A declaração antecipada de vontade do paciente

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DECLARAÇÃO PRÉVIA DE
VONTADE DE PACIENTES
TERMINAIS: ALGUMA REFLEXÕES.
Este artigo nos leva à reflexões sobre a declaração de vontade de pacientes terminais,
também denominado testamento vital, numa perspectiva do direito à vida e o direito a
uma morte digna. Sob a perspectiva da bioética, o artigo pretende analisar a autonomia
do paciente quando em estágio terminal, escolhe esperar a morte, recusando qualquer
tratamento. Tal atitude assemelhada a uma forma de eutanásia, não deve ser entendida
sob qualquer crítica ou punição legal, mas como expressão de um direito implícito, no
testamento vital.
O direito à vida é tema de grande complexidade quando envolve questões em torno dos
pacientes terminais. A proteção legal, por si só, não dá conta de casos difíceis quando
não há terapêutica suficiente, ou a doença ainda é quase uma total desconhecida da
comunidade científica.
No caso de doenças incuráveis, o que está em jogo é o conceito de vida digna e o direito
de não sofrer, ou não querer passar por um tratamento sem chances reais de cura. Daí
calha perguntar: essas pessoas têm condições de uma opção consciente e clara sobre
todas as informações de sua doença, (estágio, agressividade do vírus, tratamento,
chances de cura) e, e fazendo esta opção por escrito, deixam uma ‘garantia para si
mesmas’? Devem optar e não querendo tal terapêutica, por exemplo, ‘podem morrer em
casa’? Não seria esta atitude outra forma de eutanásia?
Em tese, estas indagações refletem no direito de morrer, ou na forma como se quer
morrer quando se está com uma doença incurável e em estágio terminal. Sabemos
também que a eutanásia é proibida no Brasil. O termo eutanásia, do grego eu (bom) e
thánatos (morte), em breve conceito é um “procedimento pelo qual o paciente
acometido de doença sem cura tem sua morte assistida por outrem mediante consenso
entre as duas partes.” (ASSIS NETO, 2013). Estas partes são o paciente e o médico.
De certo modo, escolher não fazer um tratamento, poder interrompê-lo, decidir não
fazer tratamento algum, poder esperar a morte serenamente em casa, não difere muito
da forma como optamos morrer nos casos de eutanásia. Apenas estamos determinando
previamente esta escolha, ‘só não estamos desligando ainda os aparelhos’. Por um
principio de dignidade, podemos antecipar por escrito esta escolha porque talvez no
momento avançado da doença, não teremos condições de decidir isto de modo
consciente.
Assim, a discussão em torno dessas questões buscaria entender como podemos garantir
a ponderação e o equilíbrio entre tais direitos, o direito à vida, o direito à escolha, e a
dignidade da pessoa nesse contexto. Na verdade, busca-se consagrar a existência de um
princípio fundamental implícito, que é de uma morte digna, tanto no plano jurídico
como no plano da bioética. Sempre se pensou no direito à vida, mas só em pouco tempo
se fala em direito de morrer.
Este singelo trabalho pretende lançar luzes para uma reflexão da ordem do dia, que é
entender como o consentimento de pacientes terminais, também denominado testamento
vital, pode ajudar uma prática médica a preservar este fundamento ético do direito de
morrer.
Não queremos defender ou fazer apologia a qualquer forma de suicídio supondo que
devemos incentivar a recusa a tratamentos sem chances de cura. Pretendemos apenas
compreender e refletir, neste contexto de doenças graves e incuráveis, que a medicina,
embora cada vez mais avançada, ainda não dá conta de certos problemas que envolvem
os últimos momentos de sofrimento diante da morte.
Sem dúvida, a bioética é a ciência que nos pode dar elementos a uma reflexão mais
isenta, mais elaborada. As ciências envolvidas neste tema, como as da área de saúde, a
Psicologia e o Direito, não suprem totalmente uma falta que é própria da existência
humana, o mistério da morte, cuja vivência é mais complexa que qualquer arcabouço de
conhecimentos científicos.
