PLATT cap 19 - neuro comp social

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NEUROBIOLOGIA DO COMPORTAMENTO SOCIAL
PLATT; GHAZANFAR, capítulo 19
A ordem dos primatas compreende mais de 300 espécies e uma ampla variedade de diferentes
sistemas sociais. Muito poucas espécies têm um estilo de vida completamente solitário. A maioria das
outras são caracterizadas por associações permanentes entre dois ou mais adultos e seus jovens. A vida
aos pares é relativamente rara, sendo característica de apenas 3% a 4% das espécies de primatas. Algumas
dessas espécies socialmente monogâmicas (por ex., tamarins e saguis) têm uma organização social
flexível, em que um macho ou fêmea adulto adicional pode ser temporariamente associado com o par
reprodutivo. Grupos estáveis com um macho adulto e várias fêmeas reprodutivamente ativas (i.e, haréns)
são mostrados por aproximadamente 35% das espécies de primatas. O tipo mais comum de organização
social em primatas não-humanos consiste de grupos sociais com múltiplos machos e fêmeas adultos e
seus jovens. Esses grupos multimachos/multifêmeas representam a forma estável de organização de cerca
de 45% das espécies de primatas, com 15% adicionais de espécies que mostram flutuações entre esses
grupos e grupos com estrutura de harém. A variação na organização social entre as espécies de primatas
tem sido explicada com base na variação em variáveis ecológicas como dieta, competição relacionada ao
alimento e cooperação e necessidade de proteção contra predadores ou infanticídio. A história
filogenética, contudo, também é responsável pela variação na organização social, já que grupos de
espécies e gêneros intimamente relacionados tendem a ter sistemas sociais semelhantes. Finalmente, a
variação intraespécie na organização social pode resultar de variação em condições ecológicas e
demográficas locais.
Independente da variação
nos sistemas sociais, está claro
que os primatas não-humanos
são
organismos
geralmente
altamente sociais, em que a
sobrevivência e a reprodução
bem-sucedidos dependem de
interações sociais complexas
com outros coespecíficos. Da
mesma forma, muitas espécies de
primatas exibem adaptações
comportamentais complexas para
Tamarim
Sagui
comunicação, afiliação, agressão,
acasalamento, e paternidade. Macacos e chimpanzés que vivem em grupo geralmente usam vocalizações
para alertar os outros para a presença de alimento e predadores, e também para ficar em contato com
outros membros do grupo durante as jornadas. Expressões faciais e posturas corporais desempenham um
papel importante nas interações filiais, agonistas, e sexuais de curta distância, particularmente entre os
macacos do Velho Mundo e os grandes símios. Sinais olfativos e táteis também são usados nesse e outros
contextos, embora a comunicação olfativa seja relativamente subdesenvolvida em muitas espécies de
primatas em comparação com outros mamíferos. Ligações sociais entre família e membros de grupo são
estabelecidas e mantidas por contato, proximidade, e limpeza. A limpeza é um comportamento altruísta
que pode ser trocado por tolerância, sexo ou suporte de coligação durante brigas. Agressão e submissão,
geralmente expressos com expressões faciais e posturas corporais, resultam no estabelecimento de
relações de dominância e hierarquias. Em muitas espécies, os resultados de conflitos e as ordens de
dominância são determinados não pelo tamanho corporal e força dos indivíduos, mas pela coalizão
recebida de outros indivíduos. Brigas entre dois indivíduos geralmente se estendem para outros membros
do grupo, cuja intervenção pode refletir tentativas de proteger um membro da família ou estratégias
políticas envolvendo complexas análises de custo/benefício. Tanto relações filiais quanto de dominância
dependem da memória dos indivíduos de suas interações passadas e de seus resultados, bem como de
expectativas sobre interações futuras. Uma ordem de dominância alta pode conferir benefícios de
sobrevivência e reprodutivos tais como maior acesso a alimento e locais seguros ou acesso a parceiros de
acasalamento mais numerosos e de melhor qualidade. A monogamia sexual é rara em primatas, ou pode
ser não-existente, já que cópulas extrapares têm sido relatadas em primatas socialmente monogâmicos.
Sistemas poliândricos, em que uma fêmea se acasala com múltiplos machos, também são raros. Sistemas
de harém poligínicos são mais comuns entre espécies que vivem em pequenos grupos, enquanto que
aquelas que vivem em grandes grupos multimachos/multifêmeas tipicamente têm sistemas de
acasalamento promíscuos. O acasalamento bem-sucedido, especialmente em espécies promíscuas,
depende não apenas dos aspectos que anunciam fertilidade, saúde, ou força, mas também de estratégias
sociais complexas para aumentar a atratividade e lidar com a competição. A reprodução bem-sucedida,
pelo menos para as fêmeas, também depende de investimento parental na prole. O cuidado do macho é
raro entre primatas, enquanto o cuidado feminino envolve não apenas a lactação, mas também carregar e
proteger a prole de predadores e coespecíficos. O cuidado materno em muitas espécies de primatas pode
se estender bem além do período de dependência nutricional da prole. Por exemplo, em espécies com
filopatria feminina e dispersão masculina como muitos macacos cercopitecinos, as ligações entre fêmeas
parentes pode durar a vida toda.
As adaptações comportamentais para a vida social que caracterizam muitas espécies de primatas
devem ser sustentadas por mecanismos neurobiológicos subjacentes de modo que uma relação seja
esperada entre a complexidade do comportamento social e a complexidade do cérebro. Consistente com
essa expectativa, os estudos mostraram que há, entre as espécies de primatas, uma relação linear entre o
tamanho médio dos grupos sociais e a razão entre o tamanho do neocórtex e o resto do cérebro. Espécies
que vivem em grupos sociais maiores tendem a ter uma proporção de neocórtex maior, sugerindo que a
vida social complexa em grupos grandes está associada com capacidade cognitiva aumentada. O tamanho
cerebral, contudo, é uma medida rudimentar da função cerebral, da mesma forma que o tamanho do grupo
é uma medida rudimentar da complexidade social. Para entender a relação entre evolução do cérebro e a
evolução da socialidade em primatas, é preciso ter um conhecimento muito mais profundo sobre como
comportamentos sociais específicos são produzidos ou regulados por estruturas cerebrais ou sistemas
neuroquímicos específicos. Infelizmente, nosso conhecimento das relações cérebro-comportamento em
primatas não-humanos é muito preliminar. Embora em anos recentes tenha havido avanços importantes
na nossa compreensão dos mecanismos neurais que fundamentam o comportamento social em outras
espécies de mamíferos, a pesquisa sobre a neurobiologia do comportamento social em primatas nãohumanos tem ficado para trás. Com a disponibilidade de novas técnicas de pesquisa como imageamento
cerebral, porém, a investigação dos substratos neurobiológicos do comportamento social dos primatas
será uma área promissora de pesquisa nas próximas décadas.
Neste capítulo, eu reviso e discuto nosso conhecimento atual da regulação neurobiológica do
comportamento filial, agressivo, sexual e parental em primatas não-humanos. Este capítulo focaliza
especialmente o comportamento social expresso no contexto de interações entre dois ou mais indivíduos.
Diferentes componentes do comportamento social como afiliação, agressão, acasalamento, e
paternidade podem ou não compartilhar alguns dos mesmos substratos neurais, mas provavelmente
compartilham controles neuroquímicos comuns. Por exemplo, opioides endógenos e ocitocina foram
implicados na regulação de muitos, se não todos, os comportamentos sociais em roedores. Da mesma
forma, mostrou-se que a atividade dos sistemas neurotransmissores que envolvem as monoaminas
dopamina, norepinefrina, e serotonina afeta a expressão ou inibição de uma ampla variedade de atividades
sociais em muitos mamíferos e outros vertebrados. O estudo do controle neuroquímico do comportamento
social em primatas tem sido perseguido principalmente com abordagens correlacionais, em que medidas
de peptídeos ou monoaminas ou seus metabólitos no sangue ou fluido cerebrospinhal (CSF) são
analisados em relação com o comportamento social, e em menor extensão, com manipulações
farmacológicas de sistemas neuroquímicos. Tentativas de identificar áreas específicas do cérebro
envolvidas na regulação do comportamento social têm sido feitas principalmente com estudos de lesões.
Outras abordagens envolvendo, por exemplo, a estimulação elétrica de áreas específicas do cérebro ou o
imageamento da ativação cerebral com tomografia de emissão de pósitrons (PET) ou imageamento por
ressonância magnética funcional (fMRI) foram usadas menos frequentemente no contexto de estudos de
comportamento social. O registro de neurônios individuais tem sido muito usado para abordar questões de
percepção social (por ex., para estudar o processamento e reconhecimento de faces e expressões faciais),
mas raramente para comportamento social. Neste capítulo, primeiro eu reviso as pesquisas sobre o
controle neuroquímico do comportamento social dos primatas, particularmente estudos de opioides
endógenos, ocitocina e vasopressina, e os sistemas de monoaminas cerebrais. Então, eu reviso os
resultados de estudos de lesão cerebral que investigam os substratos neurais do comportamento social
primata. Concluo o capítulo resumindo as principais tendências que emergem dessa revisão de literatura e
discutindo as futuras direções das pesquisas.
