureza poderiam exercer influências tanto positivas quanto negativas, a depender somente da dose: dosis sola facit venenum (VARGAS, 2008). Vargas (2008) aponta ainda que a vida dos pobres nessa época era breve e marcada por excessos, seja sob o modo da privação (como a fome), seja sob o da abundância (de substâncias indutoras de estados alterados, suficientes para fazer o mundo virar de pontacabeça). Apesar desse impressionante volume de novas drogas introduzidas nas práticas terapêuticas ao longo do século XIX, a produção de drogas medicamentosas ganha mais expressão no século XX, principalmente a partir da década de 40, com a introdução de uma 13 impressionante variedade de fármacos tidos como puros e eficazes, no processo de medicalização geral dos corpos e da vida (VARGAS, 2008). Apesar dos inegáveis benefícios trazidos para a humanidade, o desenvolvimento da indústria de medicamentos, teve o efeito colateral de ampliar a oferta de substâncias com uma gama muito extensa de sensações e finalidades, levando a situações, muitas vezes, devastadoras. Assim como defende Vargas (2008), concordamos que a preocupação com os efeitos nocivos dos fármacos é algo recente, apesar de desde sempre haverem comportado essas características. É preciso, pois, não perder de vista que a separação moral entre drogas de uso lícito e drogas de uso ilícito é contemporânea da invasão farmacêutica. É preciso ter atenção para esse esforço em distinguir fármaco de drogas, pois, enquanto as políticas oficiais fazem uma guerra contra as drogas, nunca antes se viu uma difusão tão grande do consumo de drogas (no amplo sentido do termo), assim como ocorreu no último século. A droga submetida às leis de mercado e ao capitalismo assume características peculiares em relação ao uso, ao tentar vender a ideia de felicidade perfeita, feita de consumo. O capitalismo coloca a adição a todos os gadgets - o lixo travestido de objeto da satisfação que é a essência de todos os tipos de drogas – como algo a ser conquistado pelo jovem com recursos. Mais do que o lugar do inocente, esse jovem passa a ser considerado o ignorante ignorado, aquele que não tem nada para dizer, que tem sua fala desvalorizada. A representação das drogas fica mais contraditória quando colocamos lado a lado, medicina e arte. Para as duas, parece haver uma diferença extrema de entendimentos acerca das relações e dos efeitos produzidos pelo uso de substâncias psicoativas. Para a medicina, a droga é responsável pela liberação de mediadores químicos que estimulam o prazer ao mesmo tempo em que provocam um risco (FIORI, 2008). Isso tende a reduzir a discussão acerca das drogas, não atingindo a complexidade do tema, em nome do árduo e eterno esforço da 14 medicina em separar definitivamente normal e patológico, além de perpetuar a lógica do controle. Já no campo das artes, as drogas estiveram intimamente ligadas ao processo criativo e ao desenvolvimento de uma produção cultural e intelectual muito grande. Podemos falar aqui talvez do primeiro grande elogio às drogas feito pelo poeta francês Charles Baudelaire (18211867), em sua obra, Les paradis artificiels. Chamou os efeitos de paraísos artificiais, satisfações momentâneas que os homens buscavam para fugir da mediocridade existencial a que a grande maioria estava condenada (BAUDELAIRE, 2000). Afirmando que o homem que não bebe, tem um segredo terrível a esconder, ele descreve as suas experiências no campo das drogas. Foi um dos grandes nomes da literatura mundial no século XIX. Na verdadeira descrição literária que ele faz sobre os efeitos, observa-se que recorre constantemente às palavras associadas ao vocabulário religioso, senão beatífico, tais como "graça", "gratificação", "elevação", "forças espirituais" e, até mesmo, "angélico". Ele insinua que a busca pelas drogas atende a uma real compulsão humana em querer atingir algum tipo de éden, ainda que seja pela via farmacêutica, cobrindo um grande desalento. Segundo Lotufo (2005) a produção artística esteve relacionada intimamente a várias áreas de expressão, tendo uma produção rica e variada. Para citar outros autores, além de Baudelaire, temos Aldous Huxley (Poeta inglês que escreveu suas experiências com alucinógenos em “As Portas da Percepção)”, William Burroughs, Truman Capote, Antonin Artaud, Samuel Becket, Tennessee Williams, Edgar Allan Poe, Lima Barreto, Bukowski e o mineiro Paulo Mendes Campos (ingeriu LSD sob supervisão médica para escrever sobre essa experiência). Na pintura temos Van Gogh, Toulouse Lautrec. Mas talvez o campo que mais tenha nomes, pelo menos de conhecimento do grande público, é o da música. Como já dizia Cazuza, na música Ideologia: “Meus heróis morreram de overdose...” Podemos citar Elvis 15 Presley, Raul Seixas, Billie Holiday, Jim Morrison, Kurt Cobain, Elis Regina, Bob Marley, Amy Winehouse, Vinícius de Moraes e até os Beatles. Os Beatles inclusive possuem músicas famosas como Lucy in the Sky with Diamonds, que seria uma abreviação de LSD, além de Got to Get You into My Life, onde falam sobre os efeitos da maconha. Outra canção famosa que traduz a sensação do uso das drogas é Comfortably Numb do Pink Floid. Janis Joplin e Jimi Hendrix também são outros exemplos de artistas ligados ao uso de substâncias químicas, grandes expoentes da música mundial, relacionados inclusive ao movimento de contracultura, que surgiu no coração da sociedade capitalista em meados do século passado. Contracultura que surge na década de 60, tendo como pano de fundo o movimento hippie e as ditaduras, estabelecendo um novo estilo de mobilização e contestação social. Questionavam a família burguesa tradicional, cujos alicerces o divórcio e os contraceptivos começavam a balançar; tudo isso se apresenta como inalienável paisagem a informar o recurso às drogas para os jovens desta geração (ALMEIDA & EUGÊNIO, 2008). No Brasil, a droga só começa se caracterizar como problema de saúde pública, com o processo de “metropolização” do Rio de Janeiro, após a chegada da Família Real Portuguesa, quando se intensifica o comércio de bebidas destiladas e o consumo torna-se de massa, especialmente pela classe trabalhadora formada nessa época. Assim, o consumo de álcool assume características diferentes, uma vez que antes estava ligado a rituais religiosos, à cultura e, a partir da industrialização, começa a ser regido pelas leis de mercado. O estabelecimento de políticas públicas voltadas para a contenção do uso vem na esteira desse movimento, numa tentativa de barrar os efeitos do que é produzido pelo próprio capitalismo. Há um paradoxo aparente entre a proliferação destes aparatos (Organizações Não Governamentais, universidades, entidades privadas que financiam pesquisas e experiências comunitárias diversas com a infância e a adolescência), carregados de um discurso do querer 16 saber, e o imobilismo espantoso com que a sociedade brasileira mantém estas mesmas questões. Assim, os problemas relacionados ao consumo de substâncias ditas psicoativas são acolhidos pelo campo da saúde mental, porém ainda necessitam de ferramentas para suas ações. Com a Reforma Psiquiátrica e as Conferências de Saúde Mental, percebemos muitos avanços nesse setor, através da introdução de novos conceitos, como desinstitucionalização, clínica ampliada, reabilitação psicossocial, redução de danos. Porém, esses conceitos, mais do que definir pontualmente ações, constituem-se como desafios para as práticas nos serviços extra-hospitalares. Dessa forma, com a criação dos Centros de Atenção Psicossocial para usuários de álcool e outras drogas (CAPS ad), já no início do terceiro milênio, a saúde mental ganha um novo espaço que tem como finalidade realizar ações que vão além do tratamento de agravos à saúde, buscando a integração dos usuários aos ambientes sócio-cultural e familiar, organizando ações de promoção e prevenção ao abuso de substâncias psicoativas (SPA). Esses serviços contam com uma equipe que deve trabalhar de maneira interdisciplinar, tendo como um dos profissionais fundamentais nessa organização, o enfermeiro. Esses serviços procuram humanizar o tratamento e “dar voz” aqueles que foram excluídos pelas práticas manicomiais, o que se visa é “recuperar as habilidades perdidas”. São orientados pela lógica da cidadania, onde partem de um modelo pré-estabelecido a partir de um saber apriorístico e universal sobre o que é bom para o sujeito (RINALDI & LIMA, 2006). Esse trabalho a partir de um saber prévio, associado aos ideais de bem e de cura, impõe a profissionais e a usuários do serviço uma série de obrigações que terminam por desconsiderar a subjetividade de todos os envolvidos nesse processo de cuidar. O que prevalece, portanto, é um bom senso que recai no senso comum. 17 A enfermagem, dentro desses novos serviços substitutivos, ainda se encontra presa às práticas adquiridas no seu percurso histórico, assumindo os papéis de controle e vigilância, fortemente influenciados pelo modelo biomédico. Porém, as demandas apresentadas nesses novos serviços exigem uma postura diferente em relação à maneira de conceber esse alguém que lhe dirige uma queixa subjetiva. Aos poucos, ainda de maneira sutil, a partir das situações vivenciadas na prática, os enfermeiros vêm se questionando sobre o que fazer com a subjetividade envolvida nos processos de cuidar, especialmente aos ligados à saúde mental. Há mais de meio século há a preocupação em definir um corpo de conhecimentos próprios para a profissão, buscando por uma sistematização das ações. Hildegard Peplau (1909-1999) e Joyce Travelbee (1926-1973) foram duas enfermeiras norte-americanas que trouxeram importantes contribuições nesse sentido, desenvolvendo teorias que definiam o campo do relacionamento interpessoal como central para o cuidado. Porém, o problema identificado por essas tentativas de trabalhar com as questões subjetivas, é o de acabar por reduzir o paciente, encaixando-o em diagnósticos préestabelecidos, enquadrando-o em formas pré-concebidas de cuidar, direcionando sua atenção a partir de pontos que parecem mais relacionados ao reconhecimento da profissão como ciência do que com o sofrimento psíquico do sujeito. Assim, é com muita preocupação que, especialmente nós que buscamos atuar com a subjetividade, vemos a ampliação constante das terminologias referentes à saúde mental nos manuais de diagnósticos de enfermagem, como que ainda presos àquela velha ideia de que todas as coisas existentes já estão prontas, restando apenas ao homem conhecê-las. Explicando melhor, ao amarrar termos, ações e definições com a justificativa de uniformizar a comunicação na área, o que acontece é o reducionismo em relação à infinidade de queixas que o paciente pode apresentar. Limitar a expressão de seu sofrimento significa, 18 consequentemente, limitar suas possibilidades, uma vez que, em última circunstância, será a palavra do paciente que prevalecerá. E é justamente no campo da palavra que vemos apontar uma saída para os impasses da clínica de enfermagem em saúde mental. Acreditamos que o paciente não é apenas o portador de seus males, de suas doenças, de seus transtornos, ele é a principal fonte de suas soluções, de maneiras de ressignificar a sua existência. Para isso, é necessária uma ferramenta que trabalhe com a escuta. Não uma escuta qualquer, como mera forma de desabafo, necessitando de conselhos. Mas uma escuta que saiba sua função, que saiba o que buscar na fala do paciente, como orientá-la no caminho da produção de vida, comprometida com a verdade do sujeito. Sujeito esse que não podemos encarar somente como um todo indivisível, plenamente consciente de cada uma de suas ações. É aqui que mudamos o foco do indivíduo para o sujeito. Mudança essa introduzida por um médico austríaco chamado Sigmund Freud, considerado o pai da psicanálise, que, a partir da escuta de uma série de pacientes em sofrimento, desenvolveu um conceito revolucionário para a forma como o ser humano era concebido até então: o conceito de inconsciente. Ele foi responsável por romper com a visão de que o sujeito é um todo consciente, indivisível. O sujeito é dividido entre as forças do consciente e do inconsciente. Inconsciente que influencia fortemente a existência do sujeito e que lhe marca. A forma que Freud encontrou de acessar o inconsciente foi através da fala, livre para promover associações e diminuir a ação da resistência. O inconsciente manifesta-se através dos tropeços na linguagem, nos atos falhos, nos chistes, nos sonhos. Ele é impedido de vir à tona, pois a resistência tende a manter seu conteúdo inacessível à consciência, em nome da civilização, da vida em sociedade. 19 Sobre as forças da resistência, Freud advertia: “Quem, como eu, invoca os mais maléficos e maldomados demônios que habitam o peito humano, com eles travando combate, deve estar preparado para não sair ileso dessa luta” (FREUD, [1901] 2006, p. 106). Em o Mal-estar na civilização, Freud apresenta o fato de a cultura produzir um malestar nos humanos, visto que existe um antagonismo intransponível entre as exigências da pulsão e as da civilização. O sujeito é sacrificado para o bem da sociedade, pois só haverá civilização se o homem renunciar a sua satisfação pulsional, prejudicando a vida sexual e a agressividade do homem (FREUD, [1930] 2006). Assim, Freud indica que o sofrimento vem de três fontes. Das forças destrutivas do mundo exterior; da fragilidade de nosso próprio corpo e, da inadequação das regras que procuram ajustar os seres na família, no Estado e na sociedade (FREUD, [1930] 2006). Freud aponta ainda três medidas paliativas para a vida e suas decepções, frustrações e tarefas impossíveis. São os derivativos poderosos, que nos fazem extrair luz de nossa desgraça; satisfações substitutivas, que a diminuem; e substâncias tóxicas, que nos tornam insensíveis a ela. Muitas foram as interpretações que se seguiram em relação à obra deixada por Freud. Após a década de 20 do século passado, houve uma proposta norte-americana de psicanálise, a “Psicologia Psicanalítica do Ego”, que, em favor de um valor supremo atribuído ao ego – tido como consciente e racional – abandonou o conceito fundamental de inconsciente, corrompendo o cerne da psicanálise freudiana (BARATTO & AGUIAR, 2007). Jacques Lacan, psicanalista que propôs um retorno a Freud, trouxe mais uma contribuição para o conceito de inconsciente, atribuindo a este uma estrutura de linguagem. Assim, ele opera a partir de uma cadeia de significantes, de conteúdos os quais a consciência não se atém, produzindo associações de forma incessante. 20 Portanto, é a partir dessas considerações que encontramos na psicanálise uma ferramenta fundamental para o trabalho com a subjetividade, como alternativa para os entraves encontrados na prática da enfermagem em saúde mental na atualidade, especialmente na clínica com drogaditos. Após concluir a graduação em enfermagem, surgiu a oportunidade de trabalhar em um serviço de atenção psicossocial para usuários de álcool e outras drogas. Logo de início, senti a necessidade de buscar referenciais que subsidiassem minha atuação. Percebi que minha formação tinha me preparado para fazer um exame físico, administrar medicação, controlar material, organizar rotinas. Porém, no que dizia respeito àquilo que o paciente vinha me endereçar como queixa subjetiva, eu pouco tinha a fazer. Também tive a oportunidade de ingressar no Laboratório de Clínica do Sujeito: saber, saúde e laço social da Universidade Estadual do Ceará, coordenado pela Professora Doutora Lia Carneiro Silveira, que naquele momento coordenava uma pesquisa que discutia a atuação do enfermeiro nos CAPS fundamentada no referencial da psicanálise. Foi um momento de abertura para um novo campo de conhecimento que me permitiu desenvolver um outro olhar sobre a minha prática. Paralelo a isso, devido a questões de ordem pessoal, iniciei meu processo de análise e comecei a buscar por uma formação teórica junto a uma instituição de psicanálise 1. Todas essas experiências consolidaram o meu desejo de começar a me aventurar a levar para meu exercício profissional algo dessa experiência singular com o inconsciente. Foi aí que comecei a modificar meus instrumentais de intervenção no CAPS ad, inicialmente com pequenas mudanças como retirar o birô que me separava dos pacientes e pautar meus registros pela fala do paciente e não por diagnósticos previamente estabelecidos. Posteriormente decidi deixar de pautar minha consulta por um roteiro previamente 1 O Fórum de Psicanálise do Campo Lacaniano de Fortaleza 21 estabelecido, e passar a aplicar a regra fundamental da livre associação: deixar cada paciente falar livremente sobre aquilo que lhe viesse à cabeça. Assim, percebi que essas mudanças na prática clínica traziam repercussões na travessia subjetiva que os pacientes realizavam no sentido de (re)significar sua existênciasofrimento a partir da relação estabelecida com o profissional. Então, quando ingressei no curso de mestrado, surgiu o desejo de lançar um olhar mais atento para essa experiência, buscando perceber as contribuições do trabalho com esse referencial psicanalítico para a clínica de enfermagem no CAPS ad. Para isso, colocamos as seguintes questões: A que se propõe a prática clínica de enfermagem nesses serviços? A que ela responde? Quem é seu sujeito? Como desenvolver um cuidado clínico que extrapole a dimensão de um saber préconcebido e a eliminação dos sintomas? Como objetivo geral temos o de compreender quais as implicações da abordagem psicanalítica para o cuidado clínico de enfermagem no CAPSad. Como objetivos específicos: Descrever a prática clínica desenvolvida no CAPSad ancorada no referencial psicanalítico; Identificar os aspectos clínico-institucionais que permearam a condução dos casos atendidos; Discutir as contribuições de uma prática pautada na psicanálise para o cuidado clínico de enfermagem no CAPSad. A partir desses questionamentos, acreditamos poder realizar uma reflexão que aproxime teoria e prática, no contexto da clínica de enfermagem no CAPS ad, contribuindo para a produção de conhecimentos nessa área. Essa proposta de estudo busca por novos sentidos de trabalho, outras maneiras que potencializem o trabalho de enfermagem, ao ampliar as possibilidades para os sujeitos a partir de seus discursos. Para isso, buscamos a psicanálise, pois acreditamos que ela pode oferecer importantes elementos para uma compreensão mais profunda acerca dos processos dinâmicos que envolvem o cuidar. 22 2 A ENFERMAGEM E O CUIDADO CLÍNICO EM SAÚDE MENTAL Dentro da equipe interdisciplinar dos diversos serviços de saúde mental, vemos o enfermeiro como um profissional necessário neste campo, pelo menos no que diz respeito à exigência dessa categoria nos principais serviços da proposta psicossocial, os CAPS. Muito se tem discutido acerca de qual seria o objeto de estudo da enfermagem e grandes esforços têm sido empregados para torná-la ciência. O cuidado é, muitas vezes, considerado como o verdadeiro objeto das ações da enfermagem, porém isso nos coloca diante de um problema, uma vez que o cuidado pode ser exercido por qualquer pessoa. A enfermagem é uma profissão com vasta área de atuação, ficando sob sua responsabilidade uma grande parte do trabalho em saúde. É uma categoria heterogênea, tanto nos aspectos relativos à sua formação acadêmica (qualitativa e quantitativamente), quanto na ideologia e na orientação de suas práticas profissionais. Ela é formada para o cuidado direto do paciente e, de um modo geral, será empregada em funções administrativas (nas instituições hospitalares principalmente). Encontra sérias dificuldades nas tramas da tão decantada integração docente assistencial, trama esta urdida nas relações de poder microinstitucional das instituições médicas (MIRANDA, 1994). A prática da assistência de enfermagem psiquiátrica foi constituída a partir de um processo histórico, portanto não-linear, com muitas contradições, relacionada intimamente ao jogo de poder médico. Miranda (1994) aponta que a imagem da enfermagem no ideário popular encontra um certo dualismo entre o sagrado e o profano. A ética do órgão formador atual determina como deve ser o comportamento da enfermeira: antes de tudo, assexuada, anjo branco, se possível, silenciosa, generosa e firme, no mínimo, discreta e incansável, gentil e atenciosa, porém competente, objetiva e pragmática. Sem dúvida, esta determinação positiva (explícita) do seu 23 comportamento só pode existir a partir da preexistência de outra, implícita, do comportamento que não se deve ter. Os primeiros registros da palavra inglesa nurse são de 1526 e fazem referência à mulher que amamenta ou que cuida. A palavra francesa infirmière, data de 1398, diz respeito à pessoa que cuida numa enfermaria clínica de hospital. Enfermeira é a pessoa que cuida de enfermos. Na realidade, os termos enfermeira, nurse e infirmière compreenderão significados que vão desde cuidar de doentes em ambientes hospitalares à mulher que amamenta ou que cuida de outrem, suprindo uma ausência ou carência (mãe adotiva, mãe de leite, por exemplo) quando uma função adjetiva, à forma carinhosa de cuidar dos doentes, restrita às profissionais do sexo feminino (MIRANDA, 1994). Percebemos que essas etimologias sustentam-se em três pilares: o enfermo, a clínica do hospital e a mulher com função de mãe. É preciso notar que a enfermagem tanto na França quanto na Inglaterra nasceu vinculada ao hospital, centrado nas doenças e como mão de obra necessária ao modelo biomédico, porém subordinada a este. Ainda hoje a medicina, a partir de sua constituição histórica, tende a assumir um papel hegemônico no setor biológico e social, deixando as práticas de saúde não-médica, como secundárias e subordinadas (ALMEIDA, 1986). É importante que se tenha o entendimento da enfermagem enquanto prática social que se reproduz historicamente, constituindo-se com contradições, antagonismos, alienações e interdependências próprias de sua inserção social; a escola como instrumento formal de transmissão do saber, reprodutora das estruturas existentes e da ideologia oficial (dominante) e, também, elemento ativo de transformação da sociedade (BRAGA & SILVA, 2000). Impasses entre a clínica e a pesquisa não são exclusivos da enfermagem, aparecem em outras profissões de saúde. Parecem estar ligados a determinado modo de estrutura, de um 24 sistema que tem a característica de separar teoria e prática, em nome de uma suposta organização favorável à eficácia das ações de cuidado. 2.1 BREVE HISTÓRICO DA ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL E EM DROGADIÇÃO Miranda (1994) afirma que os trabalhos sobre a história da enfermagem, que apareceram com mais força depois da década de 80, devem buscar a cultura, compreender os significados e não procurar por leis. Antes da enfermagem caracterizar-se como profissão, ela era uma função e os cuidados eram predominantemente feitos em nome da caridade, impregnados de sentimentos de humildade, obediência e submissão. Os executores eram leigos, como escravos e antigos doentes, que trabalhavam sob a ordem das congregações religiosas. O ensino era passado verbalmente de uma irmã para a outra, porém nada formal era padronizado (REINALDO & PILLON, 2007). As freiras também executavam esse trabalho, que tinha como objetivo o conforto, a salvação da alma do paciente. Isso nos mostra traços do feudalismo, que estava fortemente atrelado à Igreja. São seus dogmas que regem as possibilidades de relação com o humano, o corpo é o corruptor da alma e é esta última que deve ser preservada (OLIVEIRA et. al., 2009). É a partir daí que há uma transição de foco, passando a centrar-se na organização do espaço para que o médico possa intervir sobre a doença. A busca pela cientificidade da enfermagem começa com o “mito da origem” Miss Florence Nightingale (no século XIX, na Inglaterra vitoriana) proporcionou uma transformação social na medida em que trouxe uma sistematização, destinada a facilitar a difusão de técnicas. Como nos mostra Miranda (1994), Florence Nightingale determinou um marco histórico na enfermagem. Sua proposta consistia em treinar os agentes de saúde em 25 escolas, rompendo com uma prática anterior, sem sistematização e nem oficialização por um órgão formador que capacitasse para a prática e formasse as “nurses”, a partir de uma preocupação com a origem sócio-econômica e com a formação moral. A divisão social do trabalho dava-se dessa maneira: às ladies nurses (trabalho intelectual) ficou reservado o direito de produzir o conhecimento para que as “nurses” (tarefas mecânicas) o pusessem em prática (OLIVEIRA et. al., 2009). Essa divisão permanece até os dias de hoje entre enfermeiros e técnicos/auxiliares de enfermagem. É importante lembrar que a enfermagem dita moderna (a do século XIX) nasce em meio a uma crise do pensamento científico quando verdade e paixão, razão e emoção se deram adeus, proclamando a ciência como neutra em face da história. Essa “Revolução Nightingale” também defendia a supervisão dos serviços de enfermagem por uma “lady nurse” e não por um médico. Apesar de todos esses esforços para a organização profissional, havia um público de doentes que continuava à margem, sem atenção, sem cuidado: a humanização passava longe das prisões e hospícios (MIRANDA, 1994). O caráter militar também está presente no surgimento da enfermagem, ou melhor, na sua transição de função para profissão. Florence desenvolveu seu trabalho nos hospitais durante a guerra, e é considerada um ícone no que diz respeito ao caráter científico da profissão, uma vez que antes, enquanto função, a enfermagem era exercida por religiosas ou laicas que estavam no hospital para fazer uma obra de caridade. Assim, ao apontar o poder disciplinar como característica fundamental da profissão, Miranda (1994) indica as formas onde é possível perceber isso. São elas: a vigilância, o controle e o registro do tempo e do espaço dos doentes nos hospitais, a organização, a disciplinarização, o controle dos seus pares na futura profissão, os relatórios sobre cada 26 “enfermeira”, de conteúdo moral e comportamental. Afirma ainda que esse poder está presente, porém com mais sutilezas. O poder microfísico é a própria rede de sustentação do poder hegemônico médico no hospital moderno, constituindo-se em uma teia de pequenos poderes cotidianos e invisíveis que perpetuam a dominação do médico sobre a enfermeira nas instituições hospitalares. A figura obstinada, abnegada e docilizada do anjo branco (incorporando aspectos sociais e religiosos) parece, na verdade, servir com perfeição aos poderes do Estado e da Medicina, na medida em que elas reproduzem nos pacientes, ou mesmo dentro da equipe de enfermagem, o exercício da disciplina e docilidade (MIRANDA, 1994). A enfermeira muitas vezes aparece como assexuada atendendo igualmente um paciente assexuado. A sexualidade parece ser um campo minado para as discussões da enfermagem. Há uma resistência ainda hoje em tocar no tema, com afirmações de que não há nada pra ser dito a esse respeito. Lembramos aqui a figura impecável da enfermeira com seu dedinho na boca, exigindo silêncio. O que esta enfermeira gostaria de calar? Não estamos nos referindo às ações como sondagem e higienização dos genitais, mais a fatores que são fundantes para a profissão. Estamos nos referindo a uma pulsão da vida, presente desde a infância, que proporciona um prazer irredutível à satisfação de uma necessidade fisiológica. Miranda (1994) nos lembra de que a enfermagem é a profissão com maior autorização social para tocar o corpo do outro. Diferente do toque rápido e objetivo do médico, a enfermeira busca com massagens o conforto, o bem-estar dos pacientes ao entrar em contato com a pele. Não se atentar para esse campo do prazer/desprazer produzido nas ações de enfermagem, não seria negar a tão proclamada humanização e ainda algo fundamental para as ações profissionais? 27 Miss Nightingale desenvolveu seus trabalhos em meio ao puritanismo inglês, que defendia a preocupação com o outro, a não oscilação de temperamento e a diminuição ao máximo possível das emoções. Havia uma grande preocupação com a moral e com os comportamentos, tendo a mulher que, praticamente, abnegar de sua vida fora de seu trabalho para alcançar o céu. Elas deveriam ser o exemplo, e sobre elas era exercido muito controle. No século XIX, a loucura se torna verdade médica, devido à criação da clínica das enfermidades mentais e terapias para estas. O louco é como qualquer doente, precisa de cuidados, apoio, remédios e principalmente de asilo, espaço para a cura, a ser atingida em um tempo indeterminado (MIRANDA, 1994). O enfermeiro de alienados era alguém localizado entre o guarda e o médico do hospício, devendo estabelecer entre aqueles e o doente a corrente do olhar vigilante, em meio a uma “espera intelectual” para entender o médico e o paciente. Deveria ser um homem probo, ativo, zeloso, inteligente e com longa experiência. E com as qualidades físicas de robustez e força para o exercício das tarefas para ele determinadas no hospício do século XIX (MIRANDA, 1994). Toda a violência e a agressividade do hospício são “descontadas” na conta do desempenho violento e agressivo do enfermeiro, a quem coube por herança secular o serviço sujo das pequenas e cotidianas atrocidades do espaço asilar: amarrar, conter, gritar, ofender, impor-se pela robustez física, proibir, aplicar as medidas terapêuticas psiquiátricas prescritas, tudo em nome da “suposta” ordem do hospital (MIRANDA, 1994). A atenção específica ao doente mental no Brasil teve início com a chegada da Família Real. Em virtude das várias mudanças sociais e econômicas ocorridas e para que se pudesse ordenar o crescimento das cidades e das populações, fez-se necessário o uso de medidas de controle, entre essas, a criação de um espaço que recolhesse das ruas aqueles que ameaçavam a paz e a ordem sociais (SILVEIRA & BRAGA, 2005). 