A noção do direito à vida como direito fundamental e dignidade da
pessoa humana
Direito humano fundamental, o direito à vida sempre foi um bem caro ao ser humano,
sendo senão o maior deles, sobre o qual muitos ordenamentos jurídicos o protegeram. A
expressão é recente, e basta lembrar que o primeiro documento a consagrar um direito à
vida, na acepção próxima aos direitos humanos e direito fundamental, foi a Declaração
de Virgínia, de 1776. Apenas com a Segunda Guerra Mundial é que a expressão tomou
corpo nas constituições dos países, principalmente pela influência da Declaração
Universal dos Direitos Humanos da ONU, em 1948. (SARLET, 2012)
Ainda como auxílio de Ingo Sarlet, citando Canotilho, este assevera que a expressão
direito fundamental se aplica àqueles direitos (em geral atribuídos à pessoa humana,
reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado
Estado, ao passo que direitos humanos guardam relação com os documentos de direito
internacional, aspirando à validade universal para todos os povos e lugares, tendo um
caráter supranacional. (SARLET, 2012).
À parte dessa distinção, no caso brasileiro o direito à vida, disposto no art. 5º, caput da
Constituição Federal, tem caráter distinto de vida digna, embora o princípio da
dignidade da pessoa humana esteja explicitado constitucionalmente como princípio
republicano no inciso III, art. 1º. Não há discrepância proteger a vida e a dignidade
pessoa no mesmo ordenamento, embora em títulos distintos, pois estão imbricados no
sistema constitucional brasileiro.
Há sim, é verdade, permeada na legislação, uma séria de garantias para a efetivação do
direito à vida digna, como o direito à saúde, sendo ainda nominado este direito como
direito social, e o direito á integridade física e psíquica. Nesse ponto, o direito a uma
morte digna está extremamente ligado a essas noções de direito à vida e dignidade,
sendo portanto necessário ao Estado e aos demais particulares, (seus destinatários
passivos), os deveres de proteção e de abstenção de práticas ofensivas a este direito.
Esta é a dimensão subjetiva, sendo a dimensão objetiva dos direitos fundamentais,
aquela de valor reconhecido e protegido objetivamente como bem jurídico. As
obrigações estatais derivam do dever de proteção da vida por meio de medidas
positivas, proibitivas e sanções aplicáveis ao Estado e aos particulares. Há por exemplo,
o dever do Estado de prestar um sistema de saúde eficiente, fornecer amparo financeiro
e medicamentos aos necessitados, e ainda no caso de proibição vinculada aos
particulares, proibição de violação à integridade física e psíquica, os crimes contra a
vida, a interrupção da gravidez em casos de anencefalia e a própria eutanásia, tipificada
como crime de homicídio privilegiado, no art. 121, § 1 do Código Penal Brasileiro.
Assim, feita essa digressão de âmbito jurídico-constitucional, para clarear a noção do
direito à vida, é preciso compreender que as proibições vinculadas aos particulares têm
sim relevância no consentimento do paciente, principalmente o paciente de doença
incurável, pois é ele o titular do direito à vida e cuja dignidade só a ele cabe aferir.
A bioética é chamada nesse momento, a discutir não o aspecto legal, mas entender o
aspecto da ética em torno das perspectivas médicas e jurídicas. O arcabouço de proteção
deste paciente não supre efetivamente os limites enfrentados pela medicina e o conflito
sobre o melhor ao paciente A doença, o tratamento, as chances ou não de cura são
conhecidas pelos médicos, mas são grandes mistérios aos pacientes e seus familiares.
Seria então o testamento vital uma forma de garantir o direito à morte digna ao paciente,
de dá-lo o direito de escolha para não sofrer ou sofrer menos? Um auxílio aos médicos,
familiares e toda a sociedade, no caso específico, para garantir uma aproximação do
melhor possível naquele momento?