CONTROLE NEUROQUÍMICO DO COMPORTAMENTO SOCIAL
As pesquisas conduzidas com outras espécies de mamíferos, principalmente roedores, sugeriram
que os neuropeptídeos tais como opioides endógenos, ocitocina e vasopressina são bons candidatos
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neuroquímicos para a regulação de comportamentos sociais complexos. Esses neuropeptídeos podem
influenciar o comportamento em conjunto com os sistemas de neurotransmissores monoaminérgicos. Por
exemplo, em um modelo recente da regulação neurobiológica da afiliação em mamíferos, foi
argumentado que a dopamina desempenha um papel importante nos processos de motivação de incentivorecompensa associados com a fase apetitiva da afiliação, que os opioides endógenos fornecem a base
neuroquímica para os processos de recompensa associados com a fase consumatória da afiliação, e que a
ocitocina e a vasopressina acentuam a percepção e memória de estímulos afiliativos. Nesta seção do
capítulo, eu reviso nosso conhecimento sobre o controle neuroquímico do comportamento social primata,
enfocando primeiro os neuropeptídeos, e então os sistemas monoaminérgicos.
Opioides Endógenos
Quase 30 anos atrás, Panksepp e colegas propuseram que os opioides endógenos cerebrais
desempenham um papel crucial na regulação do estabelecimento, manutenção, e rompimento de laços
sociais em mamíferos e aves. Essa hipótese foi desenvolvida a partir da observação de que os estados
emocionais que acompanham a formação de ligações sociais, o afastamento de laços sociais, e a angústia
que surge da separação social parecem compartilhar semelhanças com as características da adição a
opioides – isto é, desenvolvimento de dependência, tolerância, e abstinência. A suposta relação entre
opioides endógenos e ligações sociais foi inserida dentro da teoria geral de que os substratos emocionais
das ligações são um desenvolvimento evolutivo de circuitos límbicos e do tronco encefálico mais
primitivos no cérebro dos mamíferos que originalmente atendiam a necessidades fisiológicas básicas
como balanço energético, termorregulação, ou percepção de dor.
De acordo com Panksepp e seus colaboradores, uma liberação de opioides endógenos após a
troca, e especialmente o recebimento, de comportamento afiliativo, gera a sensação de prazer e
gratificação que surge da interação, enquanto que uma redução nos opioides endógenos resulta em
angústia emocional e promove a necessidade de procurar e manter proximidade com um parceiro social.
Embora alguns estudos de aves e mamíferos, incluindo primatas não-humanos, tenham fornecido
evidências do envolvimento do sistema opioide nas respostas de angústia da separação, há um consenso
crescente de que os sistemas neurobiológicos que regulam as respostas de angústia da separação são
diferentes daquelas que medeiam as recompensas sociais. Portanto, teorias mais recentes sobre opioides e
comportamento social veem os opioides endógenos como tendo um papel crucial na fase consumatória
das interações filiais, e assim no fortalecimento dos laços sociais, porém menos na motivação para
estabelecer esses laços ou na resposta ao seu rompimento ou término.
A tentativa mais sistemática de investigar o papel dos opioides endógenos na regulação do
comportamento social primata foi feita por Keverne e seus colaboradores com uma série de estudos em
macacos talapões e macacos rhesus. Eles argumentaram que dos diferentes opioides endógenos no
cérebro, a beta-endorfina pode ser a melhor candidata para a regulação do comportamento social, e dadas
as dificuldades em medir esse peptídeo diretamente no cérebro de primatas vivos, mediram sua
concentração no CSF. A beta-endorfina não tem acesso ao CSF a partir do sangue quando o CSF e o
fluido extracelular cerebral estão em equilíbrio: portanto os níveis de beta-endorfina no CSF fornecem
uma medida de sua presença no fluido extracelular do cérebro, um marcador razoável do nível de
atividade nos sistemas intracerebrais contendo beta-endorfina.
Macaco rhesus
Macaco talapão
Em concordância com a relação hipotética de Panksepp entre opioides endógenos e afiliação,
Keverne e seus colegas forneceram evidências de uma associação entre o comportamento de limpeza e a
liberação de opioides em macacos talapões. Especificamente, relataram que mudar macacos talapões
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adultos de instalações isoladas para instalações em pares, e portanto dar aos macacos uma oportunidade
de trocar comportamento de limpeza, foi acompanhada por um aumento significativo nas concentrações
de beta-endorfina no CSF. Não houve correlações significativas, porém, entre a quantidade de limpeza
dada ou recebida e as concentrações de beta-endorfina ou seus aumentos depois do pareamento.
Entretanto, Keverne e seus colegas sugeriram que a liberação de opioides pode ter sido causada pela
estimulação tátil associada com a limpeza em pares recém-formados, e que esse efeito pode ser
semelhante à estimulação da liberação de opioides endógenos pela acupuntura em humanos. Que os
opioides endógenos são sensíveis a variáveis sociais também tem sido sugerido por um estudo anterior,
em que se encontrou que as concentrações de beta-endorfina no CSF eram mais altas em macacos
talapões machos de ordem inferior e mais baixas naqueles de ordem elevada.
Um número relativamente grande de estudos em primatas tentou testar as duas seguintes
previsões da hipótese de Panksepp: (1) a administração de um opioide exógeno como morfina deveria
criar uma sensação de conforto social e reduzir a motivação para buscar contato social ou diminuir a
expressão do comportamento afiliativo, e (2) o bloqueio de receptores opioides endógenos deveria
aumentar a necessidade de ligação social e portanto a solicitação de comportamento afiliativo pelos
parceiros sociais. Pesquisas de Keverne e seus colegas mostraram que o tratamento agudo de macacos
talapões adultos com os bloqueadores de receptores opioides naloxona ou naltrexona aumentou suas
solicitações de limpeza e resultou em mais limpeza recebida a partir de outros indivíduos. Esses efeitos
foram observados em indivíduos pareados e em grupos, foram dose-dependentes e mais fortes em fêmeas
do que em machos, e foram específicos para o comportamento de limpeza por outros: a autolimpeza, o
comportamento agressivo e a atividade locomotora não foram afetados. A administração de naltrexona
também foi associada com um aumento na testosterona, cortisol e prolactina, sugerindo que alguns efeitos
do bloqueio do receptor opioide sobre o comportamento social podem ter sido mediados hormonalmente.
Um aumento no número de solicitações de limpeza e na quantidade de limpeza recebida de outros
indivíduos depois do tratamento com naloxona ou naltrexona também foi relatado por dois estudos de
fêmeas adultas de macaco rhesus que viviam em grupos. Keverne e seus colegas descobriram que o
tratamento agudo de macacos pareados com doses não-sedativas de morfina resultava em um decréscimo
significativo no número de solicitações de limpeza bem como um decréscimo na limpeza realizada. Um
estudo de saguis comuns, contudo, relatou que a administração de morfina aumentou a frequência e a
duração da brincadeira social, mas não teve efeitos sobre o contato social ou a limpeza. Como o
comportamento de limpeza em macacos do Velho Mundo pode ter funções diferentes e pode ser regulado
por mecanismos diferentes do que o comportamento de limpeza em primatas do Novo Mundo, os achados
dos estudos revisados anteriormente são geralmente consistentes com a hipótese de que os opioides
endógenos podem mediar as propriedades de recompensa de interações filiais entre adultos.
Estudos que manipulam o sistema opioide de macacos imaturos produziram resultados
consistentes com a suposta relação entre opioides e ligação. Em um estudo de macacos de cauda longa
que vivem em grupos, juvenis que recebem uma administração aguda de naloxona aumentaram seu
comportamento de busca de proximidade com suas mães, exibiram mais solicitações de limpeza para suas
mães e outros membros do grupo, e receberam mais limpeza deles. A limpeza feita pelos juvenis não foi
afetada pela naloxona, enquanto a autolimpeza diminuiu. Um aumento na busca por contato com a mãe
também foi observada em macacos rhesus infantis e juvenis tratados com naloxona. Miczek e colegas
relataram que a administração aguda de doses não-sedativas de morfina em macacos-esquilos diminuiu a
taxa de comportamento afiliativo mostrada pelos juvenis para suas mães. Em conjunto, esses resultados
são consistentes com a hipótese de que as ligações do filhote e do adulto compartilham um substrato
neuroquímico comum.
O papel do sistema opioide em mediar a ligação maternal foi investigado em três estudos com
primatas que produziram resultados conflitantes. Em um estudo, o sistema opioide foi manipulado
farmacologicamente depois da separação e reunião mãe-filhote em macacos rhesus. A morfina diminuiu a
adesão com o filhote durante os primeiros 30 minutos de reunião, enquanto que a naltrexona aumentou a
adesão. Em um estudo de mães e filhotes de rhesus vivendo em sociedade, contudo, a naloxona reduziu a
limpeza materna e a contenção materna do filhote, sugerindo ligação diminuída em vez de aumentada ao
filhote. Nesse estudo, contudo, os efeitos da naloxona sobre as interações filiais entre mães e outros
adultos também foram contrárias às expectativas. De fato, as mães tratadas com naloxona mostraram
número reduzido de solicitações de limpeza e quantidade reduzida de limpeza recebida de outros
indivíduos. Finalmente, em outro estudo de macacos rhesus, a naltrexona não teve efeitos significantes
sobre quaisquer aspectos do comportamento maternal, incluindo paternidade abusiva. Embora algumas
dessas inconsistências possam ser devidas a diferenças metodológicas entre os estudos, são necessárias
4
pesquisas adicionais antes que quaisquer conclusões firmes possam ser tiradas sobre a relação entre
opioides e ligação materna.
