Seminário internacional “ Herança, identidade, educação e cultura: gestão dos sítios e lugares de memória ligados ao tráfico negreiro e à escravidão” Nome da Palestra: Dos inventários aos itinerários de memória: análise comparativa das experiências nas diferentes regiões Palestrante: Sr. Ali Moussa­Iye (Inglês/Francês), Diretor do projeto A Rota do Escravo. Data: 20/08/2012 – 15:15 Paul Lovejoy é moderador da segunda sessão do seminário. Ele determina que a sessão dure uma hora e passa a palavra a Ali Moussa­Iye, diretor do projeto A Rota do Escravo. Moussa­Iye faz os agradecimentos, em nome da Unesco, à Fundação Cultural Palmares e seu presidente Elói Ferreira; ainda os políticos, por estarem presentes e compartilharem suas experiências sobre o assunto; às entidades que contribuíram para a realização do evento, em especial ao Ministério da Educação, Ministério da Cultura e Ministério do Turismo. A contribuição realizada pelos respectivos ministros demonstra o interesse do governo brasileiro em preservar, tanto a memória constituída a partir do tráfico negreiro e da escravidão, quanto os sítios históricos referentes. A preservação desta memória é tão necessária quanto a busca pela efetivação do próprio pluralismo cultural. A escravidão criou relações entre a população mundial e a cultura humana, que concorrem com a luta pela democracia, que é a própria luta pela efetivação dos direitos humanos. Esta luta ainda perdura. A percepção de que o capital obtido a partir do tráfico negreiro foi desfrutado por outras pessoas tem ocasionado uma série de reflexões sobre a herança desse crime. A convicção da Unesco é de que, deixar de lado este assunto, é desconsiderar parte importante da história, portanto o trabalho sobre o tráfico negreiro é uma responsabilidade ética. Para a construção de sítios nacionais e para partilhar igualitariamente sobre as fontes, é importante trabalhar junto combatendo a escuridão e o preconceito que ronda este assunto. Sítios históricos e locais de memória referentes à escravidão, que permaneceram esquecidos durante um longo tempo, devem ser considerados como uma memória concreta daquele estágio da humanidade e sua preservação configura um ato de ética, de ordem psicológica, econômica, e pedagógica, dentre outras, para com os herdeiros dessa história. Só os que viveram esse esquecimento podem valorizar de fato esse patrimônio. Há um lado que quer ter uma visão seletiva da memória e que quer contar os dramas vivenciados anteriormente. Reviver o passado e abordá­lo de maneira diferente possibilitaria criar novas questões e tomar outra consciência em relação a ele. Isso seria como uma catarse para seus herdeiros. Sabe­se que o capital acumulado, obtido pelo que foi comercializado com o tráfico negreiro enriqueceu e influenciou elementos no qual emergiu o mundo contemporâneo. Em vários países, por sua geografia e topografia, trabalhos holísticos estão sendo desempenhados com vistas a proteger o patrimônio material e imaterial. As iniciativas se baseiam em sítios históricos e locais de memória. O projeto foi instituído em 1994. Em 1995, em Gana, foi lançado um programa de turismo voltado aos sítios históricos ligados ao tráfico negreiro e a escravidão. A promoção de sítios e locais de memória deve ser considerada uma resposta concreta à pergunta de uma história que foi esquecida e relegada. Isto é uma obrigação ética para os herdeiros, e também é de um caráter pedagógico que trabalha com contexto político e cultural local. O papel vai além de uma cooperação e integração nacional, mas se trata de um cuidado com a história. Não se trata de uma obsessão comemorativa, mas uma luta contra um lado seletivo da memória para contar um drama da história. Trata­se do enfrentamento do passado vivido, sendo de importância crucial conhecer os crimes conhecidos para que se tome consciência em relação ao vivido. É desta forma, escrevendo e valorizando estes espaços, que desde 1995 existe um trabalho da Unesco para a Rota do Escravo na África, lançado em 1999 também no Caribe. Visando ajudar os países a formular políticas, a Unesco desenvolveu uma metodologia para identificação de sítios de memória, o que contribui para criação de inventários em todos os continentes. Também para que os países não caíssem na armadilha da ratoeira – segundo a qual se trabalha com critérios dominantes do histórico do lugar, que honra mais a abolição dos escravos do que a memória das pessoas que viveram em função da necessidade comercial, que sobrevaloriza a parte comercial, casas de senhores feudais, por exemplo, e que mostra o poder do senhor e não a força dos escravos. No entanto, é necessário ter cuidado para com os termos em que o reconhecimento da herança do tráfico negreiro ocorre. O foco deve recair sobre aqueles que foram deslocados de suas terras, trabalharam, realizaram imensos feitos e morreram sem ter o devido reconhecimento, os escravos, e não sobre o capital gerado pelo seu trabalho, este foi reconhecido e desfrutado por outros. É com o objetivo de homenagear os escravizados que morreram e não o capital gerado pelo seu trabalho que a valorização do passado é voltada para proteção e valorização dos sítios históricos referentes à sua rota, desde o continente de origem até o local onde viveram o final de suas vidas. Assim, trabalha­se com inventários equilibrados. Há, então, a necessidade de mostrar os crimes ocorridos contra o povo, recolocando em questão o potencial estético do patrimônio. Dentro desse seminário busca­se constituir, a partir do ponto de vista das vítimas, uma cartografia mundial destes sítios históricos com o objetivo de