1 - Faculdade de Educação | Unicamp

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SILÊNCIO FORMADOR. RELATÓRIOS COMO EXPERIÊNCIAS
FORMADORAS NO ESTÁGIO EM DOCÊNCIA NO DF.
Mathias Alberto Möller
Licenciado (UnB) e Mestrando (Unifesp) em Filosofia, Brasil.
[email protected]
Eixo temático: 4, Papel da Filosofia na Formação de Educadores.
Resumo
Silêncio formador. Relatórios como experiências formadoras no estágio de docência em
filosofia no Distrito Federal, propõe-se a refletir como os próprios relatórios, tão presentes
nas nossas experiências de formação docente, podem figurar como um espaço privilegiado
de reflexão e de sedimentação das múltiplas experiências vivenciadas a partir das
oportunidades recebidas e por si mesmo criadas durante o estágio. Relatórios que se mostram
como um tipo de diário pelo qual se faz aparecer a tessitura dos encontros das oportunidades
com a individualidade em formação.
The forming silence. Reports as forming experiences in the teaching practices in Philosophy
in the Federal District proposes to reflect on our activities reports as forming experiences in
teaching, on how they can figurate as a privileged moment for consolidating multiple
experiences lived upon the opportunities received or self-created during undergraduate
teaching practices. Reports that show themselves as a diary in which one-self make appear
the tessiture of the encountering of opportunities with the individuality to form.
Palavras-chave: Filosofia; Formação; Silêncio.
Apresentação
Silêncio formador. Relatórios como experiências formadoras no estágio de docência
em filosofia no Distrito Federal propõe refletir sobre os relatórios, tão presentes nas nossas
experiências de formação docente, e como eles podem figurar como um espaço privilegiado
de reflexão e de sedimentação das múltiplas experiências vivenciadas a partir das
oportunidades recebidas e por si mesmo criadas durante o estágio. Relatórios que se mostram
como um tipo de diário pelo qual se faz aparecer a tessitura dos encontros das oportunidades
com a individualidade em formação.
Diante de ainda recorrentes afirmações de que não se poderia cobrar de alguém aquilo
que ele não recebera, estas reflexões querem aqui interpor possibilidades de ação a partir do
que não se recebe, a partir do silêncio. Silêncio até do ensino da escrita para um campo que
tem em sua essência a construção de discursos, sobretudo escritos, tomando-se como reflexão
a importância do relatório de estágio como momento privilegiado de reflexão e sedimentação
1
dos estudos e aprendizados percebidos em um período. Lança-se, assim, experiências da ideia
que educar para a liberdade é a arte de se fazer dispensável.
Por um relatório formativo
A proposta, portanto, é de um memorial formativo que permita a construção de um
discurso reflexivo a respeito das experiências feitas durante os estágios de formação docente
de Licenciatura em Filosofia. Apresenta-se aqui certo tipo de meta-análise dos relatórios
semestrais sobre o percurso formativo em forma de ensaio, como lido no período em questão
em LARROSA (2004). Trazendo aspectos relevantes no processo de desenvolvimento dos
estágios disciplinares, resgata-se, registra-se, analisa-se e avaliam-se as atividades
desenvolvidas, e, associado a isso, indicam-se alguns elementos das pesquisas às quais se
recorreu ao longo dos estágios para fundamentar e incrementar as reflexões.
Desenvolvidos em cumprimento às exigências curriculares para Estágio Pedagógico
Supervisionado no curso de Licenciatura em Filosofia da Universidade de Brasília, as ações
aqui apresentadas (ou ausentes) recuperam experiências de atividades que decorreram entre
o segundo semestre de 2012 e o primeiro de 2014. O então currículo de Filosofia da UnB,
ainda em vigor, previa, para minha formação, quatro semestres de estágio, portanto, quatro
disciplinas a cumprir. Cada qual com suas particularidades, divididas, em suma, entre
observação, intervenção, regência, análise de material didático, produção de material
instrutivo e preparação de aulas. Os estágios ocorreram em escolas da rede pública de ensino
do Distrito Federal de contextos diversos.