Os pesquisadores que investigam a liberação de opioides endógenos depois de interações filiais
fizeram a suposição de que as concentrações de beta-endorfina no CSF refletem principalmente a
produção desse peptídeo por neurônios que se originam do núcleo arqueado do hipotálamo. Esses
neurônios se projetam para regiões cerebrais que são ricas em receptores opioides como tronco
encefálico, gânglios basais, e áreas do hipotálamo, amígdala, cerebelo, e núcleos da rafe. Das diferentes
famílias de receptores opioides, muitos dos quais tem múltiplos subtipos, a família de receptores opiáceos
µ parece ser a mais diretamente implicada na regulação do comportamento social, e a beta-endorfina tem
alta afinidade por esses receptores. Em áreas cerebrais ricas em receptores µ, os neurônios de betaendorfina interagem como neurônios dopaminérgicos e serotonérgicos, bem como com neurônios que
usam ocitocina e vasopressina (pelo menos em roedores). Foi sugerido que interações entre opioides µ e
neurônios dopaminérgicos na área tegmental ventral (VTA) do hipotálamo produzem a experiência de
recompensa associada com as fases apetitiva e consumatória das interações filiais, enquanto que a
aferência serotonérgica para o hipotálamo por meio dos núcleos da rafe pode resultar em excitação
reduzida e facilitação das sensações mediadas por opioides de gratificação depois da afiliação.
Finalmente, estudos em ratos sugeriram que a ocitocina e a vasopressina podem facilitar os efeitos
recompensadores dos opioides endógenos, uma vez que os neurônios de ocitocina no núcleo
paraventricular do hipotálamo se projetam para neurônios de beta-endorfina no núcleo arqueado e
aumentam sua liberação de opioides. Ocitocina, vasopressina e as monoaminas, contudo, podem afetar a
afiliação e outras formas de comportamento social também por mecanismos que não são dependentes dos
opioides endógenos.
Ocitocina e Vasopressina
A ocitocina e a vasopressina são peptídeos de nove aminoácidos sintetizados nos núcleos
supraóptico e paraventricular do hipotálamo e liberados na circulação sistêmica por neurônios na glândula
hipófise posterior. Os neurônios hipotalâmicos que sintetizam ocitocina e vasopressina também se
projetam para várias áreas do cérebro, e receptores para esses peptídeos foram encontrados no sistema
límbico de algumas espécies de mamíferos, particularmente roedores. Até recentemente, os receptores de
ocitocina não podiam ser facilmente identificados no cérebro dos primatas, mas a presença desses
receptores foi recentemente inferida no hipotálamo, amígdala, septo, córtex orbito-frontal e hipocampo.
Um conjunto extenso de pesquisas conduzidas
principalmente com roedores e ovelhas, mas mais
recentemente também com humanos, sugeriu que a ocitocina
e a vasopressina centrais desempenham um importante papel
na formação e manutenção de laços sociais entre adultos (por
ex., entre parceiros de acasalamento) e entre pais e filhotes.
Em roedores, esses peptídeos também tem sido implicados na
regulação do comportamento sexual e agressivo bem como
em respostas ao estresse. Pouco se sabe, contudo, sobre a
relação entre ocitocina ou vasopressina e comportamento
Macaco-esquilo
social em primatas não-humanos. Um estudo inicial
examinou os efeitos de duas doses de ocitocina e vasopressina, bem como de um antagonista do receptor
de ocitocina (OTA) sobre o comportamento agressivo, sexual e filial de macacos-esquilos machos
pareados durante uma interação com uma fêmea adulta familiar. A ocitocina aumentou o comportamento
agressivo e sexual de maneira dose-dependente em dominantes, mas não em subordinados, enquanto
aumentou a frequência de abordagens e empurrões principalmente em subordinados. Esses efeitos foram
bloqueados pelo OTA. A vasopressina diminuiu os comportamentos agressivos e afiliativos em
dominantes e subordinados. Diferenças nos efeitos da ocitocina em dominantes e subordinados foram
incertamente explicados em termos de densidade diferenciada de receptores de ocitocina associada com
diferenças na testosterona entre dominantes e subordinados.
As pesquisas sobre a ocitocina e o comportamento social em primatas não-humanos têm sido
motivadas pelo interesse em desenvolver um modelo primata para autismo. Quando filhotes de macaco
rhesus são separados de suas mães ao nascimento e criados com outros filhotes em uma pequena jaula,
desenvolvem uma ampla variedade de anormalidades comportamentais, as quais de acordo com alguns
pesquisadores compartilham algumas semelhanças com o autismo. Winslow e seus colegas mediram os
níveis de ocitocina no CSF e no plasma em filhotes criados pelas mães e com outros filhotes para avaliar
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se as características desses últimos (por ex., baixa afiliação, alta agressão, e comportamento repetitivo
autodirecionado) foram associados com alterações na ocitocina. Nesse estudo, diferenças individuais nos
níveis de ocitocina no CSF aos 18, 24 e 36 meses de idade não se correlacionaram com diferenças nos
níveis plasmáticos de ocitocina. Os filhotes criados com outros filhotes tinham níveis de ocitocina no CSF
mais baixos do que os criados pelas mães, mas não houve diferenças na vasopressina do CSF ou na
ocitocina plasmática. Os níveis de ocitocina no CSF foram correlacionados com o tempo gasto em
comportamentos sociais filiais como limpeza de outros e monta macho-macho independente da condição
de criação, enquanto que os níveis de vasopressina foram negativamente correlacionados com a
frequência de caretas de medo aos 18 meses de idade. Em conjunto, os resultados desse estudo fornecem
evidências para uma associação entre ocitocina do CSF e comportamento filial e também sugerem que
ambos podem ser afetados por uma experiência traumática precoce tal como privação materna. Schwandt
e seus colegas também não encontraram correlação significativa entre as concentrações do CSF e
plasmáticas de ocitocina e vasopressina em macacos rhesus fêmeas livres. A ocitocina não foi
correlacionada com qualquer comportamento social, embora as fêmeas com baixos níveis de ocitocina
fossem classificadas como mais amedrontadas pelos observadores humanos. A vasopressina foi
correlacionada apenas com comportamento de salto, com as fêmeas com vasopressina elevada exibindo
frequências maiores desse comportamento.
Uma possível relação entre ocitocina do CSF e afiliação também foi inferida a partir de uma
comparação de espécies primatas intimamente relacionadas. Rosenblum e seus colegas relataram que
macacos cauda-de-porco nascidos em laboratório tinham concentrações menores de ocitocina no CSF do
que macacos de boina. Os autores desse estudo descrevem os macacos de boina como muito gregários,
afiliativos, e afetivamente estáveis, enquanto os macacos cauda-de-porco foram descritos como
temperamentalmente voláteis e socialmente distantes. Portanto, os resultados foram interpretados como
sendo indicativos da hipótese de que concentrações basais de ocitocina no CSF estão relacionadas a
padrões de comportamento social/afetivo típicas da espécie. Macacos de boina, contudo, foram descritos
por outros pesquisadores como altamente competitivos e agressivos, enquanto os macacos cauda-deporco foram descritos como pacíficos, gregários, e afiliativos. Portanto, o significado da diferença nos
níveis de ocitocina entre essas duas espécies permanece incerto.
Macaco de boina
Macaco cauda-de-porco
O papel da ocitocina na regulação da responsividade parental em primatas está apenas começando
a ser investigado. Em um experimento piloto conduzido com duas fêmeas nulíparas de macaco rhesus,
Holman e Goy examinaram se uma injeção intracerebroventricular de ocitocina afetava a responsividade
a filhotes. As duas fêmeas foram expostas a um filhote não familiar em uma jaula 10 minutos depois da
injeção de ocitocina ou salina. As fêmeas sentaram-se perto do filhote, e observaram, tocaram e beijaram
o filhote mais frequentemente depois da ocitocina comparada com a administração de salina. Em nenhum
caso, contudo, foi observado um comportamento de cuidado mais intenso, talvez por causa do ambiente
em que os animais foram testados. Em outro estudo, os níveis de ocitocina do CSF medido em 10 fêmeas
rhesus multíparas antes do parto, imediatamente depois do parto, e sete dias depois do parto não foram
correlacionados com os comportamentos mãe-filhote, como contato e limpeza. Finalmente, Boccia e seus
colegas relataram que a administração de um bloqueador do receptor de ocitocina uterino reduziu a
frequência de beijar, se aproximar, e tocar um filhote-estímulo em uma fêmea de macaco rhesus nulípara
de 4 anos de idade (em um experimento separado, o mesmo tratamento também reduziu o comportamento
sexual feminino, e em ambos os experimentos a atividade locomotora também foi significativamente
reduzida). Tinha sido mostrado anteriormente que esse bloqueador do receptor de ocitocina cruza a
barreira hemato-encefálica e se acumula no hipotálamo, córtex orbito-frontal, amígdala, hipocampo, e
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septo, sugerindo que essas são áreas cerebrais ricas em receptores de ocitocina. Embora os efeitos do
bloqueio do receptor de ocitocina sobre o comportamento direcionado ao filhote em um indivíduo fossem
sugestivos de uma relação entre ocitocina e responsividade parental, os autores desse estudo
reconheceram que outras explicações para seus resultados também eram possíveis.
