A tese central de Jürgen Habermas emFacticidade e

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Estudos Jurídicos
38(3):38-49 setembro-dezembro 2005
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A tese central de Jürgen Habermas em Facticidade e validade
Jürgen Habermas’ central thesis in Between Facts and Norms
Emílio Peluso Neder Meyer1
Resumo: O presente ensaio aborda a tese central desenvolvida por Jürgen Habermas em sua
obra Facticidade e validade, a qual consiste numa abordagem sobre a tensão interna entre democracia e direito e que vem sendo, ao longo da história da ciência política e da ciência do Direito,
posta de lado em favor de uma ou de outra perspectiva unilateral.
Palavras-chave: Jürgen Habermas, facticidade, validez, democracia, Direito, tensão.
1
Professor de Hermenêutica e
Teoria da Argumentação Jurídica da
PUCMinas. Mestrando em Direito
Constitucional pela Faculdade de
Direito da UFMG.
Abstract: This article discusses the central thesis developed by Jürgen Habermas in his work,
Between Facts and Norms, which approaches the inner tension between democracy and law. This
tension has been, throughout the history of political science and the history of law, set aside in
favor of some unilateral perspective.
Key words: Jürgen Habermas, facts, norms, democracy, law, tension.
Introdução
A tese central da obra Faktizität und Geltung: Beiträge zur
Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtstaats2 (Facticidade e validade: contribuições para uma teoria discursiva
do Direito e do Estado Democrático de Direito)3 pode ser
localizada nos Capítulos III e IV da mesma. Consiste na
tensão interna entre democracia e direito e que vem sendo,
ao longo da história da ciência política e da ciência do Direito, posta de lado em favor de uma ou de outra perspectiva
unilateral.
Redondo (Habermas, 1998, p. 11) salienta que três
advertências devem estar subjacentes a qualquer interpretação que se tente fazer desses capítulos. A primeira é
que Habermas não se refere a um “sistema de direitos”
como ele deveria ser, mas ao sistema de direitos que está
presente na maioria das Constituições exemplares do mun-
do moderno. A segunda é que não se trata de um direito
em geral, mas do direito presente na figura histórica dos
Estados Democráticos de Direito, um direito que obtém
legitimidade por intermédio da própria legalidade. Em
terceiro, e por fim, não há que se confundir uma gênese lógica
do direito com uma gênese histórica. Uma gênese histórica
passaria pela descrição do poder soberano que vem pôr
fim às guerras religiosas e que, posteriormente, submetese aos limites impostos pelo movimento liberal e pelos
direitos de propriedade; em seguida, são acrescentados os
direitos sociais, como um compromisso entre capitalismo e
democracia: o resultado é um sistema jurídico autopoiético
que “juridifica” suas próprias condições de legitimidade.
Numa gênese lógica, trata-se da reconstrução conceitual
da idealidade que articula a realidade do direito, reduzindo e descobrindo a unidade das relações conceituais e de
princípio presentes nessa complexa estrutura histórica, a
2
Na tradução para o português, Habermas (1997). Utilizar-se-á, ao longo do texto, entretanto, a tradução espanhola (Habermas, 1998).
“Habermas has entitled his new book Faktizität und Geltung, but this might also serve as an appropriate title for his entire corpus. Throughout his career,
Habermas has sought to do justice to the poles of facticity and normative validity and to the tensions that exist between these poles. In his more ‘sociological’
mode, he seeks to provide a comprehensive understanding and analysis of the facticity of modern societies in their full complexity. But he has also consistently
argued that an adequate account of the development of modern societies must do justice to the implicit and explicit claims to legitimacy and normative validity.
He has argued – as he does so persuasively in his present book – that no normative theory (whether of democracy, law, morality, or ethics) is adequate unless
it can be related to, and integrated with, the sheer facticity of everyday social life.” (Bernstein, 1996, p. 1127-1128). Tradução livre: “Habermas intitulou seu novo
livro Facticidade e Validade, mas isto pode também servir como um título próprio para toda sua obra. Ao longo de sua carreira, Habermas procurou fazer justiça
aos pólos de facticidade e validade normativa e às tensões existentes entre tais pólos. Na sua versão mais ‘sociológica’, ele procura sustentar uma interpretação
compreensiva e uma análise da facticidade das sociedades modernas em toda sua complexidade. Mas ele também tem pleiteado com consistência que uma
explicação adequada do desenvolvimento de sociedades modernas deve fazer justiça às reivindicações implícitas e explícitas de legitimidade e validade
normativa. Ele tem afirmado – como o faz de forma tão persuasiva no presente livro – que nenhuma teoria normativa (seja da democracia, direito, moralidade ou
ética) é adequada a menos que possa ser relacionada, e integrada, à facticidade desviante da vida social cotidiana”.
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partir dos elementos da “forma jurídica” e do “princípio
do discurso”4.