28 Com a chegada da família real portuguesa em 1808, o Rio de Janeiro sofre um processo de urbanização. As doenças tropicais e as epidemias da época atrapalhavam os interesses políticos e econômicos dos latifundiários do café e do comércio exportador. Configurava-se a determinação social para o saneamento que interditava o livre trânsito dos doentes, mendigos, vadios e loucos (REINALDO & PILLON, 2007). Nesse período a embriaguez começa de forma radical e também aponta o aparecimento em massa da perda de controle do homem sobre a bebida. Aponta ainda que tais fatos foram desencadeados pela disponibilidade de bebidas de elevado teor alcoólico a preços acessíveis e também pelo aumento da demanda de consumo em massas, principalmente entre os trabalhadores urbanos. As bebidas consumidas já não eram mais cervejas e vinhos como nos períodos anteriores, vindos dos cultos religiosos, mas destilados de alto teor alcoólico (REINALDO & PILLON, 2007). Em 1852, é criado o primeiro hospício brasileiro.Tendo o hospital psiquiátrico como cenário e o isolamento como principal técnica, o psiquiatra passou a necessitar de um profissional que servisse de vigilante e, ao mesmo tempo, seguisse suas instruções quanto ao tratamento: "o 'enfermeiro' é um agente situado entre o guarda e o médico do hospício, devendo estabelecer entre aquele e o doente a corrente do olhar vigilante". Assim, no ano de 1890, foi criada a Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras visando sistematizar a formação de enfermeiros para atuarem no espaço asilar (SILVEIRA & BRAGA, 2005). No Brasil, no final do século XIX, surgia a enfermagem intimamente ligada à loucura e fora do sistema Nightingale, através da criação do Hospício Dom Pedro II (1841) e da consequente abertura da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, para a formação de profissionais subordinados à medicina. Após a proclamação da república a psiquiatria virava enfim um saber específico, um ramo novo para a atuação em saúde (AMARANTE, 1994; MIRANDA, 1994). 29 Porém tantas transformações estavam mais ligadas à transferência de poder sobre a exclusão da loucura, que antes era das freiras da Santa Casa, e passava a ser um objeto especificamente médico. Era mais uma disputa de autoridade do que uma forma de se aprofundar acerca da verdade do sujeito que sofre, a não ser que verdade do sujeito fosse algo restrito somente ao sentido mais reduzido da fisiologia. Os primeiros cursos que visavam ao cuidado de doentes mentais nos hospitais psiquiátricos não adotaram o sistema Nightingale e eram orientados por médicos. A aprendizagem e o desenvolvimento das ações de cuidar encaixavam-se nos códigos de tolerância, submissão, conformismo e alienação (REINALDO & PILLON, 2007). A adoção do sistema Nightingale no Brasil aconteceu sob influencia americana, que, no início do século XX, sofreu uma onda de sistematização dos serviços de saúde, fortemente influenciada pelo Relatório Flexner. No início do século XX, Doutor Abraham Flexner (1866-1959), um médico americano, preocupado com a criação desenfreada de escolas de medicina, decidiu “colocar ordem na casa do Tio Sam” e realizou o seu famoso relatório, que tinha como objetivo, assim como o de Miss Florence para a enfermagem, de sistematizar uma nova forma de ensino e prática da medicina (PAGLIOSA & DA ROS, 2008). O saldo desse relatório foi uma dicotomia entre ensino e prática não só para a medicina, mas para a área da saúde de forma geral, inclusive para a saúde mental. Não é só o modelo flexneriano que insistia em permear a prática e o pensamento do fazer de Enfermagem em Saúde Mental, pois desde o início de sua existência, foi marcada por um modelo controlador e opressor. Era dela o papel de vigilante e de manutenção da vida dentro das instituições asilares, centros de punição e repressão, onde exercia atividades como práticas de higiene, alimentação, supervisão e execução de tratamentos prescritos, como insulinoterapia, etc. Foi a partir disso que se buscou justificar sua prática com um caráter 30 científico, criando referenciais em várias disciplinas, mas principalmente na medicina (VILLELA & SCATENA, 2004). Em 1922, foi criada no Rio de Janeiro a Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), por seu diretor Carlos Chagas, fortemente influenciada pelo padrão Nightingale, preocupado com os comportamentos, a moral e a sistematização do ensino. Essa escola sofreu forte influência americana, passou se chamar Escola de Enfermagem Ana Nery e introduziu o sanitarismo como doutrina moderna e científica (MIRANDA, 1994). Por volta dos anos 30, a produção das escolas de enfermagem girava em torno de estudos de caso basicamente da descrição da história da doença, evolução da moléstia, tratamento médico e cuidados de enfermagem, refletindo a preocupação de que estes cuidados estivesse subordinados e embasados pelo diagnóstico médico (GALDEANO et. al., 2003). Nessa época, ocorreu a expansão de escolas e o desenvolvimento de técnicas para a economia de tempo e movimento a fim de dar conta das inúmeras tarefas do hospital (ALMEIDA, 1986). Somente em meados do século XX ocorreram mudanças na conceituação do problema do álcool, sendo este considerado droga, e o bebedor tornou-se o foco das preocupações. Esta inquietação alterou os pontos de vista sobre as consequências do consumo em vez de considerar a embriaguez um hábito pessoal inoportuno. O bebedor excessivo passou a ser visto como alguém dominado e transformado por um “corpo estranho”, uma substância “alienante”. Afinal, “pessoas decentes” podiam ser transformadas pela bebida em “seres dissolutos, violentos ou degenerados” (REINALDO & PILLON, 2007). Foi somente na década de 50 que a enfermagem passou a investir de maneira mais clara seus esforços no caminho do reconhecimento enquanto ciência. E, para isso, procurou essa cientificidade na aproximação com o saber da medicina e, consequentemente, com sua 31 autoridade. No desenvolvimento de suas teorias, a enfermagem também agregou saberes da psicologia e da sociologia (ALMEIDA, 1986; OLIVEIRA et al., 2009). Na década de 70, a enfermagem procurava construir o corpo de conhecimentos específicos de sua área, buscando principalmente nas ciências comportamentais os fundamentos para fazer a síntese do que seria enfermagem (ALMEIDA, 1986; OLIVEIRA et al., 2009). As teorias de enfermagem que mais se aplicam à Saúde Mental vêm de duas teóricas norte-americanas: Peplau e Travelbee, que trazem, em décadas diferentes (40 e 70, respectivamente) a importância das relações interpessoais, por meio de poder contratual, da possibilidade de troca e conhecimento (VILLELA & SCATENA, 2004). O pós-guerra fez emergir a necessidade de novas formas de conceber a vida, o que provocou uma mudança de pensamento em diversos setores: na política, nas artes, na economia. As idéias revolucionárias de Freud sobre o inconsciente também atravessaram o pensamento e a produção de questionamentos acerca de novas formas de compreender o homem. Entre as décadas de 60 e 70 as pesquisas conduzidas na América do Sul sobre abuso de substâncias psicoativas, utilizavam metodologia e amostragem clínicas, e enfocavam as formas graves e cônicas de ingestão do álcool, buscando compreender a doença e encontrar um tratamento. Esses problemas relacionados ao álcool eram vistos na época como uma doença de evolução previsível, associada a um processo biológico único subjacente, que daria base para o conhecimento das características patológicas da ingestão de álcool nos indivíduos doentes. Além disso o alcoolista era considerado um paciente de fácil atendimento, previsível. (REINALDO & PILLON, 2007). Nessa época surge o movimento da Reforma Psiquiátrica. Após a década de 70, dos movimentos populares, da luta dos trabalhadores de saúde, surge a proposta de reforma na 32 saúde, especialmente a psiquiátrica, através da luta anti-manicomial, contra a exclusão, devolvendo à sociedade seu direito à loucura. Nas últimas décadas, vários serviços de saúde extra-hospitalares foram criados, porém a institucionalização não está presente apenas nos tijolos e concretos que erguem os muros da exclusão, mas principalmente no pensamento herdado, acrítico e estático, que repercute em práticas incapazes de responder aos sofrimentos da contemporaneidade. O modelo médico estabelece o lugar da enfermagem, seja enquanto trabalho, seja enquanto agentes deste trabalho. Ela está ali para garantir a observação, a vigilância e o registro de comportamentos que subsidiam o fazer do médico para que este possa estabelecer um saber sobre a doença e prescrever modos de intervenção. A criação de novos dispositivos de cuidado e o desejo de estabelecer outras formas de organização de trabalho em equipe é uma preocupação pertinente ao trabalho da enfermagem e aponta como uma nova saída para os impasses que encontra em sua prática. (KIRSCHBAUM, 2000). Ao desenvolvimento das características do trabalho de Enfermagem vem-se agregar a introdução dos interesses e da lógica do Capital na prestação de serviços de saúde, subordinando a estrutura e organização daqueles ao interesse do lucro. A enfermagem passou por um processo de “intelectualização”, deixando em segundo plano a sua militância no cuidado direto ao paciente. Esta “intelectualização” não guarda paralelo com nenhum avanço na definição do objeto, da prática e/ou automatização do saber na área, sugerindo tratar-se mais de uma conquista de caráter corporativo (ALMEIDA, 1986). Essa preocupação com o reconhecimento profissional sem dúvida é importante, mas é preciso ter a noção de que essas conquistas são da categoria e não necessariamente em prol do cuidado e da relação entre profissional e paciente. Atualmente, é difícil para os enfermeiros reconhecerem a influência reducionista e as implicações sobre o seu trabalho. O discurso contempla as novas idéias reformistas como a 33 interdisciplinaridade e a importância de desenvolver ações terapêuticas e de relacionamento, porém isso não se reflete na prática, uma vez que há o predomínio do controle de medicação e de ações administrativas / burocráticas numa reprodução continuada de práticas tradicionais (OLIVEIRA & ALESSI, 2003). A situação persiste e a paradoxal convivência dos modelos biológicos com os sociais e suas diferentes compreensões da doença mental acompanha a predominância do primeiro no âmbito do ensino que tem sido subsidiado, em termos de conhecimento pela crescente expansão das pesquisas no campo da neurobiologia, neurofisiologia e genética, que possibilitam a medicalização do sofrimento mental (REINALDO & PILLON, 2007). Essas alterações estruturais exigem um novo posicionamento da enfermagem no sentido de acompanhar esse novo passo na história da saúde mental. Posicionamento que demanda mudanças, tanto na teoria como na prática da enfermagem na implementação de cuidados clínicos dentro desse sistema em transformação e que exige novas atitudes frente aos dilemas trazidos por um mundo onde as demandas subjetivas dos indivíduos muitas vezes ficam relegadas a um segundo plano. Deve-se tentar evitar a assistência como uma linha de produção qualquer, onde cada profissional faz a sua parte, não se preocupando com o sujeito como um todo, supondo que ele possa ser dividido em partes distintas e isoladas e reduzido a diagnósticos, na esperança de resolver completa e definitivamente seus problemas (OLIVEIRA, 2007). Portanto, é importante que se encare o cuidado e suas duas faces: teoria e prática. Porém, como afirmam Villela e Scatena (2004), esse cuidado não deve antecipar a demanda, deve ser construído a partir das necessidades por ela apresentadas, acolhendo o sujeito, movendo-se com ele no cotidiano para possibilitar alternativas de expressão da sua produção psíquica. 34 Dessa forma, o profissional precisa despir-se da posição de detentor do saber revestindo-se suposto, reproduzido tanto pelo pensamento cartesiano, como também por quem vem buscar respostas para a sua dor em um mestre soberano (PERGOLA & GARCIA, 2008). Deve-se ocupar a posição de receptor da fala do paciente, particularmente das rupturas reveladoras do sujeito. A aplicabilidade das teorias de enfermagem, apesar de serem consideradas importantes no ensino, uma vez que são reproduzidas nos dias atuais em nossas escolas, na prática não se concretizou, em virtude não ser levado em consideração o contexto no qual se dá o exercício profissional, ainda pautado no modelo biomédico (SOUZA et. al., 2006). O modelo técnico-assistencial, ainda que vigente na formação do profissional de saúde, tem deixado lacunas quando observamos a inserção e desenvolvimento profissional. Na psiquiatria e, mais recentemente, na saúde mental e na drogadição, essas questões passaram a influenciar a formação dos alunos, que trabalham objetivamente com uma clientela subjetiva (REINALDO & PILLON, 2007). Mesmo os novos serviços encontram-se, ainda, presos a velhas práticas que regiam o modelo assistencial asilar, no qual o trabalho da enfermagem vai deslocando o seu lugar de vigilante e repressor (no modelo anterior) para um de agente terapêutico (KIRSCHBAUM, 2000). Assim, procuramos localizar historicamente a enfermagem dentro do seu contexto de produção de saúde. Vemos que os desafios são muitos e envolvem não apenas questões, digamos, internas da profissão, envolvem principalmente o sistema que de forma diversa, vem produzindo exclusão. 35 2.2 A ENFERMAGEM E O DESAFIO DA DROGADIÇÃO A grande parte da clínica puramente científica contemporânea trabalha somente com a idéia de consciente. Todos são convidados ao campo da lógica e da racionalidade científicas sem levar em conta características, desejos particulares. Em recente pesquisa2 realizada pelo Laboratório de Clínica do Sujeito (Universidade Estadual do Ceará), detectamos, a partir de pesquisa realizada com enfermeiros de CAPS, que a prática clínica de enfermagem em saúde mental se apresenta em configurações variadas dependendo do referencial e do enfoque do cuidado que a fundamenta. Gerando práticas clínicas pautadas na escuta, no relacionamento terapêutico, na sistematização da assistência de enfermagem e na “velha clínica” do modelo médico com ações de cuidado voltados para aspetos anatomofisiológicos. Percebemos que nem todas as maneiras de operacionalizar esses referenciais encaminham para uma perspectiva de apreensão dos sujeitos assistidos em sua subjetividade, pois determinam processos terapêuticos engessados por características metodológicas rígidas, objetificadoras e classificadoras. Quando falamos de trabalho de enfermagem no CAPS nos referimos a um universo de possibilidades. Estes serviços são organizados a partir de diretrizes federais que orientam a implantação e o funcionamento destes serviços ao redor de nosso país. Porém, essas diretrizes dão margem para que os profissionais, coordenadores e gestores desenvolvam trabalhos com características peculiares. Assim, fala-se em territorizalização, interdisciplinaridade, clínica ampliada, dentre outros. Esses conceitos estão banhados em muitas dúvidas e, apesar de serem construídos coletivamente, geram muitas confusões na prática e na tentativa de romper definitivamente com o manicômio (instituição física e ideológica). 2 “A prática de enfermagem em saúde mental: uma visão a partir de seu referencial teórico”, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará. Coleta de dados realizada entre novembro de 2007 a agosto de 2008, nos 14 CAPS do município de Fortaleza– CE. 36 Num estudo de revisão feito com artigos das principais bases de dados virtuais (BDENF, SCIELO, LILACS e BIREME) no período de 2001 a 2006, Rosa e Tavares (2008) apontam uma lacuna no que diz respeito às estratégias de prevenção e promoção da saúde dos usuários de serviços para atenção em álcool e outras drogas. Aborda-se a necessidade de atuar na prevenção do problema, mas pouco se apresenta sobre estratégias dos enfermeiros para lidar com o problema. Gonçalves e Tavares (2007) afirmam que os enfermeiros dos serviços da rede extrahospitalar atuam na perspectiva tradicional de atenção em saúde, pautando suas ações no atendimento de co-morbidades relacionadas ao usuário de álcool e drogas e nos problemas relacionados ao atendimento médico, demonstrando uma dificuldade em lidar com o que é específico e necessário para a subjetividade na atenção a este perfil de paciente. A experiência com a atenção a usuários de álcool e drogas coloca o enfermeiro face a face com inúmeros desafios. Por exemplo, trabalhar numa perspectiva diferente daquela aprendida na formação acadêmica, altamente prescritiva e centrada na doença. Além disso, enfrentar a sua própria ansiedade, insegurança, preconceito e até incapacidade para lidar com o usuário de álcool e drogas (GONÇALVES e TAVARES, 2007). Essas situações possuem mais características específicas quando falamos de um serviço “ad”, pois existe a dificuldade de articular abstinência e redução de danos na assistência, dentre outros fatores específicos da área, como estigma e definição do que é um consumo normal ou patológico. Existe uma distância entre o trabalho nesses serviços e a formação acadêmica, uma vez que estes assuntos quando são abordados, o são de uma forma superficial ou duramente amparado no modelo biomédico. Além disso, existem as próprias limitações pessoais, como ansiedade, insegurança e preconceito. E mesmo nesse contexto, busca-se uma posição de saber frente à doença do paciente, levando ao “ensino” de tudo 37 aquilo referente à especialidade de conhecimento, colocando o paciente no local de receptor de informações, na espera de que ele as reproduza conscientemente na sua vida. Claro, essas orientações são importantes e a dúvida que se levanta aqui não é sobre a importância delas, mas sobre o lugar do sujeito na produção de formas de subjetivação nesses serviços, diante dessas práticas, dessas novas velhas formas de institucionalizar e reduzir os sujeitos. Falar em subjetividade é falar em sujeito, e o desenvolvimento do conceito de sujeito adquire características próprias em relação à psicanálise desenvolvida por Freud e Lacan. O saber sobre o sujeito não está ao alcance de todos, e não estará ao alcance de ninguém que não queira se dar ao trabalho psicanalítico. O próximo capítulo tratará da principal estratégia na atenção à drogadição utilizada pelo Ministério da Saúde: os CAPS ad. Para isso, trataremos de enfatizar como a Reforma Psiquiátrica e as conferências de saúde contribuíram para o quadro atual que temos no tratamento de drogadição. 38 3 CAPSAD: ESPAÇO DE ATUAÇÃO NA ABORDAGEM DA DROGADIÇÃO Este capítulo tem a finalidade de tratar sobre a atenção psicossocial em drogadição, sendo o CAPSad o principal serviço na estratégia do Ministério da Saúde nesse sentido. Atualmente vemos certa tendência à discussão de exclusão/inclusão uma vez que Estado tem atribuído à questão da droga a vários setores da sociedade, especialmente a defesa social. Algumas práticas atuais defendem e se baseiam inclusive nas internações compulsórias. Mas não estaríamos retornando a um estado anterior que a Reforma Psiquiátrica buscou superar? A seguir veremos como o processo de luta antimanicomial foi articulado à Reforma Psiquiátrica e como surgiram os CAPSad no contexto que se apresentam atualmente. 3.1 REFORMA PSIQUIÁTRICA A Reforma Psiquiátrica propõe a passagem do hospital psiquiátrico tradicional para novas formas de assistência, novas formas de se posicionar frente ao sofrimento, como a aproximação entre prática e pesquisa e uma atitude verdadeiramente radical e política, para que não haja a acomodação em práticas alienantes ou que continuem reproduzindo os privilégios psiquiátricos. Ela pode ser vista como um campo heterogêneo, que abrange a clínica, a política, o social, o cultural e as relações com o jurídico, e é obra de diferenças entre atores, locais e conceitos (FRAGA; SOUZA; BRAGA, 2006). Esse modelo inicialmente emergiu na Itália na década de 70, tendo Franco Basaglia como seu principal idealizador. Basaglia, após um processo de amadurecimento crítico em relação à natureza da instituição psiquiátrica a partir de sua experiência inicial em Gorizia, concluiu que de nada bastaria apenas à reorganização da instituição psiquiátrica e assim, 39 iniciou na cidade de Trieste, também na Itália, um processo de demolição da estrutura manicomial - extinguiu os chamados “tratamentos” pautados em violência, destruiu os muros de separação entre os espaços intra e extra-institucionais, abriu cadeados e grades - e propôs a construção de novos espaços e formas de lidar com a chamada loucura. Em 13 de Maio de 1978, na Itália, foi aprovada a Lei Basaglia (Lei 180) que substituiu a legislação de 1904, proibindo não apenas a recuperação de antigos manicômios como qualquer iniciativa de construção de novos espaços como esses (ACIOLY, 2006). Em 1989, o debate sobre desconstrução dos conceitos e das práticas psiquiátricas se amplia com o projeto de lei 3657/89, do deputado Paulo Delgado (PT-MG), que propõe a extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por outras modalidades de assistência (AMARANTE, 1994). Seu conteúdo versava sobre a regulamentação de direitos de pessoas com sofrimento psíquico no que diz respeito ao tratamento, bem como, a extinção progressiva de manicômios públicos e privados e a substituição destes por outros recursos de atenção não manicomiais. No Ceará, a década de 90 também foi um período importante para o campo da saúde mental, pois é desse período que datam a emergência ou a maior visibilidade do Movimento de reforma psiquiátrica, o processo de instalação de CAPS (em Iguatú, Canindé e Quixadá) , em 1993, a aprovação da Lei nº 12. 151 que dispõe sobre a extinção progressiva dos hospitais psiquiátricos e sua substituição por outros recursos assistenciais (ACIOLY, 2006). O movimento hoje denominado reforma psiquiátrica tem como propósitos: reverter a tendência hospitalocêntrica, através da priorização e implementação de um sistema extra hospitalar e interdisciplinar de assistência; proibir a construção de novos hospitais psiquiátricos e o credenciamento de novos leitos em hospitais convencionais; reduzir 40 progressivamente tais serviços, através de sua substituição por leitos psiquiátricos em hospitais gerais; promover a saúde mental, integrando-a a outros programas de saúde. Atualmente no Ceará encontramos vários serviços substitutivos como Centros de Atenção Psicossocial, Hospitais-Dia e Residências Terapêuticas, Comissões Municipais e Estaduais de Saúde Mental, Núcleos do Movimento da Luta Antimanicomial, Associações de Familiares e Usuários e Fórum Municipal da Luta Antimanicomial, cuja instalação é preconizada pela lei cearense de nº 12. 151. Acioly (2006) define algumas questões da reforma psiquiátrica presentes na atualidade, mais especificamente no Ceará, como o distanciamento das ações do próprio CAPS em relação aos princípios da proposta de reforma psiquiátrica, limitando-se à condição de "lugar de tratamento", revelando assim a fragilidade dessa proposta em nível local. Além disso, evidencia que historicamente o "louco" esteve à margem das decisões sobre seu destino, silenciado, ocupando um lugar social periférico demarcado por determinados saberes e práticas, no processo de reforma psiquiátrica local os usuários continuam tendo seus espaços delimitados por esses mesmos saberes e práticas há séculos hegemônicos que, embora sob novos discursos, os mantém "presos" ao silêncio. O modelo tradicional hospitalocêntrico ainda não foi superado, ele ainda encontra-se dentro da rede de saúde mental como uma instituição física e ideológica. Não se trata aqui da extinção imediata, mas de sua substituição progressiva por serviços não segregadores como meta a ser alcançada, através do redirecionamento de recursos. É preciso estar atento também ao controle estatal sobre os novos serviços. O papel mais “orientador”, persuasivo, dos novos discursos e práticas não está menos ligado ao Estado que o discurso/prática psiquiátrico asilar. Se um tem um aspecto mais dominante repressivo, os outros têm um aspecto positivo de organizadores do espaço psíquico da sociedade, 41 indispensável ao assentamento consensual da dominação. Seu papel é muito mais estratégico face à hegemonia que a repressão excludente ao hospital (LUZ, 1994). A psiquiatria e as práticas de medicalização do mal-estar psíquico se deslocam dos aparelhos do Estado para a totalidade social. Não somente as instituições, mas cada comportamento, desejo ou aspiração humana podem ser ordenados (LUZ, 1994). Fica o risco para os profissionais das áreas “psis” de assumirem a mera função de técnicos assalariados, a serviço de um poder institucional do Estado. Percebemos que termos como desinstitucionalização, territorialização, interdisciplinaridade, reabilitação, redução de danos, se inserem cada vez mais nos trabalhos e publicações acerca da saúde mental, porém muitas vezes, não são discutidos seus conceitos e suas reais direções. Guerra (2004) indica uma série de divergências em relação ao termo reabilitação. Assim, reabilitação psicossocial passa a ser entendida a partir da idéia de reconstrução do exercício pleno (ou nem tanto) da cidadania e da contratualidade social em seus três cenários: casa, trabalho e rede social. Mas as contradições não param por aí. Também a noção de clínica no interior da reabilitação sofre divergências de posições. Porém algumas dúvidas insistem sobre a reabilitação e sua relação com os psicóticos que se deparam com uma ruptura irrecuperável. Além disso, reabilitar traz a idéia de volta a um estado anterior, supondo que antes a pessoa era habilitada (tinha bem-estar e vivia em perfeita harmonia com a sociedade), limitando as novas possibilidades de produções subjetivas e psicossociais. Então, como tentar devolver algo que o próprio transtorno, o próprio sofrimento revelou ineficaz? Reabilitar para quê, para o trabalho, para os afazeres domésticos, para que parâmetros de vida? 42 A autora ainda contrapõe argumentações a respeito da clínica. Se de um lado ela busca a inclusão através da relação do sujeito com o social (clínica ampliada), por outro denuncia a pobreza de referência à palavra clínica, que na realidade seria muito mais complexa que o termo reabilitação psicossocial. A lógica da reabilitação tende a subtrair o sujeito em nome de uma lógica produtiva maior que ele mesmo (no campo da produção e da troca de mercadorias e valores) (GUERRA, 2004). Viganò (1999) direciona o olhar da clínica para o sintoma, para a inscrição do sujeito e sua possibilidade de implicação nas respostas que constrói para o mundo social. Para ele, mais importante do que tamponar os sintomas negativos, como feito na reabilitação, seria favorecer os sintomas positivos como estratégias de saída elaboradas pelo próprio sujeito. Quando as práticas não levam em conta a subjetividade (o que constitui o sujeito), como no modelo psiquiátrico tradicional, distancia-se sujeito de seu sintoma, como se fossem duas coisas completamente diferentes. Porém, como aponta Figueiredo (2004), um não pode vir sem o outro. A construção do plano (ou projeto terapêutico) deve ir em direção contrária à hierarquia dos saberes e funções que designam o que é melhor para o paciente/usuário, e ir em busca do que ele próprio pode fazer por si. Isso significa chamá-lo para a responsabilidade, desviando o foco do profissional para o sujeito, que de fato vira o centro de toda a ação. É preciso fugir de discursos vazios, acerca da interdisciplinaridade, que sempre preconizam a coesão, a integração, mas falam muito pouco sobre as estratégias para o cotidiano dos serviços. Além disso, é preciso ter cuidado com a reprodução de práticas educativas que propõem uma restauração das pessoas em sofrimento. No entanto, entendemos que o aspecto mais grave no contexto atual, diz respeito à forma como a clínica tem sido (ou não tem sido) abordada no modelo pós-reforma 43 psiquiátrica. Houve uma ênfase na questão social, na reinserção, na cidadania, que teve êxitos, mas que não deu conta. Isso deu margem para que o modelo médico continue sendo a primeira escolha nas ações desse setor. Há o risco de todo o trabalho da equipe continuar voltado para este pequeno fragmento que, muitas vezes, mais rotula do que amplia possibilidades para os sujeitos. 3.2 OS CAPS AD Com a Reforma Psiquiátrica, além de colocar em questão a hegemonia do saber médico-psiquiátrico sobre o tratamento das pessoas em sofrimento psíquico na assistência pública, foi aberto um espaço para a construção de novas formas de abordar essas pessoas, através da conjugação de diferentes saberes e práticas, como os CAPS, que constituem a principal estratégia do processo de Reforma Psiquiátrica na substituição do modelo hospitalocêntrico, como componente estratégico de uma política destinada a diminuir a ainda significativa lacuna assistencial no atendimento a pacientes com transtornos mentais mais graves (BRASIL, 2004). A portaria n.