Certamente, os registros aqui promovidos já refletem escolhas ou escolhem reflexões,
já que mostrar: “nada tem de passivo, de inerte, de neutro, […] a ação de mostrar permanece
opaca, permanece uma ação, [...], uma não-indiferença”. COMOLLI (2008, p. 102) refere-se
à realidade como sendo um “terreno da ideologia da transparência”, uma ideologia que
supostamente asseguraria que: nem no ‘emissor’, nem no ‘receptor’ e nem entre eles haveria
“qualquer alteração da mensagem, nenhuma resistência, nenhuma perda”. (ibid., p. 105)
Realidade esta que não seria a que ‘vemos’.
A forma da orientação curricular
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Resultantes previstos ou pressupostos, como os relatórios, costumam exigir alguma
padronização. Assim, também os meus relatos sobre as atividades desenvolvidas
costumavam registrar que operavam em cumprimento a certas exigências curriculares para a
disciplina, e sob a orientação do professor designado para a mesma.
Inevitavelmente algumas questões são observadas quando se pratica a formação
docente. Ainda que em servidão voluntária, em alusão significativa a um dos livros lidos em
acompanhamento ao programa de obras previstas para o ensino médio, as exigências
curriculares querem conduzir por um percurso formativo com a indicação de um currículo.
A tarefa posta é de formar cidadãos, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação ou mesmo com o Plano Nacional da Educação. As Orientações Curriculares do
Distrito Federal então vigentes apresentavam a importância da Filosofia no Ensino Médio
para atender a LDB no “domínio dos conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessários ao
exercício da cidadania”; seguir os parâmetros curriculares nacionais e trabalhar a partir de
eixos temáticos inter-relacionados que possam desenvolver a “plena capacidade de
intervenção transformadora da realidade”, despertando no estudante a “percepção de sua
condição humana como ser racional e sensível, nas dimensões ética, estética e política”. O
objetivo geral a ser seguido, então, era fornecer ao estudante o domínio de conhecimentos
para a “formação de um indivíduo que seja cidadão e criativo” (ibid., p. 231).
Na vigência dos Parâmetros Curriculares Nacionais da época (MEC, 2002, IV, p. 45),
por sua vez, as Orientações Curriculares para a Filosofia no Ensino Médio visavam o “sentido
histórico da atividade filosófica”, enfatizando a “competência da Filosofia para promover,
sistematicamente, ‘uma reflexão crítica a respeito do conhecimento e da ação, a partir da
análise dos pressupostos do pensar e do agir e, portanto, como fundamentação dos
conhecimentos e das práticas”, de modo a orientar as reflexões para que o estudante possa
“compreender com mais clareza as relações histórico-sociais e, ao mesmo tempo, inserir o
educando no universo subjetivo das representações simbólicas” (PCN, 2002, p. 34).
As orientações curriculares vigentes no Distrito Federal, com a inserção de sua
obrigatoriedade, por fim, lançam a Filosofia como “componentes da base comum, com a
mesma carga horária das demais disciplinas”. Visam, portanto, atender a duas demandas da
Secretaria de Estado da Educação: i) “uniformização da prática pedagógica, respeitando a
diversidade como uma característica fundamental das mais recentes concepções da
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educação”; e ii) a demanda de caráter “sociolinguístico”, que “pretende contemplar a língua
como elemento essencial da aprendizagem, onde a práxis pedagógica se constitui”. E será
nesse sentido que nas Orientações se irá afirmar que a “filosofia na sua gênese se constitui
com base na percepção da realidade, pelo espanto e, portanto, por uma leitura de mundo e
comunica o resultado disso por meio de uma riqueza dialógica seminal numa diversidade de
recursos estilísticos” (opus cit., p. 191). Assim, a pergunta da Filosofia será a socrática:
“conhece-te a ti mesmo” (opus cit., p. 195); uma disciplina que se permite perguntar a si
mesma enquanto “ninguém pergunta o para que das ciências, pois todo mundo imagina ver
a utilidade das ciências no produto da técnica, isto é, na aplicação científica à realidade”
(opus cit., p. 192).
