A mente como o mapa da mina o cliente para diante da prateleira, observa, pega um produto, aperta outro, cheira... De repente, do nada, escolhe um terceiro para colocar no carrinho. Uma poderosa ferramenta entra em cena para dizer, sem margem de erro, o que de incrível ocorre no subconsciente nesse momento de deçisão. A neurociência chega para ajudar o marketing a desvendar o que dá relevância a um produto, a uma marca, a uma campanha, a uma embalagem. Para o Brasil, uma boa notícia: o indiano A. K. Pradeep (ou "simplesmente Pradeep, como Prince ou Madonna", costuma dizer), PhD em engenharia pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, e fundador da empresa NeuroFocus, com sede na Califórnia, acaba de "conectar-se" à Nielsen para apoiar as pesquisas no varejo brasileiro. "Nessa parceria, juntamos os 'quês' e os 'porquês"', resume. Em visita relâmpago ao Brasil, o premiado neurocientista recebeu a SuperVarejo para esta entrevista e aproveitou para mandar um recado aos supermercadistas. "Clientes não são como uma nuvem de abelhas passando pela loja. Pessoas são muito emocionais, têm que ser tratadas com respeito. Não se deve tratá-Ias como carros na rua, para conseguir um trânsito melhor. Dê algo interessante para o cérebro delas, conecte-as à loja. Só assim fazer compras será uma experiência divertida para elas e lucrativa para você;' Por Joana Gonçalves reuí[email protected] Fotos: Paulo Pepe o consumo tem lógica? É isso que o neuromarketing quer explicar? Pensar que o consumo tem uma lógica é um equívoco. Em um ambiente varejista, os consumidores navegam pela emoção, não pela razão. Um supermercado, por exemplo, é um dos lugares mais agressivos para o cérebro humano. Há 100 milhões de informações chegando até o consumidor; o cérebro consciente consegue processar até 40 mil. O consumidor navega por esse ambiente por entradas emocionais. Acreditar que raciocina, que usa sua lógica ali, é o primeiro erro. 34 SUPERVAREJO NOVEMBRO 2011 Como fisgá-lo em meio a tantas informações? Trabalhando com a emoção, criando maravilhosos contatos emo­ cionais com ele. Tentar mensurar dez mil coisas, saber "o que realmente lhe dá relevância?" é impossível. Há apenas uma coisa capaz de dizer por que tal informação é ou não relevante: cérebro humano. A neurociência estuda o estado cerebral e nos permite mensurar três elementos: atenção, emoção, memória. Disso, ex­ traímos intenção de compra, novidade e compreensão ou enten­ dimento. O que é fascinante nessa estratégia é que mensuramos apenas o que é relevante. Por exemplo, se você for a um médico ° porque está com dor no pé, o médico não medirá sua pressão; vai olhar os ossos do pé. A neurociência é uma ciência extremamente precisa e pode fazer o marketing realmente funcionar. o neuromarketing é mais confiável que as pesquisas convencionais? Quando falamos, nosso histórico socioeconômico, religioso, edu­ cacional etc. influencia o que queremos dizer. No neuromarke­ ting, a linguagem do cérebro não é afetada. Essa pesquisa é mais fácil de ser feita porque todas as típicas inclinações cognitivas não afetam o resultado. Medimos mais de perto as ações em si, então o resultado tende a ser mais puro, claro, com menos interferência. Quer dizer que o neuromarketing é mais eficaz que as pesquisas convencionais? Não é questão de eficácia. Deve-se fazer a pergunta certa para a metodologia certa. Não se aplica a neurociência para descobrir algo que pode ser feito em uma conversa com as pessoas - a pesquisa tradicional dá conta de dizer quantas vezes as pessoas acessam o Facebook por dia, quanto tempo navegam, quantas coisas conseguem fazer enquanto assistem TV etc. Mas para des­ cobrir por que entram no Face, como se sentem fazendo isso ou aquilo, usamos a neurociência. Em suma, o que se faz é medido em uma conversa com as pessoas; por que se faz interessa à neurociência. A Nielsen mede o quê; a NeuroFocus, o porquê. São papéis distintos que se complementam. Como são feitas as pesquisas de comportamento em lojas com esta ciência? Usamos eletroencefalografia (EEG). São de 32 a 46 sensores na cabeça, em uma touca; cada sensor mede o cérebro 2 mil vezes por segundo. Se você estalar os dedos, 128 mil leituras serão feitas pelo cérebro todo. Captamos como as pessoas estão reagindo ao visual ao analisar o lobo occipital; como reagem ao áudio de uma loja ao medir o lobo temporal; como reagem a cheiros, fragrân­ cias em uma loja através do lobo parietal; e como se conectam