º 336/GM, em 19 de fevereiro de 2002, considerando a Lei 10.216, de 06/04/01, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, estabelece a criação dos CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPS i II e CAPS ad II. CAPS ad II refere-se ao serviço de atenção psicossocial para atendimento de pacientes com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas, com capacidade operacional para atendimento em municípios com população superior a 70.000. Os CAPS ad são centros destinados a acolher pacientes com problemas decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas, através de atividades como atendimentos individuais 44 e grupais, oficinas terapêuticas e visitas domiciliares. Neles são desenvolvidas atividades psicossociais a fim de desmistificar e ressignificar o transtorno, reintegrando o indivíduo à sociedade de forma produtiva e participativa (BRASIL, 2004). Assim, no percurso histórico da atenção aos transtornos relacionados ao uso/abuso de substâncias psicoativas, o Ministério da Saúde através Portaria GM 816/2002 instituiu, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o “Programa Nacional de Atenção Comunitária Integrada a Usuários de Álcool e outras Drogas”, fortalecendo a ação do CAPS ad. No Brasil, como forma de dar uma resposta às demanda relacionadas a drogadicção, foi criada a Secretaria Nacional Anti-Drogas (SENAD). Esse órgão propõe um trabalho organizado a partir de três marcos conceituais: Redução da oferta, redução da demanda e redução de danos. De todas essas reduções a que mais estabelece relação com este trabalho é a redução de danos. Redução de danos é mais um dos termos que vem atrelado à Reforma Psiquiátrica e se relaciona com a relação que se estabelece entre profissional, paciente e droga. Ela surgiu como uma forma de evitar agravos à saúde de usuários de drogas, objetivando prevenir outras doenças como AIDS, hepatites, etc. Existem muitas discussões acerca do termo, uma vez que existe quem acredite que esta prática incentiva o uso. Porém, a questão central da redução de danos é desviar o foco único na abstinência. De acordo com Hirdes (2009), a partir de pesquisas sobre o trabalho nos CAPS, tomando por base o atual momento da reforma psiquiátrica no Brasil, aponta-se que os trabalhadores apresentam uma trajetória de formação profissional tradicional, as ações sendo norteadas, fundamentalmente, por concepções coerentes com o modelo hegemônico, cujo objeto de trabalho é o indivíduo e sua doença. 45 As relações entre o saber e o fazer resultam em práticas e intervenções tradicionais. As ações que estariam dirigidas ao contexto concreto de vida desses usuários, além de pouco representativas, estão fundamentadas no conhecimento advindo da própria prática e do senso comum. 3.3 O CAPS AD DE MARACANAÚ: HISTÓRIA E FUNCIONAMENTO O Município de Maracanaú situa-se na região metropolitana de Fortaleza, possui extensão territorial de 82 km, fica a 23 km da capital. De acordo com informações do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Maracanaú possui uma população de aproximadamente 200.000 habitantes, sendo considerada uma das cidades com maior potencial de crescimento do Estado do Ceará. Uma de suas principais características é a alta densidade demográfica distribuída em apenas 82 km, isto é, uma média de 2250 pessoas coabitando/km². Maracanaú é um município metropolitano que sofre muitas das problemáticas comuns a outros municípios de seu porte, com alto índice de violência, desemprego e tendo grande parte da sua população vivendo na pobreza. Esse contexto parece ideal para graves problemas, como a drogadição. Até dezembro de 2008, o município não contava com nenhum Serviço Público destinado especificamente ao tratamento do uso/abuso de substâncias, havendo apenas iniciativas isoladas como: programa anti-tabagista executado em algumas Unidades Básicas de Saúde, acompanhamento medicamentoso no CAPS II de pacientes com comorbidades psiquiátricas e atividades informativas de caráter preventivo promovidas pela Secretaria de Saúde. Inúmeros casos eram encaminhados a Hospitais Gerais ou Hospitais Psiquiátricos. Pacientes com alguma condição financeira procuravam também Serviços de Comunidades 46 Terapêuticas localizadas em outros municípios do Estado. É importante salientar que Maracanaú é município pólo da III CERES que abrange os municípios de Maracanaú, Maranguape, Pacatuba, Guaiuba, Palmácia, Acarape e Redenção. Como município pólo, Maracanaú também assume a responsabilidade de prestar atendimento aos demais municípios da microrregião que não dispõem de atenção semelhante, o que, no caso, é referente a todos. O projeto de implantação de um CAPS ad em Maracanaú existe desde 2005, no entanto, em função de outras demandas emergenciais do município, o projeto foi adiado até o início do ano de 2008, quando foram iniciadas as ações referentes à definição e à adequação do local que sediaria o Serviço. Em maio de 2008, a equipe mínima de nível superior definida pelo Ministério da Saúde foi contratada. Tal contratação, anterior ao recebimento da Sede, deu-se em função da elaboração do projeto terapêutico, considerando a exigência ministerial de atuação do CAPS ad enquanto regulador estratégico das ações referentes ao uso nocivo, abuso e dependência de substâncias psicoativas no âmbito municipal, impondo a necessidade de articulação das ações com os equipamentos governamentais e não governamentais existentes no município (Portaria/GM nº 336 - De 19 de fevereiro de 2002). O CAPS ad de Maracanaú foi inaugurado em 19 de dezembro de 2008, sendo promovido uma semana de programação cultural no intuito de convidar a população a conhecer e se aproximar da instituição. Além de oferecer uma possibilidade de tratamento a estas pessoas, propõe-se atuar na perspectiva da prevenção das doenças e na promoção da saúde. A estrutura física do CAPS ad constitui-se de três espaços: um bloco com recepção e quatro salas de atendimento individual, ambulatório de enfermagem e leito; outro bloco com 47 duas salas de grupo, coordenação, cozinha e refeitório; além de uma extensa área aberta que conta com duas piscinas. Houve o treinamento dos profissionais que iriam compor o quadro administrativo como recepcionistas, auxiliares de serviço gerais e cozinheiras. Porém, o serviço foi-se constituindo na prática, a partir da organização feita por um regimento interno produzido pela equipe no momento prévio à abertura da instituição. Assim, mesmo havendo diretrizes e portarias que regulamentavam as ações, cada profissional foi responsável por criar um projeto de trabalho articulado com a instituição. Todos os profissionais da equipe técnica (na época, enfermeiro, terapeuta ocupacional, duas psicólogas, educador físico e assistente social) deveriam realizar avaliação, acolhimento e entrevista inicial, de maneira que em todos os turnos do serviço houvesse um plantão para acolhimento e avaliação por algum dos profissionais. O psiquiatra, a médica clínica geral e os profissionais da equipe administrativa não participavam dessas atividades. A coordenação decidiu por deixar a farmácia localizada fora do CAPS ad, uma vez que entendeu como sendo perigoso o armazenamento em larga escala de medicação psicotrópica na instituição, devido ao perfil dos usuários e à localização, num bairro conhecido pela violência em torno do tráfico de drogas. Assim, a enfermagem assumiu o papel de ter o mínimo de medicação possível sob sua responsabilidade, para realização de procedimentos prescritos pelos médicos. O serviço funciona de segunda à quinta nos turnos da manhã e da tarde, e na sexta somente pelo turno da manhã. A equipe concordou em abrir o serviço em alguns sábados, para atender os pacientes que não podiam faltar ao trabalho ou para realização de atividades sócio-culturais. 48 No caso da enfermagem, além das atividades comuns aos outros profissionais, havia também atividades específicas como avaliação de sinais vitais para a participação nos grupos esportivos, administração e controle de medicações, acompanhamento de pressão arterial, peso e glicemia, realização de grupos terapêuticos, visitas domiciliares, busca ativa, palestras e articulações intersetoriais e consulta de enfermagem. Como veremos mais à frente, buscamos desenvolver uma clínica de enfermagem comprometida com o que constitui o sujeito (e seu sintoma), articulada a partir do referencial psicanalítico. Apresentaremos alguns conceitos fundamentais da psicanálise e como algumas mudanças foram ocorrendo à medida que esses conceitos foram aplicados à prática do cuidado clínico de enfermagem. 49 4 A PSICANÁLISE E A DROGADIÇÃO Nesse capítulo trataremos de apresentar alguns conceitos da psicanálise que acreditamos serem fundamentais para a compreensão dos próximos passos que iremos abordar. Buscaremos apresentar esses conceitos de forma que eles possam nos ajudar na articulação com a droga e com a clínica de enfermagem. 4.1 INVENÇÃO E REINVENÇÃO DO CONCEITO DE SUJEITO O conceito de inconsciente, a grande invenção da psicanálise, representa um importante marco histórico na forma de conceber o sofrimento psíquico. Freud, considerado o pai da psicanálise, teve sua obra e sua vida entrelaçadas na medida em que dizia que sua vida só tinha interesse em relação à psicanálise. Sua vida e o desenvolvimento de seus pensamentos tomaram a forma de uma superação contínua, nunca abandonando suas ideias, apenas reformulando-as com o passar do tempo. Ergueu a psicanálise a partir do caos de inúmeras referências como a neurologia e a hipnose. Porém, no fundo, estava tentando fazer uma complicada conciliação, escapando da prática médica, opondo-se às ideias da época, mas, ao mesmo tempo, buscando reconhecimento pela ciência e pela medicina (MANNONI, 1994). Freud descobriu a possibilidade de tratamento do sintoma na reintegração, pelo sujeito, da sua história, e, a partir, da clínica foi desenvolvendo essa concepção como vemos nos estudo sobre a histeria (FREUD, [1893] 2006). “A interpretação dos sonhos”, seu livro de 1900, marca na virada do século uma verdadeira revolução ao apresentar os sonhos como portadores de uma mensagem inconsciente. Sua preocupação com o reconhecimento talvez tenha interferido na produção de textos que não trazem apenas indicações sobre a técnica, mas comportam um imenso valor literário. 50 Procurou fazer da psicanálise uma prática não burocrática, sustentada pelo rigor de um conjunto de numerosas regras, mas propôs uma posição ética sustentada pelas regras: a associação livre e atenção uniformemente flutuante. Afirmava que toda a análise é sempre análise de um caso singular, ainda que esses casos singulares se prestem a alguma generalidade. Com sua morte, em 1939, a psicanálise começa a se desvirtuar de sua característica central que diz respeito ao inconsciente, esse movimento ficou conhecido como a “Psicologia Psicanalítica do Ego”. Nessa escola, o inconsciente recebe formas e contornos que de modo algum se encontram presentes na obra freudiana, e é minimizado para conferir um lugar privilegiado ao ego, tido como racional, consciente (BARATTO & AGUIAR, 2007). Lacan promove um retorno aos textos de Freud, para buscar fundamentos a respeito da técnica tanto para elaboração da teoria estrutural como para combater os equívocos que se propagou entre os psicanalistas pós-freudianos, seguidores de Anna Freud e sua psicologia do Ego. Assim, Lacan reinventa a psicanálise ao conceber o Sujeito dividido e estruturado pelas regras da linguagem. O sujeito não foi uma criação de Freud, que encara-o mais como uma contingência (ELIA, 2004). O fato de o sujeito ter a oportunidade de reviver, rememorar a sua história não é o mais importante, mas a possibilidade que ele tem de reelaborar sua posição subjetiva. 4.2 A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO Como afirma Ana Cristina Figueiredo (1997), vastas são as confusões a respeito da forma de como as pessoas que são atendidas nos serviços de saúde devem ser chamadas. Com o questionamento do termo “paciente” como estigma de passividade diante de seu sofrimento, outras palavras foram buscadas para a superação dessa idéia. Assim temos cliente, usuário, 51 pessoa, portador de alguma doença, doente. Porém, todos esses termos parecem reforçar ainda mais a posição atribuída pelo poder biomédico no decorrer da história, um lugar restrito, reducionista, objetificável, com enfoque na doença. Assim, consideramos o termo sujeito como mais apropriado para lidar com alguém que não apenas carrega uma doença ou que só existe enquanto vai para um determinado serviço, mas que possui características subjetivas importantes e que pode ser ativo dentro de uma situação de saúde. Porém, buscando ir um pouco mais além e de acordo com a linha construtiva que estamos desenvolvendo neste trabalho, vamos investigar a história dos modos de produção da subjetividade e a quem nos referimos quando chamamos alguém de sujeito. Sales (2007) nos mostra que as bases para a palavra sujeito a partir dos medievais, que usavam as palavras latinas: subjectum - aquilo que está por baixo como suporte, fundamento e substantia – a quididade (essência) de cada coisa, sua essência, aquilo que é o substrato dos acidentes. Segundo Martins e Rangel (2007), a história do sujeito começa realmente com Descartes, “Cogito, ergo sum”. Descartes, o inventor do sujeito moderno ou da filosofia da subjetividade, paradoxalmente, lança mão da palavra sujeito em seu sentido tradicional. Mas é a partir dele que o homem passa a ser o fundamento último de toda a realidade, de todo o saber (SALES, 2007). Surge então o homem como coisa pensante (res cogitans). O homem se torna o primeiro e real subjectum, o primeiro e real fundamento. A nova concepção de sujeito que desponta no horizonte filosófico passa a ser sinônimo de subjetividade. Descartes afirma que o corpo é indivisível, porque se for cortado um braço ou uma perna de um homem não vamos pensar que aquele que tem uma perna ou um braço cortado seja menos homem que um outro. Ele situa o corpo no mesmo nível de substancialidade da 52 alma, contendo em si a unidade e indivisibilidade (SALES, 2007). O sujeito cartesiano é o homem em sua concretude, indivisível, do pensamento lógico. Freud subverte o sentido cartesiano dizendo, “Sou lá onde não penso”, e dá um passo a mais, dirige-se ao sujeito do inconsciente, ao dizer que no campo do sonho, do lapso, do ato falho, do chiste o sujeito está de volta para a sua casa no inconsciente, ou seja, é nas formações do inconsciente, que o sujeito aparece (MARTINS & RANGEL, 2007). Já Lacan ([1964] 2008), chegou a uma fórmula negativa: “ou não penso, ou não sou”. Dessa maneira, a descoberta do inconsciente impõe essa fórmula negativa na medida em que as formações do inconsciente – lapso, esquecimento, ato falho, sonho – não comportam um sujeito capaz de acompanhar suas representações e se assegurar da continuidade de seu ser. O “eu” de Lacan não é o mesmo de Descartes, indivisível, uma coisa que pensa. Ser e pensamento estão separados (BRUDER & BRAUER, 2007). Assim, para Lacan, o sujeito do inconsciente é aquele que sabe, impõe-se sobre um sujeito que somente pensa. Seu lugar encontra-se no cruzamento entre a letra (e o significante) e uma posição descentrada do eu em relação ao processo de fala. Nada suporta a idéia tradicional filosófica de um sujeito, a não ser a existência do significante e de seus efeitos (BRUDER & BRAUER, 2007). Primeiro vem o sujeito, em seguida a forma como este concebe seu próprio corpo. Não existe um corpo solto, isolado, sem sujeito. Existe um corpo a partir de um sujeito. Freud ([1914] 2006) aponta que o que promove o inconsciente é o recalque uma vez que é este a dividir o sujeito entre consciente e inconsciente. Essa teoria do recalque foi importante para compreender a existência de resistências, forças contrárias que tentam barrar os conteúdos inconscientes. O material recalcado é sempre deformado pela imposição da censura pré-consciente que exige um disfarce para o acesso à consciência. Assim, a técnica psicanalítica busca 53 possibilitar que esse material recalcado e afastado da consciência seja trazido à luz e para tanto oferece caminhos facilitadores. Mesmo que o retorno do recalcado se ocorra através das associações livres, pela decifração dos sintomas, pela interpretação dos sonhos, dos atos falhos, dos lapsos involuntários e da transferência, inevitavelmente, a meta da psicanálise é congruente e correspondente à sua regra fundamental que, essencialmente, é um convite para que o paciente produza derivados do recalcado (JORGE, 2007). Deve-se tentar trabalhar com as resistências e não contra elas. De maneira análoga, Cérbero, o cão da mitologia grega tinha a função de guardar o Reino dos Mortos, ao considerar essa ameaça o analista se coloca também como guardião do processo analítico. Freud ([1905] 2006) já usava a metáfora do encontro com os demônios para ao falar das dificuldades enfrentadas no laço transferencial no caso Dora. Outro conceito intrigante é aquele que se refere ao objeto a proferido por Lacan em seu Seminário X ([1963] 2005). Ele é dito objeto causa do desejo, aquele que incide como uma falta, o que faz advir o desejo. Sua origem está relacionada na passagem de sujeitos da necessidade para sujeitos da demanda, pela entrada na linguagem, Um dos efeitos que a passagem à demanda produz no plano da necessidade é apagar os traços, o “rosto” do objeto que atenderia ao instinto, caso ele não tivesse sido fragmentado pelo significante – o que o transformou em pulsão (ELIA, 2004). Baseado no conceito de mais-valia de Marx, Lacan introduz a noção de mais-degozar, demonstrando que todo discurso está articulado à renúncia e, sobretudo, à uma extração de gozo. Assim, o mais-de-gozar denuncia que o objeto da pulsão encontra-se inseparável do gozo como satisfação da pulsão, impossibilitando pensar o valor de uso de um objeto como não desarticulado do valor de gozo extraído desse objeto (LISITA, 2010). 54 4.3 A DROGA E A PSICANÁLISE Freud, na fase inicial de seus trabalhos, ainda no século XIX, assinala as propriedade anestésicas da cocaína no tratamento de distúrbios nervosos. Assim, ele apenas visualizava a ponta de um iceberg que viria a se apresentar melhor somente no século XX. Nessa época a cocaína era usada também como substituto na adicção de morfina, porém acabava-se por substituir apenas a substância da adicção. Era exorcizar o diabo por intermédio do Belzebu (GURFINKEL, 2008). Freud reconheceu as possibilidades de adicção da cocaína e passou a tratar a questão com mais prudência. Gurfinkel (2008) define como um fracasso fértil uma vez que foi o símbolo antecipador do fracasso de todas as drogas e o signo do longo, difícil e inevitável desvio que Freud realizou em si mesmo e com seus pacientes, através de desmontagem dos encadeamentos psíquicos inconscientes. Como já tratamos anteriormente, Freud ([1930] 2006) atribui às drogas uma das formas de suportar a vida na civilização, como meio para enfrentar o mal-estar próprio à vida em sociedade. Assim, o mal-estar é anterior ao uso do objeto droga. O sujeito dito drogado é constituído como qualquer outro dentro das diversas possibilidades contingentes de entrada do sujeito na relação com a linguagem como campo do simbólico, através do chamado Complexo de Édipo, cujo desfecho (foraclusão, renegação ou recalcamento) será responsável por caracterizar a formação das estruturas, que determinarão um modo de relação com o significante e com o gozo (SANTOS & COSTA-ROSA, 2007). A manifestação da drogadição não é exclusiva de qualquer uma das três estruturas propostas (psicótica, neurótica e perversa). A estrutura, entretanto, é logicamente anterior a qualquer manifestação, e surge do momento fundante do sujeito. Assim sendo, cada sujeito, estruturado segundo sua já constituída forma de organização do desejo, possui sua peculiar relação com as drogas, sempre amarrada ao modo estrutural (GIANESI, 2005). 55 As repetições devem ser evidenciadas na fala e não nos comportamentos, pois o inconsciente é estruturado como linguagem e se manifesta como tal, mesmo que através de inscrições no corpo. Observa-se a posição corrente do drogadito submetido ao comando do objeto na forma de uma substância que lhe produz um estado de plenitude sem comparação. Para poder reiterar este estado de gozo, pode acontecer uma overdose, por exemplo, onde o sujeito tende a romper a normatividade relativa ao laço social vigente. Esse rompimento, como dissolução do caráter vinculante da lei, põe em risco a viabilidade do tecido social e nisto a própria viabilidade subjetiva de cada um (FLEIG, 1999). Em contraposição à psicologia clássica, fundamentada em Descartes e materializada nas práticas de interpretação, a psicanálise coloca o sujeito no campo da alteridade e de seus impasses (BIRMAN, 1997). Se, para a medicina, o corpo se confunde com o organismo enquanto realidade primária, para a psicanálise, ele é sempre secundário, porque só existe pela in(corpo)ração da estrutura simbólica. Nesse sentido, considera-se que o sujeito não nasce com um corpo; ele o precede de modo incontestável (SANTIAGO, 2001). Figueiredo (2004) afirma que o singular é uma articulação do particular de uma referência diagnóstica com o movimento do sujeito do inconsciente. O sintoma está atrelado ao sujeito, um não pode ser pensado sem o outro, constituem-se mutuamente. Portanto o diagnóstico também seria dependente do tratamento e não somente o contrário. Cabe aqui uma consideração acerca do termo sintoma para a medicina e para a psicanálise. Na medicina, o sintoma é dotado de sentido, mas compete ao médico dar a sua significação, deve ser decifrado, portanto, como sendo ou não sinal de uma doença. Assim, o sintoma significa algo que não vai bem, algo de anormal e bizarro, uma alteração de função ou alerta de doença, alguma maneira de o paciente se perceber como um possível doente. Mas 56 compete ao médico decifrar se o sintoma indica a presença ou a possibilidade de uma doença. Em outras palavras, compete ao médico discriminar se o sintoma tem como significado uma doença. Por outro lado, a ausência de doença orgânica não significa ausência de sofrimento (FERREIRA & PIMENTA, 2003). Na psicanálise, o sintoma também é dotado de sentido, mas a clínica psicanalítica, tomando- o em outra dimensão, exigiu a sua redefinição. O sintoma na psicanálise, em diferença com a medicina, não se refere a algo detectável no organismo e que permite elaborar o diagnóstico de uma doença médica. O sentido do sintoma na psicanálise, como sintoma neurótico, leva ao sujeito do inconsciente. O sintoma neurótico é, assim, uma formação do inconsciente como o são o sonho, o chiste e o ato falho. O sentido do sintoma na psicanálise só poderá ser apreendido dentro da história de cada sujeito. Pode ser decifrado com a participação do profissional, mas só trará benefício ao paciente se adquirir sentido para o próprio sujeito (FERREIRA & PIMENTA, 2003). Ao falarmos do consumo de droga como sintoma, podemos dizer que a relação entre a materialidade desse produto e seus efeitos está vinculada às particularidades de cada sujeito. As consequências do uso ou da procura pela droga podem aparecer em qualquer sujeito que um dia experimentou. Ou seja, o recurso à droga não é exclusividade do fenômeno descrito pela psiquiatria, o da toxicomania. O sintoma está atrelado ao sujeito, um não pode ser pensado sem o outro, constituem-se mutuamente. Portanto o diagnóstico também seria dependente do tratamento e não somente o contrário (FIGUEIREDO, 2004). As repetições devem ser evidenciadas na fala e não nos comportamentos, pois o inconsciente é estruturado como linguagem e se manifesta como tal, mesmo que através de inscrições no corpo. Não é o consumo de drogas que irá definir o sujeito, mas sim o contrário, a constituição subjetiva definindo as formas, os sintomas específicos de cada um, seja ele o abuso de drogas ou algum outro. 57 Santiago (2001) questiona-se sobre as possíveis relações entre a materialidade do produto droga e seus efeitos, e afirma que estas relações parecem estar vinculadas às particularidades do sujeito. Para a clínica do sujeito é este que faz a droga, e não o contrário. As consequências do uso ou da procura pela droga podem aparecer em qualquer sujeito que um dia experimentou. Ou seja, o recurso à droga não é exclusividade do fenômeno descrito pela psiquiatria, o da toxicomania. Para Lacan, a drogadição é explicada pelo corpo submetido à ação do significante e inseparável do gozo. Esse modo de satisfação que cativa certos sujeitos é considerado uma tentativa de enfrentar as perturbações do gozo do corpo (SANTIAGO, 2001). De acordo com Ramos (2004), investiga-se a participação das funções materna e paterna relacionadas à drogadição, salientando-se o comprometimento da função paterna como decisivo. O pai é, no Outro, o significante que representa a existência do lugar da cadeia significante como lei. Ele acha-se numa posição metafórica, na medida e unicamente na medida em que a mãe faz dele aquele que sanciona, por sua presença, a existência como tal do lugar da lei (LACAN, [1958] 1999). Assim, a metáfora paterna tem uma função estruturante, na medida em que é responsável pelo advento do sujeito. Muito se tem debatido sobre a figura paterna: novas formas de filiação, novas configurações familiares, a revolução feminina, entre inúmeras mudanças. Tudo isso teria “abalado” o lugar social do pai. Nesse contexto, o momento atual de nossa cultura é frequentemente entendido como um momento de crise, no qual o “declínio do poder paterno” ocupa lugar central (GUIA, 2008). Para tanto, nos casos de abuso de substâncias psicoativas, particular atenção deve ser dada ao processo de dessimbiotização, facilitado pelo resgate da função paterna (RAMOS, 2004). 58 Ainda para Guia (2008), as construções envolvendo a psicanálise devem consistir em um processo de abertura. Abertura que permita a transformação, a produção de algo novo. Partindo desta lógica, o profissional deve ser um objeto transformador, estando aberto aos diversos pontos de vista e não se atendo a uma única verdade. Fink (1998) nos mostra que a pulsão nunca será completamente satisfeita, porque a linguagem provoca a divisão do sujeito e, assim, uma perda simbólica do falo, uma extração de gozo. Na operação de divisão do sujeito há a sujeição de uma parcela de gozo à linguagem, pela via do significante, como mais-de-gozar através da repetição. É a busca ao objeto sem nunca encontrá-lo, evitando sempre o encontro desagradável com trauma da castração e, assim, o fechamento do circuito pulsional. Elia (2004) nos mostra com clareza a passagem do objeto da necessidade para o objeto do desejo, sendo o primeiro referente às necessidades do bebê antes da entrada na linguagem e o segundo, após. Dizer que o sujeito registra, representa esta experiência, é dizer que ele a perde como natural. O psiquismo procurará reencontrar o objeto segundo linhas em que ele foi registrado psiquicamente, é a busca a que chamamos de desejo. Para um enfermeiro, compreender essas questões não quer dizer que este esteja se tornando um psicólogo ou invadindo as fronteiras da interdisciplinaridade, para roubar o conhecimento de outro campo que não lhe diz respeito. A psicanálise não é um campo de conhecimento subordinado nem à medicina, nem à psicologia. Ela está a disposição de todos que desejem trabalhar com essa proposta como forma de desalienação em relação aos problemas subjetivos, principalmente aos seus próprios. Dessa forma, a utilização dos referenciais psicanalíticos nesse processo de construção da clínica de enfermagem em drogadição, proporciona a superação de alguns entraves relacionados, como a prevalência de trabalho administrativo/burocrático em detrimento da emergência de um sujeito, interferindo diretamente na operacionalização de referenciais 59 teóricos comprometidos com o bem-estar do paciente, através da própria tomada de posição ativa frente ao seu sofrimento. Esses referenciais também estão de acordo com as diretrizes indicadas para o trabalho em drogadição, como a escuta ativa, a redução de danos, respeito aos valores e culturas, identificação de pontos de transformação possíveis, entre outras. A idéia de que interdisciplinaridade, cidadania, autonomia e ampliação de vínculos sociais não precisam da clínica é um equívoco, pois a clínica no sentido radical, ao pé da letra, do discurso do sujeito é o único meio de escapar de duas grandes armadilhas insidiosas que são: a “pedagogia interpretativa”, vício de uma certa tendência da psicanálise; e a “terapêutica da restauração”, isto é, a terapêutica no sentido de fazer retornar ao estado anterior à doença (FIGUEIREDO, 2004). A ação clínica atua sobre o geral, dado por determinados caminhos do campo da saúde mental, como: a reabilitação, a cidadania, a autonomia e a contratualidade, que visam ampliar as relações sociais dos usuários e fazer proliferar suas possibilidades. Nesse contexto, a psicanálise visa estabelecer uma relação intersubjetiva, um novo laço social, capaz de possibilitar transitar da experiência da droga para suas experiências de sujeito. Dessa maneira, ao contrário da medicina e da psiquiatria que colocam a dependência química no lugar de doença, sugere-se outra leitura, entendendo que se trata de um fenômeno complexo, cuja dimensão psíquica pode inscrever-se de modo contingente na vida cotidiana dos indivíduos, portanto, passível de ser revertido (SANTOS & COSTA-ROSA, 2007). É importante observar que, apesar de a psicanálise não ser restrita a nenhuma disciplina como a psicologia ou a psiquiatria, faz-se necessária uma formação psicanalítica, como aponta Freud ([1937] 2006), que deve ocorrer principalmente no divã. Isto é, precisa colocar seu inconsciente em análise, aprendendo suficientemente com seus próprios erros. Figueiredo (1997) nos mostra que essa arte singular não se aprende só na escola. A primeira lição é a própria análise de quem se dispuser a trabalhar com isso. O que está em jogo aqui é o sintoma específico de trabalhar com isso, a partir do desejo. 