Assim, nesta linha de reflexão, passemos a discutir os princípios elementares da
bioética, acerca do conflito entre a escolha do paciente terminal e os limites da
medicina, sob a questão ética do testamento vital.
A bioética. Interdisciplinaridade.
“Bioética - de vida e ética - é um neologismo e significa a ética da vida” (PESSINI,
2009). Embora a ética seja uma reflexão sobre a moral, a bioética pode ser
compreendida como produto da sociedade pós-moderna, onde a industrialização e o
desenvolvimento da medicina tomaram corpo como o desenvolvimento das ciências
biológicas, notadamente após a Segunda Guerra Mundial. A bioética tem ganhado
notoriedade cada vez mais, devido principalmente ao desenvolvimento da
biotecnologia, e das questões ligadas ao biodireito.
A bioética trata de valores relacionados ao médico e paciente, mas é mais que uma ética
da medicina. Bioética envolve o estudo e a reflexão sobre as demais ciências biológicas,
aos animais, plantas e o meio ambiente em geral. A bioética está ligada aos conflitos e
questões profundas das ciências ligadas ao desenvolvimento da sociedade, sempre
ligada ao tripé, médico (beneficência), paciente (autonomia) e a sociedade (justiça).
Este trinômio é o que forma sua base e indica não ser uma ciência pronta, tampouco
pretende ser uma ciência. Não busca normatizar comportamentos, nem pretende
elaborar teorias. Munindo-se de um esforço interdisciplinar dos diversos campos do
saber, apóia-se no bom senso e na razão para humanizar o ambiente e difundir a
dimensão ética de suas reflexões. É preciso dar mais importância às reflexões da
bioética, pois sabemos que todas as áreas do conhecimento não dão conta de
compreender totalmente, e solucionar a complexidade das questões. Haja vista a própria
divergência quanto aos termos e conceitos.
Há sempre confusão nos termos, pois cada área lida com uma especificidade, e o senso
comum, por vezes intensifica a difusão dos termos erroneamente. A eutanásia,
ortotanásia e distanásia são exemplos notórios dessa confusão.
Faz-se imprescindível distinguir ainda que a grosso modo, os devidos termos para uma
correta compreensão do problema. Como conceituado acima, a eutanásia refere-se a
uma interrupção da vida do paciente a seu pedido. Ortotanásia se refere ao direito de
morrer com dignidade; aqui a morte não é apressada, mas humanizada. Já a distanásia é
o prolongamento da vida do paciente por meios artificiais, que já não possui chances de
cura.
Assim, elencados en passant, os devidos termos, a questão do consentimento informado
de pacientes terminais parece transpor as reflexões mais comuns para a questão do
testamento vital. É preciso delimitar os conceitos, para determinar todas as implicações
de um documento que visa assegurar uma anuência por escrito. É preciso pensar que o
testamento vital, como a seguir vamos expor, não se reduz a um documento médico, (a
Resolução nº 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina) a serviço de prevenir
futuros problemas de ausência de autonomia do paciente. Garantir e preservar a escolha
do paciente é importante, mas não é tudo.
Mesmo se por documento pudesse garantir ao paciente a sua livre escolha e garantido o
seu direito a todas as informações sobre sua doença, tratamento e chances de cura, isto
não retira o fato de que este consentimento nunca será totalmente livre. As dificuldades
do que entendemos por direito de morrer ou de uma morte digna estão na base de uma
situação que só pode ser aferida no plano concreto, da pessoa, sua estrutura familiar e
até financeira. Se o paciente decide voltar pra casa e ‘aguardar’ sua morte, o que isto
tem de revelador, é que nunca saberemos se é contra a morte que ele briga, querendo
aproveitar seus últimos dias, ou se se deixa abater por ela.
A questão se agiganta quando pensamos que os limites da ciência médica são os limites
determinados pela própria finitude, diante do que entendemos por vida boa ou
dignidade, ou ainda por morte digna, nos limites da ciência. Daí porque a relação
médico-paciente deve compartilhar o mesmo entendimento sobre noções que estão em
planos distintos de valoração. E planos distintos a quase todas as pessoas, pois quase
sempre todas as pessoas têm impressões distintas sobre uma doença grave, incurável e
nunca são levadas a pensar na sua escolha.