Em um estudo que investigou os possíveis substratos neurobiológicos e neuroquímicos da
responsividade paternal em saguis, pais inexperientes e experientes que tinham gasto uma quantidade
considerável de tempo carregando filhotes tinham um número maior de receptores V1a de vasopressina
no córtex pré-frontal do que machos adultos não-pais que viviam em condições sociais semelhantes. Não
houve diferenças na abundância de receptores V1b de vasopressina ou receptores de ocitocina no córtex
pré-frontal, nem na abundância de receptores V1a no córtex occipital. Curiosamente, a paternidade
também foi associada com uma proporção aumentada de espinhas dendríticas no córtex pré-frontal, que
eram imunorreativas para o receptor V1a, bem como densidade global aumentada de espinhas dendríticas
nos neurônios piramidais no córtex pré-frontal. As implicações funcionais dessa reorganização estrutural
associada à paternidade no córtex pré-frontal e a abundância aumentada de receptores V1a de
vasopressina permanecem incertas. Curiosamente, Hammock e Young sugeriram que um microssatélite
polimórfico repetitivo em uma região regulatória do gene do receptor 1a de vasopressina (AVPR1a) pode
ser responsável por variação intraespecífica e interespecífica no comportamento social em primatas, assim
como em roedores. Eles descobriram que esse polimorfismo está presente em humanos e em bonobos,
mas ausente em chimpanzés, e hipotetizaram que pode ser responsável por algumas das diferenças na
afiliação e na ligação entre as duas últimas espécies.
Foi hipotetizado que a ocitocina e a vasopressina promovem laços sociais por facilitarem a
percepção, processamento e memorização de estímulos filiais. Também foi sugerido que a ocitocina pode
reduzir a tensão e a ansiedade associadas com interações sociais. Por exemplo, estudos em humanos
sugeriram que a ocitocina liberada durante interações sociais filiais reduz a resposta do eixo hipotálamohipófise-adrenal (HPA) a eventos estressantes. Em uma tentativa de testar essa hipótese com dados de
primatas, Parker e seus colegas mostraram que a administração intranasal crônica de ocitocina antes de
isolamento social agudo atenua a resposta do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) (mas não a resposta
do cortisol) ao estresse em macacos-esquilo. Como o cortisol não foi afetado e como a ocitocina
intranasal pode penetrar no sistema nervoso central (SNC), isso sugere que a ocitocina exerce seus efeitos
antiestresse antes da ativação adrenal, seja no cérebro ou na hipófise.
Dopamina
Os neurônios dopaminérgicos e seus locais de projeção (por ex., estriado ventral, núcleo
acumbens, amígdala, córtex cingulado anterior, e córtex orbito-frontal) constituem o que é conhecido
como sistema cerebral de recompensa. Esse sistema regula uma ampla variedade de comportamentos
motivados por incentivo, e esses podem também incluir atividades sociais como afiliação, agressão,
acasalamento, e paternidade. Com relação à afiliação, foi argumentado que a dopamina desempenha um
papel crucial nos processos de motivação de incentivo-recompensa associados com a fase apetitiva da
afiliação. A fase apetitiva envolve, no nível comportamental, um sistema de busca e aproximação cuja
função é por um indivíduo em contato com estímulos filiais. Pesquisas com roedores mostraram que a
motivação de incentivo e a experiência de recompensa que fundamentam a busca e a aproximação de
estímulos filiais dependem das propriedades funcionais dos neurônios dopaminérgicos no VTA e no
núcleo acumbens (NAS). Dada a falta de dados relevantes, permanece incerto se a mesma relação entre
dopamina e a fase apetitiva da afiliação é verdadeira também em primatas não-humanos. Há algumas
evidências, contudo, de que a dopamina desempenha um papel maior nos aspectos apetitivos do
comportamento sexual primata do que em seus componentes consumatórios. Por exemplo, um agonista da
dopamina, apomorfina, que atua em receptores D1 e D2 de dopamina, acentua a excitação sexual
masculina em resposta a estímulos sexuais femininos em macacos rhesus, mas não parece afetar o
comportamento copulatório do macho. A quinelorana, outro agonista D2, também estimula a excitação
sexual masculina. É incerto se esses efeitos também ocorrem em fêmeas, já que não houve estudos
investigando a função dopaminérgica e o comportamento sexual de primatas fêmeas.
Em primatas não-humanos, a função dopaminérgica cerebral também tem sido investigada com
relação a traços de personalidade tais como busca de novidades, que se espera que influenciem
comportamentos como exploração, assertividade, agressividade, e dominância. Em humanos, os
polimorfismos genéticos na região codificadora do gene do receptor D4 de dopamina (DRD4) foram
ligados com várias desordens de personalidade e comportamentais tanto em adultos quanto em crianças.
Um estudo de macacos cercopitecos vervet cativos mostrou que o polimorfismo genético do DRD4 é
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responsável por uma fração significativa de variação interindividual no comportamento de busca de
novidades (por ex., latência para aproximar-se de objetos novos). Foram relatadas correlações entre as
concentrações no CSF do metabólito da dopamina, ácido homovanílico (HVA) e medidas de
comportamento sexual, assertivo e agressivo, mas essas correlações devem ser interpretadas com cautela.
Isso porque diferenças individuais nas concentrações de HVA no CSF são altamente correlacionadas
positivamente com aquelas do metabólito da serotonina, ácido 5-hidroxindolacético (5-HIAA) e o
metabólito da norepinefrina 3-hidroxi-4-metoxifenilglicol (MHPG). As concentrações dos três
metabólitos de monoaminas no CSF também compartilham semelhanças em sua herdabilidade, a extensão
com que são afetadas por experiências estressantes iniciais, e mudanças etárias ao longo da vida do
primata. Em alguns casos, correlações entre o HVA do CSF e o comportamento social podem ser um
produto colateral de correlações entre os níveis de 5-HIAA ou MHPG do CSF e comportamento. Por
exemplo, a associação entre HVA baixo no CSF e status superior de dominância em macacos vervet
machos foi quase inteiramente devida à correlação entre 5-HIAA baixo e dominância superior e à
correlação entre HVA e 5-HIAA. Kaplan e seus colegas, porém, relataram uma forte associação entre os
níveis de HVA no CSF e dominância, que foi independente das concentrações dos outros metabólitos de
monoaminas no CSF. Essa associação foi na direção oposta àquela relatada por Fairbanks e seus colegas
do estudo anterior. Em grupos unissexuais de macacos de cauda longa cativos, machos e fêmeas adultos
que se tornavam dominantes dentro de seus grupos tinham concentrações significativamente mais altas de
HVA no CSF do que aqueles que se tornavam subordinados. A atividade dopaminérgica maior em fêmeas
dominantes também foi sugerida por outro estudo na mesma espécie, em que respostas de prolactina a um
desafio com o antagonista dopaminérgico haloperidol foram maiores em dominantes do que em
subordinados. Em outro estudo, contudo, fêmeas dominantes mostraram maior ligação ao receptor D2 de
dopamina no estriado do que as subordinadas, sugerindo atividade dopaminérgica menor em dominantes.
Dadas essas discrepâncias entre os resultados de diferentes estudos, e o fato de que outros estudos não
conseguiram relatar correlações significantes entre os níveis de HVA no CSF e quaisquer medidas de
comportamento social, a relação entre atividade dopaminérgica e agressão e dominância em primatas
permanece incerta.
Norepinefrina
O sistema noradrenérgico cerebral foi implicado na
regulação da excitação e nas respostas agressivas ou amedrontadas
de um indivíduo a estímulos novos ou ameaçadores. Os
comportamentos agressivos e de medo estão associados com
atividade noradrenérgica aumentada central e periférica em
primatas e em outros mamíferos, mas essa associação não é
específica das interações agonistas. Em vez disso, a norepinefrina
elevada é observada em todas as situações com alta excitação e é
um componente importante da resposta de um indivíduo ao
estresse. A norepinefrina central também pode mediar a excitação
sexual, mas não há dados relevantes em primatas sobre esse tópico.