O próprio Habermas (1999, p. 329ss) salienta que, em
Faktizität und Geltung, procurou fazer contribuições a seis
tópicos: a forma e a função do direito moderno; a relação
entre direito e moralidade; a relação entre direitos humanos
e soberania popular; a função epistêmica da democracia; o
papel central da opinião pública em democracias de massa;
e o debate entre paradigmas concorrentes do direito. Com
isso, o que se busca neste texto é proceder a uma reconstrução pormenorizada da tese esposada pelo alemão numa
de suas mais difundidas obras, principalmente no campo da
Filosofia do Direito, da Hermenêutica Jurídica e do Direito
Constitucional, sem, contudo, incorrer em visões parciais.
Legitimidade por meio da legalidade: o sistema do
direito em Habermas
Habermas (1998, p. 147) pretende introduzir a categoria
do direito, mais propriamente a do direito moderno, desde
o ponto de vista da teoria da ação comunicativa. Ele o faz, desse
modo, com uma reconstrução racional da autocompreensão
das ordens jurídicas modernas. De início, toma os direitos
que os cidadãos devem reconhecer-se reciprocamente caso
queiram regular sua convivência sob os auspícios do direito positivo, uma categoria que é, sobretudo, marcada pela
recepção do próprio sistema de direitos da tensão interna
entre facticidade e validade inerente ao modo de validade
ambivalente que é a validade jurídica5.
O conceito de direito subjetivo desempenha um papel
de destaque na compreensão moderna do direito. A ele corresponde o conceito de liberdade subjetiva de ação, segundo
o qual os direitos subjetivos fixam os limites dentro dos
quais um sujeito está legitimado para afirmar sua vontade.
Esses direitos definem iguais liberdades de ação para todos
os indivíduos, qualificando-os como portadores de direito
ou sujeitos de direito. Kant formula seu princípio geral do
direito neste mesmo diapasão, ou seja, é legítima toda ação
cuja máxima liberdade e o arbítrio de cada um possa ser compatível com a liberdade de todos segundo uma lei geral.
Diante das relações entre sistemas e mundo da vida, pode-se
explicar por que o direito moderno cumpre de maneira especial
a função de integração social em sociedades complexas6. Em
tais sociedades, o sistema econômico exerce uma forte ingerência. Além disto, elas dependem de âmbitos de ação neutros
eticamente, vinculando-se também a decisões de indivíduos
guiados por seus próprios interesses. Ocorre que o direito não
se limita a cumprir os requisitos funcionais dessa sociedade
complexa. Ele deve também satisfazer as precárias condições
de integração social, o que se dá quando se utiliza de operações
de entendimento intersubjetivo por meio da ação comunicativa,
ou seja, por meio da aceitabilidade de pretensões de validade7.
O direito transfere para as leis o encargo de cumprimento
das exigências de moralidade por meio do asseguramento de
liberdades subjetivas, livrando os indivíduos do fardo outrora
atribuído aos mesmos.
É o procedimento legislativo que garante legitimidade às
leis: esse paradoxo da derivação da legitimidade pela legalidade se
explica porque os direitos de participação política, enquanto
direitos subjetivos, têm a mesma estrutura dos direitos que
dão aos indivíduos liberdades de escolha. Outrossim, esse
procedimento tem que apresentar aos cidadãos as expectativas normativas advindas da orientação pelo bem comum,
uma vez a força legitimadora do processo democrático surge
do próprio entendimento dos sujeitos acerca do modo como
pretendem regular sua convivência: é dizer, ele deve tentar
cumprir sua função de integração social.
Habermas (1998, p. 149) pretende esclarecer a conexão entre autonomia pública e privada com a ajuda de
um conceito discursivo de direito. Segundo o filósofo, a
coesão entre essas autonomias não foi colocada até agora
de uma maneira satisfatória, tanto no interior da dogmática
jurídica, quanto na tradição do direito natural racional, em
virtude dos obstáculos colocados por uma visão de base de
filosofia da consciência e por uma herança metafísica do
direito natural.
4
À guisa de um esclarecimento prévio, Habermas, como salienta Redondo (Habermas, 1998, p. 9), procede à gênese lógica do sistema de direitos através de dois
elementos. O “princípio do discurso” define que só são legítimas as normas de ação que possam ser aceitas por todos os possíveis afetados como participantes
de discursos racionais. A “forma jurídica”, que Habermas toma de Kant, define para as normas que: cuida-se de normas em que se prescinde da capacidade do
destinatário de ligar sua vontade por sua própria iniciativa; trata-se de assuntos bem tipificados e que, por isso, incorrem em uma abstração do mundo da vida; e
não dependem da motivação do agente quando ele cumpre ou não a norma.
5
“Mas esse sentido tautológico da validade do Direito só se explica com referência à validade social e à validade no sentido de legitimidade. A validade social diz
respeito à capacidade de imposição das normas entre os destinatários, isto é, a sua aceitação fáctica e que na teoria do Direito se chama de eficácia. Já a validade,
sentido utilizado na teoria do Direito sob o nome de legitimidade, “se mede pela resgatabilidade discursiva de sua pretensão de validade normativa”. Isto é, podese pressupor que a norma ingressou no ordenamento jurídico por meio de um processo legislativo racional e que ela pode ser a qualquer momento justificada
aduzindo razões morais, éticas e/ou pragmáticas” (Repolês, 2003, p. 72).