Se há uma questão desse nível, em plano teórico, a resposta parece simples. Mas se é no
mundo real em que as doenças graves, principalmente o câncer tem aparecido com
freqüência, nunca sabemos realmente o que decidir. A gravidade, a rapidez e
agressividade da doença não dão condições de uma resposta realmente satisfatória.
A questão é que garantir por escrito quando não se estiver em condições de escolha,
com consciência para optar submeter-se a um tratamento ou não, parece óbvio. A
autonomia deve prevalecer sobre a vontade do médico. No entanto, a questão relevante
a se perguntar é: devemos nos antecipar a não querer algo diante de um ‘se tivermos tal
doença, uma doença grave que nos dá alguns meses de vida’?
Esta questão passa a ser uma idéia sobre o desconhecido, diante de uma certeza
irrefutável: a morte. Lembremos que estamos tratando do consentimento de pacientes
terminais e teríamos que optar entre o tratamento ou não, em que condições, respiração
por aparelhos, vida vegetativa, imobilidade, e perda de consciência. Seria o mesmo que
pensar a partir de nossa identidade, a alteridade, (alter: outro). Pensar pelo outro, o que
nem mesmo a nós poderíamos supor. Este pensar é especialmente uma idéia, ou
suposição sobre algo que ambos, (nesse caso o doente e o médico) acham ou não sabem
com certeza.
Nestes casos, o testamento vital, cujas diretrizes estão na Resolução 1995/2012,
parecem não dar conta, embora seja de grande importância para garantir essa escolha.
Contudo, diante de uma doença terminal, é possível falar em um consentimento que na
sua base é de incerteza? Como consentir sobre determinado tratamento se a própria
ciência especializada não detém certeza alguma sobre a cura pelo tratamento?
A questão do paciente terminal e o respeito à autonomia
Estamos em um momento ímpar de doenças graves em nossa sociedade. A
industrialização dos alimentos, os transgênicos, vida estressante, tabagismo,
sedentarismo e tantos hábitos tipicamente modernos já são fatores prejudiciais
inquestionáveis à saúde. No entanto, ao mesmo tempo, e apesar dos avanços, o sistema
de saúde para doenças graves ainda é deficitário. A tecnologia na área médica tem feito
‘milagres’, mas a medicina ainda encontra limites em certos casos. É preciso ressaltar
que o governo nas três esferas, também encontra dificuldades em garantir a todos o
direito à saúde de qualidade. E de certa forma, ‘custa caro’ a toda a sociedade.
Neste contexto, precisamos pensar que no momento como se apresenta o sistema
público de saúde, e em casos de países com grandes dificuldades de desenvolvimento,
os serviços públicos de saúde são precários. As dificuldades para encarar a gravidade de
uma doença e cuidar de um familiar ou qualquer pessoa em estágio terminal, é pensar na
qualidade dos últimos dias de vida desse paciente. Impossível não pensar, portanto, não
mais no direito à vida, mas no direito a uma morte digna.
Também não se pode negar que o conceito de morte também sofreu transformações,
inclusive pelas divergências de entendimento, como o de morte cerebral, e são questões
complexas que interferem nas decisões dos familiares dos pacientes, por envolverem
questões até mesmo religiosas.