60 Além disso, como nos mostra Quinet (2000), a supervisão também melhora o trabalho clínico e deve haver sempre um esforço para nos precavermos contra o furor sanandi (desejo de curar) de exigir a qualquer custo a suspensão do sintoma do outro. É importante entendermos que “lá onde há sintoma, está o sujeito. Não atacar o sintoma, mas abordá-lo como uma manifestação subjetiva, significa acolhê-lo para que possa se desdobrado e decifrado, fazendo aí emergir o sujeito. O trabalho com a psicanálise, uma vez que é orientado pela ética do desejo, pressupõe o desejo como ponto de partida para suas ações. Assim, os estudos nunca cessam, a não ser que seja para dar vez às palavras daqueles que pretendemos atender. 61 5 A CLÍNICA DE ENFERMAGEM E O SUJEITO DO INCONSCIENTE: RELATO DE EXPERIÊNCIA A partir de agora, uma vez que tratamos de apresentar nosso objeto de estudo nos capítulos anteriores, passaremos a relatar como ocorreu a experiência de trabalhar com o referencial psicanalítico no contexto da clínica de enfermagem localizada em um serviço público para o atendimento de drogaditos. Esse relato se faz necessário na medida em que busca identificar o cenário e as condições nas quais algumas transformações foram necessárias para o atendimento proposto. Utilizaremos, nessa parte, a primeira pessoa do singular para descrever essa travessia única, que pretendeu levar em consideração aquilo que escapa da consciência e que acreditamos poder apontar para uma verdade sobre o sujeito, ou seja, a verdade do inconsciente. 5.1 A ESPERA DE UMA CLÍNICA Inicialmente, proponho um questionamento a respeito da formação do enfermeiro no modelo acadêmico: ela é realmente satisfatória para o trabalho no campo da saúde mental? Digo, o enfermeiro já sai da academia pronto para atuar na clínica de enfermagem seja nos hospitais psiquiátricos ou nos serviços substitutivos? A resposta talvez não seja tão simples quanto possa parecer, porque até mesmo esses serviços de saúde mental não estão prontos, passam por modificações constantes, novas estratégias são indicadas pelas políticas públicas. O que há é um campo aberto às várias possibilidades. E é nesse ponto que muitos processos de formação encontram entraves, ao propor um direcionamento clínico geralmente rígido, como modelos, roteiros, questionários 62 que orientam práticas muitas vezes incapazes de lidar com imprevistos, com aquelas situações que rompem o véu cotidiano da lógica consciente. Há um descompasso entre ensino e prática no contexto da enfermagem, apresentando contradições entre o preparo profissional e as exigências do campo de atuação (LUCCHESE, 2005). Ao longo de seu percurso em direção ao seu reconhecimento enquanto ciência, a enfermagem vem desenvolvendo várias experiências de atenção aos pacientes em sofrimento psíquico. Podemos citar como exemplos as teorias desenvolvidas por Hildegard Peplau (por volta dos anos 50) e Joyce Travelbee (por volta dos anos 70) acerca do relacionamento interpessoal entre profissional e paciente. Essas teorias, juntamente com o processo e a sistematização compõem uma parte do elenco das chamadas tecnologias de enfermagem que visam atender aquilo que está para além da objetividade dos tecnologias ditas “duras”3. Porém, essas abordagens, as de tecnologias leves, consideram as relações e as situações de cuidados clínicos apenas no nível da consciência, da lógica racional, abrindo mão da grande contribuição de Freud para o psiquismo, que foi o conceito de inconsciente. Mesmo a teoria de Peplau, que sofreu influência da psicanálise (ALMEIDA, et. al., 2005), acabou por desconsiderar isso que divide o sujeito, uma vez que à época, meados dos anos 40 nos Estados Unidos, havia o predomínio da Psicologia do Ego, que deixou de lado os aspectos relacionados ao inconsciente. Desconsiderar o inconsciente não significa que ele deixe de existir. Ele comparece nos atos falhos, nos chistes, nos sonhos, em suas manifestações que insistem em atravessar os discursos e apontar para a existência de uma vida psíquica bem mais complexa do que a 3 Dizemos tecnologias duras quando envolvem os equipamentos tecnológicos do tipo máquinas. Também podem ser consideradas as normas. Ssão os instrumentos, as partes mais objetivas da produção de cuidado. Estão ligadas a um trabalho morto (Franco e Mehry, 2003) 63 simples noção de que o ser e o pensar dialogam perfeitamente, como sugere a lógica cartesiana. Somente tive a oportunidade de contato com o conceito de inconsciente ao ingressar no Laboratório de Clínica do Sujeito: saber, saúde e laço social - LACSU, da Universidade Estadual do Ceará, onde estava em curso uma pesquisa4 acerca da prática clínica dos enfermeiros dos CAPS de Fortaleza. Esse estudo apontou, para citar apenas um exemplo, uma dificuldade dos profissionais em lidar com os referenciais para a consulta de enfermagem, confundindo escuta e coleta de informações, consulta de enfermagem e triagem. No momento de finalização dessa pesquisa, ingressei na equipe que iria planejar o funcionamento do primeiro CAPS ad de Maracanaú. Até esse momento, nunca havia tido experiência de ser enfermeiro de um CAPS ad, somente tendo frequentado este campo enquanto acadêmico ou pesquisador. Então, veio-me o impasse de como planejar uma clínica de enfermagem possível a partir da minha experiência até então. A primeira constatação foi a de que a experiência até ali não seria suficiente para desenvolver este trabalho, era necessário procurar por mais referências que respaldassem a prática. Assim, comecei a participar de cursos de formação da Escola de Psicanálise do Campo Lacaniano de Fortaleza, para subsidiar o trabalho com o inconsciente e alimentar o desafio de considerá-lo no plano de trabalho da enfermagem no CAPS ad de Maracanaú. Mas não foi no CAPS ad o primeiro local onde utilizei desse referencial para pautar meus atendimentos. Antes disso, no período entre a contratação e a abertura efetiva do serviço, passei cerca de três meses como enfermeiro de uma equipe de saúde da família do município. Foi nesse momento que comecei a trabalhar com a escuta que deixava falar 4 A prática de enfermagem em saúde mental: uma visão a partir de seu referencial teórico”, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará. Coleta de dados realizada entre novembro de 2007 a agosto de 2008, nos 14 CAPS do município de Fortaleza– CE. 64 livremente o paciente e que buscava pela origem das queixas apresentadas durante as consultas. Percebi que somente esse simples trabalho de deixar falar e dar testemunho do trabalho de escuta já produzia certas mudanças nas situações de sofrimento relatadas pelas pessoas. Aos poucos, os outros profissionais dos serviços iam encaminhando os pacientes “alterados”. Certa vez, fui informado de que havia uma senhora muito agitada e que sempre vinha ao serviço fazer “bagunça”, mas que nunca ficava satisfeita com a atenção dada, mesmo que saísse tendo recebido medicações, etc. Então, ela foi encaminhada até a sala de enfermagem, fechou a porta por dentro e disse que não queria ser incomodada. E não precisou que nenhuma pergunta fosse feita, ela começou a falar que tinha vindo ao posto para receber medicação, mas logo em seguida relatou sua situação familiar, falou de seu sofrimento, de sua solidão dentro da família, chorou bastante. Foram cerca de vinte e cinco minutos e, então, ela agradeceu, disse que estava melhor, que iria resolver outra coisa e foi embora, sem nem lembrar de levar qualquer medicação. Não foi necessário que eu desse nenhuma receita, nem sugestão, ou identificasse qualquer diagnóstico de enfermagem. A minha escuta como algo presente e exclusivo dirigido a ela foi suficiente para o alívio, mesmo que momentâneo, do sofrimento daquela senhora. Claro, essa escuta somente não é suficiente para falarmos de inconsciente. Esse trabalho foi bem mais longo e dispendioso, porém, o que é possível visualizar a partir desse pequeno recorte clínico nada mais é do que o lugar necessário para se operar uma transformação naquele que busca por respostas para suas queixas. O que os pacientes desejam de seus terapeutas é aquilo que vem apresentando logo como demanda, ou pode ser, digamos, melhor refinado? A quê, desses pedidos, deve o terapeuta responder, que direção dar a um tratamento singular? 65 Essa mudança de lugar do profissional que tudo sabe para aquele que tem desejo de o saber não é encontrada nos processos formativos de nossas escolas de enfermagem. Questionamentos e visão crítica nem sempre são estimulados, e parece haver uma necessidade de criação de rotinas e procedimentos padronizados que possam automatizar o trabalho. Somos incentivados a dar respostas rápidas, imediatas àqueles que apresentam suas queixas, independente de suas características subjetivas. Nós somos inclusive separados de nossa própria subjetividade. Eis aí mais uma diferença com a proposta de trabalho do inconsciente. Para este fim só existe um meio, colocar em operação o próprio inconsciente e isso só é possível a partir de uma análise. Assim, logo que iniciei os atendimentos no CAPS ad também iniciei minha análise e tive a experiência particular de dar um direcionamento para minhas questões inconscientes, o que foi imprescindível para a clínica que desejava construir. 5.2 UMA CLÍNICA DESEJADA Apesar do período preparatório, o início do trabalho no CAPS ad (em dezembro de 2009) não foi fácil. O perfil dos atendimentos no programa de saúde da família era completamente diferente dos atendidos ali, a complexidade dos casos exigiam uma noção igualmente mais complexa acerca da subjetividade e dos impasses apresentados pelos casos que chegavam. Os atendimentos para consulta de enfermagem no CAPS ad eram feitos em dois turnos durante a semana, um pela manhã e outro pela tarde, eventualmente também encaixados em outros horários, como nos sábados, por exemplo. Havia o agendamento da consulta pelo recepcionista a partir da indicação da frequência: semanal, quinzenal ou mensal. 66 A seguir, trago algumas mudanças implantadas ao longo do tempo, a partir da experiência clínica e da aproximação com o referencial psicanalítico. Não foi um processo de implantação de uma psicanálise dentro da consulta de enfermagem de forma imediata, foi algo buscado a partir de pontos específicos que foram sendo repensados e levados até o cenário da consulta de enfermagem de forma que favorecesse o aparecimento desse sujeito do inconsciente. O local era o próprio ambulatório de enfermagem, uma sala fechada com banheiro próprio que contava com mesa, cadeiras, maca, dois armários e carrinho de medicação. Foi nesse espaço que comecei a desenvolver os atendimentos. Um espaço preparado para exame físico e administração de medicações, com maca, armários, carrinho de medicação, balança. Além disso, a existência do trio cadeira-birô-cadeira também conferia ao ambiente a idéia de um ambulatório clássico, sugerindo aos pacientes a apresentação de demandas relacionadas à doença ou à medicação. Assim, sem negar as atribuições da enfermagem dentro da equipe de saúde, com as consultas de enfermagem passei a experimentar outras formas de organização do espaço. A primeira mudança foi a porta. Por vezes, os pacientes apresentavam queixas íntimas, ou pediam segredo. As chaves ficavam com o porteiro e as portas do serviço eram apenas fechadas, mas não trancadas durante os atendimentos. Passei a trancar a sala pela parte de dentro assim que o paciente entrava e a abri-la ao término da consulta. Orientei a auxiliar de enfermagem para agir em situações de emergência a fim de evitar que as consultas fossem interrompidas, inclusive com algumas medicações e equipamentos em um armário no leito. Deixei a cadeira do paciente posicionada de modo a não visualizar armários, maca, balança. Em alguns atendimentos, retirei o birô e coloquei minha cadeira ao lado da cadeira do paciente, sem birô. Além disso, mesmo em uma cadeira, sugeria para o paciente sentar 67 confortavelmente. O objetivo era sair da posição clássica de detentor do saber e permitir que o paciente ficasse mais confortável para falar. Os documentos utilizados para o registro da dinâmica dos pacientes no serviço - que foram criados pela própria equipe, mediante estudos e revisão de outros instrumentos - foram produzidos assim: Avaliação (para ser realizada na primeira consulta, buscando identificar o perfil de uso de droga), Entrevista Inicial (questionário mais extenso, que abrangia histórico da doença, avaliação cognitivo-comportamental, dados sociais, etc), Ficha Familiar (utilizada somente pela assistência social para coletar dados do histórico familiar), além da Ficha de Evolução. Esses documentos institucionais tinham o objetivo de registrar, de auxiliar na condução dos atendimentos e de identificar o perfil dos pacientes. Aqueles que preenchessem as condições necessárias – ser maior de 16 anos, ter transtorno relacionado ao abuso de substância psicoativa e desejar o tratamento – seriam admitidos no serviço e teriam um projeto terapêutico específico. A prática da aplicação desses instrumentos, apesar de cuidadosamente elaborados, não foi tão simples. Seguir o roteiro nem sempre ajudava na condução dos atendimentos, uma vez que algumas questões não permitiam que o sujeito falasse muito sobre si ou não conseguiam enquadrar suas falas nos itens disponíveis como respostas. Além disso, muitas vezes, esses instrumentos eram preenchidos a partir dos ditos de familiares ou acompanhantes dos pacientes. Aqui se opunham os acontecimentos da realidade e a verdade que é exclusiva de cada sujeito. A realidade trazida por esses acompanhantes era registrada como uma verdade do sujeito, sem necessariamente dar voz a suas queixas. Assim, uma das minhas intervenções para a favorecer a escuta teve que passar pela modificação do lugar que esses instrumentos ocupavam. Ao invés de deixar que eles 68 conduzissem a consulta, passei a solicitar ao paciente que assumisse esse papel, decidindo ele mesmo sobre o que falar, como colocar suas queixas e trazer sua história. Essa forma consistia basicamente em uma pergunta feita por mim: “O que lhe traz aqui?”. O paciente era convidado a elaborar com suas próprias palavras a sua queixa. E a condução do atendimento era feita com base naquilo que o paciente apresentava. Não direcionava a conversa para algum tema específico, deixava que falasse e orientava a consulta em torno das questões apresentadas ali. Dessa maneira, eu passava a preencher os instrumentos a partir do que o paciente falava: o mais importante não eram os registros, mas tornar o ambiente mais propício possível para o aparecimento de uma implicação do paciente com aquilo de que ele vinha se queixar. Certa vez, uma profissional do serviço veio até mim dizendo que havia feito uma avaliação, mas que não conseguia falar com o paciente, somente com o pai e, que ainda assim, não estava conseguindo entender bem sua história. Encaminhou para que eu pudesse fazer a entrevista inicial. Escutei o pai, mas em determinado momento pedi para que se retirasse. Então, perguntei o que trazia o paciente até ali. Ele pegou uma caneta que estava sobre o birô, pediu papel e começou a escrever o que pareciam formas abstratas, mas em linha reta, como se fosse algo pertencente a outro idioma desconhecido para mim. Depois de finalizadas quatro linhas, fez um quadrado ao redor e me entregou dizendo que era o seu nome. Então, começamos a conversar sobre isso, ele falou de como gostava de ser chamado e, assim, foi escrevendo em seu “idioma” mais papéis e teve a oportunidade de orientar a sua própria fala a partir dos escritos. Não seguir um roteiro pré-estabelecido abriu possibilidades antes impensadas. Pode não significar muito pra quem espera respostas objetivas, mas o fato de, pela primeira vez, poder enunciar algo sobre si, foi importante. 69 Muitos familiares comparecem ao tratamento dos drogaditos, na verdade, muitas vezes são eles os primeiros a apresentarem queixas em relação ao consumo das substâncias e às alterações de comportamento relacionadas a esse uso. Na tentativa de entender o que “realmente” está acontecendo, em alguns momentos a fala do paciente é deixada em segundo plano, para um segundo momento, talvez para quando os medicamentos estiverem atuando no corpo e tranquilizando-o. Porém, onde está o sujeito nessa situação? Para que haja sujeito desejante é importante que ele tome posição diante daquilo que vem a se queixar. Se a queixa a ser levada primordialmente em consideração é a da família, então é a família que ocupa a posição de sujeito, e o paciente é apenas um subordinado nesse discurso, um objeto. Os conteúdos trazidos por ambos são verdades pertencentes a cada discurso. Cairíamos num erro caso orientássemos o tratamento de um com base no discurso do outro. Além disso, como nos aponta Lacan ([1967] 2003), a psicanálise não impõe nenhuma orientação da alma, nenhuma abertura da inteligência, ela joga com o contrário, a não preparação. Até mesmo a preparação de algo para se dizer em uma análise, é inconveniente, pois propiciará a manifestação de resistências. O que está em jogo é o inconsciente, que pertence a um sujeito, apresentado-se no dizer ambíguo – material supremo no inconsciente – em sua essência mais pura. É nesse dito inesperado que se abre uma porta, além da qual não há mais nada a encontrar, uma falta, isso que propicia o surgimento do desejo. A família deve ter seu lugar nesses serviços de atenção psicossocial, contanto que isso não seja responsável por apagar o sujeito, desresponsabilizando-o de seu próprio tratamento. Assim, essa modificação no eixo de condução da escuta exige que se opere uma transformação na forma de fazer os registros: o que escrever? Quanto? Como? Não havia um modelo pronto para o registro das consultas. Assim, passei a pautar minha escrita nesse instrumento a partir das falas dos pacientes. Nem sempre era possível transcrever tal e qual o 70 paciente apresentava, mas ao longo dos atendimentos era possível perceber aqueles significantes que mais marcavam o discurso, bem como seus pontos de desestabilização, desencadeamento e repetição. Aos poucos uma história de vida era construída e eram identificadas passagens importantes relatadas pelo paciente, passagens subjetivas que apontavam para sua relação com o Outro. A extensão desse registro poderia variar, dependeria do atendimento. Porém algo que chamou minha atenção foi certo incômodo em relação aos prontuários que ficavam em cima da minha mesa. Muitos pacientes pediam para lê-los, ou ficavam curiosos para saber o que estava escrevendo. Às vezes, não falavam nada, mas percebia o olhar desviado para o que estava entre a ponta da caneta e a folha de papel e que poderia falar alguma coisa sobre si, além do que eles mesmos tinham a dizer. A partir disso, deixei os prontuários de lado no momento do atendimento. Isso auxiliou inclusive na minha atenção que ficou mais direcionada para a fala do paciente. Muitos pacientes perguntavam sobre o que deveriam falar, afirmando que não tinham nada mais para dizer. Porém, sempre sugeria a eles que falassem sobre o que viesse a mente, qualquer coisa. Para isso, era necessário que eu estivesse pronto a ouvir aquilo que eles trouxessem, o que seria dificultado caso eu realizasse os atendimentos preocupado em escrever. A presença do prontuário algumas vezes inibia a fala, talvez por saber que o que ele dissesse ficaria registrado ali. Assim, outra mudança foi realizar uma filtragem daquilo que eu iria escrever no prontuário, só deixando ali aquilo que fosse necessário à equipe para a condução do projeto terapêutico. Aquilo que da fala do paciente se endereçava especificamente a mim passou a ser registrado num diário particular. Esses registros, inclusive, possibilitaram as bases para os casos que irei apresentar mais à frente e que foram responsáveis por diferenciar a relação que os pacientes mantinham com a instituição de forma geral e a relação que construíram comigo. 71 Certa vez, recebi um paciente encaminhado da Secretaria de Saúde do Município e ele sempre queria saber o que estava sendo escrito. Sempre falava que estava tudo bem, que ia bem no tratamento, que estava diminuindo o consumo de álcool. Um discurso muito bem organizado, mas que não trazia quase nada de sua história, um sujeito que não se fazia presente. No dia em que o atendi sem deixar seu prontuário à vista, somente escutando-o ele trouxe questões particulares sobre sua ex-mulher e sobre o abandono dela após muitos anos de discussão por problemas relacionados ao consumo etílico. A questão do (ab)uso de substâncias, mesmo sob o referencial da redução de danos, apresenta-se como uma grande preocupação na condução de muitos casos. Mesmo que o foco não seja a abstinência, os padrões de consumo acabam sendo o foco principal de algumas intervenções. Apesar de estar em um serviço cuja indicação seja o trabalho com a orientação da redução de danos, o manejo dessa política ainda encontra entraves na prática. A especificidade no perfil dos atendimentos de um CAPS ad faz com que as demandas, pelo menos iniciais, circulem sempre por temas relacionados à drogadição. Porém, o uso de drogas também ocorre como forma de suporte para o mal-estar provocado pela vida na civilização (Freud, [1930] 2006). Seja uma fuga, ou uma tentativa de transcendência, há uma busca por algo que possa responder a outra coisa anterior ao (ab)uso. Inclusive existe certo desconforto dentro da rede de saúde na tentativa de identificar o(s) serviço(s) mais adequado(s) para determinado paciente. Quando um paciente em sofrimento mental passa a ser da Unidade de Saúde da Família ou do CAPS? E se tiver uso de drogas em sua história, deve ir ao CAPS ad? Atualmente vemos esforços no sentido do trabalho em rede, ou seja, há um estímulo à interação entre os serviços na condução dos casos. Porém, é importante que haja um lugar que acolha as queixas, que realize atendimentos ao longo de um tempo onde uma história possa ser construída, independente de perfis, que nada dizem sobre o sujeito, que não propiciam 72 uma mudança de posição em relação a seu sofrimento, ao contrário, contribuem para o engessamento das possibilidades de transformação. No trabalho coletivo, a discussão dos casos deve ir no sentido do que Ana Cristina Figueiredo (2003) chama de “aprendizes da clínica”, independente da profissão, tomando como base as indicações do sujeito para o seu tratamento e não a imposição de modelos de reabilitação. O tempo também possui suas especificidades em relação ao trabalho com o inconsciente. Desde o início era perguntado ao paciente sobre sua disponibilidade para vir às consultas e agendado seu retorno após os atendimentos. Alguns pacientes estabeleceram uma rotina de vir semanalmente sempre no mesmo horário. Não havia um tempo previamente estipulado para as consultas. Esse tempo era feito a partir de uma queixa trazida pelo paciente e as associações que o discurso ia apresentando. O término da consulta ocorria sempre com algo que fosse apresentado que poderia indicar uma abertura do inconsciente, como uma tirada espirituosa, a indicação de um ponto de dúvida, um significante importante para aquele discurso, a colocação de um enigma. A indicação é de que o tempo possa ser variável. Pode ser prolongado, para esperar novas associações, ou encurtado na pressa de precipitar uma marcação do inconsciente. É importante ter em mente o conceito de posterioridade, pois a elaboração acontece só depois das intervenções (FIGUEIREDO, 1997). Diferente da clínica que considera apenas o consciente, evitava terminar a consulta fechando um sentido, dando respostas prontas para o paciente. Certa vez, um paciente me falou que fora dali, ficava pensando nas perguntas que eu poderia fazer durante as consultas e isso o levava a refletir mais sobre suas escolhas. 73 Na verdade, cada paciente que recebia era uma nova história a ser escrita. Busquei pela dúvida, por aquilo que não estava claro em relação ao desejo dos pacientes. Pedia mais esclarecimentos, solicitava para que lembrassem da origem dos problemas, principalmente, dos que costumavam se repetir. Na relação transferencial, evitava me colocar na posição daquele que dava respostas ao sofrimento. Dispunha-me a ouvir e a estimular cada fala como única e como incompleta, necessitando sempre algo a mais, para trilhar um caminho em direção a um desejo “bem dito”. E, mesmo assim, é importante lembrar que a interpretação em sua maior parte era feita pelo paciente (CRUXÊN, 2009). Essas mudanças permitiram ir além da queixa inicial dirigida ao CAPS e refinar a demanda do paciente, possibilitando que emergisse algo do sujeito e de sua divisão (consciente/inconsciente). A questão do diagnóstico desperta bastante interesse tanto na enfermagem como no campo da atenção psicossocial de forma geral. Existe a noção de que eles são os responsáveis por se aplicar determinada terapêutica, numa lógica generalista, buscando atribuir ao sofrimento do sujeito uma nomenclatura ou código previamente estabelecido. Algo importante para trazer a essa discussão, é que os diagnósticos médicos com base na Classificação Internacional das Doenças (CID) são as principais ferramentas que orientam o financiamento dos CAPS, através do preenchimento das Autorizações para Procedimentos Ambulatoriais (APAC). A utilização dos diagnósticos médicos para a organização política dos serviços se reflete também na prática clínica, inclusive de outros profissionais como os enfermeiros, uma vez que vemos rapidamente esses diagnósticos serem atribuídos com apenas poucas perguntas. 74 A enfermagem também dispensa esforços para alimentar os seus próprios manuais de diagnósticos, que têm crescido de volume, sempre tentando incorporar os novos eventos percebidos, pretendendo abranger todos os possíveis problemas e intervenções em um só lugar. O esforço por dar conta de toda a realidade para “facilitar” o trabalho acaba por atribuir sentidos que vêm de qualquer lugar menos do sofrimento singular apresentado pelo paciente. Diagnóstico, na origem do termo, diagnóstikós, significa meio para se obter um conhecimento. E quem melhor para apontar o caminho para este fim senão aquele que traz seu sofrimento até a clínica em busca de respostas (INSTITUTO ANTONIO HOUAISS, 2001). A psicanálise não desconsidera o trabalho sobre os diagnósticos, pelo contrário, há uma valorização deles como determinantes na condução do tratamento. Porém existem importantes diferenças ao conceber os diagnósticos a partir da psicanálise. Inicialmente porque não são os fenômenos, mas sim as estruturas psíquicas que devem orientar esse caminho em direção ao conhecimento. Assim, ao invés da extensa lista de acometimentos que estamos acostumados a ver, a psicanálise conduz os casos a partir de apenas três diagnósticos estruturais: neurose, psicose e perversão. Esses diagnósticos não são fechados de imediato, eles necessitam de tempo para serem colocados como hipótese para os sujeitos. Os diagnósticos baseados em fenômenos não são abandonados nesse processo, mas concebidos a partir do discurso do sujeito, que muitas vezes se vê amarrado a eles, limitando suas possibilidades. Nas consultas embasadas por uma escuta que se fazia presente, não procurava definir os diagnósticos baseados em fenômenos, buscava o que estava para além disso, que insistia e indicava algo da estrutura psíquica. Não abandonei os diagnósticos médicos, apenas passei a encará-los de forma diferente, retirando de minha prática o seu caráter orientador de um possível projeto terapêutico. Ao invés disso, resolvi instigar o paciente a traçar um caminho próprio em direção à produção de um saber singular. 75 A posição do enfermeiro nesses serviços exige também que, no plano das ações, outras atividades sejam realizadas, como administração de medicações, exames físicos, controle de materiais e gerenciamento da equipe de enfermagem. Acredito que discorrer sobre isso fugiria ao foco do trabalho que é justamente a clínica e as transformações possíveis ao considerar o inconsciente. Porém, talvez seja importante pontuar brevemente que o trabalho com o inconsciente, era realizado durante as consultas. Os procedimentos que relato neste capítulo não eram adotados em outras contextos (como por exemplo durante a administração de uma medicação), faziam parte de uma determinada situação, bem delimitada dentro do consultório a partir das falas. Os procedimentos fora desse lugar eram realizados de forma tranquila e objetiva, evitando expor os conteúdos das consultas ou constranger os pacientes. As implicações desses procedimentos na relação transferencial poderiam ser tratadas mediante a apresentação, por parte do paciente, dessas questões durante as consultas. Assim, buscando pela incompletude, pela falta, pelo furo, procurei transformar a atuação clínica de maneira que o desejo pudesse ter seu lugar, diante de tantas estratégias que buscam tamponar esse traço tão singular do sujeito. Esse foi e é um caminho a ser traçado cotidianamente. Algo que se renova a cada novo paciente que chega ao consultório e que reivindica do profissional não respostas prontas, mas o eco de suas próprias questões, o seu comprometimento com o aquilo que deseja e que só terá acesso a partir disso que acreditamos ser um trabalho com o inconsciente. Para isso, os critérios para a formação do analista acabaram acontecendo: desejo de realizar este trabalho, direcionar minhas próprias questões na análise pessoal, supervisão dos casos com psicanalista e estudos (realizados a partir da participação em atividade da Escola de Psicanálise do Campo Lacaniano de Fortaleza). 