emocionalmente à loja pelo lobo frontal. Através do uso de EEG, imediatamente sabemos como variados ambientes multissenso­ riais em uma loja estão funcionando ou por que não estão. Nessa análise, combinamos o EEG com eye-tracking (monitoramento da fixaç~o ocular), e não só sabemos como o cérebro respondeu aos estímulos, como também a que estímulos ele respondeu. Ao juntarmos eye-tracking e resposta cerebral, conseguimos algo muito poderoso para as estratégias de marketing. o quê, por exemplo? Quando observamos o visual, procuramos novidade, conexão emocional e intenção de compra. Como disse, os pontos-chave da neuromatriz são atenção, emoção e memória, que levam à in­ tenção de compra, novidade e compreensão. Cada característica da loja tem de ser capaz de gerar uma sensação de novidade, um contato emocional. Uma boa disposição funciona como impulsio­ nadora de vendas, pois a intenção de compra já está estimulada. Quando se promove alguns ajustes, uma melhor disposição na gôndola, um produto ao lado do outro, pode-se gerar aumento da intenção de compra em toda a categoria. Ou, se houver flo­ res e chocolates lado a lado, pode ser que ambos vendam mais. Com esses recursos, podemos provar que a intenção de compra aumenta, resultando em mais vendas. Como a neurociência avalia o comportamento de compra na loja? Trabalhamos com marcas, produtos e embalagens, com fotos, promoções, organização em gôndolas, ofertas conjuntas e ações publicitárias nas lojas. Medimos tudo diretamente no cérebro. Nas lojas, fazemos algo chamado experiência de consumo total de um produto, isolando as assinaturas neurológicas icônicas. Ponho a touca na cabeça do consumidor, convido-o a consumir o produto e tento descobrir se houve alguma parte daquela ex­ periência que foi muito excitante para o cérebro. Por exemplo, quando alguém mergulha a batata frita no ketchup, levanta-a, vê aquele delicioso molho de tomate escorrendo pelos vincos da batata e sabe que em um segundo vai comê-la, registramos aí pequenos momentos incrivelmente excitantes para o cérebro. Chamamos isso de assinatura icônica de uma experiência de batata frita com molho. Em uma experiência, separamos dois grupos de lojas; em um deles, na área onde batatas e molho eram 36 SUPERVAREJO NOVEMBRO 2011 vendidos, colocamos a imagem da batata com o molho escor­ rendo. No outro grupo, havia outras imagens, mas não esta. No primeiro grupo, as vendas em toda a categoria subiram de 2% a 3%; e para o meu cliente, 7%, ou seja, uma simples foto significou alguns milhões de dólares a mais. Mas não é qualquer foto, é a assinatura neurológica icônica daquela experiência. o que mais o neuromarketing já apontou para os supermercados? A NeuroFocus tem muitas experiências nesse canal ao redor do mundo! Há muitos modos de estudar a estrutura da experiência do comprador com base em informação, entretenimento, edu­ cação, simplicidade, autoestima e comunidade. A partir desses preceitos, é possível explorar inúmeras formas de trabalhar os detalhes. Como disse, é possível conseguir resultados incríveis simplesmente mudando a disposição das mercadorias na prate­ leira. Hoje elas são expostas linearmente. Quando as colocamos em curvas, as pessoas se surpreendem, prestam mais atenção, não entendem por que estão assim. Curvas funcionam, linhas não. Outro exemplo: o cérebro tem o que chamo de primazia da fonte: quando você lhe mostra a fonte de algo, ele capta e gosta do efeito. Ao colocar batatas cruas em uma sacola no meio da prateleira de batatas fritas tem-se um efeito de impacto para o cérebro e ele reage de maneira diferente. Em vez de uma prate­ leira cheia de pacotes de biscoitos e tudo o mais, exponha cestas e, dentro delas, os pacotes; as pessoas vão valorizar mais, porque vai lhes parecer mais natural. A tendência é que comprem mais. o tempo que um consumidor passa na loja é determinante para as vendas? Sim, mas para que ele permaneça ali por mais tempo é preciso que todo o ambiente não faça o cérebro gastar energia demais. O consumidor passará mais tempo e não se cansará se for um pra­ zer percorrer os corredores! Fazer compras costuma ser cansati­ vo porque a maior parte dos varejistas não leva em consideração os princípios da atividade neurológica. Muita imagem, elevado número de itens, muita informação, o modo como as promo­ são dispostas, tudo isso viola os princípios de neurociência e desgasta o cérebro. Um ambiente varejista alinhado a esses princípios pode tornar a ida às compras