Um caso emblemático foi o julgamento da ação de Argüição de Descumprimento de
Preceito fundamental no STF, (APDF 54), no caso do julgamento dos fetos
anencefálicos, em que toda a sociedade brasileira de certo modo, envolveu-se com
grande temática bioética, e sobressaiu a divergência de conceitos e entendimentos. As
interpretações variadas revelam o caráter multifacetado do que entendemos por vida e
morte, e da sociedade brasileira. Vejamos as palavras do ministro Marco Aurélio Mello,
na relatoria da APDF 54:
“(...) Em questão está a dimensão humana que obstaculiza a possibilidade de se
coisificar uma pessoa, usando-a como objeto. Conforme ressaltado na inicial, os
valores em discussão revestem-se de importância única. A um só tempo, cuida-se do
direito à saúde, do direito à liberdade em seu sentido maior, do direito à preservação
da autonomia da vontade, da legalidade e, acima de tudo, da dignidade da pessoa
humana.” (grifamos)
A definição de paciente terminal, portanto também deve ser devidamente esclarecida
para situarmos que estamos tratando de casos de extrema gravidade, onde não é possível
pensar em possibilidade de cura. O paciente terminal refere-se a um quadro irreversível,
apresentando alta probabilidade de morte num período de tempo relativamente curto. E
essa fase é um limite que a medicina não consegue transpor, porque já ultrapassa o
campo da ciência e do saber profissional. O que resta a fazer é aliviar a dor do paciente.
Falar de consentimento quando o paciente mais claramente percebe a probabilidade de
sua morte, ou no caso de antecipar essa escolha ao se chegar a um estágio terminal, é
falar de uma autonomia sobre sua vida, sobre como quer decidir morrer. O respeito à
autonomia é um dos princípios basilares da bioética e remonta na origem, em
Aristóteles e Kant, cuja discussão centra-se na histórica passividade do paciente, (e daí
este nome).
No famoso juramento médico de Hipócrates, a passividade e a ausência de informação
ao paciente estão claramente sugeridas. De lá pra ca, muita coisa mudou, mas
permaneceu o juramento, e transformou-se a maneira de ver o doente como ser passivo.
Obviamente, hoje o consentimento do paciente é uma mudança de paradigma. Antes
submisso, o paciente agora interfere nas tomadas de decisões dos profissionais da área
médica, sendo sua decisão sempre levada em consideração.
Embora isto seja uma conquista, é inevitável o conflito entre saber o que se considera
ser o melhor para o paciente e o que este considera ser melhor ou deseja para si, numa
situação que nem mesmo ele teria condições de aferir em sã consciência. É neste
contexto da declaração antecipada que passamos adiante, para refletir sobre as
conseqüências desse registro.
A declaração antecipada de vontade do paciente terminal: testamento
vital.
Por certo, nestes casos a morte anda à espreita, e é sempre dolorosa uma decisão neste
momento. No entanto, deixar antecipadamente este registro de vontade dá ao paciente,
uma condição de importância extremamente valiosa. Sob o reconhecimento da
autonomia, também vai ao encontro de outro princípio bioético, a beneficência, que é o
dever de agir no interesse do paciente.
Este paciente pode ter sua decisão ou escolha não respeitada, até mesmo por
desconhecimento da família, por ignorância, e assim se feriu seu direito, sua autonomia.
Daí a importância de se registrar expressamente sua vontade, quando em condições de
decidir, possa manifestar seu interesse em saber das intercorrências da doença, o seu
tratamento, quais doenças podem também aparecer, efeitos colaterais, e das chances ou
não de cura.
Por isso mesmo, o CFM, por meio da Resolução 1.995/2012, (publicada no D. O. U. No
dia 31 de agosto de 2012, seção I, pág. 269/270), teceu diretivas entendendo a
declaração antecipada de vontade como um instrumento que visa registrar a expressão
da vontade do paciente a prevalecer em situações futuras.
Este documento denominado declaração prévia de vontade do paciente terminal, mais
conhecido como testamento vital, surgiu como documento legal na Califórnia na década
de 70. O testamento vital delibera quanto ao direito de o paciente consentir submeter-se
ou não a terapêuticas médicas quando não mais puder se manifestar no momento da
tomada de decisão, por encontrar-se em estado incurável ou terminal. (ANDRÉIA
RIBEIRO DA ROCHA, 2013).
Vejamos a Resolução:
“Art. 1º Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e
expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou
não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e
autonomamente, sua vontade.
Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram
incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas
vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.”
