Crises Políticas - Resenha do livro Crises Políticas e Capitalismo

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Crises Políticas - Resenha do livro Crises Políticas e Capitalismo Neoliberal no Brasil1
Claudio Reis
Essa obra de Danilo Martuscelli, foca-se numa questão central das últimas décadas
da história brasileira. As chamadas "crises políticas", tão comentadas nos meios de
comunicação, nas ruas, nos partidos políticos e entre os representantes do próprio Estado, são
tratadas na obra com o rigor teórico que o tema exige. Especialmente nos dias que correm,
com o avanço do processo de impeachment da presidenta Dilma, esse livro contribuiu para o
entendimento processual e histórico desse fato. Portanto, é um trabalho importante para se
entender, em sua complexidade, essa questão, contribuindo para a superação das análises não
aprofundadas que imperam no debate cotidiano.
Para desenvolver a questão central do livro, no entanto, o autor não a faz separada de
um outro elemento fundamental da vida social que é a economia. Não há uma separação
orgânica entre política e economia, como o faz o pensamento político liberal, para se explicar
os movimentos do poder político nos âmbitos da sociedade política e da sociedade civil (ou
Estado, em sua dimensão ampliada, como diria Antonio Gramsci).
Essa não distinção é importante no interior da teoria ou "ciência" política
contemporânea. Afinal, grande parte dos atuais trabalhos dos "politólogos" tende a retirar das
reflexões acerca dos acontecimentos políticos, as suas relações com os interesses econômicos.
Fragmentando o conhecimento e retirando a materialidade dos discursos e dos projetos
políticos apresentados à sociedade. Demonstrar a organicidade entre um e outro é uma
questão de método. E mesmo que seja necessário precisar as particularidades existentes tanto
na economia quanto na política, não estabelecer os vínculos orgânicos e contraditórios entre
as mesmas é criar um conhecimento falso sobre a realidade. É fortalecer as dimensões
estranhadas e aparentes dos acontecimentos políticos. Ao contrário disso, neste livro, tem-se
uma reflexão que contribui justamente para uma análise concreta da política.
Nessa linha, o autor, antes de apresentar as duas crises políticas centrais do texto - a
referente ao impeachment do Fernando Collor (1992) e a de 2005, jornalisticamente
conhecida como "Mensalão do PT" - desenvolve análises sobre as alterações da estrutura
econômica do país, em tais momentos respectivos. Segundo afirma, a crise de 1992 é uma
reação de alguns setores das classes dominantes acerca da introdução das políticas neoliberais
1
MARTUSCELLI, Danilo Enrico. Crises políticas e capitalismo neoliberal no Brasil. Curitiba: CRV, 2015.
Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP, professor da Universidade
Federal da Grande Dourados/UFGD.
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no Brasil. Já a crise de 2005, encontra-se dentro de um cenário de reformas no interior desse
neoliberalismo. Portanto, o autor indica a necessidade de contextualizar tais crises políticas
dentro de um processo de transformação econômica no país. Para tanto, expõe os movimentos
dos principais setores da burguesia antes e durante a crise política.
No Capítulo 1, é demonstrado um dado importante, e nem sempre ressaltado nas
análises, que é a não aceitação linear, por parte da burguesia, do processo de inserção do
neoliberalismo em terras brasileiras. Esse é um elemento que traz desdobramentos políticos e
também teóricos importantes.
Sobre o primeiro aspecto, fica evidente que há uma significativo incomodo entre
alguns setores da burguesia nacional quanto às determinações do capital internacional. Com a
crise da década de 1970 que afetou os países ricos, as periferias globais tiveram que se
enquadrar à solução encontrada por aqueles. A diminuição da maquina estatal e a radical
abertura dos mercados periféricos, passaram ao status de única forma de resolver a crise
estrutural do capital. O neoliberalismo, portanto, é a política econômica defendida pelos
países ricos durante as décadas de 1980-90 e que deveria ser adotada pelos subdesenvolvidos
economicamente. Portanto, a forma como o capitalismo brasileiro vinha se desenvolvendo, a
partir dos interesses de uma burguesia industrial forte, teve que passar por alterações. Afinal,
com a abertura intensiva da economia interna ao capital estrangeiro, alguns setores perderiam
força.
Essa tensão, como demonstra o autor, pode ser visualizada tanto na sociedade
política quanto na sociedade civil. Seja no âmbito do poder executivo ou no parlamentar,
pode-se verificar a tensão existente entre os setores favoráveis e os contrários à inserção do
neoliberalismo no país. Do mesmo modo, organizações empresarias e sindicais também
travaram intensos debates sobre os "novos" caminhos avistados. Não há, portanto, um
processo harmônico, partindo dos países centrais, de implementação do neoliberalismo pelo
mundo. No Brasil, a resistência existiu, por parte de alguns setores da burguesia, e acabou
significando alterações na composição das classes dominantes no poder do Estado.