menos estressante. Indo além dos aspectos estressantes, o que faz a compra prazerosa é a adoção de todos os preceitos da estrutura da experiência do comprador, de que lhe falei há pouco. Propiciando-se algumas e não todas essas dimensões, comprar passa a ser estressante. Há algum varejista que faça isso de maneira exemplar? Quem anda pela Apple Storc percebe todos esses princípios da neurociência aplicados. Imagine: hoje a pessoa vai a uma loja e tem que esperar na fila para dar seu dinheiro ao varejista. Qual a lógica de ir até uma loja, pegar um carrinho, colocar ali o que quer e ainda ficar esperando em fila para dar dinheiro? E se o vendedor viesse até você, que acabou de escolher o que comprar, e dissesse "Posso pegar seu dinheiro?". É isso que eles fazem na Apple Store. Quando você decide o que comprar, o atendente vem até você, pega seu carrinho e cobra o que está nele com uma máquina e você pode continuar circulando pela loja, sem ter que esperar na fila. Que outros paradigmas são quebrados na Apple Store em relação aos varejos tradicionais? Ela trabalha de maneira impecável a estrutura da experiência do consumidor, a saber: informação - há ótimas informações sobre tudo o que vendem; entretenimento - o cliente está sempre entreNOVEMBRO 2011 SUPERVAREJO 37 tido na loja; é impressionante como os varejistas não ligam para o entretenimento, só querem que o cliente pegue o que quer e vá embora; educação - você entra em uma loja e sai dela se sentindo um pouco mais culto; simplicidade - os produtos são dispostos de modo simples e fácil; autoestima você sempre sai de uma loja ,da Apple se sentindo melhor; comunidade - estar em uma Apple Store o conecta à sua comunidade. Quando os varejistas fizerem tudo o que a Apple faz, terão uma experiência incrível: consumidores virão às suas lojas. Enquanto não fizerem isso, lutarão muito, mas sem chances de vitória. Como o neuromarketing pode ajudar o varejista em uma loja virtual? A NeuroFocus criou o primeiro ambiente virtual de loja 3D do mundo, uma ferramenta muito poderosa para as pesquisas de varejo. Agora, o lojista pode automaticamente customizar suas lojas em realidade virtual. O cliente coloca os óculos e olha a loja toda em três dimensões. Não há nenhum outro ambiente no mundo que utilize esse recurso. Por que 3D? Porque a resposta cerebral a uma loja em 3D é bem próxima à de uma resposta em um ambiente real. Se for uma tela de computador bidimensio­ nal, não se consegue o mesmo efeito de uma loja real, e os testes provavelmente chegarão a conclusões erradas. Também observa­ mos que o cérebro responde diferentemente se você está fazendo compras em uma loja virtual vazia, sem outros consumidores por perto, já que, geralmente, quando se faz compras no ambiente real, há outras pessoas no entorno. Em qualquer tipo de ambiente de realidade virtual, se não houver outros compradores, não se parece com a realidade. Então, no nosso ambiente 3D, há outros compradores também. 38 SUPERVAREJO NOVEMBRO 2011 Como uma empresa pode explorar a neurociência para criar relevância nas mídias sociais? Ano passado, pedi à minha equipe de cientistas para responder a duas perguntas: quais são os estímulos subconscientes profundos que fazem as pessoas acessarem o Facebook? E quais as moti­ vam a postar? Sim, porque, às vezes, acessam, mas nem sempre postam. Por que acessam? Por que postam? Descobrimos três razões-chave para o acesso. As respostas comuns: "só pra ver o que os amigos estão fazendo, para ver as fotos das crianças, se tem alguma coisa interessante acontecendo". A realidade é que esses não são os estímulos subconscientes profundos. Descobri­ mos que a pessoa se conecta basicamente por três razões: quer saber se alguém quis adicioná-lo como amigo; se ninguém pediu, é decepcionante. Ou quer descobrir se alguém respondeu ao que você escreveu, quer checar se é socialmente relevante, se alguém deu pelo menos um "curtir". A terceira razão é "há algo que eu possa dizer, possa contribuir?". Ou seja, a pessoa procura por relevância de contribuição. E por que postam? Primeiro, pela valorização. A pessoa quer ser notada. Por exem­ plo, você poderia acessar o Face book e postar "hoje eu entrevistei um profissional da neurociência". Alguém pode escrever de vol­ ta, "uau, que interessante!". Você procura admiração. Número dois: você quer apoio, seja emocional ou qualquer outro. '~h, tive um dia péssimo": você não diz isso por dizer, está esperan­ do alguém que venha ao seu