6
“[...] Habermas compreende o direito funcionalmente, ‘como que reduzindo as diferenças nas sociedades, cujas capacidades de integração estão esgotadas’”. Nas
sociedades atuais cada vez mais complexas, as tradições culturais, crenças, práticas e suposições normativas comuns, as quais emergem daquilo que Habermas
nomina “mundo da vida”, de um grupo social situado historicamente, tornam-se incapazes de fornecer uma justificação normativa aceitável para todos os modos
existentes de interação social. Ao mesmo tempo, ditas interações são mediadas cada vez mais predominantemente através de sistemas autônomos, como a
economia de mercado e a burocracia administrativa estatal, os quais freqüentemente se furtam ao controle dos atores sociais dependentes desses sistemas.
Assim, malgrado o mundo da vida seja normativamente complexo, ele torna-se sempre mais impotente, normativamente precário e com maior freqüência os
sistemas auto-referenciais invadem os espaços sociais em grandes extensões. Sob essas circunstâncias, Habermas assume que o direito é o único meio legítimo
para a ampla integração normativa da sociedade, uma “dobradiça entre sistema e o mundo da vida” (Rosenfeld, 2003a, p. 21, destaques do original).
7
A integração social não-violenta pressupõe a coordenação de planos de ação de diferentes atores. É um engate que possibilita um entrelaçamento de intenções
e ações, ocasionando padrões de comportamento e ordem social. Se a linguagem é utilizada apenas como medium, a coordenação se dá pela influenciação
recíproca de atores que agem uns sobre os outros de modo funcional (ação estratégica); mas se as forças ilocucionárias assumem um papel coordenador na ação,
a linguagem mesma passa a ser explorada como fonte de integração social: esse é o agir comunicativo. É uma busca incondicional de fins ilocucionários. O falante
adota o enfoque performativo de quem busca se entender com o outro sobre algo no mundo.
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A filosofia da consciência e os problemas de uma
subordinação do direito à moral
Na teoria do direito de Kant, a relação entre princípio
da moralidade, princípio do direito e princípio democrático
permaneceu obscura. Todos eles expressam a mesma idéia de
autolegislação. Redondo (Habermas, 1998, p. 25) afirma que Kant
introduz dois conceitos de liberdade. O primeiro é negativo e se
refere à liberdade de arbítrio: significa a capacidade de poder atuar
de modo que também se poderia não haver atuado, quaisquer
que fossem os motivos; o segundo é positivo e diz respeito à
faculdade da razão pura de ser, ela mesma, prática, algo possível
apenas a partir de uma máxima que se sujeite à condição de ser
uma lei geral para todos. Concomitantemente, duas classes de leis
da liberdade são introduzidas. Serão elas jurídicas caso se refiram a
relações externas e sua legalidade; mas se as leis são os próprios
motivos da ação, serão elas leis morais – com isto, Kant pôde
concluir que a liberdade é o único direito, o direito original, devido
a todo homem em virtude de sua humanidade. A diferenciação
entre agir conforme o dever moral e fazer tudo o que as leis
não proíbam (livre-arbítrio) é extremamente importante para o
próprio Habermas, na medida em permitirá diferenciar uma
ação moral de uma ação conforme ao direito, com base em Kant.
No direito em idéia, cuida-se de definir a relação dos arbítrios
de cada uma das partes, livres segundo a primeira concepção de
liberdade (negativa). No sentido da liberdade positiva, o direito é
o conjunto das condições sob as quais o arbítrio de um pode ser
compatibilizado com o arbítrio de outro segundo uma lei geral
da liberdade, uma norma geral. Aqui se trata de uma ordem que,
por ser externa, é coercitiva e que deve ser vista como realizando
uma conexão entre a mútua coerção geral com a liberdade de
todos e de cada um.
A definição kantiana do Poder Legislativo funda-se no
princípio do direito. O Poder Legislativo deve concordar
com a vontade unida do povo. Dele provém todo o direito
e, por isso, não pode cometer injustiça a ninguém. Se alguém
dispõe de algo de outro, ele pode cometer injustiças, mas
nunca quando dispõe de algo que é de si mesmo. Só a vontade
concordante de todos pode ser legisladora. Como assevera
Redondo (Habermas, 1998, p. 29), se chamamos isto de
princípio democrático, resulta que ele deriva do princípio do direito,
já que é uma especificação do conteúdo daquela referência
a uma lei geral. Não coincide com o princípio moral, posto
que regula apenas relações externas, a ação exigida deve ser
apenas conforme a lei, não precisa ser por respeito à lei, e o âmbito
da lei é mais restrito. Com isso, o princípio do direito parece
realizar uma mediação entre o “princípio da democracia” e
o princípio moral. Mais abaixo veremos como Habermas
enxerga essa relação.
Kant percebera que os direitos subjetivos não podem
ser formados a partir de uma estrutura de direito privado.
Se as partes se utilizam de um contrato com determinada
finalidade, o contrato social, de seu turno, é “um fim em
si”. A Constituição é instauradora de uma ordem de cooperação entre sujeitos, fundando-se no direito público e não
no direito privado.