Alguns estudos em primatas relataram correlações entre as
Macaco vervet
concentrações no CSF de norepinefrina ou do metabólito da
norepinefrina MHPG e o comportamento agressivo, mas essas correlações foram mistas. Por exemplo,
Higley e seus colegas relataram que machos altamente agressivos de macacos rhesus tinham níveis de
norepinefrina no CSF mais altos do que macacos menos agressivos, enquanto entre as fêmeas a
norepinefrina baixa no CSF foi associada com altas taxas de agressão severa. Nenhuma correlação entre o
MHPG do CSF e agressão foi encontrada em muitos outros estudos de macacos rhesus livres. Em
macacos de cauda longa, o MHPG do CSF foi mais alto em dominantes do que em subordinados entre os
machos, mas não entre as fêmeas, enquanto em macacos vervet machos não houve correlação
significativa entre os níveis de MHPG do CSF e a ordem de dominância. Níveis elevados de MHPG no
CSF foram relatados em filhotes de macacos rhesus rejeitados e maltratados por suas mães ou em filhotes
criados com outros. Como jovens, os indivíduos com MHPG baixo no CSF exibem alto afastamento de
outros indivíduos, enquanto entre fêmeas adultas, indivíduos com MHPG alto no CSF são mais evitadas
por outros indivíduos. Em macacos vervet selvagens, contudo, níveis baixos de MHPG no CSF foram
associados com impulsividade mais alta.
Dadas as discrepâncias nesses achados de pesquisas, é prematuro traçar quaisquer conclusões
sobre a relação entre norepinefrina e comportamento social em primatas não-humanos. Se a excitação
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dependente de norepinefrina resulta em agressividade ou retirada poderia depender da complexa relação
entre excitação e ansiedade, medo, e impulsividade. Como diferentes tipos de agressão podem ter
substratos emocionais diferentes, a relação entre norepinefrina e agressão poderia ser diferente para tipos
diferentes de comportamento agressivo. Além do mais, como com o HVA, a relação entre o MHPG do
CSF e a agressão pode ser confundida pela relação entre 5-HIAA e agressão e a correlação positiva entre
5-HIAA e MHPG. Embora os mecanismos noradrenérgicos possam potencialmente afetar a agressão e a
dominância independentemente da serotonina, a relação entre agressão e serotonina parece ser mais forte
e mais específica do que entre agressão e dopamina ou norepinefrina. Por exemplo, estudos com roedores
mostraram que a atividade basal do sistema noradrenérico, ao contrário daquela do sistema serotonérgico,
não diferencia consistentemente entre indivíduos mais ou menos agressivos.
Serotonina
A serotonina é um dos mais antigos neurotransmissores em mamíferos e foi implicada na
regulação do comportamento social também em vários outros táxons. Em humanos e outros primatas, os
neurônios cerebrais que usam serotonina como seu neurotransmissor primário originam-se nos núcleos da
rafe do tronco encefálico e se projetam para o córtex cerebral, bem como para estruturas subcorticais
como amígdala, septo, hipotálamo, hipocampo, tálamo e gânglios basais. Estudos de serotonina e
comportamento social em primatas usam medidas indiretas da função serotonérgica do SNC tais como
mensuração do 5-HIAA no CSF ou desafios farmacológicos e neuroendócrinos. O uso da concentração de
5-HIAA no CSF como um indicador da atividade serotonérgica do cérebro tem sido validado por vários
métodos, incluindo estudos cerebrais post-mortem mostrando que o conteúdo de 5-HIAA no CSF reflete
o conteúdo desse metabólito no cérebro. Baixas concentrações do 5-HIAA no CSF são geralmente
interpretadas como representativas de função serotonérgica mais baixa no SNC. A relação entre 5-HIAA
no CSF e vias neurais serotonérgicas específicas no cérebro, contudo, permanece incerta. A administração
do agonista de serotonina fenfluramina, que estimula a liberação de serotonina pelos neurônios e inibe sua
recaptação, também tem sido usada como um método indireto de avaliar a função serotonérgica no SNC.
Como a estimulação dos receptores de serotonina no hipotálamo resulta em liberação aumentada de
prolactina pela hipófise, as concentrações plasmáticas de prolactina depois da administração de
fenfluramina podem ser usadas como indicadoras da responsividade do sistema serotonérgico cerebral.
Finalmente, o sistema serotonérgico pode ser desafiado manipulando a disponibilidade de triptofano, o
aminoácido necessário para a síntese dessa monoamina, ou usando outros inibidores farmacológicos da
recaptação de serotonina.
Usando as técnicas descritas antes, vários estudos em humanos mostraram que a função
serotonérgica baixa no SNC está relacionada a controle de impulsos debilitado e a violência e
agressividade incontidas, particularmente em machos adultos. Igualmente, estudos de machos e fêmeas
adultos de macacos rhesus mostraram que baixos níveis de 5-HIAA no CSF estão associados com alta
impulsividade, comportamento arriscado, e propensão a se engajar em formas severas de agressão. Em
macacos vervet, indivíduos alimentados com dietas ricas em triptofano exibem menor agressão, enquanto
indivíduos colocados em dietas pobres em triptofano tornam-se mais agressivos, com o aumento de
agressividade sendo maior para machos do que para fêmeas. Agressão reduzida também foi observada
depois de administração de curto prazo de inibidores de recaptação de serotonina, enquanto que a
administração do inibidor da síntese de serotonina, p-clorofenilalanina (PCPA) resulta em agressão
aumentada. Em macacos de cauda longa, os indivíduos que mostraram baixa responsividade ao desafio de
fenfluramina foram mais agressivos com outros indivíduos e a faces com expressões de ameaça do que
indivíduos que exibiam respostas de prolactina de maior magnitude.
Babuíno anúbis
Babuíno hamadrias
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Uma relação entre agressividade e concentrações de 5-HIAA no CSF também foi encontrada em
comparações entre diferentes linhagens genéticas de macacos rhesus e entre espécies proximamente
relacionadas. Por exemplo, a linhagem de rhesus chinesa mais agressiva tem concentrações de 5-HIAA
no CSF mais baixas do que a linhagem indiana menos agressiva. Além disso, macacos rhesus tem níveis
de 5-HIAA no CSF mais baixos do que macacos cauda-de-porco, uma espécie que se acredita ser menos
agressiva do que os macacos rhesus. Finalmente, Kaplan e seus colegas relataram que babuínos anúbis,
que são caracterizados por níveis relativamente altos de agressão inter-machos, tem concentrações de 5HIAA no CSF menores do que os híbridos babuínos anúbis-hamadrias menos agressivos.
Embora seja possível que haja uma relação causal direta entre função serotonérgica cerebral e
comportamento agressivo, é mais provável que essa relação seja indireta e mediada por controle de
impulsos. Nessa visão, a função serotonérgica reduzida ou desregulada debilitaria a capacidade de um
indivíduo de conter impulsos, e isso se manifestaria em comportamento arriscado, agressivo, deprimido,
ou aditivo dependendo das circunstâncias ambientais e do estado motivacional do indivíduo. A hipótese
de que o controle do impulso é uma variável interveniente importante é sustentada por evidências de que,
em macacos rhesus, 5-HIAA baixo no CSF está correlacionado apenas com agressão envolvendo contato
físico e perseguições, um tipo de agressão que mais provavelmente resulta em lesões sérias, e não com
comportamento agonista mais moderado envolvendo ameaças e esquiva, que está comumente associado
com a manutenção de relações de dominância. Na verdade, a relação entre os níveis de 5-HIAA no CSF e
a dominância não está clara, já que alguns estudos relataram que o 5-HIAA do CSF é mais alto em
dominantes e menor em subordinados, enquanto outros estudos relataram o padrão oposto ou nenhuma
relação. Macacos com baixas concentrações de 5-HIAA no CSF são mais propensos a exibir
comportamentos sugestivos de controle de impulsos debilitado tais como saltos longos em grandes alturas
e saltos repetidos para armadilhas com iscas, em que são capturados. No laboratório, macacos rhesus com
baixas concentrações de 5-HIAA no CSF tem uma menor latência para abordar um objeto novo do que
macacos com concentrações altas. Em macacos vervet, indivíduos com baixas concentrações de 5-HIAA
no CSF aproximaram-se de um macho adulto estranho e potencialmente perigoso mais rapidamente e
eram mais propensos a agir agressivamente contra ele do que macacos com concentrações elevadas.
Indivíduos tratados com o inibidor seletivo da recaptação de serotonina, fluoxetina, tornaram-se menos
impulsivos nesse teste do macho estranho do que indivíduos controles.
Tendências aumentadas para exibir comportamentos arriscados e se envolver em formas severas
de agressão não são as únicas manifestações comportamentais de 5-HIAA baixo no CSF em macacos.
Indivíduos com baixo 5-HIAA no CSF também mostraram propensões reduzidas para comportamentos
pró-sociais e afiliação. Em um estudo de machos adolescentes livres de macacos rhesus, indivíduos com
baixas concentrações de 5-HIAA no CSF exibiram quantidades reduzidas de tempo gasto em proximidade
e limpeza de outros membros do grupo, e um baixo número de parceiros sociais com os quais interagiam.