76 Muito ainda precisa ser transformado, porém, como apresentaremos nos casos a seguir, acreditamos que as mudanças ocorridas durante esse período indicam a possibilidade de um trabalho que considere a ética do desejo a partir da clínica de enfermagem. 77 6 A PESQUISA EM PSICANÁLISE NO CONTEXTO DO CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM Apresentamos agora uma breve discussão acerca da possibilidade de se fazer pesquisa em psicanálise no contexto da clínica de enfermagem. Como vimos anteriormente, a enfermagem tem buscado se firmar enquanto ciência, procurando reconhecimento para a profissão através da ampliação do que seria o seu corpo de conhecimento próprio. Apesar de a profissão ter sua origem em Londres no século XIX, é somente nos Estados Unidos, no início do século XX que a preocupação com um caráter científico vai ganhar força, influenciada pelo Relatório Flexner (ALMEIDA & ROCHA, 1989). Tal relatório diz respeito a uma reorganização do ensino de medicina nos EUA, que passa a disciplinar o conhecimento científico da prática médica, promovendo uma dicotomia, em que primeiro devem vir os fundamentos teórico-científicos, para, em seguida poder se exercer a prática. Nessa época, o aumento do número de atendimentos contribuiu para essa procura por um caráter científico. A divisão social do trabalho operada a partir da passagem das atividades manuais dos médicos, para os enfermeiros e, em seguida, para os auxiliares, fez emergirem as técnicas como primeira expressão dos saberes de enfermagem. Assim, há uma intencionalidade em estabelecer uma proximidade com a medicina, especialmente com sua autoridade, que se dá através da cientificidade. A partir das ciências naturais e sociais a enfermagem vai estabelecer suas bases para a construção de seu corpo de conhecimentos científicos acumulativos (ALMEIDA, et al, 2009). Com essas bases, surgem as teorias de enfermagem, que supostamente dariam conta da especificidade de seu fazer. Essa especificidade ganha uma organização sistêmica na execução dessas teorias através de uma adequação ao método científico, que passa a se 78 chamar “processo de enfermagem”, composto por suas etapas: histórico, resultados esperados, diagnóstico, planejamento, implementação e avaliação. Atualmente, vemos os sistemas diagnósticos específicos da enfermagem - como NANDA, CIPE, NIC - empenhados em desenvolver o quadro de terminologias com a finalidade de compreender a totalidade da experiência da assistência de saúde (NANDA, 2002). Porém, como afirma Almeida, et al (2009), em relação às dimensões que envolvem o cuidado, este não pode ser o produto de um saber exclusivamente instrumental provido do saber científico e tecnológico, pois se assim o for, será insuficiente para a execução efetiva daquilo a que se propõe. Assim, a busca pelo caráter científico da profissão, acarreta um furo, uma falta nas ações de enfermagem puramente científica. Esse furo que se percebe na prática da enfermagem é justamente o lugar onde caberia o sujeito. Na interseção da enfermagem com a ciência, acreditamos que algo que possa nos ajudar a compreender essa lacuna nas ações de cuidar esteja relacionado ao campo da subjetividade. Silva e Kirschbaum (2008) afirmam que o ato cuidador ganhará novas dimensões quando, diante dos impasses cotidianos da clínica (como, por exemplo, dores sem “causa” aparente; pacientes que detém conhecimento, mas não mudam seus hábitos), consideramos, a partir de uma observação rigorosa, que há ali algo que ultrapassa a racionalidade científica. A ciência, ao mesmo tempo em que funda o sujeito, anula-o, atribuindo-lhe um caráter indivisível, de um todo completo. Como afirmam Alberti e Elia (2008), o sujeito, para a ciência, é somente uma variável passível de mensuração quando interfere num experimento científico, por exemplo. O mundo da ciência é o mundo das representações, daquilo que pode ser simbolizado, assim, consequentemente, deixa de fora aquilo que não pode ser representado. 79 O Cogito, ergo sum (Penso, logo sou) de Descartes, provocou uma dicotomia, onde o corpo foi alienado do ser, que se constitui apenas do Cogito, do pensamento consciente. Aquilo que escapa à representação, à consciência, à racionalidade científica, vai ser justamente o interesse introduzido pela psicanálise. O inconsciente é uma forma de saber que não se deixa apreender por todo e qualquer método ortodoxo ou tradicional da ciência clássica. O sujeito do inconsciente, sendo um novo objeto diante do sujeito cartesiano, exige um novo método que o comporte, o método psicanalítico. Muitas pesquisas ordenam os sujeitos a partir de classe social, nível de escolaridade, credos, raça. A psicanálise atravessa todas essas categorias e vai se ocupar de outras características em relação aos sujeitos: posição diante do desejo, pontos de gozo, pontos de angústia, modos de funcionamento fantasmático, (des)organização psíquica (ALBERTI & ELIA, 2000). O inconsciente é o campo de pesquisa que inclui o sujeito, normalmente foracluído do discurso da ciência. É assim que a psicanálise propõe um resgate do corpo do exílio, articulando-o como lugar de gozo, às letras que possam cifrá-lo (ELIA, 2004). Freud ([1900] 2006) em A interpretação dos sonhos afirma que a verdadeira realidade psíquica é o inconsciente, tão desconhecido para nós quanto a realidade do mundo externo. Este se apresenta de modo tão incompleto pelos dados da consciência quanto o mundo externo pelas comunicações dos sentidos. Ele buscou as bases da psicanálise no método hipotético-dedutivo, que consiste em, partindo de premissas ou postulados iniciais, chegar a conclusões lógicas verdadeiras (ALBERTI & ELIA, 2008). Obviamente, para que a conclusão seja verdadeira, é obrigatório que as premissas sejam válidas. Mas esse método precisava estar submetido à experiência clinica, que difere do laboratório do cientista, pois na primeira, o psicanalista está envolvido. 80 Dessa forma, a psicanálise surge no mesmo solo que permitiu o advento da ciência, isto é, aquele da modernidade, que desloca as bases do acesso à verdade do teocentrismo para colocá-la nas mãos do próprio homem. No entanto, enquanto que a ciência aposta na racionalidade do método, foracluindo o sujeito, a psicanálise vai convocar à cena esse mesmo sujeito, através de sua fala, de seus sintomas, seus lapsos e seus chistes. Alguns autores, como Karl Popper, incumbiram-se de questionar a cientificidade da psicanálise, afirmando que seu método não comportaria a ciência. Popper afirmava, por exemplo, que se os conceitos psicanalíticos se chegavam a descrever alguns fatos, o fariam do mesmo modo que os mitos, contendo sugestões psicológicas interessantes, porém não testáveis (PALOMBINI, 1996). O psicanalista francês, Jaques Lacan, vai inverter as coordenadas desse questionamento e passa a se perguntar: Qual ciência comportaria a psicanálise? (ALBERTI & ELIA, 2008). Ou seja, qual a contribuição da psicanálise para pensarmos a nossa forma de fazer ciência? É a essa pergunta que somos convocados a responder sempre que nos propomos a fazer pesquisa em psicanálise. Segundo Freud ([1895] 2006) a psicanálise é ao mesmo tempo teoria, técnica e método de investigação. Assim, o contexto da descoberta é o mesmo da verificação. Ela implica um olhar sobre outras lógicas de raciocínio, numa plurideterminação discursiva que vai além da causalidade positivista (GUERRA, 2001). Por isso, pesquisar em psicanálise significa, num sentido amplo, desenvolver um conjunto de atividades voltadas para a produção do conhecimento que vão estabelecer com a psicanálise distintas relações (FIGUEIREDO & MINERBO, 2006). Assim, neste tipo de pesquisa, o pesquisador não deve ser anulado, nem encarado como imparcial, ele aparece como sujeito dividido - desde a escolha do seu tema e ao longo 81 do desenvolvimento da pesquisa – devendo ficar atento aos lapsos, inibições, etc. Ele se move a partir das lacunas. Para isso é fundamental que o pesquisador/psicanalista se disponha à análise pessoal. Assim, ele terá a oportunidade de operar com o seu próprio inconsciente, percebendo sua divisão subjetiva, inclusive podendo levar suas questões em relação à pesquisa para o trabalho de análise. Além disso, também existe a supervisão, onde os casos são organizados e levados a um analista com maior experiência. O supervisor também indica as lacunas aquilo que precisa de maior atenção na condução dos casos. Andrea Guerra (2001) nos mostra que o trabalho do pesquisador é semelhante ao de um analisante, “enxugando” a torrente de significantes para se aproximar de seu ponto de convergência e trabalhando sobre os pontos de evitação que o texto traz em si. A visada não é apenas uma história construída a partir do deslizamento e da repetição significante, mas um deslocamento na produção de gozo. Essa articulação entre significante e gozo é a responsável pela singularidade que se funda no campo do saber. Devemos levar o efeito do significante ao extremo, onde os obstáculos ao saber possam ser identificados até que uma questão possa ser formulada. Dessa maneira, a verdade está do lado da questão e não do lado da resposta. O importante é produzir uma questão bem articulada aos significantes do paciente, provocando uma mudança de posição. A pesquisa psicanalítica, justamente por trabalhar com a impossibilidade de previsão do inconsciente, não poderia jamais exigir uma sistematização completa e exclusiva. Este trabalho prioriza o estilo e a marca singular daquele que se coloca como analista para um outro. Ela é sempre uma apropriação do autor que depois de pesquisar o método freudiano descobre um método seu, filiado a essa vertente e o singulariza na realização de uma pesquisa (IRIBARRY, 2003). 82 Cabe a nós neste momento tratar um pouco a respeito de algo, cujo manejo vai ser fundamental não só para a pesquisa, mas para todo tratamento que busca por um trabalho psicanalítico, a saber, a transferência. A articulação entre isso que há de essencial na psicanálise, o inconsciente, e a construção teórica acerca da transferência possui características singulares e fundamentais para o entendimento do lugar do sujeito para este trabalho. Quando falamos de sujeito, falamos tanto daquele construído a partir do trabalho com a escuta, como do pesquisador que se coloca em posição de não saber, que se encontra dividido em relação às questões que conduzem à teoria singular do paciente. A transferência não é mais uma formação do inconsciente, como os sonhos, os sintomas, os chistes e os atos falhos. Para Freud ([1915] 2006) a transferência é a própria atualização do inconsciente, sob a forma de uma relação de objeto. Ela é um campo propriamente construído pela experiência analítica, que coloca em cena as configurações produzidas pela fantasia. É aquilo que emerge quando convocamos o sujeito a falar, segundo o método introduzido pela livre associação. Falamos de amor, de afeto que, longe de trazer a noção de sentimentos, é algo a ser rechaçado pelo analista. É como se após invocarmos, mediantes astutos encantamentos, os demônios do fundo do inferno, os mandássemos de volta sem lhes fazer sequer uma pergunta (ELIA, 2004). A transferência foi algo que Freud não previu, ele espantou-se ao perceber que sempre retornavam a sua figura afetos de seus pacientes, fossem eles positivos ou negativos. Diferente das resistências, diante das quais criou a técnica da livre associação, o trabalho com a transferência foi algo mais inesperado. Em relação à dinâmica da transferência, afirmou que, no tratamento, a transferência acontece como a resistência mais poderosa, enquanto que fora desse contexto, é condição de sucesso (FREUD, [1911] 2006). O saber suposto ao analista pode fazer com que o paciente tenha vontade de falar, através do estabelecimento da confiança. Porém, a transferência também pode ser negativa, 83 provocando resistências, na medida em que ela apresenta conteúdos inconscientes sexuais. Não deve haver uma prevalência desse último tipo, uma vez que é preciso que algo provoque a direção da fala do analisante (GARABINI, 2009). A transferência é um impasse que, orientado por um analista, ao longo do tratamento vai descobrindo a sua própria solução. Nasio (1999) indica um dos conceitos de transferência como sendo a repetição, atual, com o analista das experiências sexuais infantis e do passado. Essa compulsão a repetição acontece justamente ao se deparar com aquilo que “não cessa de não se escrever” (LACAN, [1970] 1985), o impossível de ser dito, mas que está sempre retornando, solicitando um deciframento. E é no trabalho de uma análise que essas resistências poderão ser suspensas, possibilitando uma alteração nesse modo compulsivo de funcionamento, deslocando o sujeito da posição de gozo. Assim, o manejo da transferência a partir do trabalho com o sujeito do inconsciente propõe fazer uma travessia pelo campo do amor, incluindo-o em sua dimensão real, através das maneiras como o sujeito ama em sua vida, sem que para isso se precise levar à satisfação concreta com o profissional. Porém, como já alertamos, este não é imparcial, e o amor também o atinge. Ana Cristina Figueiredo (1997) propõe uma questão a respeito disso: “Qual o amor possível como resposta do analista, se não existe modelo na vida real?”. A resposta está na verdade, no amor à verdade, que, ao ser distinta de realidade, busca sua consistência nos significantes produzidos pelo paciente ao ser estimulado a dizer o que lhe vier à cabeça. Assim, produção e verificação ocorrem simultaneamente no trabalho analítico, onde o próprio texto se constitui como produção (dizer) e produto (dito). Lembramos sobre a diferença entre analista e pesquisador. O analista, ocupando o lugar de objeto causa do desejo, diferente do pesquisador, que, no trabalho da transferência, encontra-se dividido a partir do saber constitutivo do campo do inconsciente (ELIA, 2000). 84 Essa distinção não diz respeito à pessoa, mas sim aos lugares ocupados a partir da proposta de pesquisa em psicanálise. É entendendo o lugar da transferência no trabalho analítico que podemos conduzir o tratamento e também a pesquisa. Pelas configurações de amor e ódio, o desconhecimento provocado pelo inconsciente confere as características simultâneas da transferência: mola e palco das dificuldades. Sendo ela positiva ou negativa, devemos acreditar que os pacientes, a partir do estímulo a produção significante pela escuta embasada pela técnica da livre associação, são capazes de encontrar suas próprias soluções. A princípio pode parecer estranho discutir esses conceitos do referencial psicanalítico no contexto de uma pesquisa localizada na clínica de enfermagem. Porém, tanto a enfermagem como a psicanálise são práticas clínicas que se desenvolvem junto ao paciente. E, devido à lacuna em relação à subjetividade, atribuída a busca pelo caráter científico da profissão, a enfermagem pode colher na psicanálise o material teórico-metodológico necessário para o trabalho com o inconsciente. A seguir apresentamos o método utilizado para a construção de dois casos clínicos, atendidos no contexto da clínica de enfermagem, que procuraram pelas contribuições da psicanálise na elaboração de uma teoria singular para cada um a partir de uma escuta comprometida com a verdade do sujeito do inconsciente. 6.1 O MÉTODO DA CONSTRUÇÃO DO CASO CLÍNICO Neste trabalho nos servimos de dois casos clínicos5 atendidos no CAPS ad para abordarmos as implicações da abordagem psicanalítica para o cuidado clínico de enfermagem no serviço. 5 Este trabalho faz parte de uma pesquisa maior intitulada “Clínica do sujeito e psicanálise: pensando novas estratégias de intervenção em saúde mental”, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará. Protocolo nº: 10340285 – 3. 85 Muitos foram os pacientes atendidos durante aproximadamente três anos de clínica de enfermagem no CAPS ad. Por isso, precisamos selecionar alguns casos que possam servir para o nosso estudo de forma a contribuir com essa investigação. Assim, os pacientes selecionados deveriam ter feito avaliação e entrevista inicial com o pesquisador, ter apresentado demanda relacionada ao uso de drogas e participar das consultas de enfermagem. Também foi levado em consideração o período de atendimento e o material coletado (escritos em diário particular) suficientes para a construção desses casos. Em psicanálise, teoria e clínica são dois termos intimamente articuladas e que se interrogam mutuamente. Ao passo em que são os conceitos fundamentais da psicanálise que embasam nossa prática, esses mesmos conceitos devem ser ratificados pela clínica e somente a partir desse lugar assumir o valor de fundamento teórico. A clínica não é um lugar de aplicação de um saber teórico, mas sim um lugar de produção de um saber único. Não há um caso “padrão”, que possa ser generalizado para mais de um sujeito. No entanto, é através da construção do caso clínico que podemos avançar na discussão teórica. A construção é um arranjo dos elementos do discurso visando uma conduta, o caso (do latim cadere) quer dizer cair, e a clínica, do grego kline, leito, portanto, podemos considerar como conceito o (re)arranjo dos elementos do discurso que caem durante a inclinação para colhê-los não ao pé do leito, mas ao pé da letra (FIGUEIREDO, 2004). Viganò (2010) propõe articular a construção do caso clínico como um método de pesquisa onde se deve buscar por pontos cegos, pela falta de saber, onde encontra-se o sujeito. O terapeuta coloca-se em posição de aprender enquanto que o paciente é convocado a assumir uma posição de saber. Porém isso a ser ensinado pelo paciente não passa pela consciência, só é possível a partir da escuta, das coincidências escondidas de sua história, do enigma de seus atos falhos, nas recaídas, nas ausências, naquele que dê indícios de formações do inconsciente. 86 Devido ao fato de esta pesquisa tomar como referencial a psicanálise, procuramos adotar uma postura frente aos casos estudados que nos permita considerar a existência do sujeito do inconsciente e das consequências de se assumir essa posição. Sendo assim, optamos por utilizar uma forma específica de abordar o caso, a partir das indicações fornecidas por Guimarães e Bento (2008). Esses autores sentiram a necessidade de responderem a questão “Como fazer um estudo de caso em psicanálise?” a partir da experiência com os alunos que, ao realizarem estudos de caso, partiam da revisão de literatura para em seguida iniciarem os atendimentos aos pacientes e finalmente partirem para a escrita do caso. Porém, eles perceberam que os alunos tinham problemas ao tentar adaptar o caso ao material coletado previamente na literatura. Dessa forma, Guimarães e Bento (2008), procurando por uma melhor articulação entre teoria e prática, retomam os casos apresentados por Freud: O caso Dora, o pequeno Hans, o homem dos ratos, o homem dos lobos e o caso Schreber. Nesses casos, a parte inicial tratava da descrição do caso, do início da sintomatologia até as manifestações mais atuais. Num segundo momento do tratamento, os indícios da relação transferencial e contra-transferencial também apareciam e Freud chegou a considerá-los como obedecendo à mesma lei responsável pela formação dos sintomas do paciente. E finalmente, o momento da escrita a partir de uma situação problema. Restando ao pesquisador recorrer às construções teóricas existentes para confirmá-las ou refutá-las a partir dos achados durante o período de atendimento. Assim, buscamos por essa construção teórica seguindo o caminho do “pathos” dos pacientes (daquilo que os afeta), que só acontece num tempo a posteriori. Os autores sugerem que este “pathos” pode ser desmembrado em três momentos: o pathos-doença, o pathostransferência e a escrita da construção teórica. A seguir, apoiamo-nos na descrição de Almeida (2009) para apresentar cada etapa. 87 a) A escrita do “pathos-doença” e a descrição da história da doença - O primeiro passo na experiência clínica analítica se inicia com o registro dos dados anamnésicos necessários para compor a queixa do paciente. Esse registro foi feito em diário particular onde buscava por anotar em momento posterior à consulta os significantes que caiam no discurso dos pacientes. A escrita desta clínica visou articular a história da doença com os acontecimentos da história de vida do paciente. Objetivou-se colocar a ênfase na mera descrição da evolução da sintomatologia do paciente, desde seu aparecimento até suas manifestações atuais, antes da análise propriamente dita do caso. Este passo tem por objetivo apresentar claramente a queixa do paciente, descrevendo-a de forma neutra. Citações literais da fala do paciente sobre sua doença estão presentes aqui. Procurou-se construir uma história da evolução da doença do paciente, relacionando-a com os principais acontecimentos da sua história de vida associados à aparição dos seus sintomas. b) A escrita do “pathos-transferência” do paciente no tratamento analítico - O segundo passo da clínica analítica foi o estabelecimento da relação transferencial pesquisador-sujeito, centrado na promoção de uma retificação subjetiva, estimulando o sujeito a aplicar-se naquilo de que vem a se queixar. Aqui, traçamos o conceito de transferência descrito por Laplanche e Pontalis (1998, p. 514) como sendo “o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro da relação analítica”. Segundo Guimarães e Bento (2008), o objeto principal da queixa deixa de ser o sofrimento pela doença para ser o sofrimento por sua relação com o analista, isto é, sua transferência. Nesta etapa, buscamos construir a história do tratamento do paciente, valorizando especialmente a descrição dos cenários transferenciais que apareceram no contexto da relação analista-analisando, trazendo citações literais da fala do sujeito e as 88 intervenções e/ou do entendimento do analista. Foram destacadas as “questões problema” que serão analisadas e interpretadas no passo seguinte. c) A escrita da construção teórica - Trata-se de escrever a análise e a interpretação das histórias da doença e da transferência do sujeito, para ascender ao nível da construção teórica em psicanálise. Tem por objetivo realizar uma discussão clínica, analisando e interpretando os dados descritivos do “pathos-doença” e do “pathos-paixão-transferência”. Aqui, procuramos escolher uma situação problema do tratamento para orientar a escrita. Partimos, assim, de alguma questão central extraída da clínica do caso, fazendo uma delimitação conceitual daquilo que usamos como objeto da investigação. Nessa delimitação foram selecionados fenômenos, temas ou questões que nortearam a pesquisa teórica. Segundo Guimarães e Bento (2008), os estudos de casos em psicanálise não devem funcionar como vinhetas clínicas, isto é, como ilustrações clínicas da teoria, mas sim, como possibilidade de se recorrer à clínica do caso como ponto de partida da construção, da aceitação e da refutação. Assim, é com essa estrutura que trabalhamos com os casos clínicos a seguir, buscando por respostas às questões que dão movimento a esse trabalho, em direção às contribuições da psicanálise para o cuidado clínico de enfermagem no CAPS ad. 6.2 CASO CLÍNICO: MALUCO BELEZA a) A escrita do “pathos-doença” Em Fevereiro de 2009, o CAPS ad promovia um baile de carnaval. Próximo ao final do evento, eu estava com um microfone encerrando as atividades quando se aproximou um homem visivelmente alcoolizado, cambaleando e me perguntou se poderia ler uma poesia. Perguntei seu nome e ele respondeu: “Raul Seixas: o Maluco Beleza”. Então, ele leu num papel amassado que trazia consigo algumas frases que rimavam: “CAPS ad e você, tudo a 89 ver”, “Apague o cigarro e acenda sua mente, e viva contente no meio da gente”. Assim, nessa ocasião tive a oportunidade de convidá-lo para uma nova avaliação. Apesar de este ter sido o primeiro contato, já tinha ouvido falar dele, pois esteve envolvido num conflito quando fez avaliação com outro profissional do serviço. Além disso, era uma figura conhecida no bairro, era o Raulzito ou Maluco Beleza, apelido pelo qual também era conhecido. Frequentava assiduamente os bares do bairro, vivia sujo e embriagado, vestido com roupas que estampavam letras das músicas de Raul Seixas. Durante as primeiras consultas realizei a avaliação e a entrevista inicial. Raul tinha 46 anos, residente num município da região metropolitana de Fortaleza. Solteiro, era o quarto filho de uma família de cinco irmãos. Morava num quarto separado do restante da casa com entrada independente. Na casa moravam três irmãos e a mãe, que era “doente”, vivia acamada e precisava de cuidados. Não tinha emprego fixo, fazia “bicos” na Ceasa, as pessoas costumam doar coisas para ele, como roupas e comida. Quando lhe perguntei o motivo de estar ali, ele respondeu: “Vim fazer tratamento para parar de beber e fumar”. Dizia que bebia quando ficava triste, geralmente acompanhado de amigos ou desconhecidos. Bebia em qualquer lugar, menos em sua casa. Durante o consumo etílico lembrava do pai, dos mortos, além de ter dor no estômago. Ao beber, sentia dores no peito, falta de apetite, insônia, tristeza, ouvia vozes que diziam para acabar com a família. Quando lhe pedi para falar mais sobre essa demanda que lhe trouxera ao CAPS ad, Raul entremeou sua fala com letras das músicas de Raul Seixas (ditas de forma ininterrupta, sem pausas): “Mamãe não quero ser prefeito pode ser que eu seja eleito e alguém pode querer me assassinar eu não preciso ler jornais mentir sozinho eu sou capaz não quero ir de encontro ao azar papai não quero provar nada eu já servi à pátria amada e todo mundo cobra minha luz oh coitado foi tão cedo deus me livre eu tenho medo morrer 90 dependurado numa cruz eu não sou besta pra tirar onda de herói sou vacinado eu sou cowboy cowboy fora da lei.” Ele não cantava, nem recitava. Apenas dizia de uma só vez toda a música e, apesar de sua queixa inicial dizer respeito ao consumo de álcool e cigarro, geralmente essas músicas vinham seguidas de queixas relativas às internações psiquiátricas pelas quais passou: “Passei por vários manicômios... eles me maltrataram muito. Me batiam, não podia falar nada. Era uma covardia. Covardes!”. Sobre o início dessas internações falou: “Tinha emprego bom na têxtil união, foi com a morte do meu pai que me afundei sem razão”. Referiu ter experimentado álcool pela primeira vez aos 11 anos, um licor ofertado pelos amigos durante festa e que passou por oito internações por “consequência da bebida”. Na adolescência, quando a família mudou-se para a região metropolitana de Fortaleza, começa a fazer “bicos” na Praia do Futuro por volta dos anos 70. Foi nesse momento que conheceu as músicas de Raul Seixas e passou a fazer imitações do cantor para os frequentadores da praia. Quanto ao pai, Raul disse que este era agressivo e bebia muito: “Um dia ele passou mal. A gente levou ele para o hospital. Morreu por erro médico”. Isso foi há vinte anos e Raul afirma sentir muita falta dele. Também falava que era humilhado pelo pai, quando ainda moravam no interior, que ele o colocou para trabalhar desde criança e chegava a bater nele e nos irmãos, caso não o obedecessem. “Ele era agressivo e alcoólatra”. A mãe vivia acamada e era Luiz, o irmão mais velho de Raul, quem lhe prestava todos os cuidados. Queixava-se de dificuldades no relacionamento com este irmão, pois “ele gosta muito de humilhar”. Dizia que chegava a passar fome porque não entrava em casa para pegar comida. Comia aquilo que os outros ofereciam na rua, nos bares. Além disso, dizia que o irmão Luiz o impedia de chegar próximo à mãe e referiu uma cena que lhe causava muito 91 incômodo. Luiz dava banho na mãe e Raul questionava: “Como é que pode? Ele carrega ela sem roupa do banheiro para o quarto.”. Disse que costuma cantar junto com a mãe uma música cantada por Raul Seixas chamada Lua bonita6 que diz: “Lua bonita,/ Se tu não fosses casada/ Eu preparava uma escada/ Pra ir no céu te buscar./ Se tu colasse teu frio com meu calor/ Eu pedia ao nosso senhor/ Pra contigo me casar./Lua bonita/ Me faz aborrecimento/ Ver São Jorge no jumento/ Pisando no teu clarão. / Pra que casaste com um homem tão sisudo/ Que come dorme faz tudo, dentro do seu coração?