O programa indicava o próprio questionamento sobre si mesmo como a tarefa
fundamental da filosofia. Ora, orientações que são por si só referências a registros ou
discursos filosóficos já percebidos na história da filosofia, muitos deles antagônicos ou em
polêmicas entre si. Com isso, nota-se como a colocação em disciplinas e em currículos
mínimos a serem seguidos já indica um arrogado “modelo que mais se aproxima da verdade”
e que indagado pela “teimosa filosofia”, conforme é referida, se vê questionado em sua
fundamentação. Encontra-se a tão frutífera relação dessa filosofia, que ao mesmo tempo em
que não tem utilidade aparente, “não serve para coisa alguma”, também é “atitude filosófica”
de indagação, revelando as aparências das pretensões de verdade das ciências e até mesmo a
medida de suas pressuposições de verdade. (ibidem, p. 192-193)
Para que o indivíduo "se transforme em agente de sua própria formação” (ibid., p.
195), no entanto, conforme um dos poucos resgates nominais das Orientações Curriculares,
no caso Kant, “não se ensina filosofia (conteúdo), mas a filosofar (competência)”, se ensina
a busca por “um livre pensar de si e do seu cotidiano” como função curricular da Filosofia.
(ibid., p. 195-196)
Aprende-se apenas fazendo, dando aula?
Se pudermos representar dois espaços de formação, um o universitário e outro o
escolar, temos ao menos dois professores orientadores durante o Estágio Pedagógico
Supervisionado. Um responsável por orientar uma formação mais teórica e de fundamentos
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como um todo a partir da Universidade e outro para orientar o dia-a-dia prático das atividades
desenvolvidas diretamente na escola.
Desde o início as atividades na Universidade foram dialogicamente construídas sob
coordenação do professor responsável. Éramos um grupo pequeno e partíamos de orientações
com frequência individualizadas para a realização de atividades na escola. Retornava-se ao
grupo para os relatos das experiências individuais com intercâmbio de experiências e debates,
reflexões, críticas. A partir de dúvidas ou questionamentos, passava-se a novas reflexões,
complementações etc., sendo instigados a novas colocações nas escolas, dando início a outro
ciclo de debates e orientações na Universidade. Mantendo no horizonte a formação
continuada, ou como encaminhamento de formação, subsidiávamos os diálogos com
bibliografias recomendadas nos encontros, sempre relacionadas aos pontos candentes nos
debates. Desse modo, construía-se conjuntamente uma proposta não formalizada de trabalho
para o tempo de estágio, mantendo-se sempre em perspectiva a docência, mas também a
potencialidade de integração desta com o desenvolvimento de outras pesquisas ligadas ao
ensino. Atividade importante foi ainda a complementação com a exposição e dissertação
sobre as leituras realizadas da bibliografia recomendada por parte de cada discente.
Ainda assim, é válida a referência ao arrogado dilema contemporâneo entre teoria e
prática que mais uma vez é problematizado com a Filosofia na medida em que ele se revela
pelas pressuposições decorrentes das concepções filosóficas adotadas.
Na formação docente, a teoria e a prática não deveriam dissociar-se, pois são espaços
no mínimo complementares de formação. E quanto mais próximo cada um estiver do espaço
do outro mais rica será a oportunidade formadora, pois menor serão as disputas.
Será, no entanto, no primeiro diálogo com o professor orientador da última escola
acompanhada, o Setor Leste, que pude registrar uma frase tão marcante para minha formação.
Com uma clara pressuposição deste dilema, dirá o professor: “você aprende mesmo a dar
aula quando for professor”, fazendo alusões – indiretas e até diretas – a uma irrelevância dos
momentos de estágio, mesmo dos momentos de intervenção e regência, pois se referia ao dia
em que eu me tornaria de fato professor, contratado ou concursado.
Outra experiência interessante se deu logo nos primeiros encontros com a primeira
turma, a 206 de 2012 do CEM 01 do Paranoá. Quatro estudantes me procuram para tirar
dúvidas sobre questões da última edição do Programa de Avaliação Seriada (PAS) da UnB.
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Encontrávamo-nos à margem das aulas subsequentes em antecipação à prova. A afirmação
de um deles1 quero resgatar: “não vimos isso, nós ainda não saímos da caverna”. Sua crítica
foi não ter visto Locke no seu segundo ano para poder responder hoje perguntas do PAS do
ano anterior. A caverna era Platão, em quem ficaram durante todo o segundo ano. Mas a
sagacidade desse naquela escola ainda chamado “aluno” (sem-luz) foi além. Foi de alguém
que esperava o conhecimento, mas também em questionamento frente à situação.