O único direito natural que esse contrato social funda
é o direito a iguais liberdades subjetivas de ação. Tal direito
original do homem Kant embasa na vontade autônoma de
indivíduos que, como pessoas morais, dispõem de antemão
de uma razão examinadora de normas, perspectiva mediante
a qual podem fundamentar sua escolha pelo abandono do
estado de liberdades não asseguradas. Ao mesmo tempo,
Kant vê que esse direito único pode se diferenciar num sistema de direitos no qual se pode positivar tanto liberdade como
igualdade. Como a legitimidade deve ser interna ao próprio
direito positivo, o contrato social só pode impor e fazer valer
o princípio do direito ligando a formação da vontade política
do legislador às condições de um procedimento democrático:
dessa forma são ligados o direito a iguais liberdades subjetivas
e a soberania popular. O princípio do direito parece, assim,
mediar o princípio da moralidade e o princípio democrático;
conceitualmente, eles se explicam mutuamente.
Habermas (1998, p. 159) acredita que a filosofia do direito
de Kant esconde essa circunstância. Se isto for assim, o direito
não é o médio entre moralidade e democracia, mas apenas um
reverso da moeda do princípio democrático. Tanto em Kant,
quanto em Rousseau, parece que soberania popular e direitos
humanos competem entre si8. Em Kant, prevalece a idéia de
que ninguém pode dar seu assentimento no exercício de sua
autonomia cidadã a leis que vulneram a autonomia privada
assegurada pelo direito natural. A forma gradual da passagem
da moral ao direito impede que Kant dê a devida importância
ao contrato social, da forma como o faz Rousseau.
Rousseau e Kant conceberam autonomia como a união de
razão prática e vontade soberana, a fim de que os princípios dos
direitos humanos e da soberania popular pudessem ser interpretados reciprocamente, acabando por falhar ambos ao tentar dar
a tal relação um caráter mais unívoco9.
Segundo Habermas, Jean-Jacques Rousseau dá à idéia
de autolegislação uma conotação mais ética do que moral.
Como membros de um corpo coletivo, os indivíduos se
unem numa espécie de sujeito de grandes dimensões e
que é portador da produção das normas, rompendo com
interesses privados de pessoas privadas, simplesmente
submetidas às leis. Rousseau conta com virtudes políticas vinculadas ao ethos de uma comunidade, integrada
por tradições culturais comuns. A única alternativa à
8
“Rousseau produz uma revolução no campo da teoria política ao vincular a justificação da obediência com a autoria da lei por aqueles que devem respeitá-la.
Kant, por sua vez, amplia o tema no plano moral ao desenvolver a questão da autonomia da vontade, situando-a como princípio da moralidade, e transforma a
teoria política de Rousseau, combinando-a com elementos liberais e articulando as conquistas da liberdade jurídica em uma filosofia da história” (Terra, 2004, p.
20).
9
“Habermas explica que na Modernidade se opera uma separação entre Direito e Moral, bem como entre estes e a Ética. O produto do processo de diferenciação
e de racionalização do mundo da vida assim delimitado é, por um lado, a idéia de auto-realização, tributária do pensamento de Rousseau, ligada à construção de
sua idéia de soberania popular e de autonomia política. Por outro lado, temos como produto a autodeterminação, idéia desenvolvida por Kant junto aos direitos
humanos e à autonomia privada” (Repolês, 2003, p. 90).
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A tese central de Jürgen Habermas em Facticidade e validade
insubmissão a essa homogeneidade é a coação estatal.
Assim, ele não pode explicar como sem repressão cabe
estabelecer uma mediação entre a vontade geral e o arbítrio dos indivíduos.
Y esto, a su vez, sólo puede averiguarse introduciéndose en las
condiciones pragmáticas de procesos de argumentación en
los que sobre la base de las informaciones pertinentes no se
imponga otra cosa que la coércion del mejor argumento [...].
La conexión interna que buscamos entre soberanía popular
y derechos del hombre ha de radicar, pues, en el contenido
normativo de un modo de ejercicio de la autonomía política,
que no viene asegurado por la forma de leyes generales
sino sólo por la forma de comunicación que representa la
formación discursiva de la opinión y la voluntad comunes
(Habermas, 1998, p. 168, destaques do original).
Kant e Rousseau não conseguem vislumbrar devidamente tal conexão em virtude de estarem ainda presos à filosofia
da consciência. Se a vontade geral só pode se formar no sujeito
particular, como quer Kant, então a autonomia moral do
sujeito particular tem que penetrar por meio da autonomia
política de todos, assegurando de antemão em termos de
direito natural a autonomia privada de cada um. De outra
parte, se a vontade racional só pode se formar num sujeito de
grandes dimensões que é um povo ou uma nação, como quer
Rousseau, a autonomia política tem que ser entendida como
a realização autoconsciente da essência ética da comunidade
concreta; além disso, a autonomia privada só é protegida da
força esmagadora da autonomia política por intermédio da
forma não-discriminatória de leis gerais.