desenvolver um turismo de memória internacional e criar novas relações entre a África, a diáspora a que foi submetida e demais países inseridos neste contexto. Este seminário se inscreve nestes objetivos para capitalizar mudanças que podemos construir. Trabalha­se com patrimônio que está em grande perigo, pois se negligencia os espaços por não possuir meios devido à ganância dos operadores de turismo que deixam de lado estes sítios. O trabalho ocorrerá em torno do patrimônio imaterial. Assim, status particular da Unesco trabalha com comunidades de base ou oriundos de outros contextos para participar e dar exemplo a ser aderido ao redor do mundo. Junto com projeto de rota dos escravos, há outros projetos para integrar e fazer cartografia do que houve de tráfico a partir dos seus pontos de entrada: religião música e cultura, buscando fazer pontos de memória. Neste processo percebe­se diversidades das situações. Primeiro, por que há uma diferença entre patrimônios culturais e naturais ou arqueológicos (testemunhos de fatos e não construídos pelo homem, assim, como grutas, rochas, árvores, etc.). Neste inventário, existe diferença no impacto, dimensão e natureza de cada sítio, heterogeneidade que torna necessária classificação do conjunto de fatores existentes de cada um. São cinco categorias. 1) Alguns sítios já estão em trâmites para serem patrimônio mundial, cerca de 36 sítios, sendo 8 na África, 8 na América Latina, 10 no Caribe, 5 na Europa, 4 no Oceano Índico e 1 no Oriente Médio. 2) Patrimônio mundial já tombados são 40. Sendo 26 na África, 3 na América Latina, 10 no Caribe e 1 no Oceano Índico. 3) Cidades estratégicas ligadas ao tráfico negreiro, inumerável, pois abarca praticamente todas as cidades da América Latina e Caribe, entre estas algumas mais conscientes e que demonstram vontade de participar desta memória. 4) Museus inteiramente ou com sessão dedicada ao tráfico negreiro. São 23 museus classificados de formas diferentes entre si. 5) Sítios que não estão na lista de indicativos nem na de patrimônio. Estes também são inumeráveis. Em função do seminário, elaborou­se questionário enviado a 50 pessoas responsáveis por sítios para realizar avaliações sobre problemas e situações. O represente agradece a Philippe Pichot , que ajudou a fazer o questionário e traduzir respostas. O que dá alguns dados sobre principais características. Dentre as características, é importante notar que os primeiros sítios surgem nos anos 70, o que diz que o trabalho é anterior à tomada de consciência sobre importância dos sítios (projeto da rota surge em 2000). Sítios foram lançados por grupos diferentes, como universidades, iniciativas públicas ou privadas, organizações, escolas, etc. Raros são os tombados como patrimônio são 40 de cerca de 800. Há sítios itinerários da abolição de herança cultural da escravidão, lugares de captura, embarque, resistência, economia colonial, etc. Sítios sempre contam história local e regional, mas raramente global, o que é normal. Cobrem a maior parte das zonas participantes, especialmente Caribe, África e Europa. Mas não há reconhecidos na Ásia, há cidades importantes, mas não reconhecidas como patrimônio histórico. O acesso a tudo isso ainda é difícil apesar de não estarem situados longe, e haver hospedagem, estrada, etc. O que demonstra que os lugares necessitam de ações específicas para formação dos trabalhadores. Apenas alguns sítios tem estrutura para tal formação. Alguns sítios têm ações concretas e trabalham com feiras de turismo e agentes nacionais ou internacionais para ação midiática. Também notou­se a diversidade de pessoas que visitam os locais: internacionais, nacionais, locais, universitários. Esses sítios buscam uma credibilidade junto ao seu público. Todas as camadas da sociedade trabalham com os sítios, buscando parcerias com distintos entes: escolas, entidades publicas e privadas para atuação nas mais variadas formas. Uma minoria dos sítios tem abordagem estratégica sobre este tipo de trabalho turístico. A Unesco é único parceiro da ONU que trabalha com estes sítios de memória. Parcerias podem se dar inclusive a partir de países limítrofes, que podem enfrentar falta de recursos. Três tipos de problemas são enfrentados pelos sítios: 1) Institucional ou Político, que se refere a questões administrativas em diferentes níveis. 2) Proteção do patrimônio, que se refere à falta de administração, recursos humanos, etc. 3) Cultural, que se refere à promoção do local e à resistência regional, pois os sítios podem ser considerados negativos para glória do país ou região vizinha. A partir dessas conclusões, algumas observações são importantes: A primeira é a de que se compartilha de um mesmo tipo de problema, é necessário, portanto, um guia para formação de gestores destes espaços. Este seminário pode trazer conclusões sobre pessoas do campo para mostrar realidade por tanto tempo escondida. No Oceano Índico, habitantes e turistas buscam elos com esta realidade. Turismo traz novo sopro para mostrar esta tragédia como algo que pode ser superado e comemorado para reganhar tempos perdidos e ter novas perspectivas. Alguns outros eventos, como a Cúpula de Salvador e a Cúpula de Durban, delimitam necessidade de construir itinerários de memória. No mesmo sentido foi criada a Década de Trabalhos da África que será proclamada pela ONU, em busca de justiça social e desenvolvimento, e que tem este tema no plano de ação para trabalhos. É necessário o trabalho dos gestores de sítio em conjunto para criar um guia de formação e a partir deste seminário haverá conclusão notável para populações provenientes desta problemática.