Com o tempo vai se conquistando alguma proximidade com os alunos e com a escola,
mais segurança diante da tarefa de estar à frente de trinta “futuros da nação”. Com essas
experiências pude perceber que mesmo locais com recursos abundantes (humanos ou
materiais) não garantem o aprendizado. Nas palavras da Assistente da Direção do Centro de
Ensino Médio Setor Leste, mesmo o grande fluxo de recursos públicos para efetivar os
projetos da escola e uma estrutura excelente se comparada com o restante da rede pública do
DF (ginásio, biblioteca, laboratórios, piscina, auditório, alimentação e tantas outras
facilidades), mesmo com tudo isso, assim a Assistente, seriam apenas os apaixonados que
ficariam por lá.
O silêncio formador
Aprende-se a ser professor desde o momento em que
se começa a ser aluno. [...] se é como docente o aluno
que se foi. Quanto maiores os matizes [...] mais rica
será a formação de cada um (CERLETTI, 2009)
Diante de um quadro formativo de orientações curriculares vistas como necessidades
formais mínimas para o preparo de um futuro professor, pude ainda perceber que tantas vezes
construímos a realidade por meio da falta, da ausência, do silêncio. Aquilo que não
experienciamos positivamente nos marca negativamente.
Silêncio formador são ausências que nos fazem desenvolver em sentidos ou
significados inesperados e nada causais. Partindo da formação integral da pessoa para além
da formação técnica, a qualificação profissional, seriam ausências na composição da
formação de professor e indivíduo. Parece que supomos demasiadamente poder determinar
positivamente a formação da pessoa. Supomos mesmo poder prescindir da subjetividade
envolvida na formação, encontrando padrões de ensino e esquivando do indivíduo a ser
1
Depois de PBIC-EM e ingresso na UnB para Engenharia, o dia em que pude com ele compartilhar da mesma
mesa do Refeitório Universitário é inesquecível.
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capacitado. Aprendemos, contudo, também com aquilo que não vimos, que não estudamos,
que não temos ou não conseguimos adquirir. Conhecer a si é perceber também os silêncios
da multiplicidade fenomênica que retornam como presenças na futura desenvoltura docente,
ou na falta dela. Aos poucos, na conquista das experiências e no desenvolvimento crítico
percebemos a nossa capacidade de transcender ao que nos tenta formar. Podemos ser
diferente apesar ou até justamente por causa de nosso contexto. Pensamentos que reconhecem
que uma experiência ou um professor tenha valorizado um lado em detrimento de outros.
Nosso conhecimento da realidade se mostra fragmentado, como indica Adorno em Dialética
Negativa. Aparentemente parcial por nossa própria ação. Alguma opção por um lado invés
de outro já revela o esquecimento daquilo que não é mostrado, não é estudado. Frases como
‘aprendi ou vi muito disso e pouco daquilo’ denotam isso; de que um professor seja de tal
linha ou concepção. Como indica Adorno, é da bela sinfonia de composição das partes,
mesmo ausentes, que se forma o todo, e o indivíduo.
Silêncio formador se mostra em si como um problema de experiência negativa, traz
dificuldades quanto a sua apreensão. Afinal, como ouvir o que o silêncio diz? Questões que
na formação de professores podem talvez apenas serem respondidas ao longo da atuação e
na medida em que este silêncio se faz presente.
A aposta é na individualidade formadora do formando, sobretudo na do “aluno”, que
faz enriquecer uma sala com suas indagações e anseios, como do professor, como tantos que
pude vivenciar antes e durante a formação, pois a partir de cada racionalidade, cada
emotividade e de cada silêncio recebemos esse dado bruto de experiências formativas.
Contudo, refletir algo para além delas ou mesmo apesar delas mostra uma individualidade
pensante, mesmo quando acriticamente, que se põe de novo para o seu meio e será então uma
renovada individualidade que terá para si a inteira responsabilidade do que traz, promove,
realiza e novamente do que silencia. Um professor, assim, como qualquer individualidade,
parece contrapor-se tanto às ideias de tabula rasa quanto às de um ser já determinado. Não
somos impotentes frente ao nosso contexto, temos a nossa individualidade a contribuir. Oras,
essa é a beleza das crianças, que em sua ainda não tolhida espontaneidade reagem à sua
maneira aberta e sincera com questionamentos desafiadores às nossas ações “adultas”.