Mas, para Habermas, os membros de uma comunidade
política, como participantes de discursos racionais, devem
poder examinar se a norma encontra o assentimento de todos
possíveis afetados. Assim, a almejada conexão interna entre
direitos humanos e soberania popular (e que, por assim dizer,
constitui o núcleo da tese esposada em Faktizität und Geltung)
consiste num sistema de direitos que apresenta exatamente as
condições para a institucionalização jurídica de formas de
comunicação necessárias para a produção politicamente
autônoma de normas. O direito a iguais liberdades subjetivas
de ação não pode ser imposto ao legislador soberano como
um limite externo, nem ser instrumentalizado como requisito
para seus fins. A substância dos direitos humanos está nas
condições formais da institucionalização jurídica de um tipo
de formação discursiva da opinião e da vontade, no qual a
soberania popular requer a forma jurídica.
A complementaridade entre direito e moral
Em Faktizität und Geltung, Habermas estabelece uma
outra relação entre direito e moral. Diferentemente do que
havia afirmado em suas Tanner Lectures, quando postulou
uma derivação do direito a partir da moral, formando-se
uma relação de subordinação, nesse outro momento ele
propugna por uma relação de complementariedade ou cooriginariedade (Cattoni de Oliveira, 2004a, p. 207). Vejamos
como ele procede a essa reconstrução.
Para Habermas (1998, p. 170), num nível pós-metafísico de fundamentação, estão separadas da eticidade
tradicional tanto as normas jurídicas como as normas
morais. De seu turno, estas normas, não obstante distintas, complementam-se mutuamente. Assim, o conceito
de autonomia deve estar articulado de uma maneira tão
abstrata que possa adotar em relação a cada tipo de
norma de ação uma forma específica: o princípio moral e
o princípio democrático.
Com a modernidade e a quebra dos fundamentos sacros
do amálgama em que se constituíam direito, moral e ética,
ocorrem os processos de diferenciação10. Questões jurídicas
se apartam de questões éticas e morais; paralelamente, usos
e costumes passam a significar puras convenções. Questões
jurídicas e questões morais têm em vista o mesmo problema, qual seja, o de como ordenar legitimamente as relações
interpessoais e como coordenar entre si ações por meio de
normas justificadas, solucionando conflitos sob o pano de
fundo de normas compartilhadas. Mas tal referência se dá
de forma distinta. Moral e direito se distinguem prima facie
no sentido de que a moral pós-tradicional não representa
mais do que uma forma de saber cultural, ao passo que o
direito é obrigatório no nível institucional – o direito é, ao
mesmo tempo, sistema de saber e sistema de ação.
As normas gerais de ação se ramificam em normas morais
e normas jurídicas. Com isto, autonomia moral e autonomia
política são co-originais e explicadas com a ajuda de um princípio
do discurso11, algo que representa as justificativas pós-tradicionais
de fundamentação. Esse princípio tem um conteúdo normativo
do sentido da imparcialidade dos juízos práticos. Mas está num nível
que é neutro diante da moral e do direito, uma vez que se refere
a normas de ação em geral. Habermas (1998, p. 172) o enuncia
da seguinte maneira:
D: Válidas son aquellas normas (y sólo aquellas normas)
a las que todos los que puedan verse afectados por ellas
pudiesen prestar su asentimiento como participantes en
discursos racionales.
Os conceitos envolvidos em tal enunciado são assim
explicados pelo filósofo:
ƒ
“Válido”: refere-se a normas de ação e os correspondentes enunciados normativos gerais ou universais;
10
“O Direito e a organização política pré-modernos encontravam tradução, em última análise, em um amálgama normativo indiferenciado de religião, direito,
moral, tradição, e costumes transcendentalmente justificados e que essencialmente não se discerniam [...]. O Direito, portanto, enquanto um único ordenamento
de normas gerais e abstratas válidas para toda a sociedade, não existia, mas tão-somente ordenamentos sucessivos e excludentes entre si, consagradores dos
privilégios de cada casta e facção de casta, consubstanciados em normas oriundas da barafunda legislativa imemorial, nas tradições, nos usos e costumes locais,
aplicados casuisticamente como normas concretas e individuais, e não como um único ordenamento jurídico integrados por normas gerais e abstratas válidas
para todos” (Carvalho Netto, 2004, p. 30, destaques do original).
11
“O sentido da palavra Discurso na teoria de Habermas é justamente o de uso reflexivo da razão comunicativa que permite a problematização” (Repolês, 2003, p. 50).
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ƒ
“Normas de ação”: expectativas de comportamento generalizadas na dimensão temporal, social e de
conteúdo;
ƒ
“Afetado”: qualquer um que tenha seus interesses
atingidos pelas conseqüências que presumidamente
possa dar lugar a uma prática geral regulada por normas;
ƒ
“Discurso racional”: toda tentativa de entendimento acerca de pretensões de validade que se tornaram
problemáticas, na medida em que tal tentativa tenha
lugar sob condições de comunicação que dentro de um
âmbito público estruturado e constituído por deveres
ilocucionários possibilitem o livre processamento de
temas e contribuições. Tal expressão se refere também
indiretamente a negociações, na medida em que estas
se dão segundo procedimentos discursivamente fundados.