Sobre a dimensão teórica, toca-se numa questão que promoveu importantes debates
no interior do pensamento político marxista, que é sobre a existência ou não da chamada
"burguesia nacional". Não há, pelo autor, o propósito de entrar nesse debate, porém ao
demonstrar a tensão entre determinados setores da burguesia brasileira, em relação aos
interesses do capital internacional, traz novamente esse elemento para a reflexão.
Obviamente, como se provou historicamente, os setores da burguesia brasileira com interesses
voltados ao mercado nacional, acabaram se curvando diante dos interesses estrangeiros.
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De qualquer modo, o debate acerca da existência ou não de uma burguesia nacional,
que marcou parte importante também do pensamento marxista brasileiro, pode ser um dado
pertinente para entender ainda hoje o movimento que as classes dominantes realizam no
interno do poder do Estado.
O autor demonstra como no segundo turno das eleições presidenciais de 1989, no
qual disputavam Collor e Lula, o apoio que cada um obteve das classes dominantes seguiu os
posicionamentos que tinham sobre a inserção do neoliberalismo no país. Enquanto Collor
assumiu uma postura de crítica à chamada "ineficiência do Estado", de defesa da privatização
de parte da maquina estatal e abertura da economia aos interesses imperialistas; Lula apontava
a necessidade do fortalecimento do Estado, regulamentação do capital internacional e apoio a
setores estratégicos da economia. Essas candidaturas acabaram refletindo e, ao mesmo tempo,
criando uma polarização sobre a presença ou não do neoliberalismo. Os setores conflitantes
da burguesia movimentaram seus partidos e seus sindicatos para representarem seus
interesses, seja na sociedade política seja na sociedade civil.
Do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores, apesar da década de 1980 ter sido
um período de ampla mobilização política e sindical, com greves e ações de movimentos
sociais, as suas demandas não foram contempladas nessa disputa. No âmbito da sociedade
política, as forças partidárias que os representavam não conseguiram emplacar outra saída que
não as da burguesia.
No capítulo 2, que trata da queda de Fernando Collor, o acúmulo de discussão
precedente desqualifica a afirmação comum, segundo a qual, a corrupção teria sido o motivo
principal para o impeachment. Nesse momento do trabalho fica evidente que toda a disputa
política, no interior da sociedade política e da sociedade civil, criou um cenário de isolamento
político para o então presidente. E essa situação não teve como ponto central as ações de
corrupção de Collor, afinal estas fazem parte dos instrumentos de dominação de classe.
No capitalismo, a corrupção na sociedade política é funcional ao sistema e, portanto,
a sua punição deve estar vinculada a determinados momentos históricos. O que realmente
colocou o executivo em isolamento foram suas ações em direção da introdução do
neoliberalismo no país. Não só parte da burguesia interna demonstrou descontentamento com
as novas medidas do executivo, as classes trabalhadoras e os movimentos populares também
isolaram social e politicamente o presidente. A sociedade civil teve papel de destaque nesse
processo. No entanto, nessa dimensão do poder do Estado, o alvo central se deu sobre os atos
de corrupção envolvendo o Collor. Foi com a bandeira "ética na política" que o movimento
"Fora Collor" se massificou, atraindo às ruas várias entidades civis.
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Interessante notar como que o centro dos debates assumiu configuração específica,
seguindo os espaços de poder particulares. Na sociedade política, os temas envolvendo a
política econômica do país foram decisivos para se criar a falta de apoio ao executivo, já na
sociedade civil os temas morais dominaram o cenário. Obviamente que as classes dominantes
estiveram em ambos espaços, mas a sua atuação como classe particular se restringiu às forças
partidárias na sociedade política - representando, claro, suas entidades civis. As classes
trabalhadoras e os movimentos populares não tendo força suficiente para alterar o jogo na
sociedade política, ficaram, em maior medida, restritas às ações na sociedade civil.
Por mais que o segundo capítulo esteja concentrado nos acontecimentos que
marcaram o impeachment de Collor, fica evidente que esse não foi um fato isolado. A
questão da corrupção, carro-chefe do movimento "Fora Collor", deve estar vinculada a todo o
processo que marca os vínculos de classe do próprio presidente e as suas conseqüências no
interior dos interesses, principalmente, das classes dominantes.
Portanto, o impeachment não é em si a crise, pois ele faz parte de um processo de
maior alcance, tendo em vista as transformações do sistema capitalista e os rearranjos
necessários para conformar os setores hegemônicos das classes dominantes, tanto na
sociedade política quanto na sociedade civil.
No capítulo 3, há o destaque para o momento em que neoliberalismo enfrenta uma
perda de hegemonia. Todavia, passada a queda de Collor e o governo transitório de Itamar
Franco (1992-94), o Brasil continuou seguindo o movimento geral do capital, em direção ao
neoliberalismo. Com a nova derrota de Lula e do PT, para as eleições presidenciais em 1994,
o país acabou sendo governado por 8 anos, pelo Fernando Henrique Cardoso e pelo PSDB.
FCH venceu o petista por 2 vezes, 1994 e 1998. Durante os 2 governos do PSDB, o país
mergulhou definitivamente nas políticas neoliberalismo. As determinações das agências
financeiras internacionais, foram aplicadas fielmente na economia interna do país. Entretanto,
nesse período as classes dominantes já se encontravam conformadas com a nova forma de
submissão, a qual fora enquadrada.