Resta, portanto, a cada um de nós uma certa e própria responsabilidade sobre o que
fazemos de nós mesmos, afinal:
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não é possível ensinar a amar a sabedoria [...]. Entre o
perguntar do filosofar e o querer filosofar há um salto
que ultrapassa o professor. [...] O essencial da filosofia
é inensinável (CERLETTI, 2009)
Que filosofia na escola2?
A orientação de Kant aludida acima na relação entre conteúdo (filosofia) e
competência (filosofar) ganha uma nova significação. O ensino se dirige ao filosofar se
remontarmos às reflexões de Kant quanto à Filosofia de Mundo e não de Escola e, que, como
se pode perceber, segue ainda candente.
Enquanto que a exigência dos programas didáticos para o ensino de filosofia é
pronunciadamente conteudista, a maior contribuição que a filosofia parece poder trazer às
escolas segue ainda melhor as orientações curriculares ao promover o ensino do filosofar. É
esse, a meu ver, que poderá contribuir para a formação integral do indivíduo antes que a
transmissão de mais conteúdo para ser gravado e operacionalmente reproduzido.
Nesse sentido, dois trabalhos analisados no período podem ser destacados. Primeiro
o de Silvio Gallo em seu livro: “Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o
ensino médio”, no qual resgata seu empenho de décadas em favor do ensino da filosofia
enquanto desafio de torná-la significativa na formação dos jovens, e não apenas mais uma
matéria curricular. Com sua obra propõe pensar filosoficamente o ensino da disciplina sem
prescindir das importantes contribuições do campo educacional. Indica ao menos dois
possíveis modos de trabalho pedagógico que compreendem a filosofia como encontro e como
experiência do pensamento conceitual.
Segundo, o doutoramento de Renata Aspis. Sob o título: “Ensino de filosofia e
resistência”, suas leituras e análises querem propiciar espaços significativos de reflexão e
crítica no que se refere ao ensino de filosofia enquanto parte integrante do sistema
educacional contemporâneo. Sua proposta é de criar novas formas de pensar e de agir como
resistência, como remendo de subjetividades em múltiplas conexões, reativando filosofias da
diferença para a criação de novos modos de vida, de re-existências. Um ensino de filosofia
como planejamento nômade por meio de aulas-acontecimento como fluxos de pensamentos
2
Pergunta motivadora do Seminário Douta Ignorância, de 2011, primeiros momentos de reflexão sobre a
formação docente em filosofia.
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filosóficos, criações de sentido e de ‘sub-versões’ do mundo; de novos mundos possíveis e
não apenas da repetição do mundo dado a ser aprendido.
Enquanto a padronização e o ensino de formas pré-estabelecidas preveem um tipo de
resultante, o silêncio, como as 're-existências', é formador na medida em que traz outra
significação possível para o mostrar-se de cada vida. Um mostrar-se nada neutro, uma
posição que se mostra para os outros. Se pensarmos no mostrar do professor contemporâneo,
dela também não tem fuga, silenciando diante da multiplicidade que se ausenta em sua
exposição.
Nesse sentido, recebe nova importância a colocação de CERLETTI (2009) quando
afirma que ensinar filosofia deve partir de um lugar, de uma filosofia adotada para a partir
dela ensinar-se. Esse ponto de partida, ressalta, deve ser, contudo, declarado, tematizado e
até mesmo questionado em sala de aula. Outra riqueza que a filosofia se permite: mesmo em
sala de aula tratar de questionar a sua autoridade para conhecer a si mesmo.
Assim, cada filosofia adotada deve indicar os seus métodos. Necessários ou
escolhidos, eles decorrerem da concepção filosófica (ou até da concepção de Filosofia)
assumida pelo professor. Por isso que CESCON et NODARI (2009, p. 11) diferenciam
Filosofia da Educação de Pedagogia e Didática, enquanto esta se mostra como aplicação
disciplinar de teorias estudadas na pedagogia e pensadas na Filosofia da Educação. Um
resgate, ainda que simplificado, das potencialidades de cada campo.