Repolês (2003, p. 98-99, destaques nossos) traça as
características do princípio do discurso, cuja redação vale
transcrever:
Portanto, o princípio D é neutro, pois refere-se a normas de
ação em geral. Ele é abstrato porque apenas explicita o ponto
de partida do qual é possível fundamentar imparcialmente
normas de ação. Ele é ainda sem conteúdo uma vez que os
argumentos que poderão ser utilizados para a fundamentação
das normas de ação não podem ser determinados a não
ser posteriormente, na discussão. Pode-se ainda dizer que
ele é procedimental, já que exige que toda forma de vida
comunicativamente estruturada tenha como condição de
realização o reconhecimento mútuo, a simetria entre os
participantes, e relações de inclusão entre eles. Finalmente, o
princípio do discurso tem um sentido normativo na medida em
que determina como “as questões práticas podem ser julgadas
imparcialmente e decididas racionalmente”,mas ainda assim é
neutro em relação à moral e ao Direito.
Em Habermas, o princípio moral só é uma especificação do
princípio do discurso para as normas de ação que podem justificar-se do ponto de vista de se levar em conta o igual interesse
de todos. Já o princípio democrático será uma especialização de
“D” para as normas de ação que apresentam a forma do direito e
podem ser justificadas recorrendo-se a razões pragmáticas, razões
ético-políticas, e não apenas razões morais. O tipo de razão segue
a lógica do tipo de questão a ser tratada. No caso de normas
morais, as razões têm que ser aceitas por todos, num âmbito
de referência que ultrapassa fronteiras. Em questões ético-políticas, a forma de vida de uma comunidade política constitui
o referencial para encontrar regulações que expressem uma
autocompreensão coletiva; as razões têm que ser aceitas pelos
membros que compartilham das tradições e valorações. Tais
compromissos têm que poder ser aceitos por todas as partes,
mesmo que as razões para tanto possam divergir caso a caso.
O princípio do discurso só explica o ponto de vista do
qual se pode fundamentar imparcialmente normas de ação;
Habermas parte de que o próprio princípio tem fundamento
nas relações simétricas de reconhecimento inscritas nas formas
de vida comunicativamente estruturadas. Uma norma de ação
só se torna válida caso suas pretensões de validade possam ser
reconhecidas pelos possíveis atingidos, é dizer, por um reconhecimento motivado racionalmente e passível de problematizações a qualquer momento. A justificação desse pressuposto se
dá por meio de uma investigação em termos de uma teoria da
argumentação. Ele conduz à distinção entre os diversos tipos
de discurso. Para cada um desses tipos, o julgamento imparcial
deverá mostrar que regras permeiam as respostas às correspondentes questões, sejam elas pragmáticas, éticas ou morais.
Tais regras de argumentação operacionalizam o princípio do
discurso (Habermas, 1998, p. 174). No que se refere às questões
morais, o princípio do discurso requer a forma de um princípio
da universalização (“U”). Aqui o princípio moral desempenha
uma regra de argumentação. Nos discursos de aplicação, o princípio
moral é complementado por um princípio da adequação ou
senso de adequabilidade12.
O princípio moral compreendido em termos de uma teoria
do discurso transcende os limites entre âmbitos da vida
privada e pública, limites historicamente fortuitos e que
discorrem de modo distinto segundo as diferentes estruturas
sociais. O princípio moral leva a sério o sentido universalista
da validade das regras morais ao exigir que a “assunção ideal
do papel” que efetua cada indivíduo em particular e de forma
privada se converta em uma práxis pública a ser exercitada
por todos13. Uma divisão dos aspectos morais e jurídicos
segundo um âmbito privado e público perde o sentido na
medida em que no exercício da soberania popular são também levados em conta argumentos morais. Em sociedades
complexas, a moral só tem efetividade para além do próximo
se traduzida para o código do direito14.
12
A distinção de discursos de aplicação e discursos de justificação é perpetrada por Klaus Günther (1988; 1993; 2004). Os esclarecimentos de Cattoni de Oliveira
(2002, p. 85) são extremamente pertinentes: “Os discursos de justificação jurídico-normativa se referem à validade das normas, e se desenvolvem com o aporte de
razões e formas de argumentação de um amplo espectro (morais, éticas e pragmáticas), através das condições de institucionalização de um processo legislativo
estruturado constitucionalmente, à luz do princípio democrático [...]. Já discursos de aplicação se referem à adequabilidade de normas válidas a um caso
concreto, nos termos do princípio da adequabilidade, sempre pressupondo um ‘pano de fundo de visões paradigmáticas seletivas’ ”.
13
Repolês (2003, p. 100) salienta que a posição de Habermas em referência ao princípio moral “U” é diferente em Faktizität und Geltung. Habermas incorporou as críticas
de Günther e difere, para os discursos morais e jurídicos, discursos de justificação e validade das normas dos discursos de aplicação e adequabilidade das normas.