/Lua Bonita, Meu São Jorge é teu senhor,/ E é por isso que ele "véve" pisando teu esplendor./ Lua Bonita se tu ouvisses meus conselhos/ Vai ouvir pois sou alheio,/ Quem te fala é meu amor./ Deixa São Jorge no seu jubaio amuntado/ E vem cá para o meu lado/ Pra gente viver sem dor.” Não chegou a dizer a música especificamente, mas sabemos do conhecimento dele sobre as letras de Raul Seixas, e percebendo a construção dessa canção, fica claro que há uma disputa com São Jorge, pela Lua Bonita: “Deixa São Jorge no seu jubaio amuntado/ E vem cá para o meu lado/ Pra gente viver sem dor”. Há uma situação de disputa entre dois homens por uma mulher. E o enunciador dessa canção, tenta conquistar a mulher que é casada. Há uma relação também com São Jorge: “... meu São Jorge é teu senhor”. Protetor daquele que enuncia. b) A escrita do “pathos-transferência” Raul se dizia poeta e gostava de distribuir suas poesias (textos com algumas rimas contendo citações, algumas bíblicas e outras das letras de Raul Seixas) para os diversos 6 Lua Bonita é a oitava canção do disco A Pedra de Gênesis (1988), sendo a única a não ter sido escrita por Raul Seixas. Foi composta por Zé do Norte e Zé Martins. 92 profissionais que o atendiam. Quando passei a acompanhá-lo me trouxe um quadro que encontrou na rua e a falou de um quadro do Charles Chaplin que tem em seu quarto. Certa vez, muito irritado, me disse que sentiu vontade de beber quando não foi bem tratado por funcionária da cozinha, e que tem medo de beber, caso não seja elogiado. Na semana após seu aniversário, em junho de 2009, voltou a beber intensamente. Apareceu muitas vezes no serviço bastante alcoolizado, queixando-se de que os profissionais do serviço não o atendiam bem. Sobre isso, falou que começou a se sentir assim após a exibição do filme “Bicho de sete cabeças”, feita no CAPS ad na semana de seu aniversário. Sobre o personagem principal do filme revela: “Ele era eu”. Dizendo que “reviveu” todas as humilhações sofridas durante as internações nos hospitais psiquiátricos. Além disso, nesse mesmo período a medicação que tomava (Neozine – Levomepromazina7) foi substituída pela Clorpromazina, pois a primeira estava em falta na farmácia da instituição. “Só consigo dormir com o Neozine, não quero outro”. Volta a beber intensivamente e a comparecer ao serviço com falas agressivas e atribuindo aos profissionais uma falta de cuidado. Nesse momento foram condensadas queixas quanto ao serviço, ao irmão Luiz e ao pai. Falava de seu medo de ser interditado e ficar sob a tutela do irmão. Em relação ao pai, sua fala vinha mais uma vez em forma de letra de música: “Eu calço é 37 meu pai me dá 36 dói mas no dia seguinte aperto meu pé outra vez eu aperto meu pé outra vez pai eu já tô crescidinho pague prá ver que eu aposto vou escolher meu sapato e andar do jeito que eu gosto e andar do jeito que eu gosto por que cargas d'águas você acha que tem o direito de afogar tudo aquilo que eu sinto em meu peito você só vai ter o respeito que quer na realidade no dia em que você souber respeitar a minha vontade meu pai meu pai pai já tô indo-me embora quero partir sem brigar pois eu já escolhi meu sapato que não vai mais me apertar que não vai mais me apertar que não vai mais me apertar” 7 Medicamento antipsicótico que pertence à classe das fenotiazinas alifáticas, bem como a Clorpromazina. 93 Mesmo quando comparecia alcoolizado, realizava a escuta e Raul. Numa dessas vezes disse: “Sou a reencarnação de Raul Seixas e você é o Renato Russo... Sabia que o Renato é filho legítimo do Raul?” Ao longo do tratamento Raul passa a me encaminhar textos que ele mesmo escreve. Nesses escritos encontramos elementos de sua história, de sua relação com o álcool, com a família e as suas internações em uma linguagem muito peculiar. Vejamos8: “Segunda-feira 3. Horas da MADROGADA, MALUCO BeLEZA HÁ MinHA VIDA é t estemuHo. Sofrimentos – muzica e poemA-meu dilemA – não sou AlcoolAtRA Apenas BeBo Alcool -Danos calzados pelo Acool tinha empreGo Bom operario textil – textiLHU ní Hão foi com A morte do meu pai m é A fundei Sem Razão. Piourou A minHA SituAcao. - fui paRAR no I.P.C. Hospital mentAL 4-mezes e Depois segundo enternamento 2 mezes são Vicente de poulA e taBem – São GeRARDO no dia do meu AniverSARio nein um amiGo foi me vizitar mais Jesus e Maria e . José e todos os Anjos estavam LA . Ultimo emter na mento miRAH Lopes – 1 meis.estaVa de Alta no São Vicente de Paula. Eu mesmo Que LeBrei o medíco. O meu irmão mais velho. QueriA me deicHA. LA. Dizendo e Bom tu fica Aqui porque tem comida HAí eu Respondie. Na CeASA taBem tem. - distino com vantAGem e sem vntAGen. - I-P-C-LA AminHA namorRada erA. Monica elA erA muita LinDA mais eu saBia Que ela não era PA mim. - procuRei SozinHo o C.A.P.S A.D. PajuSARA. SozinHo. Estou taBem tenDo muitos obstáculos maiS JeSUS esta me dando o escape paRA vensceR. eu amor meuS Amigos vou moRer CAPS AD” 8 Preferimos não utilizar o recuo para preservar a estruturação de parágrafos reproduzidas a partir do documento original de Raul. 94 Passei a recolher esses escritos que com frequência ele me trazia. Possuía alguns cadernos e sempre destacava folhas com seus textos para me entregar. Além dos atendimentos individuais participou também de oficinas de teatro ministradas por mim, durante aproximadamente dois meses. Dizia que já tinha feito teatro na escola e que gostaria de escrever uma peça. Pedi então que ele me falasse sobre o que gostaria de escrever, como seria o texto dessa peça. Ele ditou o roteiro: tratava-se de um personagem que era convidado para uma festa pelo traficante Tuchau. Esse personagem começava a ter uma overdose durante a festa e, quando o delegado Carrasco apareceu para prender o traficante, descobriu que o rapaz passando mal era o seu próprio filho. Surgia então a “missão resgate”, liderada pelo Maluco Beleza (papel atribuído a si mesmo) e levava todos para o CAPS ad. Batizou a peça com o nome de “Missão Resgate CAPS ad: Tente outra vez”. Começa a me entregar textos avulsos, com falas dos personagens (Apênices1, 2e 3). Minha intervenção nesse momento foi tentar ajudá-lo a organizar a história da peça, dividindo-a em cenas para que ele pudesse escrever o que quisesse dentro de cada uma. “Cena 1 - Saí Do CAPS.AD _ e faZ uma festA BeBiDA DROGAS e Rock RooL Cena 2 - tuCHAU COVIDAtodos os paciente parA festa da iluzaõ Cena 3 - O Don tem um oRverdose Que e filho do deleGado CARASCO – E E Levado_Ao CAPS Cena4 - O delegado CHeGA nA feStA paRA prender o tucHAU Que e o trAficAnte O Don e AViAô do tuCHAU é filho do deleGAdo Cena 5 - CheGA o Resgate _ o MALUCO BeLeZAA_ A SipAtiA e o BOA VIDA. Cena 6 – terminando Bem todos no CAPS A.D. Ate o deLeGAdo Que e AlcooLatrA todo mundo se coverte Quando escuta tente outrA Vez” 95 Essas cenas foram entremeadas com músicas de Raul Seixas e Renato Russo. Além disso, durante a apresentação também recitou trechos da bíblia. A peça foi apresentada na festa de natal do serviço: Raul vestido a caráter, de paletó, óculos escuro, representa o papel de Maluco Beleza. Em janeiro de 2011 morreu sua mãe e logo em seguida passou a frequentar uma igreja evangélica, da qual até hoje faz parte. Em suas últimas consultas, Raul falava com orgulho que agora era o cozinheiro da casa, onde morava com os irmãos. Uma sobrinha o ajudava com as despesas. Durante uma reunião de equipe foi cogitada a hipótese de articular o recebimento de um benefício para ele. Porém, a assistente social do serviço alertou que a única maneira de conseguir isso seria designando alguém como tutor de Raul. Ao conversar com Raul, junto com assistente social, disse: “Não quero que meu irmão fique com minha tutela, prefiro me virar”. Atualmente, Raul vai esporadicamente conversar comigo, mas continua participando de muitas atividades no CAPS ad, principalmente de grupos. Está pensando em ingressar em um grupo de poesia existente no município, além de ter vontade de escrever outras peças. c) A escrita da construção teórica Raul, em seu discurso, nos apresenta uma forma de expressão muito peculiar. O impulso com que dizia sua fala, as músicas inteiras ditas sem pausa, as idéias delirantes relacionadas à figura de Raul Seixas são indícios dos chamados fenômenos elementares. Estes nada mais são que fenômenos psicóticos que podem existir bem antes de um delírio, antes do desencadeamento de uma psicose (um único episódio pode aparecer na infância, por exemplo) (MILLER, 1988). Miller (1988) divide esses fenômenos em três categorias: 96 a) De automatismo mental: Irrupção de vozes, de discursos de outros, na mais íntima esfera psíquica. Podem acontecer na infância e adolescência e depois ficarem encobertos. b) Que concernem ao corpo: Estranheza em relação ao próprio corpo (decomposição, desmembramento, separação), distorção temporal ou espacial. c) Que concernem ao sentido e a verdade: Quando o paciente diz que pode ler signos no mundo que lhe estão destinados, que trazem uma significação que ele não pode precisar. Não devem ser encaradas como abstrações, mas coisas efetivas da experiência analítica. Raul relatou logo no início das consultas que ouvia vozes que diziam para ele matar a família, um fenômeno de automatismo mental. Além disso, chegou a afirmar ser a reencarnação de Raul Seixas, e me apontar como Renato Russo, seu filho legítimo. Vemos aparecer nesses exemplos situações onde pode ser identificada uma certa posição desse sujeito frente à linguagem. Essa posição vai ser um importante indicador para a condução do tratamento, pois, a partir de Lacan ([1958] 1999), é possível perceber que é na linguagem que o sujeito se organiza psiquicamente, e isso pode se dar de maneiras diferentes, dependendo do ponto onde este se situa. A maneira como esse sujeito articula seus significantes e o modo como recorre ao significado para a construção de um sentido delirante fornece fortes indícios que apontam para uma estruturação psicótica. Para a psicanálise a psicose não é tomada como uma entidade nosológica. Tampouco as alucinações e delírios são entendidos como manifestações patológicas. Trata-se, na verdade, de uma maneira específica do sujeito se estruturar frente ao Outro da linguagem (Quinet, 2006). Pelo fato de não poder dizer tudo, ser um ser falante, um ser de linguagem, 97 implica necessariamente um encontro com a castração. Trata-se de um momento mítico inaugural do sujeito, que não existia, como tal, antes desse “encontro”. Freud articulou essa experiência como se tratando da descoberta da falta na mãe. Aquele ser supostamente completo que seria a mãe, falta alguma coisa. Como mulher, ela deseja. Frente a essa constatação, algumas “saídas” serão possíveis. A escolha neurótica consiste em, atravessar o chamado Complexo de Édipo, onde o filho abre mão de se colocar como aquilo que completaria a falta materna e institui o pai9 como aquele que detém o significante que responderia pelo desejo da mãe, um significante responsável por toda e qualquer significação: o falo (LACAN. [1958] 1999). No entanto, pode acontecer nesse percurso de o sujeito ficar impossibilitado de se utilizar dessa significação fálica. O diagnóstico estrutural de psicose advém da foraclusão do Nome-do-Pai. Porém isso se dá ao nível de uma hipótese, algo que pode ser identificado apenas por fenômenos que sugiram a falta deste registro (SOLER, 1991). Na ausência de inscrição do Nome-do-Pai, ou seja, na impossibilidade do pai se inscrever como detentor do significante que responderia ao desejo da mãe no nível simbólico, o que ocorre é a desarticulação da cadeia significante, pela ausência do “pivô” que articularia essa cadeia. Segundo Quinet (2006), isso provocaria uma impossibilidade de atribuir significação para os significantes. “O falus é o significante privilegiado desta marca onde a parte do logos se junta ao advento do desejo” (LACAN, [1966] 1999, p.699). A significação fálica, o significante da ausência, funciona como uma testemunha da castração, esta última responsável pela organização simbólica. Sem esse significante da ausência, sem a marca da castração, a rede de linguagem que faz o laço social não é assimilada. Lacan chamou essa maneira peculiar de 9 Vale ressaltar que o pai que vai operar nesse momento não é o pai da realidade, uma pessoa com quem a criança convive, por exemplo. O que está em jogo aqui é o pai enquanto função simbólica que vem barrar o desejo da mãe. Essa função pode ser ocupada tanto pelo pai da realidade como por outros elementos, desde que sejam suficientes para funcionar como significado do desejo materno. 98 lidar com a linguagem de o inconsciente a céu aberto, uma exibição de gozo, sem capacidade de fazer metáfora. A maneira como esse elementos significantes vão surgir no discurso é sob a forma de uma ruptura: interrupção ou esvaziamento do pensamento, palavras explosivas, jogos silábicos. Esses elementos fora do discurso dito “normal” ficavam à sombra das construções teóricas, eram descartados nas investigações formais antes de Clérambault, contemporâneo de Freud e considerado último representante da psiquiatria clássica. Foram seus ensinamentos que vieram servir à Lacan no desenvolvimento da clínica das psicoses (SCHUASTZ, 2000). Por outro lado, encontramos no plano da significação as formações delirantes. Lacan nega que o delírio deva ser tomado como um produto secundário aos fenômenos elementares. Ele próprio deve ser tomado como um fenômeno elementar e não deve ser encarado como algo diferente do que da própria noção de estrutura (LACAN, [1955] 1988). Alem disso, longe de ser considerado como um sintoma a ser eliminado, o delírio é na verdade uma tentativa de organização, um recurso do psicótico para dar alguma significação aos elementos que irrompem no discurso. Já em 1911, Freud nos mostra com o Caso Schreber que esses fenômenos do discurso revelam-nos seguramente uma dimensão constitutiva. A partir desse caso, pôde fazer considerações importantes acerca dos delírios, que seriam na verdade formas de organização do aparelho psíquico, tentativas de defesa do Eu contra a ameaça representada pela castração (FREUD, [1911] 2006). Assim, essas formações da linguagem que irrompem no discurso de Raul, esses ditos rimados, a falta de pontuação, as quebras das cadeias significantes não são obras do acaso, ou dados a serem descartados, nem mesmo são produtos de alguma alteração mental, ao contrário, são os elementos fundamentais que nos indicam como funcionam as cadeias significantes desse sujeito, ou seja, desconectadas da articulação fálica, apontando para uma estruturação psicótica. 99 Como Schreber, que fez uso da escrita para tentar dar forma ao seu sofrimento em “Memórias de um doente dos nervos”, Raul apresentou um investimento na linguagem, manifestado pelos escritos, que traziam sua história em jogos de palavras e sugeriam uma tentativa de organização psíquica diante de algo que aponta para o traumático: “- fui paRAR no I.P.C. Hospital mentAL 4-mezes e Depois segundo enternamento 2 mezes são Vicente de poulA e taBem – São GeRARDO no dia do meu AniverSARio nein um amiGo foi me vizitar mais Jesus e Maria e . José e todos os Anjos estavam LA.” Jesus, Maria, José e todos os anjos estavam lá, todos eles, oferecendo o suporte necessário para o seu desamparo. A relação com o Outro aparece sempre de forma muito estreita. É importante lembrar que Raul só iniciou seu tratamento na instituição a partir do convite feito por mim, apesar de já ter feito avaliação anterior. Era considerado pela equipe como um paciente de difícil comunicação, talvez justamente por esse comportamento defensivo diante de uma ameaça de invasão. Ser a reencarnação de Raul Seixas nos parece um delírio construído e que fala algo sobre esse sujeito. Na psicose, a metáfora delirante existe para promover um equilíbrio entre significante e significado, abalado pela foraclusão, pela falta de inscrição do Nome-do-Pai. (LACAN, [1957]1998). A foraclusão não é uma inexistência, ela designa simplesmente a inclusão pelo lado de fora. Os fenômenos psicóticos indicam um retorno no real daquilo que foi foracluído no simbólico. Dessa forma, o fenômeno do discurso é capaz de revelar uma dimensão constitutiva. Lacan continua e reafirma que o significante não deve ser seccionado, pois ele funciona segundo certas leis. Isso que subsidiará a indicação de uma estrutura diagnóstica possível. Deixar com que Raul apresentasse seus ditos delirantes foi de fundamental importância para identificar sua posição em relação à linguagem. 100 Raul não histericiza seu discurso (não se queixa do Outro). Sua escrita não é direcionada a alguém, porém sua relação com o significante é linear, não há deslocamento. Não há metáfora, apontando para uma estrutura onde a palavra, ao invés de representar a coisa, é a própria coisa. O Outro aparece mais como uma ameaça, como uma invasão da qual precisa se defender. Podemos constatar isso em sua relação com os profissionais do CAPS ad, depois da exibição do filme “Bicho de sete cabeças”, quando chega a dizer que não estão cuidando bem dele, comparecendo sempre alcoolizado ao serviço. Essa defesa, também se faz notar em relação ao irmão, Luiz, do qual quer distância diante da ameaça de ser interditado por ele, assim como sua mãe. O livre acesso de Luiz ao corpo da mãe, também gera um incomodo: “Como é que pode? Ele carrega ela sem roupa do banheiro para o quarto.” A relação incestuosa que se insinua enquanto ameaça ao corpo da mãe, nos indica algo dessa invasão do outro que fica mais evidente quando diz que cantava com ela a música “Lua Bonita”. Apesar de não ter referido explicitamente a letra dessa música, sabemos dos seus conhecimentos sobre a obra de Raul Seixas e podemos tentar perceber o que acontecia na situação em que dizia essas palavras junto à mãe. Na letra o enunciador faz uma relação entre a sua dor e a dor da Lua Bonita. Ambos sofrem pela presença de São Jorge, que funciona como empecilho para o encontro dos dois. Ele é “padroeiro” de um e marido da outra. Mas a razão de seu sofrimento seria o impedimento do encontro com essa mulher? Ou essa canção, na verdade, teria a função de trazer a figura de um pai, de São Jorge, para tentar colocar no lugar de uma lei que impedisse uma relação incestuosa e provocadora de mal-estar? Essa segunda questão nos parece mais de acordo com a estrutura clínica de Raul e demonstra como a arte pode contribuir no trabalho de simbolização desses sujeitos. Logo em uma de suas primeiras consultas Raul se apresentou da seguinte maneira: 101 “Mamãe não quero ser prefeito pode ser que eu seja eleito e alguém pode querer me assassinar... eu não sou besta pra tirar onde de herói sou vacinado sou cowboy cowboy fora da lei”. Raul pega emprestado a letra dessa música para se localizar como “fora da lei”. Em relação à inscrição dessa lei, primeiro é importante observarmos o lugar que a mãe reserva ao Nome-do-Pai na promoção dessa lei. Segundo e, mais ainda, a relação do pai com essa lei. Se o pai assumir o próprio lugar de um ideal de lei, de um legislador, a criança perceberá essa mentira de conduta e será suficiente para excluir o Nome-do-Pai de sua posição de significante (Lacan, [1958] 1999). Em Schreber, a convocação para um cargo de extrema importância promove a sua desorganização, pois falta um representante para esse lugar de autoridade, o Nome-do-Pai esse significante fundamental para a organização de outros significantes. Em Raul, é a morte do pai que aparece como um ponto onde ocorre o desencadeamento da doença. Nesse momento, o Nome-do-Pai, não inscrito por ocasião de um primeiro encontro com o traumático, foi invocado. Essa falta abre um furo no significado e dá início há uma cascata de remanejamentos do significante de onde provém o desastre crescente do imaginário, até que seja alcançado um nível de estabilidade entre significante e significado na metáfora delirante (LACAN, [1958] 1999). “-Danos calzados pelo Acool tinha empreGo Bom operario textil – textiLHU ní Hão foi com A morte do meu pai m é A fundei Sem Razão. Piourou A minHA SituAcao.” Raul funda sua “Sem Razão” com a morte do pai. É nesse momento também que inicia o abuso no consumo de álcool. Ele localiza aí o início de seus problemas, da piora de sua situação. Algo desse pai real (o pai da realidade) fazia suplência\barreira à invasão do gozo. Com a morte do mesmo, há uma invasão. O eu de Raul aparece invadido, de forma externa e direcionada a ele. É importante trazermos aqui a noção de estádio de espelho como formador 102 da função do eu, pois nesse nível estrutural podemos compreender melhor a importância que o delírio tem para o sujeito psicótico. “A assunção jubilatória de sua imagem especular por esse ser mergulhado na impotência motora e na dependência da amamentação que é o filho do homem nesse estágio de infans parecer-nos-á pois manifestar, numa situação exemplar, a matriz simbólica em que o je se precipita numa forma primordial, antes de se objetivar na dialética da identificação com o outro e antes que a linguagem lhe restitua, no universal, sua função de sujeito” (LACAN, [1966] 1998, p.97). Isso acontece num tempo “mítico” localizado na infância, onde o sujeito antecipa a partir dessa imagem de estádio a maturação de sua potência. Esse “je”, que Lacan prefere nomear de [eu] ideal, é importante para fundar a instância do eu, desde antes de sua determinação social, numa linha de ficção irredutível a quaisquer que sejam as sínteses dialéticas que o sujeito tenha que resolver ao longo da vida. Porém, diante da castração, esse eu ideal sofre modificações, fundando uma instância chamada Ideal do Eu (ou Ideal do Ego), uma projeção de um substituto narcísico perdido na infância, quando o sujeito mesmo era o seu ideal. Esse Ideal do Eu, instância interditora, resultante do Complexo de Édipo, abre as portas para a mobilidade do desejo, impondo severas condições à satisfação da libido por meio de objetos (FREUD, [1914] 2006). No psicótico esse Ideal de Eu não é internalizado, ele vem de fora na figura de um outro que ordena, que é externa a ele. O eu do psicótico sofre danos irreparáveis, uma catástrofe, devido a essa ferida no narcisismo. Provavelmente a morte do pai de Raul produziu demandas externas, convocou-o a assumir alguma função que invocou o Nome-do-Pai, perdido para ele. Essas demandas externas entraram em choque com esse “eu ideal”, estádio potente, com o qual se identificou inicialmente. Não houve a mediação por um Ideal de Eu internalizado. Isso ocorreu, pois ele não encontrou um significante fundante (Nome-do-Pai) que ordenasse a cadeia significante, sendo necessário recorrer ao delírio para estabilizar tal situação. O delírio que marca inclusive sua carne vai se articular em torno do significante “Raul Seixas”. 103 Ao afirmar: “Sou a reencarnação de Raul Seixas...” o sujeito toma emprestado esse significante que acaba ocupando um lugar de significante Mestre, para subsidiar alguma ordem à sua cadeia. Para um psicótico a relação com a palavra se dá de maneira muito forte. De início, Raul escreve na própria roupa trechos das músicas de Raul Seixas, como uma tentativa de etiquetar a própria identidade. Essa articulação em torno desse nome permite que ele consiga se estabilizar ao nível de significante e significado, permite que ele se apresente como o Maluco Beleza. As letras de Raul Seixas passam a ser o seu “idioma” particular. Servem como matéria tanto na defesas para as ameaças de invasão, como a articulação de queixas: “Eu calço é 37 meu pai me dá 36 dói mas no dia seguinte aperto meu pé outra vez.” Com a singularidade de que são recitadas sem pontuação, como é próprio à cadeia significante do psicótico, ou seja, sem nada que possa servir de ponto de basta. A imagem de Raul Seixas também é útil em vários momentos. Inicialmente, quando fazia imitações do cantor durante a adolescência na década de setenta na praia do futuro, faz uso dela para arrecadar algum dinheiro. Antes de chegar ao CAPS ad, essa figura estava atrelada ao consumo de bebidas, onde os bares pareciam ser um lugar para o laço social, uma vez que em sua casa, ele não entrava nem para comer. É nesse contexto que o álcool aparece para Raul Seixas como possibilidade de fazer laço. Segundo Freud, a droga é um dos suportes para o mal-estar provocado pela vida em civilização. Diante da parcela de satisfação pulsional que temos que abrir mão, em nome da vida em sociedade, ela funciona como um dos dispositivos, assim como a religião, para amenizar a angústia produzida a partir daí (FREUD, [1930] 2006). No caso do psicótico, é válido ressaltar que a relação com a droga vai apresentar-SE de maneira diferente do neurótico. Enquanto que para esse último a droga aparece como possibilidade de acesso a um mais de gozar, situado para além da castração, no caso do 104 psicótico o uso da droga não necessariamente produz um excesso de gozo. Ao contrário, pode servir como uma forma de limitar esse gozo, produzindo um enlace com o Outro, ainda que precário. Esse uso não necessariamente seria uma ruptura com o Outro, uma vez que, para o psicótico já existe uma ruptura fundamental com o falo (LISITA, 2010). Diante da angústia pela perda do pai, Raul faz uso desse artifício, a bebida, e dos bares como locais onde pode conviver, onde recebe comida e onde pode atuar como Maluco Beleza. Raul não bebia sozinho, apenas com amigos. Assim, o consumo de bebidas e a presença constante nos bares aparecem como sua tentativa de se inserir no social, apoiado no significante Raul Seixas. No início do seu atendimento é através desse comportamento que Raul apresenta sua demanda: “Vim fazer tratamento para parar de beber e fumar”. Porém, é preciso considerar que, sendo o CAPS ad um lugar destinado a usuários de álcool e outras drogas, essa é a forma que Raul encontra de se dirigir ao serviço, ou seja, apresentando-se da única forma em que poderia ser ouvido. No entanto, foi necessário deixar que Raul falasse livremente para que pudéssemos ir além dessa queixa inicial e identificar suas questões singulares. Como intervenção nesse acaso, passei a atuar como aquilo que Lacan chama de “Secretário do Alienado”, recolhendo os escritos ou simplesmente escutando-o. Lacan acredita que não se devam rejeitar os ditos insensatos, ao contrário, isso é o que há de mais valoroso, porque é o mais singular: Se soubermos escutar, o delírio das psicoses alucinatórias crônicas manifesta uma relação muito específica do sujeito em relação ao conjunto de sistemas da linguagem em suas diferentes ordens. Só o doente pode testemunhar isso com a maior energia (LACAN, [1955] 2002, p.237). Raul passa a me endereçar sistematicamente os seus escritos. Inicialmente em forma de cartas onde desfila seus significantes enigmáticos. Posteriormente, me diz que gostaria de escrever uma peça de teatro e é nesse formato que passa a trazer seus escritos. Minha função 105 enquanto secretário vai ser a de recolher esses escritos e, posteriormente, ajudá-lo a organizar a sua peça. Vale ressaltar que Raul apresenta uma relação muito peculiar com a arte: seus poemas, suas rimas, os quadros de que conversamos, a música, o teatro. Quinet ([2006] 2010) nos apresenta a arte como tentativa de cura, correspondendo ao conceito de sintoma, como suplência ao Nome-do-Pai. O sintoma, que é uma modalidade da ordem da criação (distinta dos delírios), propicia que o sujeito lide com o gozo para não ser aniquilado. Alguns sintomas podem produzir uma função semelhante a do Nome-do-Pai, isso vai depender da invenção particular de cada sujeito, da singularidade em sua relação com o gozo. O sintoma é uma criação e encontra na arte uma via para sua produção. A materialidade dos escritos de Raul parece ajudar a localizar o gozo da linguagem, que é disperso nos psicóticos. Escritos que estabelecem relação com seus delírios, que ajudam a atá-lo à simbolização. Nesse sentido, as oficinas de teatro das quais Raul participou ativamente, tiveram um importante papel no seu projeto terapêutico. Podemos dizer que elas se apresentaram como um lugar de mediação, de alternativa à invasão de gozo. Seu valor não está simplesmente em seu caráter criador e inventivo, mas nas possibilidades que surgem ao trabalhar nas fronteiras entre o eu e o Outro. Faz borda, delimita ação, espaço, tempo (COSTA & FIGUEIREDO, 2004). Essa foi minha intervenção diante do seu desejo de escrever uma peça: a partir do enredo que me relatou, indicar cenas onde pudesse construir outras narrativas dentro delas. Na história, ele era o Maluco Beleza, líder da “Missão Resgate”, responsável por convencer o personagem principal da história (Dom), seu pai (Carrasco) e o traficante (Tuchau) a procurarem ajuda no CAPS ad. 106 Roteiriza nessa história seu próprio caminho na busca por um novo laço social. Não abandona os bares, continua frequentando-os, porém agora também utiliza o CAPS ad como um lugar onde, quando quiser, pode ser o Maluco Beleza. Quinet lembra que o laço social se faz a partir da estabilização da psicose, não o contrário. Não é simplesmente fazendo com que os psicóticos saiam dos hospícios e convivam com os próximos que eles farão laço social. É preciso acompanhar o sujeito no tratamento que ele dá aos fenômenos que o acometem e propor-lhe um lugar de endereçamento (Quinet, [2006]2010, p. 152). Assim, Raul conquista espaço em outros lugares, como na igreja e principalmente em sua casa. Em uma quarta-feira falta a uma consulta. No outro dia, justifica dizendo que não poderia vir nas quartas, pois estaria cuidando da mãe, porque o irmão Luiz precisaria ir a Fortaleza toda semana nesse dia. Aos poucos vai conquistando seu lugar na casa. Se antes ele não entrava nem para comer, agora ele passa a ser o cozinheiro da família, o responsável pela comida. Assim, mesmo com a morte da mãe, esses lugares não são abalados. Continua investindo na escrita e pensa em escrever outras peças. É importante perceber que não foi a determinação que demos ao seu padrão de consumo de álcool que orientou seu tratamento. O álcool foi percebido como um objeto a partir de sua fala, observando as relações que estabelecia com a sua estrutura de linguagem, essa sim, fundamental ao tratamento. Muito menos houve a tentativa de trazer o paciente a uma suposta “realidade”, nem reabilitá-lo para nada. Houve sim, a aceitação do testemunho dado por ele. Compromisso que está de acordo com a ética do desejo, que apesar de singular, comporta a dimensão política através da responsabilização diante de cada escolha. O importante para Raul era buscar alternativas que barrassem a invasão de gozo, consequência da falta da inscrição do Nome-do-Pai. O álcool, os delírios, os escritos, a arte 107 aparecem como tentativas de fazer borda ao gozo, onde poderia minimamente simbolizar os objetos. Em todas essas alternativas sempre esteve presente um significante comum: Raul Seixas. Nos bares, nas falas sobre as internações, nas letras das músicas, na peça de teatro. Esse significante parece ter-lhe caído como uma luva, na busca por uma suplência à sua falha na significação fálica. Ou melhor, esse significante parece ter-lhe cabido como um sapato para o seu “pé da letra”, escolhido por ele próprio, do tamanho exato para trilhar seus passos no mundo. 