Outra atividade acompanhada, e que aqui se mostra potencial, traz a importância de
atividades extracurriculares para a formação integral. Tomo como exemplo a participação do
VI Fórum das Licenciaturas da UnB, quando pude ver discutidas as diretrizes curriculares
para as Licenciaturas daquela Universidade. Das palestras proferidas, guardo a da Prof.ª
Sonia Penin (FE/USP) sobre a importância da interação de três saberes na formação docente:
i) o que se ensina, a questão disciplinar; ii) o como se ensina, a questão do método; e iii) para
quem se ensina, que relaciona e articula i) e ii) aos sujeitos.
Já a leitura de Novalis (Aforisma 104) nesse período me pôs diante de métodos nãoconvencionais quando afirma que as “assim chamadas falsas tendências são os melhores
meios para se obter uma formação multilateral”; talvez outra das propostas de desconstrução
do discurso majoritário da formação ideal e de posicionamento alternativo. Algo que se
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mostra muito potencial ao menos enquanto momento em que o estudante pode dar voz a sua
menoridade, diariamente sobrepujada pela forma.
Por fim, o que eu sou é o que levo para a sala de aula, para aprender ou ensinar. A
cada dia o que eu sou pode mudar. Claro que dependemos dos outros que encontramos ou
que nos encontram pelo caminho; mas trazemos, levamos ou silenciamos.
Ensaiando Conclusões
O desafio, enfim, é tornar-se prescindível. Sim, pois é saber transmitir a sua formação
de modo que o outro possa ‘andar sozinho’; erguer suas próprias ‘sustentações’ e aprender a
aprender sozinho. Educar para a liberdade é evitar a conservação do poder subjugador. Evitar
que a saída da escravidão, a emancipação, não seja para subjugar o outro, como relata
RODRIGUES (1961). Que ao conhecer, sair da caverna, se mantenha outros nela, encobrindo
a verdade com a destreza de um sofista, como diria Sócrates. Educar para a liberdade é
permitir ao outro ser agente da própria formação.
Foi assim que pude perceber como os meus relatórios foram um espaço privilegiado
de reflexão e de sedimentação das múltiplas experiências vivenciadas, das oportunidades
recebidas e criadas. Serviram como um diário no qual a tessitura dos encontros fazia aparecer
a individualidade.
Ser humano é ser ensaio. Mais do que acertos trazemos erros e muitas perguntas. Com
o resgate da orientação curricular sugere-se haver um objetivo no ensino de filosofia que
seria próximo ao desenvolvimento de “habilidades de investigação, raciocínio, análise,
interpretação de textos [...], visando a construção e ou desconstrução de conceitos acerca da
realidade” (opus cit., p. 196).
No ensaio da luta diária, a superação é própria. Se não se pode ensinar o amor pelo
amor à filosofia, que o professor permita o largar das bengalas. Em resgate à citação de
abertura do primeiro relatório e ora tomado como fecho, no perdurar do tempo, somos
eternamente responsáveis por quem cativamos. No tempo, somos eternamente responsáveis
por aquilo em que nos tornamos.
- Eis o meu segredo. [...] só se vê bem com o coração.
O essencial é invisível para os olhos. (Saint-Exupéry,
1956)
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Referências
ASPIS, Renata Pereira Lima. Ensino de Filosofia e Resistência. 2012. 226p. Tese (Doutorado
em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, 2012.
CERLETTI, Alejandro. O ensino de filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2009.
CESCON, Everaldo e NODARI, Paulo César. Temas de Filosofia da Educação. Caxias do
Sul: Editora da Universidade de Caxias do Sul, 2009.
COMOLLI, Jean-Louis. Sob o risco do real. In Ver e poder – A inocência perdida: cinema,
televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
GALLO, Silvio. Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio.
Campinas: Editora papiros, 2012.
KOHAN, Walter O.; CERLETTI, Alejandro A. A filosofia no ensino médio. Brasília: Ed.
Unb, 1999.
LARROSA, Jorge. Operação Ensaio: sobre o ensaiar e o ensaiar-se no pensamento, na
escrita e na vida. In: Educação e Realidade 29(1):27-43 jan/jun 2004.
NOVALIS. Aforismas. Capítulo IV - Fragmentos de Teplitz. Aforisma 104. Tradução
própria. Disponível em: http://gutenberg.spiegel.de/buch/5232/4
RODRIGUES, J. H. Brasil e África: Outro Horizonte. Rio de Janeiro: Editora Civilização
Brasileira, 1961.
SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O pequeno príncipe. Rio de Janeiro: AGIR, 1956.
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