14
Tal expressão foi cunhada originalmente num contexto de Teoria dos Sistemas. Na teoria luhmanniana, um sistema só pode se diferenciar na medida em que o
faz em relação ao seu ambiente. O sistema traça, por intermédio de suas operações, seus próprios limites em relação aos elementos que não lhe pertencem e que,
justamente por isso, fazem parte de seu ambiente. Ele não opera para além de seus limites, o que não significa um total isolamento do sistema. As operações são,
realmente, sempre internas, mas através da observação os limites podem ser passíveis de serem transcendidos, verificando-se várias formas de interdependência
entre sistema e ambiente. As operações de um sistema funcionam de acordo com o código do sistema. A codificação é uma duplicação da comunicação a
partir de uma afirmação e de uma negação. “Con código se entiende una regla de duplicación que permite relacionar toda entidad que caiga en su campo de
aplicación con una entidad correspondiente. Esto es válido en primer lugar para el código del lenguaje [...] que permite relacionar toda enunciación positiva (JaFassung) con una enunciación negativa correspondiente (Nein-Fassung): el enunciado negativo hoy llueve puede entenderse como la negación del enunciado
negativo hoy no llueve. Con base en el lenguaje, esto es válido para los códigos de los diversos sistemas de funciones [...] basados siempre en un esquema
binario” (Corsi et al., 1996, p. 40). O código do direito é a licitude (Recht) e a ilicitude (Unrecht). A noção de código binário é extremamente importante para esse
trabalho porque as chamadas sentenças intermediárias pressupõem uma possível transigência com relação ao mesmo, uma manipulação, como se verá adiante.
Quando uma decisão no âmbito do controle de constitucionalidade não viola tal código, é que poderá ser ela legítima. Para tanto, ver Chamon Júnior (2005, p.
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A tese central de Jürgen Habermas em Facticidade e validade
Já a finalidade do princípio democrático é fixar um procedimento de produção legítima de normas jurídicas. Ele enuncia
que só podem pretender validade legítima normas jurídicas que, num
processo discursivo de produção, articulado juridicamente, possam encontrar o assentimento de todos os membros da comunidade jurídica. O
princípio democrático explica o sentido realizador da prática
de autodeterminação dos membros de uma comunidade
jurídica que se reconhecem uns aos outros como membros
livres e iguais de uma associação à qual aderiram voluntariamente (Habermas, 1998, p. 175). O princípio democrático
só diz como se pode institucionalizar uma livre formação da
opinião e da vontade políticas: por intermédio de um sistema
de direitos que assegure, a cada um, igual participação em
tal processo de produção normativa. Enquanto o princípio
moral opera no plano da estrutura interna de um jogo de
argumentação, o princípio democrático se refere ao plano
da institucionalização externa.
Assim, fica demarcada a diferença entre o princípio moral e o princípio democrático segundo os níveis de referência.
Há ainda a diferença respeitante às normas jurídicas e às
outras normas de ação. Ao passo que o princípio moral se
estende a todas as normas de ação justificáveis de um ponto
de vista moral, o princípio democrático está demarcado
segundo normas jurídicas. A forma jurídica se desenvolveu
no curso da evolução social. Frente às regras de convivência
que só podem ser justificadas do ponto de vista da moral,
as normas jurídicas têm um caráter artificial, são normas de
ação aplicáveis a si mesmas15. O sistema de direitos não só
tem que institucionalizar uma formação racional da vontade
política, mas também garantir o meio mesmo em que esta
possa se expressar como vontade comum dos membros
de uma comunidade jurídica que possa se entender como
resultado de uma associação livre. Essa forma jurídica, vale
salientar, inclui a supremacia constitucional.
As características formais do direito são explicadas por Habermas (1998, p. 177) por intermédio da relação entre aquele e
a moral. Novamente, ele retoma Kant para dizer que este havia
caracterizado a legalidade de formas de ação pelo recurso a três
formas de abstração referentes aos destinatários da norma. Em
primeiro lugar, o direito abstrai da capacidade dos destinatários
de dar curso à sua iniciativa por sua própria vontade, contando
apenas com seu arbítrio. Em segundo lugar, o direito abstrai da
complexidade dos planos de ação que afeta, restringindo-se à
relação externa que representa a operação de atores que, definidos
conforme características sociais típicas, possam exercer uns com
os outros. Em terceiro lugar, o direito abstrai do tipo de motivação
que leva à conformação pela regra.
Junto das formas de ação assim definidas em termos de
legalidade ou da forma jurídica está o status restrito que detêm os sujeitos de direito. Normas morais regulam relações
interpessoais e conflitos entre pessoas físicas, que se reconhecem como membros de uma comunidade “quase natural”,
na qual estão também destinatários que possuem sua própria
biografia. Normas jurídicas regulam relações interpessoais e
conflitos entre atores que se reconhecem como membros de
uma comunidade artificial, ou seja, uma comunidade criada pelas
mesmas normas jurídicas. Para além desses aspectos, ainda
outros podem ser definidos no que concerne à legalidade.
Apenas matérias referentes a relações externas podem ser
reguladas pelo medium do direito; o comportamento conforme
a normas só é imposto quando necessário.