6.3 CASO CLÍNICO: BEBER, CAIR, DESEJAR a) A escrita do “pathos-doença” Com a abertura do CAPS ad de Maracanaú em dezembro de 2008, os pacientes com problemas relacionados ao consumo de substâncias psicoativas, inicialmente atendidos no CAPSgeral (em consultas bimestrais com psiquiatra) foram transferidos para o novo serviço. Além disso, aqueles que faziam uso somente de benzodiazepínicos também deveriam ser encaminhados ao CAPS ad para reduzir/parar/substituir o uso desse tipo de medicamento. Pedro enquadrava-se nesses dois tipos de pacientes. Pedro havia procurado o CAPSgeral em fevereiro de 2006, encaminhado do hospital do município, por conta de um “problema com a bebida”. Nessa época ainda não existia o CAPS ad na região e o atendimento a usuários de álcool e outras drogas era feito apenas por um psiquiatra no CAPSgeral, que atendia os pacientes de forma bimestral. Durante este período, não fez nenhum atendimento com outro profissional, que não o psiquiatra, nem psicoterapia, nem atendimentos de grupo, nem nenhum profissional que exercesse uma escuta mais atenta. 108 Quando tive a oportunidade de recebê-lo em sua primeira ida ao CAPS ad, em janeiro de 2009, em sua ficha de encaminhamento já constavam dois diagnósticos psiquiátricos: Transtorno de pânico e Transtorno mental e comportamental devido ao uso de álcool. Seu tratamento consistia apenas em renovar a receita e receber a medicação (dois comprimidos de diazepam, 5mg, e um de prometazina, 25mg, à noite). Também tomava um comprimido de dicloridrato de flunarizina, 10mg, durante a noite há um ano, pois referia tontura. Relatou que o tratamento anterior visava a abstinência e falou: “Estou sem beber há três anos”. Como queixas, apresentava tontura e gostaria de reduzir o consumo do diazepam. Realizamos a avaliação, a entrevista inicial e construímos um projeto terapêutico não intensivo com atendimentos de psicologia, psiquiatria, serviço social e enfermagem. No início, vinha apenas para as consultas com o psiquiatra e só após um ano e meio (julho de 2010) Pedro iniciou efetivamente suas consultas comigo. Nessa ocasião, disse: “O diazepam tem me ajudado a controlar as crises de mal-estar, falta de ar”. Minha intervenção a partir de então foi tentar saber mais sobre o que eram essas “crises”, saindo do foco nos transtornos. Pedro disse: “É como se fosse um susto, do nada, quando eu durmo de papo pro ar.” Durante as crises, sentia necessidade de sair correndo, de sair de onde está. Chegou a quebrar janela e porta de seu quarto em um desses momentos. Falou que o coração disparava e que tinha a impressão de que iria morrer. Enquanto falava passava a mão sobre o peito esquerdo e me perguntava: “Isso pode ser problema no coração?” Já havia procurado vários médicos e feito muitos exames cardíacos, porém nunca nenhuma alteração fora encontrada. “Só falta fazer o exame da cabeça”. Lembrou de algo que o pai costumava dizer, que Pedro era o filho mais saudável, que nunca adoeceria e disse: “Quando a doença entra no corpo, só sai com a morte”. Relacionava a doença também ao trabalho, pois dizia que às vezes seus músculos eram muito exigidos: “Quando carrego algo mais pesado e depois que os músculos relaxam, vem o 109 problema”. Trabalhava para a prefeitura de Fortaleza podando e recolhendo galhos de árvores das ruas. Não tinha problema para trabalhar, o problema vinha quando relaxava. Disse que sabia fazer muitas coisas e já tinha trabalhado como pedreiro e marceneiro, assim como o pai: “Ele sabia fazer muita coisa, ele era marceneiro, pedreiro, ferreiro...”. a) A escrita do “pathos transferência” Depois de iniciarmos as consultas, Pedro vinha regularmente, não faltava, chegava sempre um pouco antes do horário marcado. Sempre combinávamos a data do seu retorno, pois trabalhava e, para ir às consultas, precisava pedir a liberação ao seu chefe. Dizia que gostava de trabalhar, com frequência me mostra as coisas que comprava, como celular, relógio e camisa. Uma vez, disse que a namorada lhe perguntou o que ele tanto ia fazer no CAPS ad e ele respondeu que tinha consultas e que eu era um psicólogo tentando saber o que realmente ele tinha. Nesse momento não o corrigi, apenas recolhi este dito como algo importante para identificar sua posição transferencial. Percebi que em sua fala havia uma expectativa de descobrir uma verdade (do inconsciente, em forma de enigma), com a ajuda de alguém habilitado para fazer isso (sujeito suposto saber). Sustentei essa posição. Quando contava os episódios das crises para suas irmãs, elas não davam atenção: “Elas dizem que é tudo invenção, que eu estou imaginando, que não é doença.” Durante quase um ano foi atendido apenas por mim, em geral quinzenalmente, e pelo psiquiatra a cada dois meses. Continuou recebendo o diazepam, porém falava com frequência nas consultas: “Não posso perder a consulta, as crises tem diminuído e eu tenho tomado menos o diazepam”. Antes, dizia que em alguns dias precisava tomar dois comprimidos e que naquele momento, tinha reduzido para apenas um por semana, caso tivesse uma “crise”. 110 Quando Pedro iniciou as consultas comigo, estava com 36 anos, morava só com a mãe (o pai já havia morrido quando tinha 12 ou 13 anos) e, tinha duas irmãs e um irmão. Não morava com nenhum dos irmãos e falava pouco deles. Porém, aos 37 anos, sua mãe morreu, passou a morar sozinho, e afirmou que suas “crises” passaram a ser mais intensas. “Minhas mãos ficam brancas, minha pressão abaixa. Quando vou verificar em casa, está doze por oito ou doze por seis”.10 Disse-me também que passou a usar seus objetos: “Pego o aparelho de medir o açúcar no sangue, o aparelho da pressão... Quando tenho falta de ar, uso o aerosol que era dela”. Fala também que, assim como a mãe, precisava tomar comprimidos. “Ela se cuidava, mas morreu com várias doenças.” Fala que a mãe sentia as mesmas coisas no coração. Sobre o pai, lembra que faleceu quando ele tinha doze ou treze anos. “Morreu dormindo de um ataque no coração”. Sobre essa cena, disse que ele e todos os irmãos se reuniram ao redor do pai e viram-no morrer. O pai bebia e fumava, não se cuidava. “Ele sentia uma ferroada no peito, mas nunca procurou um médico.” Quando ele falou sobre esse sintoma do pai, lembrei de algo que já havia me dito sobre suas crises: “Senti uma ferroada no peito, uma dormência e uma sensação gelada que subia dos pés para a cabeça”. Aos doze anos, experimentou pela primeira vez bebidas alcoólicas em uma festa na casa de um colega, porém quando chegou em casa o pai lhe deu uma “surra”. Esse evento provavelmente aconteceu pouco tempo antes da morte do pai. Sobre o início do mal-estar (“ferroada”), Pedro fez uma associação entre seus sintomas e o consumo de bebidas alcoólicas: “Um amigo meu morreu do coração porque misturou bebidas”. Disse que também fazia essa “misturação”. Porém, estranhamente foi no dia em que tomou apenas uma cerveja, que teve que procurar um médico. “Ele me aplicou uma injeção de diazepam e melhorei”. Repetiu esse ritual (beber cerveja e ir ao hospital para 10 O Ministério da Saúde (2002) reconhece como faixa ideal de pressão arterial aquela onde a sistólica é igual ou menor que 120 mmHg e a diastólica é igual ou menor a 80 mmHg. Portanto, de acordo com esses dados, os valores pressóricos de Pedro não apresentam risco ao aparelho cardiovascular. 111 o médico lhe aplicar injeção de diazepam) mais duas outras vezes. “Percebi que a bebida estava me fazendo mal e que eu poderia morrer”. Apontei pra ele o fato de ele ter se sentido mal apenas com uma latinha de cerveja. Pedro disse: “Antes eu bebia até cair!”. Disse que bebia principalmente em finais de semana e que hoje estranhava o fato de os colegas do trabalho beberem e não terem problemas em relação a isso: “Por que meus colegas do trabalho bebem normalmente e eu não consigo?” A partir desse momento, Pedro me revelou algo que nem sempre é visto nos atuais serviços que se dispõem a trabalhar com drogadição. Sua queixa não está voltada para o fato de beber, nem para os problemas decorrentes disso. Ele se questiona simplesmente sobre o fato de não conseguir mais beber como antes. A possibilidade de uma escuta desvinculada dos diagnósticos médicos permitiu a Pedro se questionar sobre sua queixa inicial. Durante muito tempo ele foi tratado pelo CAPS ad como um portador de transtorno relacionado ao uso de álcool, porém a queixa que apresentava para mim naquele momento era exatamente a de não conseguir mais beber. Mas então, por que havia esse impedimento em beber? Por que uma latinha de cerveja causou tanto mal-estar? É só num outro momento do acompanhamento que vai se presentificar a associação que Pedro faz entre o “beber” e o “sexo”. Numa das consultas realizadas, ele estava falando sobre seus “problemas com a bebida”, que na verdade são problemas relacionados a não conseguir mais beber, e me perguntou se poderia dizer algo bíblico: “É como um pecado, o homem e a mulher só podem fazer o ato sexual depois do casamento, Deus perdoa, mas as consequências vêm depois”. Noutro momento, me falou da situação em que pela primeira vez essas crises irromperam. Tratava-se de um momento onde provavelmente uma situação sexual se insinuou: “Fui passear com a namorada no centro, paramos pra almoçar e tomei uma latinha de cerveja. Aí eu comecei a me sentir mal”. Relata que começou a sentir dor no peito 112 e nas mãos, coração acelerado, trêmulo, mãos brancas. “Joguei ela num trem e fui procurar o hospital”. Disse que no caminho para o hospital, a angústia já foi melhorando, mas só passou quando o médico lhe aplicou uma injeção de diazepam. “Passou, mas não resolveu o problema”. O tratamento com o diazepam tamponou o buraco deixado pela bebida, que de alguma forma se relacionou com a namorada, a mulher, e a possibilidade de um encontro sexual. O recurso à religião também surgiu como uma tentativa de interdição do sexual: “Se a mão pecar, ela deve ser cortada, pois é melhor entrar no céu sem mão do que ter o corpo inteiro lançado no fogo”. Ou ainda sobre o olho que cobiçava as mulheres e preferia não olhar mais para elas. “O que o olho vê, o coração deseja”. Pedro dizia ser Testemunha de Jeová e de ter se aproximado dessa religião, após um episódio em que haviam lhe roubado uma bicicleta enquanto estava bêbado. O vigilante de um posto de gasolina o abrigou, deixou que ele tomasse um banho e repousasse ali. Foi ele quem lhe apresentou essa religião. E continuou falando sobre os pais evangélicos: “Meus pais não gostariam que eu ficasse a sós com ela. A bíblia não permite, para um homem e uma mulher, ficarem a sós em casa. É preciso casar”. Perguntei se casar seria um desejo dele e ele respondeu: “Muitos amigos gastam dinheiro com eles mesmos e uma esposa seria uma preocupação a mais”. Pedro evitava esse encontro sexual, abrigado pela casa, onde não podia ficar só com uma mulher (e antes ficava com a mãe) e pela condição de não casar. Pedro falava de sua solidão e situava esta em relação á mãe: “Mesmo antes depois da mãe morrer, já me sentia sozinho”. Tropeça na linguagem ao tentar falar sobre o tempo em que se sentia só. Aparece uma ambiguidade entre a solidão ser anterior ou posterior à morte da mãe. Durante as crises, tinha vontade de chamar alguém e dizia: “Sinto falta das palavras”. Parece querer dizer algo com essas crises, com essa doença. Sente medo de morrer em vários 113 momentos. E constantemente dizia uma frase que relacionava à morte dos pais: “Quando uma doença entra na gente, ela só sai junto com a morte.” Ele diz exatamente que não há vida sem que haja doença, para que ela saia é preciso que a morte venha junto. A doença aparece como uma condição para que haja vida. Pedro interrompeu o tratamento e dois fatos podem ter contribuído para isso. Um deles pode ter sido o de eu ter solicitado para que viesse semanalmente às consultas, justamente no momento em que relatos sobre a sua sexualidade se faziam mais frequentes. Outro fato que deve ser levado em consideração foi uma conversa que tive com um outro membro da equipe terapêutica que acompanhava Pedro. Segundo esse profissional, Pedro tinha retornado para as consultas com ele após muito tempo ausente e que, durante a última consulta havia falado de uma dificuldade de relacionamento com as mulheres. Essa dificuldade foi interpretada como algo ligado a uma homossexualidade reprimida. O profissional me relatou acreditar que isso poderia ter gerado certo desconforto e o rompimento com as consultas no CAPS ad. b) A escrita da construção teórica Quando Pedro chegou até mim, encaminhado de outro serviço, já estava há três anos sem beber. Só esse fato isolado poderia ser considerado por alguns - principalmente os que defendem a abstinência ou mesmo aqueles que se orientam pela redução de danos – como um tratamento bem sucedido. Porém, como observa Costa (2006), existe uma fala anônima, socializada, produzida no contexto de atendimentos institucionais, que implica tanto quem procura atendimento, quanto quem está colocado na condição de escutar a queixa. Essa fala é resultado da cronificação da queixa, um exercício de enunciação estéril, onde nunca é encontrado um ponto de parada que defina a demanda do paciente. 114 Pedro possuía diagnósticos psiquiátricos que indicavam transtornos mentais e comportamentais devido uso de álcool, além de ansiedade. Seu tratamento consistia em medicações para esses transtornos. Chegava a tomar dois comprimidos de diazepam por dia (há três anos)11. Seu “problema com a bebida” fora padronizado, colocado na “linha de produção” das instituições públicas como mais um dependente químico, necessitando de libertação para o seu vício. Porém, o que constatamos quando realizamos uma escuta mais atenta, é que a construção sintomática de Pedro não se apóia em uma queixa de dependência química, no sentido de não conseguir parar de beber, mas é exatamente o contrário: “Por que meus colegas do trabalho bebem normalmente e eu não consigo?” Seu discurso apresenta uma angústia que solicita um lugar de fala, diferente de uma fala anônima, que busca por suas próprias palavras, por demandas singulares. Lacan adverte que não é simplesmente tomar a palavra para a produção de um sujeito. É somente no encontro da palavra com seu ato de enunciação que se constitui a verdade da psicanálise: a referência ao unário, o traço que fica por relação ao recalcamento originário, ou, como diz Lacan, ao impossível da relação sexual (COSTA, 2006, p.159). Assim, houve a possibilidade de outra escuta, considerando o sentido de que sua fala desliza na cadeia de significantes. Lacan ([1958]1999) faz referência ao esquema de Ferdinand de Saussure em que está representado o duplo fluxo paralelo do significante e do significado, distintos e fadados a um perpétuo deslizamento um sobre o outro. Ele toma emprestado a oposição sincronia e diacronia de Saussure para dizer que a linguagem é duplamente estruturada: pelo sistema do significantes (sincrônico) e pelo sistema de discurso (diacrônico) (ARRIVE, 2000). No eixo sincrônico opera-se uma seleção e qualquer significante escolhido para representar o sujeito será metafórico, ou seja, substitutivo, enquanto no eixo diacrônico da combinação dos significantes cada um representa apenas uma parte do 11 Em uma revisão feita por Cruz, et. al. (2006) existem trabalhos que mostram que os riscos superam os benefícios ao utilizar o diazepam por mais de um mês nos tratamentos pra insônia e ansiedade. Entre os efeitos colaterais estão esquecimento, tremores e graves interações medicamentosas. 115 todo (metonímia) e, por isso mesmo, deixa a desejar: portanto, o que coordena e ordena a sequência de significantes que representam um sujeito (1, 1, 1…) é uma falta de representação (-1). Constatemos como a estrutura do significante e os mecanismos de produção da significação permitem reler com os instrumentos da linguística os desenvolvimentos freudianos sobre as representações e seu recalque (FINGERMANN, 2009, p. 64). Essa estruturação da linguagem articulada por Lacan repercute nos conceitos freudianos. Com a teoria do recalque, Freud ([1914] 2006) revela a existência de forças contrárias (resistências) ao trabalho da análise. O recalque é o que promove o inconsciente, uma vez que opera uma separação deste com a consciência (consciente/pré-consciente). Para ter acesso à consciência, o material recalcado precisa ser deformado. Essas (de)formações possibilitam as formações do inconsciente através da interpretação dos sonhos, do ato falho, dos lapsos involuntários, da transferência, dos sintomas. Para que o sujeito pudesse ter acesso ao conteúdo recalcado, Freud criou a regra fundamental da psicanálise: a livre associação. Esta nada mais é do que deixar falar livremente aquilo que vier à cabeça. A escuta realizada com Pedro, foi pautada por essa regra fundamental. Muito ansioso durante as primeiras consultas, queixava-se de seu mal-estar e eu sempre pedia para que falasse mais sobre isso, para que me explicasse melhor. Chegou a relatar que suas irmãs diziam que era tudo invenção, que não era doença. Depois de muitos atendimentos falando sobre suas “crises”, sem conseguir lembrar sobre o início delas, em uma consulta ele traz a tona uma situação paradoxal: “Fui passear com a namorada no centro, paramos pra almoçar e tomei uma latinha de cerveja. Aí eu comecei a me sentir mal”. Perguntei a ele a que ele atribuía esse mal-estar. Ele disse que só poderia ser da latinha de cerveja. Essa fala parece indicar um enigma que diz respeito ao sujeito: Lá tinha uma namorada, uma cerveja, e uma questão sexual a (não) ser-vista. Intervenho no sentido de indicar a questão que se apresenta em sua fala (diacronia), para lançá-lo nas associações da cadeia de significantes (sincronia). A associação livre, 116 aparentemente linear, desenrola, na diacronia, o que a sincronia do instante de ver apreendeu (FINGERMANN, 1992). Essa cena enigmática revela algo sobre seu desejo. Quinet (2000) nos mostra que o desejo é sempre enigmático e por isso mesmo ele apela ao saber, constituindo assim o sujeito articulado a um desejo de saber. Pedro não faltava às consultas, sempre chegava antes da hora e, certa vez, falou para a namorada que eu sou como um psicólogo querendo saber o que realmente ele tem. Considero essa fala como algo fundamental para a direção do tratamento. Ele atribui a mim um lugar de um sujeito que supõe ter um saber sobre ele (psicólogo querendo saber) e ao mesmo tempo assume o enigma de seu sintoma (o que realmente ele tem?). O clínico, analista ou não, não é um mero observador do paciente, com a função restrita de aliviar a sua dor, pois por meio da transferência ele pode estar incluído na trama com a qual o sujeito envolve o seu sintoma (QUINET, 2000). Ele deve investir, entrar com sua parte, assim como o paciente, assumindo o preço que tem que pagar: com suas palavras que tenham efeito de interpretação e com sua pessoa oferecendo um suporte para a transferência (LACAN, [1958] 1999). A transferência promove o amor dirigido ao saber que é o suporte do tratamento. Ela não deixa de existir caso o clínico não a considere, ele se apresenta mesmo assim, porém com prejuízos incalculáveis em seu manejo. Dessa maneira, não questionei a fala de Pedro quanto ao meu lugar, mas a acolhi como algo importante, indicando um caminho possível para o tratamento. Assim, ele pode apresentar seu sintoma e ter a possibilidade de relacioná-lo a seu desejo. As crises de falta de ar, de dores no peito, medo de morrer, não encontraram um respaldo na medicina. Ele perguntava: “Isso pode ser problema no coração?” Já havia 117 procurado vários médicos e feito muitos exames cardíacos, porém nunca nenhuma alteração fora encontrada. “Só falta fazer o exame da cabeça”. Quinet (2000) afirma que, para a psicanálise, o sintoma é uma manifestação subjetiva. É preciso acolhê-lo para que possa ser desdobrado e decifrado, evitando o furor sanandi de exigir a suspensão do sintoma a qualquer custo. Para que haja tratamento, é importante transformar o sintoma-resposta em sintoma-pergunta. O sintoma neurótico é uma formação do inconsciente e, enquanto tal, é a expressão metafórica do desejo para o sujeito. Possui uma estrutura edipiana onde se presentifica a articulação entre lei e desejo (que se manifesta em suas impossibilidades). Com a morte da mãe, com a qual morava sozinho, Pedro relata um aumento na intensidade das crises: “Minhas mãos ficam brancas, minha pressão abaixa. Quando vou verificar em casa, está doze por oito ou doze por seis”. Começa a usar os objetos que eram dela. “Pego o aparelho de medir o açúcar no sangue, o aparelho da pressão... Quando tenho falta de ar, uso o aerosol que era dela”. Identifica-se com a mãe pelo fato de também precisar tomar comprimidos. Apesar de ter irmãos, Pedro era o único que ainda morava com a mãe, a qual não se relacionou com nenhum outro homem após a morte do marido, quando Pedro tinha doze ou treze anos. Disse que o pai morreu de um ataque do coração na frente dele e dos irmãos. Que o pai bebia e fumava, não se cuidava, não queria ir a médicos, não tomava remédios, o oposto ao que ocorria entre ele e a mãe. “Ele sentia uma ferroada no peito, mas nunca procurou um médico”. Em outra consulta, é com esse mesmo termo “ferroada no peito” que define seu sintoma. Vemos que há evidentemente uma relação entre as crises desencadeadas na atualidade de Pedro e seu romance familiar. Lacan estabelece as bases para a posição subjetiva a partir da estrutura e não do desenvolvimento. Ele sugere que a evolução que funciona como causa é aquela que o sujeito 118 realiza através de seu mito: são as leis da família e do parentesco, reguladas por um mito, que operam essa causalidade (GAZZOLA, 2005). O pai de Pedro, apesar de trabalhador, aparece em seu discurso como alguém que não se cuidava. Isso parece depreciar a figura de seu pai, que apesar de ser trabalhador e ter lhe ensinado ofícios, apresentava outras falhas: bebia e fumava. Ao personagem do pai vem se adicionar seu símbolo, o pai enquanto morto, fantasma que será causal no inconsciente. O obsessivo tenta compensar a degradação do pai, buscando preencher esse buraco simbólico com seu mito. Ao fazer isso, ele torna-se tributário da dívida do pai (GAZZOLA, 2005). Ao levarmos em consideração a cadeia de significantes, fica claro que Pedro pede emprestado a “ferroada no peito” do pai, justamente aquele significante do trabalho que não tinha sido transmitido, “ferreiro”. Essa “ferroada” aparece como o pagamento de uma dívida, com a qual Pedro justifica: “É como um pecado, o homem e a mulher só podem fazer o ato sexual depois do casamento, Deus perdoa, mas as consequências vêm depois”. Essa justificativa, enquanto metáfora, condensa alguns pontos importantes para a compreensão de certas partes do mito de Pedro. “É como um pecado...”. Ele diz essa fala para justificar seus problemas atuais como consequência do abuso de bebidas. Porém, como sabemos, seu problema começou ao consumir uma latinha de cerveja quando foi ao centro com a namorada. Antes bebia até cair, não tinha esses sintomas no coração. Com as “ferroadas” estaria Pedro pagando a dívida de descuido deixada pelo pai? Pensamos que sim, uma vez que essa tentativa de pagar pelo descuido do pai também aparece com a sua busca pelo cuidado, buscando médicos e remédios, conforme a mãe, e não o pai, fazia. Outro ponto importante é a questão sexual que, ao tentar justificar a origem de seus “problemas com a bebida”, apresenta-se literalmente em sua fala: “O homem e a mulher só 119 podem fazer o ato sexual depois do casamento”. Seus pais eram evangélicos e diziam que não gostariam que ele ficasse a sós em casa com uma mulher. Teria que casar primeiro. Pedro evitava esse encontro sexual, abrigado pela casa, onde não podia ficar só com uma mulher (e antes ficava com a mãe) e pela condição de não querer casar. A religião, Testemunha de Jeová, aparece também como uma dupla interdição: diz que os amigos que também têm essa religião o estimulam a não beber. Mas também reforça a interdição sexual: “Se a mão pecar, ela deve ser cortada, pois é melhor entrar no céu sem mão do que ter o corpo inteiro lançado no fogo”. As mesmas mãos que aparecem em suas queixas, que ficam brancas, dormentes. Para Freud o sintoma, fenômeno de corpo, é signo de um outro fenômeno do corpo, a pulsão. O sintoma assegura o retorno de uma pulsão recalcada, ele é substituto de uma satisfação sexual (SOLER, 2010). Em seu discurso, Pedro encontrou uma maneira de falar sobre sua questão sexual a partir dos “problemas com a bebida”, que, como sabemos, relacionam-se com a falta e não com o excesso do consumo. A bebida, a cerveja, é algo a ser evitado, assim como o encontro sexual com a mulher. Reatualiza seu Complexo de Édipo com a morte da mãe, uma vez que era a única mulher com quem ficava a sós em casa. A perda da mãe vem colocar uma barra nessa relação (que remete a um tempo mítico onde o bebê era mero objeto de desejo da mãe) e a “ferroada”, marca do pai, Nome-do-Pai, reaparece como sintoma e permite o advento de um sujeito barrado, um sujeito de desejo. Ele não podia tomar nem uma cerveja, ou uma “Ser Veja”, significante que o remete às suas relações com a mulher e o olhar, pois: “O que o olho vê, o coração deseja”. Em sua formação sintomática, a bebida substitui o “olhar a mulher” com o olho que cobiça. Na psicologia de um obsessivo, quanto mais uma coisa desempenha o papel de objeto de desejo, ainda que momentâneo, mais a lei de aproximação do sujeito em relação a esse objeto manifesta-se, literalmente, numa baixa da tensão libidinal. A tal ponto que, no momento em que ele detém esse objeto de desejo, nada mais existe (LACAN, [1958]1999, p.415). 120 Isso nos mostra a contradição interna que constitui o impasse do desejo do obsessivo. Não consome álcool há cinco anos, porque quanto mais se aproxima desse objeto, mais o impasse se apresenta, mais baixa fica sua tensão libidinal. Essa mesma estrutura, observamos em relação à mulher: ele prefere não casar, prefere a interdição dos pais, da religião, prefere evitar o objeto de desejo, ou pior, o próprio desejo. Rinaldi (2002), ao fazer uma articulação entre os seminários “Formações do Inconsciente” e “Angústia” de Lacan, nos mostra que o obsessivo, em sua articulação estrutural, busca seu desejo mais além do desejo do Outro, pois ele o nega a partir de sua saída do Complexo de Édipo. No nível simbólico, o Outro (Nome-do-Pai) substitui o Outro (Desejo da mãe), para que haja a constituição de um sujeito desejante, efeito de linguagem. Essa articulação obsessiva (buscar o desejo mais além do desejo do Outro) adquire um caráter de impossibilidade, de morte. Pois não existe um desejo puro que não se sustente no Outro. Não é que ele não consiga apreender o desejo do Outro (como ocorre na psicose), o que ocorre é uma denegação desse desejo do Outro, que foi simbolizado. Essa exclusão do desejo faz com que ele recorra à demanda como substituta, diante da angústia provocada ao se deparar com o desejo do Outro. A demanda é o que possibilita sua relação com o desejo (RINALDI, 2002). Podemos perceber essa articulação com o desejo do Outro a partir da explicação que nosso sujeito em questão formula para suas queixas. “Quando a doença entra no corpo, só sai com a morte”. A morte seria a realização de seu desejo puro, impossível, negando o desejo do Outro. Porém, morrer significa anular todas as possibilidades A doença entra no corpo da demanda, como uma forma de substituição do desejo do obsessivo e de seus impasses. Suas formações sintomáticas, na verdade, não o conduzem à morte, ao contrário, elas são a forma que Pedro encontra para viver de acordo com seu desejo. 