Contudo, o ponto de debate que a Resolução não dispõe é no caso de pacientes
terminais que não querem tratamento algum, dado o conhecimento de um grau
avançado da doença, ou se descobrem com uma doença grave com poucos meses de
vida. Eles estão conscientes, e optam por escolherem algo que ainda sequer sabem, mas
quando souberem, estarão recusando o tratamento, porque sabem que será ineficaz e
muito doloroso.
Neste caso, respeitar sua escolha é respeitar que ele mesmo opta por uma eutanásia sem
aparelhos, e estamos diante de um conflito ético que a todos envolve. Envolve a família,
os médicos, a sociedade, envolve o mercado de medicamentos. Não podemos interferir,
não podemos dizer: “você tem que tentar”. “Se fosse comigo, eu tentaria?” Sabemos
que não haverá cura, e a esperança toma forma de uma prática médica que envolve
setores econômicos. O tratamento custa caro, os remédios custam caro. ‘Morrer custa
caro’.
E como não falar da crença ou esperança do paciente nos avanços da medicina. O saber
médico e a comunidade científica devem informar que mesmo novos recursos e
medicamentos podem prolongar o sofrimento do paciente, sem trazer benefícios.
Mesmo com tecnologia avançada, ou ainda experimental, em muitos casos não há
certezas de cura, e há doenças que se revelam mais agressivas. O testamento vital pode
dar alento a paciente, quando tiver que enfrentar este dilema.
Mesmo uma interpretação sistemática da Resolução com os preceitos da ética médica e
da bioética, é preciso entender que não há solução para os casos difíceis em que o
paciente escolhe ir para casa, ou não quer se submeter a qualquer tratamento.
Expectativa de vida de alguns meses envolve dilemas que remontam a uma trajetória de
vida. Neste momento, a psicologia entra em cena, mas também não dá conta de dizer
que o paciente deve tentar. Deve tentar por um respeito moral de valor da vida? A um
princípio social de dignidade humana?
Devemos ressaltar que “no Brasil não há regulamentação sobre o Testamento Vital. Na
maioria dos países que aceitam o Testamento Vital, como no caso dos Estados Unidos,
exige-se que o mesmo assinado por pessoa maior e capaz, perante 2 (duas) testemunhas
independentes, e que só tenha efeitos depois de 14 (quatorze) dias da assinatura, sendo
revogável a qualquer tempo. Além disso, tem valor limitado no tempo
(aproximadamente de 5 anos). O estado de fase terminal deve ser atestado por 2 (dois)
médicos. O médico que desrespeitar as disposições do testamento pode sofrer sanções
disciplinares.” (ANA PAULA PACHEO CLEMENTE, WALDEMAR J. D.
PIMENTA.)
Lá como aqui, buscou-se preservar a autonomia do paciente, e a conduta médica estará
eticamente correta, mas sabemos que não há respostas definitivas. Estamos referindo a
um paciente terminal que não tem condições de prever que ‘já está um paciente
terminal’, cuja consciência atual apenas lhe permite ver que pode escolher lá na frente o
tratamento possível, e não o tratamento desejável diante da proximidade da morte. E
sabemos, só saberá se optar saber sua real condição.
Por isso, o diálogo entre médico e paciente deve ser reforçado, sempre com vistas ao
melhor interesse do paciente, preservando sua autonomia. Mas é preciso cautela naquilo
que sempre se entendeu como superioridade do saber médico, pois até eles mesmos
podem não saber decidir. Daí porque até mesmo a Resolução em análise, dispõe em
caso de falta de consenso:
“Art. 2º
(...)
§ 5º Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem
havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre
estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta
deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de
Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta
medida necessária e conveniente. (grifamos)
Conclusão
Na trajetória da vida, seguimos caminhos tortuosos e de um momento para outro,
deparamo-nos com a morte diante dos olhos. A morte dos outros, a morte do corpo, a
morte como problema existencial. E talvez por isso, refletimos sobre ela quando ela está
longe de nós; não pensamos nela quando estamos saudáveis. Não pensamos nela quando
não queremos imaginar descobrir uma doença e ter alguns poucos meses de vida. Mas
acontece.