Face e diga "oh, sinto muito!" As pessoas podem não admitir, mas isso está por trás das razões conscientes pelas quais estão lá. Quando uma marca entende por que as pessoas estão no Facebook e tenta construir sua presença para conectar-se a essas expectativas, consegue o melhor modo de criar relevância em mídias sociais. Ou seja, a empresa deve, antes, entender qual é o fundamento dos estímulos conscientes para o consumidor estar no Facebook. o neuromarketing pode influenciar o desenvolvimento e a inovação de produtos? Hoje a inovação é guiada pela mente do consumidor, ou seja, usamos os princípios da neurociência para desenvolver celulares, controles remotos, menus, websites. O neuromarketing está se transformando em neurodesign. Costumava ser assim: os profis­ sionais que desenvolviam embalagens eram designers gráficos, os que desenvolviam sites eram designers gráficos. Mas se é o cérebro que busca tudo isso, então a neurociência não deveria tra­ balhar junto ao design gráfico para desenvolver os visuais ou junto aos designers de embalagem para desenvolver as embalagens? Por tudo isso, o neuromarketing está se tornando neurodesign e está mudando o modo como as inovações são feitas nas empresas. Até há pouco, os profissionais apresentavam entre 50 e 60 conceitos e ninguém sabia o que funcionaria ou não. Hoje, apresentamos esses 60 conceitos à mente dos consumidores e descobrimos como reagem às novas ideias, aos novos produtos, às novas caracterÍs­ ticas, à nova apresentação, ao novo preço. Imediatamente temos a compreensão, a novidade, a intenção de compra, e escolhemos somente os conceitos com chances de dar certo. Quer dizer que as chances de um produto dar certo são maiores com a neurociência? Sem dúvida. Mas o mais importante é que o conceito não nascerá como um produto. Periodicamente, voltamos a testar um protóti­ po através da neurociência. Se a intenção de compra, a novidade e a compreensão são mais baixas que a do conceito, imediata­ mente ficamos alertas. Neurociência não é só avaliar o conceito, é trabalhar com o ciclo de vida da evolução do produto para ter certeza de que não haverá surpresas. Se você disser, quando um bebê nasce, "esta criança crescerá e se tornará uma ótima pessoa" e deixa estar, quem garante que isso vai acontecer? O mesmo ocorre com o produto. A passagem do conceito ao produto falha porque os testes não garantem, hoje, que o interesse e a conexão do consumidor com o produto sejam no mínimo tão altos quanto no momento de sua concepção. Este é o valor agregado da neuro­ ciência. As mesmas medidas de intenção de compra, novidade e compreensão são mensuradas no conceito, no protótipo, na pré­ -produção, no lançamento. Se em qualquer desses estágios houver um problema, temos como reportá-lo e corrigi-lo. Vocês estudam o comportamento de compra do consumidor infantil? Testamos apenas adultos, maiores de idade; não acho ético testar crianças ou adolescentes. Sou contra vender para crianças ou adolescentes, então, não os testarei de forma alguma. Sou pai, não quero ninguém fazendo propaganda para os meus filhos. Deveríamos deixar as crianças em paz, deixá-las crescer. En­ tenda: se alguém quiser fazer propaganda, que os professores promovam álgebra para as crianças ou a tabela periódica; os pais devem promover o bom comportamento; os padres devem promover os dez mandamentos para as crianças ... Por falar em ética, há estudiosos que são contra o emprego da neurociência no marketing; receiam que isso possa significar algum tipo de controle da mente do consumidor. Ninguém pode ler os pensamentos ou controlar a mente de nin­ guém. Através da neurociência, tudo o que tentamos é refazer o que questionários e discussões de grupo tentam descobrir: "por que fazem isso?". É tudo. Questionários e discussões de grupo não fazem um bom trabalho ao medir emoções, sentimentos, desejos. Fazemos melhor se usarmos a ciência. Então, não há nada sobre controle ou sobre manipulação. Se não deveríamos fazer isso, questionários e discussões de grupo também não de­ veriam existir. Deveríamos dizer então que não pode haver mais pesquisa de marketing, mas ninguém diz isso. Se o consumidor nos dá permissão, não há porque falarmos em falta de ética. Trabalhar com neuromarketing é caro? Tão caro quanto os testes tradicionais (risos). É uma questão de avaliar quão importante é para a empresa ter uma vantagem com­ petitiva. Se não há esse posicionamento, melhor esquecê-lo. ~T) 40 SUPERVAREJO NOVEMBRO 2011