Relatou-se também que machos rhesus jovens com baixas concentrações de 5-HIAA no CSF emigram de
seu grupo natal em uma idade mais precoce do que machos com concentrações altas. No laboratório, as
baixas concentrações de 5-HIAA no CSF foram associadas com baixas taxas de interações filiais entre
juvenis rhesus de ambos os sexos. Fêmeas adultas com 5-HIAA baixo no CSF parecem ser menos
orientadas socialmente, gastando mais tempo sozinhas, limpando menos, e tendo menos coespecíficos em
proximidade. Machos rhesus adultos com 5-HIAA baixo no CSF formam menos consortes com fêmeas
em estro durante a estação de acasalamento, limpam e montam as fêmeas menos frequentemente do que
os machos com 5-HIAA mais alto no CSF. Em macacos de cauda longa, indivíduos com baixas respostas
à fenfluramina gastaram menos tempo em interações filiais com outros indivíduos e mais tempo sozinhos.
Em macacos vervet, Raleigh e seus colegas descobriram que acentuar a função da serotonina
administrando triptofano, o inibidor de recaptação fluoxetina, ou o agonista de serotonina quipazina,
aumentava os comportamentos filiais tais como se aproximar e limpar outros macacos. Em contraste,
reduzir a função da serotonina pela administração do inibidor da enzima triptofano hidroxilase PCPA
resultou em exclusão social e em esquiva de interações filiais. Esses dados de macacos vervet sugerem
portanto que acentuar a função serotonérgica facilita a expressão do comportamento filial, enquanto que
reduzir a função serotonérgica inibe a afiliação.
Há algumas evidências de que a função serotonérgica está relacionada não somente ao
comportamento agressivo e filial, mas também ao comportamento sexual e maternal. Consistente com os
resultados de estudos em roedores, mostrou-se que a serotonina exerce efeitos inibitórios sobre o
comportamento sexual masculino e feminino também em primatas. Estudos iniciais sobre serotonina e
comportamento materno em primatas relataram que macacas mães com 5-HIAA baixo no CSF eram mais
protetoras e restritivas, e que seus filhotes gastavam mais tempo em contato com elas, do que mães com
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5-HIAA alto no CSF. Cleveland e seus colegas não encontraram relação entre o 5-HIAA do CSF e o
comportamento materno nos primeiros dias pós-parto, mas nos dias 15 e 20 pós-parto, fêmeas com 5HIAA baixo no CSF deixaram seus filhotes menos frequentemente do que fêmeas com 5-HIAA alto no
CSF. Um estudo preliminar em nosso laboratório relatou uma correlação positiva entre concentrações de
5-HIAA no CSF medidas durante a gestação e comportamentos maternos de rejeição no primeiro mês
pós-parto em fêmeas multíparas. Nosso trabalho mais recente envolvendo múltiplas mensurações do 5HIAA no CSF durante o desenvolvimento, contudo, relatou uma correlação negativa entre 5-HIAA do
CSF e rejeição materna entre mães primíparas.
A serotonina pode afetar a motivação maternal por suas ações sobre a liberação de ocitocina ou
prolactina, ou por seus efeitos sobre a expressão emocional. As emoções podem ser desencadeadoras
poderosas de comportamento maternal em primatas não-humanos e humanos. Por exemplo, há diferenças
individuais marcantes na ansiedade entre mães rhesus, e essas diferenças se traduzem em diferenças no
estilo maternal. A ansiedade maternal também tem sido implicada na etiologia do maltrato infantil em
macacos. Embora o papel do controle de impulsos no comportamento maternal primata esteja ainda
pobremente compreendido, é possível que a impulsividade afete como as mães primatas interagem com
seus filhotes, e que a alta impulsividade seja expressa como altas taxas de rejeição, explicando assim a
associação entre 5-HIAA baixo no CSF e altas taxas de rejeição encontradas em mães de macacos rhesus
primíparas.
A ocorrência de diferenças individuais nas concentrações de 5-HIAA no CSF e sua associação
com diferenças no comportamento agressivo, filial e maternal despertou o interesse sobre a origem dessa
variação. Estudos de populações primatas genotipificadas e estudos de indivíduos com criação cruzada
forneceram evidências para uma herdabilidade moderada a forte das concentrações de 5-HIAA e outros
metabólitos de monoaminas no CSF. A herdabilidade de variação na função serotonérgica poderia surgir
de quaisquer genes cujos produtos participam da síntese, liberação, recaptação, ou metabolismo de
serotonina, ou em genes que codificam receptores de serotonina. Um caso bem-conhecido de variação
genética na função serotonérgica envolve o polimorfismo do gene do transportador de serotonina (5-HTT
ou SERT). Em humanos, macacos rhesus e também outros primatas, a região promotora desse gene (5HTTLPR) existe em duas variantes alélicas, que diferem em comprimento. O alelo curto confere
eficiência transcricional menor ao gene do transportador de serotonina e está associado com recaptação
reduzida de serotonina pelo neurônio pré-sináptico e responsividade serotonérgica reduzida a desafios
neuroendócrinos. Estudos com humanos mostraram que indivíduos com uma ou duas cópias do alelo
curto tinham maior ativação neuronal da amígdala em resposta a faces com expressões ameaçadoras.
Esses indivíduos também tinham substância cinzenta reduzida no córtex cingulado perigenual (pACC) e
na amígdala. O pACC tem a maior densidade de terminais de serotonina dentro do córtex humano e é um
alvo principal de projeções da amígdala. Estudos com fMRI mostraram que pessoas com pelo menos um
alelo curto tem interações funcionais mais fracas entre o córtex pré-frontal ventromedial, pACC, e
amígdala, sugerindo que a presença do alelo curto está associada com hiper-reatividade da amígdala em
resposta a ameaças.
Macaco tibetano
Macacos barbários
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Macacos tonqueanos
Macacos cauda-de-toco
Em macacos rhesus, o polimorfismo do SERT geralmente não está relacionado com as
concentrações de 5-HIAA no CSF, com a exceção de indivíduos que são separados de suas mães ao
nascimento e criados com semelhantes. Entretanto, indivíduos que carregam o alelo curto para o SERT
parecem compartilhar alguns traços comportamentais com indivíduos com 5-HIAA baixo no CSF,
incluindo agressividade maior e idade mais precoce de emigração do grupo pelos machos. Mães de
macacos rhesus que maltratam seus filhotes têm maior probabilidade de carregar o alelo curto do gene do
transportador de serotonina do que mães não-abusivas. Além disso, filhotes com o alelo curto que são
separados de suas mães ao nascimento ou fisicamente maltratados por elas são mais propensos a mostrar
ansiedade e medo em resposta a novidades e respostas desreguladas do eixo HPA ao estresse e desafios
do que indivíduos com a mesma experiência inicial que são homozigotos para o alelo longo.
Estudos comparativos da variabilidade funcional do gene do transportador de serotonina em sete
espécies diferentes de macacos mostraram que espécies que se acredita serem mais tolerantes socialmente
e menos despóticas e nepotistas como os macacos barbários, macacos tibetanos, e macacos cauda-de-toco
são monomórficos para o gene SERT. Em contraste, espécies que se acredita serem mais intolerantes e
agressivas como rhesus, caudas longas, e caudas-de-porco são polimórficas para o gene SERT, com os
macacos rhesus tendo o maior grau de polimorfismo. Macacos tonqueanos, que se acredita serem
relativamente dóceis e igualitários, são também polimórficos. Embora esses achados sugiram que uma
variação genética na função serotonérgica pode desempenhar um importante papel em determinar as
diferenças nas espécies em agressividade entre macacos, é necessário cautela ao interpretar esses
resultados por várias razões. Primeiro, diferenças entre espécies em agressividade entre macacos não
estão bem estabelecidas. Segundo, as espécies que são polimórficas para o gene SERT são todas
intimamente relacionadas umas às outras, e mais longinquamente relacionadas com as espécies que são
monomórficas. Embora se esperasse que os macacos tonqueanos fossem monomórficos com base em suas
supostas características comportamentais, são polimórficos como os macacos cauda-de-porco, uma
espécie intimamente relacionada da qual evoluíram.
No nível individual, a experiência inicial pode ser uma fonte importante de variação na função
serotonérgica na vida adulta. Efeitos de longa duração de privação maternal precoce sobre o
desenvolvimento do sistema serotonérgico cerebral foram relatados em macacos rhesus criados em
laboratório. Em macacos rhesus que vivem em grupos, indivíduos expostos a altas taxas de rejeição
materna na infância tinham concentrações de 5-HIAA no CSF significativamente mais baixas ao longo de
seus três primeiros anos de vida do que indivíduos expostos a taxas baixas de rejeição materna. Essa
diferença foi encontrada em indivíduos criados por suas mães biológicas e em juvenis criados
adotivamente, sugerindo que não reflete semelhanças genéticas entre mães e prole. Entre esses juvenis,
houve uma correlação negativa significativa entre o 5-HIAA do CSF e as taxas de arranhões, sugerindo
que indivíduos com 5-HIAA baixo no CSF eram mais ansiosos do que aqueles com 5-HIAA alto. Quando
fêmeas que foram criadas por mães de grande rejeição deram à luz pela primeira vez, seu 5-HIAA baixo
foi associado com altas taxas de rejeição materna para com seus próprios filhotes. As taxas de rejeição
materna de filhas pareciam muito com aquelas das mães e a semelhança foi particularmente forte para as
fêmeas adotadas e suas mães adotivas.