121 Ao contrário do que o furor curandis - que prevalece nas instituições - indica, os sintomas não são formações defeituosas a serem corrigidas, eliminadas. O sintoma é estruturado como uma linguagem e porta a voz de um desejo. É a via que o sujeito encontra para resolver os impasses provocados pela imersão na linguagem. Tamponar essa via singular que o sujeito encontra com medicamentos, por exemplo, nos mostra um efeito de supressão da subjetividade, em nome de práticas standarts, padronizadas, mais comprometidas com a lógica do capital do que com a lógica do sujeito. Pedro estava sem beber e havia diminuído bastante o uso de medicações. Porém, como ele mesmo fala ao relatar a injeção que levou no hospital: “Passou, mas não resolveu o problema”. E nem poderia ser resolvido, porque o problema que orientava o tratamento até então não era um problema seu, era um problema institucional: a necessidade de reduzir/parar o consumo de drogas por todo aquele que procura um serviço de atenção psicossocial, sem desenvolver uma escuta minimamente comprometida com o desejo. Negar o inconsciente não significa que ele não exista, ele persiste mesmo assim, nos atos falhos, fazendo sonhos, articulando sintoma, definindo estrutura, lançando enigmas. Defendemos a idéia de que acolher essas formações podem indicar um tratamento possível dentro do contexto da clínica de enfermagem no CAPS ad. A demanda que o sustentou no serviço era justamente outra: “por que não posso mais beber como antes?”. Isso que aponta para o desejo de saber sobre si e que possibilita um tratamento comprometido com a ética do desejo, com a verdade do inconsciente. A interrupção no tratamento de Pedro aponta para questões transferenciais complexas ao desenvolver o trabalho com o inconsciente no ambulatório público. A própria questão de sua hipótese diagnóstica de neurose obsessiva: que apresenta avanços e retrocessos em direção ao saber, diante da dificuldade que encontra ao se deparar com os impasses de seu desejo. 122 Outro fator pode ter sido o de eu sugerir consultas semanais (que antes eram quinzenais) no momento em que estava falando mais sobre sua sexualidade, podendo ter provocado um aumento da resistência. Além disso, a articulação de seus atendimentos comigo junto ao seu projeto terapêutico, realizado pela equipe de profissionais, pode ter confundido sua relação comigo e sua relação com outros profissionais do CAPS ad. Porém, apesar dessa interrupção, acreditamos que esse trabalho com a escuta orientada pelo referencial psicanalítico, propiciou o contato de Pedro com sua verdade inconsciente e abriu possibilidades para uma vida mais de acordo com o verdadeiro desejo de seu coração. 6.4 POR OUTRA CLÍNICA: DO DROGADITO AOS DITOS DOS DROGADOS Sabemos que, com este trabalho, lançamo-nos num grande desafio, principalmente, pela multiplicidade do objeto de pesquisa que nosso esforço tentou contemplar. Falar do que pode a clínica de enfermagem receber de contribuição a partir do trabalho com o sujeito do inconsciente já não seria tarefa das mais fáceis, ainda mais quando somamos a isso a discussão acerca da drogadição no campo da atenção psicossocial. Diante de uma situação tão complexa, vemos a dificuldade em oferecer respostas prontas sobre as questões que envolvem esse contexto. Na verdade, mais do que respostas, pretendemos dar movimento às discussões acerca desses pontos que se mostram como impasses no cotidiano da clínica com drogaditos. A proposta deste estudo foi a de compreender quais as implicações do trabalho com o sujeito do inconsciente para o cuidado clínico de enfermagem no CAPSad. A construção dessa clínica não se deu de forma sistematizada, mas sim, a partir de pequenos indícios-sinais, percebidos principalmente a partir do trabalho com a escuta, dos pacientes que orientaram 123 mudanças. Porém, quando falamos de mudanças, tomamos como referencial, pelo menos, um ponto de partida para a transformação. Nosso ponto de partida foi o projeto de implantação da enfermagem no contexto do CAPSad de Maracanaú em 2008. Muitos fatores envolveram este projeto. Fatores que vinham das características mais conceituais, como as diretrizes que orientam os trabalhos nos Centros de Atenção Psicossocial e os conceitos da Reforma Psiquiátrica. E de outro lado, fatores que diziam respeito às características mais específicas dos membros da equipe multiprofissional, que teve seu processo de formação conduzido por uma pedagoga no papel de supervisora do serviço. Cabe-nos aqui ressaltar a importância dessa supervisão por estimular a construção de projetos individuais, a partir do referencial de cada profissional que iria compor o serviço, e por arduamente tentar aproximar essas construções num diálogo possível norteado pela superação da hegemonia biomédica, em nome da idéia de clínica ampliada. A clínica ampliada diz respeito ao trabalho do profissional e da equipe de saúde em que a doença não é o foco único e principal do tratamento. Escuta, vínculos e afetos são valorizados nessa perspectiva, intimando o paciente a assumir uma maior responsabilização pelas escolhas de sua vida de forma geral (BRASIL, 2004). Porém, esse conceito de clínica, assim como o processo de Reforma Psiquiátrica, ainda está acontecendo. Não estão plenamente instalados e muitas devem ser as discussões em torno disso. Em nossos dois casos, vimos que, apesar de a droga estar envolvida nos problemas dos sujeitos, não foi o (ab)uso da droga enquanto quadro patológico que permeou o tratamento. O norte para os atendimentos foi dado a partir da escuta, o que, podemos dizer, favorece a continuidade do tratamento. A estratégia é a da transferência que se estabelece ao longo do tempo. 124 Considerar a transferência ajuda-nos a compreender essa relação entre terapeuta e paciente. E é a partir dela que todo tratamento será possível. Mola e palco de dificuldades ela aparece, enquanto uma relação de objeto, apresentando apenas uma forma da série de relações amorosas daquele sujeito. Foi a partir desse trabalho de escuta atenta, paciente, que houve um refinamento em relação à demanda, diferenciando queixa inicial de queixa principal. No caso de Raul, a escuta às queixas em relação à família a partir do seu discurso de “fora-da-lei” foi importante para entendermos o uso que ele fazia da droga, sem julgamento prévio, nem direcionado o tratamento a partir de qualquer padrão de consumo de álcool. Com Pedro, aprendemos que um “problema com a bebida”, não solicita um trabalho com a abstinência, mas sim com a escuta de qual problema seria esse. Que, para ele, era justamente o de não conseguir mais beber como antes. Precisamos atentar para a interferência que preconceitos, rótulos, estereótipos fazem no tratamento. Aparecendo de forma velada nas práticas de saúde, o uso, não só de álcool, mas das outras drogas é encarado como algo a ser eliminado, erradicado da sociedade, acusado de ser o único causador do grande mal-estar que afeta os problemas sociais como delinquência, marginalidade e violência. Em Mal-estar na civilização, Freud direciona a origem dessa angústia para os desejos que se têm de abrir mão em nome da vida em sociedade. A droga funcionaria como uma tentativa de amenizar esse mal-estar, possibilitando a vida na civilização. Alguma vez na história da humanidade o mundo já foi livre de drogas? É possível controlar o uso de drogas na sociedade se isso não consegue ser feito nem mesmo dentro dos presídios? A solução, então, não parece passar pelo controle e a vigilância (presentes no contexto histórico da prática de enfermagem). É preciso entender o uso que cada pessoa faz das drogas. Elas estão presentes na cultura de várias formas. Desde o crack e seu alto poder de 125 dependência, até uso de medicamentos para amenizar as dores da alma ofuscando possibilidades de resolução mais consistentes em relação ao sofrimento. Devemos buscar entender em que momento o uso da droga se relaciona com algo prejudicial para o sujeito e como isso se dá para ele. A escuta convoca a responsabilidade daquele que fala sobre seu sofrimento. Quanto mais a droga é apontada como o objeto do qual o drogadito deve se abster, menos chances ele terá de aceitar que o que ele empreende é da ordem do impossível e não resultado de uma proibição que venha do campo do Outro, da lei ou do terapeuta (CONTE, et al, 2008). Nesse sentido, a política da Redução de Danos auxilia na desconstrução do imaginário em torno do usuário de droga e do imperativo de abstinência. Tendo origem inglesa, esse conceito chega ao Brasil no final da década de oitenta, e esteve inicialmente relacionado a programas de DST/AIDS, através da troca de seringas (BRASIL, 2001). Aos poucos, ele foi incorporado à política nacional sobre drogas e tem sido importante no campo social, por tentar aproximar os sujeitos afetados pela droga do laço social, do qual está apartado. A redução de danos pode ser definida como um conjunto de medidas para minimizar as consequências adversas do uso de drogas, fundamentada pelo respeito à escolha, pretende levar os usuários a refletirem sobre o que é melhor para sua saúde. Isso acontece a partir do vínculo que os terapeutas estabelecem com os usuários, potencializando o poder de contrato destes (NARDI e RIGONI, 2005). Assim, o trabalho de enfermagem nessa perspectiva se constitui como um desafio, o de superação de seu antigo papel de “carcereiro” do hospital psiquiátrico, controlador, vigilante, que muitas vezes ainda aparece velado nas práticas de promoção da saúde, onde o uso da droga é sempre visto como um mal a ser controlado e eliminado. A partir da psicanálise, vimos que esse uso da droga se constitui mais como uma resposta a uma condição de mal-estar prévio do que como a única causa da angústia. Mas o enfermeiro só poderá 126 mudar sua posição para algo que considere a produção subjetiva se estiver disposto a escutar e a perceber a dimensão do sujeito do inconsciente que envolve essa escuta. Outra implicação importante ao se considerar o inconsciente no trabalho de enfermagem no CAPSad foi a forma de encarar os sintomas. A partir da escuta a esses sintomas apresentados pelos pacientes, especialmente por Pedro e sua “ferroada no peito”, foi possível estabelecer uma relação com seu romance familiar, com seu problema em relação à bebida e ao relacionamento com as mulheres. Quinet (2000) nos alerta para o perigo do furor sanadi de eliminar o sintoma a qualquer custo, limitando as possibilidades de expressão dos sujeitos. Escutar o que os sintomas querem dizer não é tarefa fácil, exigem daqueles que se propõem a isso um desafio e um constante trabalho de privilegiar a fala do paciente diante da diversidade de discursos que estabelecem embates no campo da saúde mental. Sabemos que os desafios não são apenas internos da profissão, mas se constituem num campo onde vários discursos convivem, onde as relações de poder são determinantes na organização e nos modos de fazer o trabalho em saúde. A enfermagem nasce e cresce herdeira do poder biomédico e da cientificidade. Porém, não devemos economizar esforços no sentido de ampliar suas possibilidades em relação ao trabalho com a subjetividade. Não seria possível uma prática de enfermagem direcionada principalmente para o sujeito, onde a busca pelo reconhecimento profissional não fosse responsável por excluí-lo naquilo em que ele apresenta de mais singular? Apesar da Reforma Psiquiátrica e de seus conceitos, do processo de desisntitucionalização, da necessidade mais que urgente da superação dos manicômios, o que vemos é ainda um campo de saúde mental permeado por vários discursos opressivos em suas supostas formas de tratamento. A busca pela abstinência como única saída, o isolamento, a culpabilização do usuário de drogas como único responsável pelos conflitos familiares e pelas mazelas sociais, a 127 necessidade de adaptabilidade ao meio social sem questioná-lo, são idéias que estão longe de serem superadas. Muitos discursos defendem essa posição. O estímulo às comunidades terapêuticas que trabalham exclusivamente com a abstinência e com a orientação religiosa, à internação compulsória onde não há um trabalho de ouvir esse sujeito em relação a seu desejo, o excesso de medicação administrada de forma a, muitas vezes, calar aquilo que os sintomas se formam para dizerem. Mais do que uma clínica pronta, podemos dizer que chegamos a uma clínica disposta a se reconstruir a cada escuta realizada com um paciente. Uma clínica de aprendizado, onde quem toma lugar de sujeito é aquele que vem se queixar de seu sofrimento. Paciência é característica mais próxima do terapeuta, uma vez que apesar de todo o conhecimento teórico, de todos os conceitos já construídos, é a fala do paciente que deve direcionar esse tratamento. Assim, propomos respeito às escolhas, especialmente a dos drogaditos, que muitas vezes são vistos como impossibilitados de decidirem sobre suas vidas pela condição da dependência química. Porém, essa visão reduz a vida do sujeito apenas a fatores químicos, biológicos. Não desconsideramos a importância da busca pelo reconhecimento profissional da enfermagem, mas propomos um resgate histórico para compreender esse contexto conflituoso no campo de prática da saúde. Vemos que mesmo em práticas que se propõem ao trabalho com o sujeito, o que acontece, muitas vezes, é um apaziguamento do sofrimento a qualquer custo, o que não contribui para mudanças efetivas naquilo que a estrutura política e social provoca de patológico na vida das pessoas. Trabalhar com o inconsciente significa um compromisso radical com o sujeito, responsabilizando-o por suas escolhas, amparando-o no sentido de, através da escuta, propiciar o acesso a seu desejo e às articulações possíveis com o laço social. 128 A clínica, nessa perspectiva, passa a ser de cada sujeito, a clínica do caso-a-caso, pautada pela escuta, por um saber que não é pré-existente, mas que é construído ao longo do tratamento. Acreditamos que com esse trabalho oferecemos bases para um reposicionamento da clínica diante daquele considerado drogado, a partir da escuta atenta e paciente, dirigida ao que o sujeito tem a dizer sobre o seu sofrimento e sobre suas próprias formas de saída diante de seus impasses. 129 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Chegamos ao final deste trabalho que pretendeu lançar outro olhar sobre a clínica de enfermagem no CAPS ad. Ao considerar o sujeito do inconsciente, apresentamos nossa trajetória singular desde a formação acadêmica até a construção teórica dos casos apresentados. No meio dessa travessia, buscamos entrelaçar teoria e prática, de forma a responder às questões que nos motivaram a desenvolver esta pesquisa: a que se propõe a prática clínica de enfermagem nesses serviços? A que ela responde? Quem é seu sujeito? Como desenvolver um cuidado clínico que extrapole a dimensão de um saber pré-concebido e a eliminação dos sintomas? Procuramos descrever a prática clínica de enfermagem, contextualizando-a historicamente para nos ajudar a compreender as relações que estabelece na atualidade. Assim, a origem da enfermagem esteve ligada à religiosidade, à caridade, ao militarismo e à moralidade. Sua inserção na sociedade teve como palco inicial o hospital, e à enfermeira era atribuída uma imagem maternal, assexuada, de anjo branco. No caso específico do Brasil, surgiu nos hospitais psiquiátricos sob a tutela do poder biomédico. Era dela a função de vigilância e controle exercidos sobre o louco excluído. Ao longo do Século XX, a enfermagem procurou diversas formas de reconhecimento social através da busca por conferir um caráter científico à sua prática. A formação adquire um caráter dicotômico, separando ensino de prática. Primeiro o profissional precisa adquirir o conhecimento, para depois aplicá-lo na prática. O desenvolvimento de teorias e de tecnologias (especialmente as ditas “leves”) marcou a enfermagem nos últimos anos. Porém, essa busca pela construção de um corpo de conhecimentos específicos está menos atrelada ao compromisso com a atenção destinada aos pacientes que com a conquista de um caráter corporativo. 130 Nesse contexto, a enfermagem adentra o palco do ambulatório público com a inserção nos serviços substitutivos a partir da Reforma Psiquiátrica. Porém, vem encontrando dificuldades de atuação nesses serviços, principalmente na utilização de um material teórico que esteja de acordo com as práticas que muitas vezes, e ainda, estão atreladas ao seu antigo papel de controle, vigilância e maternagem, principalmente no cuidado aos drogaditos. Mesmo quando novas estratégias são experimentadas pela enfermagem nesse âmbito, o caráter corporativo, ligado ao reconhecimento social através da ciência, acaba por limitar as potencialidades do trabalho com os sujeitos que, nesse caso, são considerados como indivíduos, indivisíveis, um todo plenamente consciente. E o encontro entre profissional e paciente, que se pretende intersubjetivo, acaba por anular a subjetividade de um, objetificando-o como mero receptor de informações sanitárias, alguém que deve ser aconselhado por aquele que detém o saber. O objeto, nesse caso, é o paciente. O sujeito da ciência é o sujeito cartesiano, inteiro, indivisível. A partir desse sujeito, Freud subverte essa concepção e apresenta à ciência um sujeito dividido (em relação ao sexo e à castração), o Sujeito do Inconsciente. Esse sujeito se articula através da lógica inconsciente, que Lacan apresenta estruturado como linguagem. Essa estrutura de linguagem permite, através da fala, o acesso aos conteúdos inconscientes por parte do paciente, conferindo a este um caráter de sujeito, a partir da escuta exercida pelo profissional. O objeto, nesse caso, é o profissional, que assume essa posição para fazer com que o desejo do sujeito se apresente. Assim, nossa proposta para o cuidado clínico de enfermagem foi a de fazer surgir esse sujeito do inconsciente nos ditos drogados que buscavam atendimento no CAPS ad. Para essa finalidade, algumas mudanças precisaram ser feitas nas consultas de enfermagem. A partir do relato de experiência, percebemos que uma escuta mais atenta, mesmo no contexto de uma Equipe de Saúde da Família, possibilita ressignificar o sofrimento daqueles que buscam uma resolução para seus problemas de saúde, não necessariamente específicos da Saúde Mental. 131 No CAPS ad, para que pudéssemos trabalhar com o sujeito do inconsciente, promovemos algumas mudanças que favoreceram o trabalho clínico. Dessa maneira, algumas vezes atendi sem o birô, colocando a cadeira do paciente ao lado da minha; trancava a porta durante as consultas; mudei a forma de registros, que passou a ser pautada pela fala do paciente e não por roteiros prévios; passei a registrar somente o necessário no prontuário, e a manter um diário pessoal onde poderia escrever falas dirigidas a mim; orientei o tempo das consultas pela lógica do inconsciente, variável, operando um corte que possibilitasse uma elaboração a posteriori por parte do paciente; estabeleci a comunicação com os familiares sem questionar a verdade dos ditos dos pacientes; orientei os diagnósticos a partir das estruturas clínicas; procurei sair da posição de sujeito suposto saber para que o saber do sujeito pudesse surgir. Assim, através de minha análise pessoal, da participação na Escola de Psicanálise do Fórum do Campo Lacaniano de Fortaleza, da supervisão e da orientação, foi possível a construção dos casos atendidos entre 2009 e 2011 a partir dos registros pessoais realizados durante esse período. A metodologia utilizada priorizou as falas do paciente na medida em que somente depois da escrita de seus “pathos” e da identificação dos pontos cegos, das questões a serem trabalhadas, a construção teórica foi elaborada sob o prisma do referencial psicanalítico. Constatamos que essa metodologia aproxima teoria e prática, aponta para um diálogo possível, onde a palavra do sujeito é privilegiada e ratificada pelos conceitos da psicanálise, num momento posterior. Foi possível a identificação de hipóteses diagnósticas com base nas estruturas clínicas nos dois casos. A partir dos ditos, a estrutura da linguagem apareceu e indicou caminhos possíveis para o tratamento. O primeiro caso que apresentamos foi o do Maluco Beleza, com a hipótese diagnóstica de psicose, definida diante dos fenômenos elementares característicos dessa estrutura que se 132 apresentaram ao longo dos atendimentos. Os hábitos relacionados ao consumo de bebidas não foram priorizados, no lugar disso, buscamos perceber como o objeto álcool se articulava nos ditos e no encadeamento da linguagem de Raul. Percebemos que o consumo de álcool para Raul estava relacionado a uma tentativa de laço social. As intervenções no sentido de atuar como “Secretário do Alienado”, estimulando sua fala, suas produções escritas e artísticas possibilitaram a rearticulação do significante Raul Seixas, como substituto do significante mestre, Nome-do-Pai, que orienta a cadeia de significantes e que está perdido na psicose. O inconsciente a céu aberto do psicótico, constatado nos delírios e nas falas consideradas pela lógica cartesiana como fora da realidade, teve um ponto de amarração possível, este o de Raul Seixas, que permitiu ao sujeito estabelecer outros laços sociais, além daqueles mediados pelo consumo de álcool. O segundo caso, o de Pedro, indicou-nos uma hipótese diagnóstica de neurose obsessiva, a partir da negação do desejo, que foi simbolizado, mas que é rejeitado nessa estrutura. Percebemos uma mudança radical na forma de compreender a demanda que, antes do nosso atendimento era localizada nos problemas decorrentes do uso de álcool. Porém, a questão que nos coloca é completamente oposta: Por que não consegue mais beber como antes? A resposta surge na forma de sintoma, localizado em seu coração que deseja. A partir de um enigma, a cadeia de significantes passa a deslizar sobre o desejo e fica evidente a relação que faz entre a cerveja e a mulher. A interdição sexual responde na forma de sintoma, e aponta para uma articulação possível com o desejo, pela decifração do enigma. Em ambos os casos o objeto droga, no caso a bebida, apareceu distinto do que costumamos observar nos tratamentos que se orientam pela abstinência ou mesmo nos que têm como norte a redução de danos. A relação com a droga não é enquadrada, não é préconcebida, ao contrário, ela é percebida a partir das falas dos pacientes e de sua articulação com a linguagem. 133 Os casos mostraram que a droga não necessariamente é algo a ser combatido, como sugerem certas políticas públicas. É evidente que muitas vezes seu consumo traz sérios prejuízos aos consumidores, que se vêem presos a uma forma mortífera de gozar. Porém, é imprescindível que, no tratamento dos ditos drogados, ela seja identificada como objeto articulado a uma determinada estrutura clínica. O contexto histórico do uso de drogas nos mostra que ela sempre fez parte da humanidade. Assumiu diferentes características nas culturas onde esteve inserida. Esteve ligada a aspectos religiosos, à busca por transcendência, ao estímulo a criatividade, ao uso terapêutico. Assim, ela parece estabelecer relações peculiares a partir de cada sujeito inserido numa determinada cultura. O lugar da droga na sociedade de hoje parece estar submetido à mesma lógica do capital, acumular é a palavra de ordem. Há uma semelhança entre as leis que regem o capitalismo e a organização do tráfico, por exemplo, em torno das drogas na atualidade. A mais-valia parece estabelecer correspondência aqui ao mais-de-gozar, onde um caminho não mediado pelas palavras conduz à morte. A fala aponta para a possibilidade de estabelecer uma mediação desse gozo, fazendo da psicanálise, e de sua característica de cura pela fala, um instrumento importante para o tratamento desses sujeitos ditos drogados. Esse trabalho, a partir da construção teoria dos casos clínicos também apontou para questões clínico-institucionais que interferiram de certa forma no acompanhamento dos pacientes. O primeiro aspecto, que apontamos como positivo, foi a possibilidade de construir uma clínica de enfermagem a partir de um referencial teórico escolhido por mim. A orientação para a implantação dos CAPS ad segue algumas diretrizes e certos conceitos como reabilitação, clínica ampliada, interdisciplinaridade, redução de danos. Porém, podemos 134 atribuir características próprias à clínica com base no referencial que escolhermos para trabalhar. Vimos que os sintomas são encarados pelas ciências, especialmente pela medicina, como sinais a serem combatidos a qualquer custo, seja em terapias ou em esquemas de medicação. Muitas vezes, isso provoca uma cronificação da doença ou mesmo o surgimento de outras. Os casos mostraram que no neurótico, o sintoma é uma via pela qual se pode ter acesso ao desejo. Na psicose, parece estar associado a uma forma de amarração de sua estrutura de linguagem fragmentada. Portanto, a partir de nossa investigação, identificamos o sintoma como algo que deve ser promotor de uma fala singular. Devemos escutar o que os sintomas nos dizem, ao invés de atacá-los de qualquer forma até que desapareçam (Quinet, 2000). O desaparecimento do sintoma não significa cura, porque o inconsciente não cessará, buscando outras formas de se insurgir. Outra questão observada foi a de qual a orientação que a clínica deve seguir: abstinência ou redução de danos? Apontamos a resposta para essa questão em direção ao desejo. A psicanálise trabalha com a verdade do sujeito do inconsciente, essa verdade é o desejo. É aí que ela traça sua ética e sua política, responsabilizando cada sujeito sobre a verdade de seu desejo. Através dos discursos os sujeitos fazem laço social e o singular repercute no social. O trabalho em equipe pode ser feito considerando a especificidade de cada disciplina, porém todos os membros devem atuar como aprendizes da clínica, deixando que o paciente indique os caminhos possíveis para o seu tratamento, evitando enquadrá-lo em modelos préconcebidos de atenção. Assim, acreditamos que a clínica de enfermagem no contexto da atenção psicossocial em drogadição amparada no referencial psicanalítico trouxe discussões importantes acerca do 135 cuidado desenvolvido no CAPS ad. Esperamos que o trabalho, mais do que respostas, tenha provocado a abertura para questões a serem respondidas numa posterioridade. Aquelas que ainda ficam para nós dizem respeito à transferência e como manejá-la no contexto da clínica de enfermagem e do trabalho em equipe no serviço público. Os fatores que interferem nesse manejo são os mais variados possíveis, bem diversos dos da clínica clássica e parecem exigir uma maior atenção por parte dos profissionais. Também fica uma interrogação sobre de onde surge a necessidade do combate aos ditos drogados. Como o capitalismo se articula à economia de gozo dos sujeitos, promovendo novos sintomas, dentre eles os relacionados à drogadição? Enfim, deixamos em aberto essas e outras questões acreditando que esse é o melhor caminho para a produção de saber. Esperamos ter contribuído nesse trabalho tão árduo e laborioso: o de colocar frente a frente os anjos brancos assexuados da enfermagem e os piores demônios das profundezas do inconsciente. Sabemos que os demônios nada mais são do que anjos caídos, assim como os casos clínicos (feitos a partir do que cai de cada discurso) e que revelam uma verdade sobre o desejo, que a lógica da consciência tenta velar. Metáforas à parte, sabemos que o trabalho com o inconsciente não é fácil. As resistências parecem operar cada vez mais fortes na sociedade, onde a subjetividade é corrompida em nome do consumo e da acumulação de capitais. Optamos por não fazer paralelo entre a sistematização da assistência, ou mesmo o processo de enfermagem uma vez que a lógica com a qual conduzimos o trabalho foi a lógica do inconsciente, atemporal e não-linear. Porém, essa lógica do inconsciente não deixa de considerar elementos semelhantes - diagnósticos, intervenções, registros, história construídos a partir do que cai de cada caso. 136 Acreditamos ser possível o trabalho com o Sujeito do Inconsciente na clínica de enfermagem em drogadição. Porém, ele exige um desafio, através do desvendamento de enigmas que escondem um desejo. Assim como o que a Esfinge propõe a Édipo. Oferecemos um caminho possível para a decifração, para que não sejamos devorados pela esfinge que se apresenta nos impasses da clínica no cotidiano. 137 8 REFERÊNCIAS ACIOLY, Y. A. Reforma psiquiátrica: com a palavra, os usuários. Dissertação (Mestrado). UECE, Fortaleza, 2006. ALBERTI, S.; ELIA, L. (org.). Clínica e pesquisa em psicanálise. 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Voce não pode me prende porque o meu pAi e JUIZ de direito – e o SenHoR e um AlcoLAtrA e CApoetA e seu filho tem 20 AnoS e o meu. mAioR AviÃO desde 12 Amos de LAVAndo que e melHo pARA você seu filho me deve – ELE pode morer” 155 APÊNDICE 2 “SinpAtiA _ DO ResGAte, dando coselho o tuCHAU _meu AmiGo tuCHAU tente sAir deca vida Que essa vida não da cAmiza para minGueim eu também erA dessa viDa de dRoGras _ jÁ puCHei CADeiA Seu fim e semiterio ou caDeia X tuCHAU ReSpnde A SinpatiA _ pArA min nuncA da nada poiS a minHA mulher e advoGAdo e o meu pai e JUIZ BAStA um teLefonema e eu sAio X _ espozA do TuCHAU Responde _ SinpatiA você não Vein aQui se trAtAR você vein e ATRAZ do meu maRido se mAnQue.” 156 APÊNDICE 3 “CAPS AD 6-novemBro.2010 terapeutA Dando CoselHO o tuCHAU. Não tenHA veRGonHA De suA ReCAída nós estAmps AQue paRA lhe AjuDA. nA Saída. Tetê outra vez você. Porque muncA se vence um QuerrA LutAndo sozinHO. O CAPS AD. E o seu e o nosso caminHo. Com A força de Jesus Que senpre nós comDUs. O AMOR e A nossa pricipaL Ley. Volte paRA o CAPS AD nós vamos ajudar você vencer e parAR de sofrer. paRA você ver todo os diAS um movo AmAnHeçer –e Ajudar tAmBen nos QuReser. Jesus te Ama”