Por outro lado, as classes trabalhadoras e os movimentos populares sentiram
brutalmente os violentos impactos da nova política econômica. Perdas salariais,
enfraquecimentos das lutas sindical e política, diminuição das ações da maquina estatal no
âmbito das questões sociais, aumento do desemprego, privatizações, entre muitos outros
elementos. E foi em decorrência desse descontentamento de grande parte da população que,
em 2002, Lula assume a presidência da república. Com um discurso de mudança na política
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econômica, a fim de melhorar o padrão de vida dos setores populares, mas sem romper com a
ordem burguesa, Lula inicia um momento distinto para o neoliberalismo no país.
Internacionalmente, o neoliberalismo também passou por profundos desgastes
durante a década de 1990. Na América Latina, ao entrar na primeira década do século XXI,
muitos países estavam rompendo, em alguns casos mais outros menos radicais, com a sua
cartilha. E é também nesse contexto que o PT ganha as eleições para presidência da república,
em 2002. No caso brasileiro, o distanciamento em relação às políticas neoliberais não será tão
profundo, porém será o suficiente para colocar o PT como obstáculo, principalmente para os
interesses da burguesia externa. Ainda que A Carta ao Povo Brasileiro, documento difundido
a partir de meados de 2002, tivesse a clara intenção de tranqüilizar as burguesias internas e
estrangeiras, deixando evidente que o novo governo respeitaria os fundamentos da sociedade
burguesa, a proposta de mudança do PT para o país não contemplou harmonicamente todos os
setores das classes dominantes. No âmbito da sociedade política, os partidos representantes
das forças imperialistas e de setores da burguesia interna (não incomodada com os interesses
externos), passaram a trabalhar pelo enfraquecimento político e ideológico do projeto petista.
No capítulo 4, a questão central será justamente sobre a crise enfrentada pelo
governo Lula, no chamado "escândalo do mensalão", em 2005. Mais uma vez, o tema da
corrupção dominou o debate público acerca dessa crise política. O que de fato se tornou alvo
das críticas ao poder executivo, foi a situação revelada de compra de votos, pelo governo
federal, de parlamentares no Congresso Nacional. Todas as informações publicizadas pelas
investigações realizadas, deram conta do esquema de repasse de dinheiro do PT, para outros
partidos políticos, objetivando apoio político na aprovação de projetos encaminhados pelo
executivo ao congresso.
Segundo o autor, entretanto, foi o processo de estatização do PT, isto é, a ocupação
do partido nas empresas e nos órgãos da máquina estatal que mais incomodou as forças
política de oposição presentes na sociedade política. Essa reação ocorre não só pelo
fortalecimento partidário do governo, mas também por esse ter sido o caminho encontrado
pelo PT para reformar o neoliberalismo, acomodando no bloco de poder os interesses da
grande burguesia produtiva interna.
O que se percebe, portanto, é que o Partido dos Trabalhadores recolocaram a grande
burguesia interna e industrial no lugar de classe dominante hegemônica. Disputando, de forma
mais ou menos equilibrada, com as burguesias financeiras internas e externas os rumos da
política econômica do país. Assim, o chamado "escândalo do mensalão" foi uma brecha para
enfraquecer o executivo e seus direcionamentos de classe. A compra de votos, obviamente,
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não foi o principal motivo para criminalização do partido da ordem, isso pelo simples fato de
que essa prática é algo estrutural no regime democrático representativo liberal, ou seja, está
presente nas ações de muitos outros partidos que governam no país. Tanto é que, mesmo
diante da enorme pressão para a queda de Lula, esse não só continuou no poder como se
reelegeu em 2006.
De qualquer forma, as contradições entre burguesia interna e externa, não significam
antagonismos. O que há são movimentos e disputas de setores das classes dominantes para
obter maiores influências na sociedade política. Portanto, as crises políticas analisadas pelo
autor, deram-se "pelo alto", a partir dos interesses das classes dominantes nos âmbitos do
executivo e do parlamento. Essa afirmação é verificada pela falta de uma força política, dos
"de baixo", que pudesse se contrapor em tais espaços de disputas. Em nenhuma dessas crises,
a burguesia teve em risco seu poder de classe, seja na sociedade civil seja na sociedade
política.
Importante ressaltar é que esse processo de acomodação das classes dominantes,
principalmente nas decisões da sociedade política, continuam gerando crises. O ano de 2015,
ao que tudo indica, dá continuidade a esse processo iniciado com a redemocratização e com a
introdução do neoliberalismo no país. Obviamente que outros elementos passam a fazer parte
do cenário, porém, as burguesias interna e externa continuam não sendo enfrentadas
significativamente como classes dominantes. Continuam dominando tanto na sociedade
política quanto na sociedade civil.
Por esses e outros motivos que o livro deve ser lido. As pistas que traz para
identificar o movimento contemporâneo de acomodação das classes dominantes no poder,
contribui para uma leitura processual e histórica dessa problemática no Brasil.
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