O sistema da serotonina também pode estar envolvido na transmissão intergeneracional do
maltrato infantil. Relatamos que cerca de metade das fêmeas que foram maltratadas por suas mães no
início da vida, fossem adotadas ou não, exibiram comportamento abusivo para com sua primeira prole,
enquanto nenhuma das fêmeas criadas por mães não abusivas o fez (incluindo aquelas nascidas de mães
abusivas). Além disso, as fêmeas maltratadas, tanto adotadas quanto não, que se tornaram mães abusivas,
tinham concentrações de 5-HIAA no CSF mais baixas do que as fêmeas maltratadas que não se tornaram
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mães abusivas. Como o maltrato tende a co-ocorrer com altas taxas de rejeição maternal, nossos achados
sugerem que alterações de longo prazo induzidas pela experiência na função serotonérgica em fêmeas
criadas por mães altamente rejeitadoras e abusivas contribuem para a manifestação da rejeição materna e
o abuso na idade adulta. É possível que a redução na função serotonérgica induzida pela experiência
resulte em ansiedade elevada e controle de impulsos debilitado, e que a alta ansiedade e impulsividade
aumentem a probabilidade de ocorrência de rejeição materna e abuso com a própria prole mais tarde,
talvez em conjunto com o aprendizado social resultante da experiência direta com a própria mãe ou da
observação de interações maternas com irmãos.
OS SUBSTRATOS NEURAIS DO COMPORTAMENTO SOCIAL: ESTUDOS DE LESÃO
CEREBRAL
Estudos empregando lesões cerebrais para investigar o papel de diferentes estruturas neurais na
regulação do comportamento social se concentraram principalmente na amígdala, e em menor extensão
no hipotálamo, hipocampo, lobos temporais e córtex orbital frontal. Essas estruturas desempenham um
papel importante no processamento de estímulos ambientais que regulam comportamentos relacionados à
sobrevivência. Essas regiões cerebrais também são ricas em receptores para neuropeptídeos e
monoaminas bem como para outros hormônios e neurotransmissores que afetam o comportamento social
em primatas e outros animais. Em organismos altamente sociais como os primatas, respostas corticais e
límbicas a estímulos sociais podem desempenhar um papel fundamental na capacidade de um indivíduo
de obter sobrevivência e reprodução com sucesso. Por exemplo, como a amígdala é necessária para a
interpretação de estímulos sociais e a produção de respostas emocionais que regulam esquiva e
comportamento agressivo, essa estrutura pode potencialmente desempenhar um papel importante na
regulação do comportamento social primata. O hipotálamo desempenha um papel importante na
regulação dos estados motivacionais de comportamento sexual e maternal, e o hipocampo pode ser
relevante para a regulação do comportamento social, já que desempenha um papel no processamento de
inter-relações espaciais e contextuais de estímulos sociais. O córtex orbital frontal está fortemente
conectado com regiões cerebrais que processam todos os estímulos sensoriais, enquanto os lobos
temporais foram implicados no processamento de expressões faciais e movimentos corporais. Portanto,
essas estruturas estão provavelmente implicadas no controle neural da cognição social, e na aquisição e
processamento de informações que motivam e controlam as interações sociais.
Os estudos de lesões cerebrais e comportamento social em primatas geralmente usam duas
abordagens diferentes. Alguns deles investigaram os efeitos de lesões sobre a expressão do
comportamento social em adultos, enquanto outros investigaram os efeitos de lesões sobre o
desenvolvimento do comportamento social em filhotes. Em geral, os resultados dos estudos em que os
lobos temporais, córtex orbital frontal e hipocampo foram lesados em adultos são consistentes com os
estudos em que essas áreas cerebrais foram lesadas em filhotes. No caso das lesões da amígdala, contudo,
os resultados dos estudos envolvendo adultos e filhotes produziram resultados um pouco inconsistentes.
Macacos jovens e adultos com lesões dos lobos temporais são geralmente apartados socialmente
ou inativos e hiporreativos a estímulos que induzem medo, e no caso dos adultos, também mostram
comportamento sexual inapropriado como montar objetos inanimados. Indivíduos com essas lesões
parecem ter capacidade debilitada em discriminar entre coespecíficos e objetos, e portanto em responder
apropriadamente a estímulos socialmente relevantes. Lesões do córtex orbital frontal parecem resultar em
esquiva em interações sociais e alterações na agressividade e dominância. Indivíduos com essas lesões
também mostram debilidades em suas ligações sociais, tais como uma preferência mais fraca por seu
tratador primário.
Um estudo de Rosvold e seus colegas relatou que macacos rhesus machos que obtiveram ordem
superior de dominância em grupos sociais criados artificialmente caíram para o fim da hierarquia e se
comportaram submissamente depois de amigdalectomia bilateral e reintrodução no grupo. Igualmente, em
uma série de estudos conduzidos com macacos rhesus, macacos cauda-de-toco e macacos vervet, Kling e
colegas relataram que indivíduos com lesões bilaterais da amígdala que foram reintroduzidos em seus
grupos sociais não conseguiram restabelecer relações sociais funcionais com outros indivíduos e foram ou
atacados ou ignorados pelos outros. Também foram relatadas mudanças no comportamento maternal e
sexual em animais com lesões na amígdala. Spies e seus colegas relataram que fêmeas de macacos rhesus
com lesões bilaterais da amígdala mostraram comportamento proceptivo sexual prejudicado, mas
receptividade e comportamento copulatório normais quando pareadas com um macho em uma jaula
(resultados semelhantes também foram obtidos com lesões do hipotálamo, ver adiante).
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Os estudos iniciais envolvendo lesões da amígdala em macacos foram criticados por Amaral
porque essas lesões não eram seletivas o suficiente e as observações comportamentais não eram precisas o
bastante para garantir conclusões seguras sobre a relação entre amígdala e comportamento social. Amaral
e seus colegas conduziram uma série de estudos envolvendo lesões da amígdala em macacos rhesus, em
que a especificidade dessas lesões foi muito acentuada pelo uso de ácido ibotênico, uma neurotoxina que
é injetada estereotaxicamente no cérebro e destrói seletivamente a amígdala ser afetar áreas adjacentes.
Um conjunto de estudos examinou os efeitos das lesões da amígdala sobre o comportamento de machos
adultos em uma variedade de condições laboratoriais de teste. Em interações sociais diádicas em que os
machos com lesão da amígdala e seus controles não-operados foram testados com os mesmos indivíduos
estímulos, os machos lesionados mostraram latência reduzida para se envolver em interações sociais com
seus parceiros e maior afiliação, particularmente durante os primeiros encontros, sugerindo que tinham
ansiedade social menor e mais desinibição social do que os controles. Os animais lesionados também
exibiram elevações menores nos níveis plasmáticos de cortisol em resposta aos encontros sociais do que
os controles, sugerindo que a lesão da amígdala reduziu a extensão com que os indivíduos interpretavam a
interação com um indivíduo não-familiar como estressante. Talvez como resultado do comportamento dos
indivíduos lesionados, os parceiros-estímulos dirigiam mais comportamento filial para eles do que para os
controles. Os machos adultos com lesão da amígdala também mostraram inibição comportamental
reduzida em resposta a pessoas e objetos novos. Por exemplo, tinham uma menor latência para recolher
uma uva e para se aproximar e manusear uma cobra de borracha do que os controles. Portanto, machos
adultos com lesões bilaterais da amígdala mostram características comportamentais semelhantes aos
indivíduos que experimentaram lesões muito maiores dos lobos temporais.
Amaral e seus colaboradores também investigaram os efeitos de longo prazo das lesões cerebrais
sobre o desenvolvimento comportamental infantil. Lesões bilaterais da amígdala ou hipocampo foram
realizadas em filhotes de 2 semanas de idade, que foram retornados para suas mães e criados por elas em
pequenas jaulas com ou sem outros pares mãe-filhote. As interações comportamentais mãe-filhote não
foram significativamente alteradas por lesões da amígdala ou do hipocampo, com a exceção de contato
mãe-filhote aumentado no grupo com lesão da amígdala. Quando os filhotes foram permanentemente
separados de suas mães aos 6 meses de idade, os filhotes com lesão da amígdala não procuraram
proximidade preferencialmente com sua mãe em um teste de preferência social em que podiam escolher
entre sua mãe e outra fêmea adulta familiar. Essa descoberta foi interpretada como indicativa de um
desajuste na percepção do dano em potencial em vez de uma deficiência específica no laço com a mãe. Os
filhotes com lesão da amígdala, contudo, não diferiram significativamente dos controles em sua resposta
do cortisol plasmático à separação de suas mães ou à supressão por dexametasona e desafio de ACTH.