Certo de que nem mesmo a bioética encontra todas as respostas, este singelo trabalho
também não buscou uma definição sobre o tema e não buscou questionar a ineficiência
do testamento vital. Ele complementa uma prática ética. Ele guarda esperança a
pacientes que nunca pensaram sobre a morte. Ele resguarda a paz de uma família que
quer preservar o interesse de seu familiar.
No entanto, dado o desenvolvimento da medicina, dos avanços tecnológicos e ao
mesmo tempo o aumento de doenças, é preciso refletir sobre questões mais próximas de
nós, como o direito de morrer, e não tanto um direito à vida. Parece ilusório discutir um
direito à vida e suas implicações médico-jurídicas, eutanásia, aborto, anencefalia,
quando toda sociedade morre sem discutir direitos básicos de saúde.
Precisamos nos dar conta de que o avanço médico nos leva a questões nunca antes
discutidas, e por isso vimos que a bioética tem assumido papel importante, mas nem por
isso, garante a todos o acesso aos tratamentos possíveis e desejáveis. Esbarramos na
burocracia do sistema de saúde, na urgência de atendimento, e na ineficiência do
sistema diante de casos mais básicos.
Preservar a autonomia do paciente é importante, mas é preciso mais que isso, pois como
nos ressalta Pessini, ‘a psicologia humana é muito complexa e a autonomia é muito
frágil.”(pág. 65). Diante da morte, não nos damos conta de pensar, e antecipar-nos a um
tratamento, ou ter conhecimento e desejos sobre a forma de escolher.
Ainda que com o auxílio médico, nada garante que tenhamos uma escolha totalmente
livre e adequada. A cada um, isto reflete de modo especial, e é preciso entender a
individualidade de cada pessoa. Não julgar uma escolha, mas ao menos dar elementos e
suporte para um momento tão difícil.
Referências Bibliográficas
Bioética. Um grito por dignidade de viver. Léo Pessini. 3ª Ed. Rev. E atual. São
Paulo: Paulinas, 2008.
Curso de Direito Constitucional. Ingo W. Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni, Daniel
Mitidiero. São Paulo: Revista dos tribunais, 2012.
Fundamentos da Bioética. H. Tristram Engelhardt, jr. São Paulo: Loyola. 2011.
Fundamentos da bioética. Léo Pessini, Christian de Paul de Barchifontaine (orgs). São
Paulo: Paulus, 1996.
Manual de Direito Civil, (volume único). Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus,
Maria Izabel de Melo. Bahia: Juspodivm, 2013.
Pensar a bioética. Metas e desafios. Diego Gracia. Tradução de Carlos Alberto
Bárbaro. São Paulo: Centro Universitário São Camilo. Loyola. 2010.
Artigos:
Declaração prévia de vontade do paciente terminal: reflexão bioética. Andréia
Ribeiro da Rocha, Giovana Palmieri Buonicore, Anelise Crippa Silva, Lívia Haygert
Pithan, Anamaria Gonçalves dos Santos Feijó. Revista de Bióetica (Impr.) 2013; 21 (1):
84-95.
Testamento Vital. Rui Nunes. Professor Catedrático da Faculdade de Medicina do
Porto S. Bioética e Ética Médica. Acesso em xxx
Testamento Vital na perspectiva de médicos, advogados e estudantes. Revista Centro Universitário São Camilo - 2011;5 (4):384-391
Uma reflexão bioética do testamento vital: o que você faria se tivesse 7 dias? Ana
Paula Pacheco Clemente, Waldemar J. D. Pimenta. http://www.ambitojurídico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1231. Âmbito
jurídico. Acesso em 17/02/2014.
RESOLUÇÃO CFM nº 1.995/2012 (Publicada no D. O. U. De 31 de agosto de 2012,
Seção I, p.269-70)
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