Aos 6 a 12 meses de idade, os filhotes com lesões da amígdala mostraram medo reduzido de objetos
novos tais como cobras de borracha, mas mais comportamento medroso do que aqueles com lesão de
hipocampo ou com lesões falsas durante encontros diádicos com coespecíficos familiares e nãofamiliares. O comportamento dos filhotes com lesões da amígdala e do hipocampo em interações diádicas
e de grupo, contudo, foi geralmente normal e apropriado para a idade. Quanto muito, os filhotes com
lesões da amígdala mostraram mais comportamento filial e submisso do que os filhotes nos outros grupos.
Com aproximadamente 18 meses de idade, testes de dominância foram conduzidos em que os jovens
receberam a oportunidade de recolher itens alimentares preferidos em uma situação competitiva
envolvendo outros indivíduos. Nesses testes, os indivíduos com lesões da amígdala mostraram latências
mais longas para recolher o alimento, comportamentos agressivos reduzidos, e comportamentos de medo
e submissos mais frequentes do que os indivíduos com lesões do hipocampo e os controles com falsas
lesões. Os efeitos comportamentais das lesões da amígdala feitas na infância, portanto, pareceram ser
opostos a aqueles de lesões semelhantes realizadas em machos adultos. Finalmente, Goursaud e
Bachevalier relataram que macacos rhesus que recebem lesões bilaterais da amígdala e do hipocampo
com ácido ibotênico com 1 a 2 semanas de idade e que foram subsequentemente criados por humanos não
diferiram dos controles em sua preferência pelo cuidador primário contra outro humano familiar quando
testados em uma tarefa de preferência social aos 11 meses de idade.
Em conjunto, os resultados desses estudos sugerem que uma amígdala intacta não é necessária
para a expressão de comportamento social normal em macacos adultos ou para o desenvolvimento social
normal em filhotes. Embora evidências de estudos com neurônios individuais sugiram que os neurônios
na amígdala disparam em taxas diferentes depois de exposição a diferentes expressões faciais de emoção,
Amaral e seus colegas questionaram recentemente a hipótese de que amígdala desempenhe um papel
importante na cognição social. Em vez disso, sua opinião é que a amígdala serve à função de dispositivo
de proteção: permite ao indivíduo avaliar a extensão com que objetos novos no ambiente ou situações
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sociais representam uma ameaça ou perigo e ajuda o indivíduo a produzir uma resposta apropriada, por
meio de projeções para outras áreas do cérebro como o córtex e o hipocampo. Sem uma amígdala intacta,
os macacos não conseguem avaliar apropriadamente e reconhecer o risco de um estímulo particular.
Como resultado, macacos com lesão da amígdala mostram uma falta de respostas de medo a objetos
ameaçadores e parecem ser desinibidos em situações sociais potencialmente perigosas.
Os estudos de lesão cerebral em primatas que investigam as influências hipotalâmicas sobre o
comportamento social têm focalizado principalmente o comportamento sexual. Pesquisas conduzidas por
Dixson e seus colegas mostraram que lesões do hipotálamo anterior e medial em saguis fêmeas
prejudicam a iniciação ativa feminina da atividade sexual (proceptividade), mas não as respostas aos
avanços sexuais masculinos (receptividade). De acordo com esses resultados, estudos de macacos
mostraram que a estimulação elétrica da área ventromedial e pré-óptica do hipotálamo acentua o
comportamento proceptivo feminino para com os machos. Além disso, neurônios no hipotálamo
ventromedial aumentam sua taxa de descarga enquanto as macacas estão envolvidas em comportamento
proceptivo ou cópula, enquanto aqueles da área pré-óptica diminuem sua taxa de disparo durante essas
atividades. Em conjunto, os resultados desses estudos sugerem que os mecanismos hipotalâmicos que
regulam o comportamento sexual em primatas podem diferir de mamíferos não-primatas de algumas
maneiras importantes. Áreas diferentes do hipotálamo podem controlar diferentes componentes do
comportamento sexual em primatas fêmeas, e como as fêmeas primatas são singulares em sua capacidade
de se envolver em comportamento sexual fora da fase fértil de seu ciclo, é possível que o controle neural
do comportamento sexual em primatas esteja sobreposto ao controle neural da afiliação e ligação em
maior extensão do que em outros mamíferos. Embora o hipotálamo desempenhe um importante papel na
regulação da motivação maternal em roedores e outros mamíferos, não houve estudos investigando os
efeitos de lesões hipotalâmicas sobre a motivação e o comportamento parental em primatas não humanos.
CONCLUSÕES
Os estudos dos substratos neurais ou mecanismos neuroquímicos que fundamentam o
comportamento social em primatas não-humanos são claramente limitados quando comparados com
aqueles conduzidos com outros animais, particularmente roedores de laboratório. Além disso, como a
maior parte da pesquisa sobre a neurobiologia do comportamento social primata tem sido feita com as
poucas espécies de primatas que estão prontamente disponíveis em cativeiro, como macacos rhesus,
saguis, ou macacos-esquilos, as conclusões desses estudos podem não ser generalizáveis para outros
primatas, quanto mais para outros animais. Ainda assim, os achados das pesquisas revisadas neste
capítulo tiveram uma contribuição significativa para nossa compreensão da regulação neurobiológica do
comportamento social primata.
Aparte as pesquisas sobre cognição social, a maior parte do trabalho que investiga o controle
neural e neuroquímico do comportamento social concentrou-se sobre o sistema límbico e sua relação com
substratos emocionais e motivacionais do comportamento. As melhores evidências experimentais que
ligam regiões cerebrais ou sistemas neuroquímicos específicos a substratos emocionais do
comportamento social foram obtidas para emoções “negativas” como ansiedade, medo e impulsividade e
para comportamentos agonistas como agressão e refugo. Com a exceção do trabalho sobre opioides
endógenos e afiliação, emoções “positivas” e suas relações com afiliação e laço social mostraram-se mais
difíceis de estudar. As pesquisas nessa área têm sido direcionadas por achados obtidos com roedores, mas
permanece incerto se as conceitualizações de afiliação e laço social em roedores podem ser diretamente
extrapoladas para primatas. Da mesma forma, embora haja muitas evidências ligando laços sociais a
ocitocina e vasopressina em roedores, evidências empíricas de que esses peptídeos afetam a ligação social
em primatas são muito preliminares ou equívocas. Os estudos do comportamento filial complexo, e em
alguma extensão também do comportamento agressivo, sexual e parental em primatas irão precisar de
sofisticação conceitual e experimental maior do que os estudos conduzidos com roedores de laboratório.
Por causa de restrições éticas e logísticas no estudo das relações cérebro-comportamento em
primatas não-humanos, muitos estudos até agora tentaram medir, geralmente de maneira muito indireta, a
atividade de regiões cerebrais ou sistemas neuroquímicos e então correlacionar essas mensurações com
aspectos do comportamento. Embora a manipulação neurofarmacológica do comportamento em situações
sociais complexas pudesse ser uma abordagem efetiva para testar hipóteses neuroetológicas, essa
abordagem tem sido geralmente subutilizada na pesquisa em primatas. Os efeitos de várias drogas
psicotrópicas sobre o comportamento social de primatas não-humanos têm sido investigados em vários
estudos. Em muitos desses estudos, contudo, a relação entre drogas e comportamento foi investigada sem
uma compreensão clara dos mecanismos de ação da droga no cérebro, e sem tentar testar hipóteses
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específicas relacionadas à regulação neurobiológica do comportamento. Como os mecanismos
fisiológicos e moleculares de ação de muitos agentes neurofarmacológicos são hoje bem entendidos,
manipulações neurofarmacológicas do comportamento social direcionadas por hipóteses poderiam
desempenhar um papel importante na pesquisa neuroetológica primata.
Lesões cerebrais se mostraram úteis na investigação do papel de regiões cerebrais particulares na
expressão do comportamento social primata. Os estudos de lesão cerebral, contudo, tem limitações pelo
fato de que as lesões não são sempre específicas e causam dano cerebral permanente e irreversível.
Técnicas de imageamento cerebral são muito menos invasivas do que lesões e representam uma grande
promessa para as pesquisas futuras da neuroetologia social primata. Uma restrição dos estudos de
imageamento cerebral de primatas não-humanos é que devem ser realizados sob condições laboratoriais
controladas. Uma restrição semelhante existe também para estudos com humanos, mas a despeito dessa
restrição, milhares de estudos de imageamento cerebral com humanos têm sido feitos nas últimas
décadas, muitos dos quais focalizaram a cognição social e o comportamento social. O imageamento
cerebral – tanto estrutural quando funcional – também é indiscutivelmente a técnica experimental com
maior potencial para responder questões evolutivas sobre as relações cérebro-comportamento em
primatas. Documentando sistematicamente as semelhanças e diferenças na estrutura de diferentes regiões
cerebrais através das espécies de primatas e em como essas regiões são ativadas durante interações sociais
complexas, poderíamos potencialmente adquirir uma grande quantidade de novas informações sobre a
evolução da complexidade social e cognitiva na Ordem Primata e nos mecanismos cerebrais que a
sustentam.
Traduzido de MAESTRIPIERI, D. Neurobiology of social behavior. In: PLATT, M. L.; GHAZANFAR,
A. A. Primate neuroethology. Oxford University Press, 2010, pg. 359-384.
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