Os aspectos da legalidade não são entendidos por Habermas como restrições da moral: para ele, devem estes ser
compreendidos da perspectiva da relação de complementariedade
entre direito e moral. A constituição da forma jurídica é necessária para compensar os déficits do desmoronamento de
uma eticidade tradicional. No que tange à extensão, moral
e direito também podem ser assim diferenciados:
As matérias jurídicas carentes de regulamentação são ao
mesmo tempo mais restritas e mais abrangentes do que os
assuntos moralmente relevantes: são mais restritas porque só o
comportamento exterior da regulamentação jurídica é acessível,
ou seja, apenas o seu comportamento coercível; e são mais
abrangentes porque o direito – como meio de organização do
domínio político – não se refere apenas à regulamentação de
conflitos de ação interpessoais, mas também ao cumprimento
de programas políticos e demarcações políticas de objetivos. Eis
por que as regulamentações jurídicas tangenciam não apenas
questões morais em sentido estrito, mas também questões
pragmáticas e éticas, bem como o estabelecimento de acordos
entre interesses conflitantes (Habermas, 2002, p. 289).
A moral racional, enquanto alternativa de ação, junto de
sua base normativa, aparece na mira de uma problematização.
A moral racional se especializa em questões de justiça e considera tudo segundo o foco da universalização. Ela preconiza
o julgamento imparcial de conflitos de ação, possibilitando
um saber apto a orientá-la, mas que, de per si, não diz qual a
ação correta. A moral racional vem representada no nível da
cultura e, assim, pode ser interpretada, transmitida e reelaborada
criticamente. Tal moral se refere a ações possíveis, mas não
mantém qualquer contato com os motivos, os quais dão à
moral a força motriz para se converter em prática, e nem com
as instituições que colocam em prática as expectativas morais
devidamente justificadas. Uma moral desse tipo permaneceria
ineficaz se não pudesse alcançar os motivos do agente por uma
outra via que não a da internalização, é dizer, a institucionalização de um sistema jurídico que complemente a moral no que
concerne à ação.
El derecho es ambas as cosas a la vez: un sistema de saber
y un sistema de acción; cabe entenderlo como un texto de
proposiciones e interpretaciones normativas, y también
como institución, es decir, como un complejo de elementos
regulativos de la acción (Habermas, 1998, p. 180).
A pessoa que julga e atua moralmente deve se apropriar
de forma autônoma de tal saber, elaborá-lo e traduzi-lo na
prática. Portanto, ela está submetida tanto a exigências cognitivas
15
“As normas jurídicas têm um caráter artificial, no sentido de que elas são produzidas intencionalmente e de modo reflexivo, aplicando-se a si mesmas. Por
esse motivo, não basta que o princípio da democracia fixe os procedimentos de normatização legítima do Direito, como ele deve também dirigir a produção do
próprio Direito. Isto é, não basta que o processo de instauração de normas seja legítimo. Antes há que pressupor a possibilidade de criação de uma comunidade
jurídica que institucionalize os direitos de participação de todos os seus membros, no processo de instauração dessas normas” (Repolês, 2003, p. 102).
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quanto motivacionais e, ainda, organizacionais, cujo fardo é livre
quando considerada como sujeito de direito. Vejamos como
Habermas vê tais exigências.
No que respeita às exigências cognitivas, Habermas salienta, em
primeiro lugar, que a moral racional pode proporcionar, unicamente, um procedimento para o julgamento imparcial de questões. É
o caráter extremamente abstrato de normas como igual respeito
por todos, justiça distributiva, etc., que ocasiona problemas de
aplicação tão logo um conflito transcenda o âmbito próximo das
interações. A decisão nesses casos exige operações complexas.
Essa indeterminação cognitiva é absorvida pela facticidade da
produção do direito. O legislador político diz quais normas valem
como direito, e os tribunais decidem para as partes, de forma
arrazoada, qual a interpretação adequada. O sistema jurídico retira
dos sujeitos de direito, considerados em seu papel de destinatários,
o poder de definição no que compete aos critérios de julgamento
acerca do que é justo ou injusto.
No que se refere às exigências motivacionais, as expectativas dos
indivíduos concernentes à sua própria força de vontade fazem
parte também do problema posto pela moral racional. Uma moral racional, não suficientemente fincada em motivos e atitudes
de seus destinatários, depende de um direito que imponha coercitivamente o comportamento conforme a norma, deixando
ao arbítrio do agente os motivos e atitudes. O direito coercitivo
dota as expectativas normativas de ameaças de sanção, de maneira que os destinatários possam se restringir a considerações
acerca de prudência sobre as conseqüências que vão afetar
seus interesses por meio das ações. Para além do problema da
debilidade da vontade, Habermas ainda aponta o problema da
exigibilidade. Se for necessário que sejam consideradas válidas as
normas que, no suposto de uma observância geral das mesmas,
merecerem o assentimento racionalmente motivado de todos
os afetados, não se pode exigir de ninguém que se atenha a uma
norma que não cumpra referido pressuposto.
Já o problema da atribuição das obrigações, resultante
do caráter universalista da moral racional, liga-se às exigências
organizacionais, que crescem na medida da complexidade da
sociedade. Apenas o direito é reflexivo no sentido de possuir
um escalonamento de normas que é reflexivo: ele contém
normas secundárias que servem à geração de normas primárias de regulação ou controle do comportamento. Ele
pode estabelecer competências e fundar organizações, pode
estabelecer um sistema de dotação de obrigações que não só
se refira a pessoas físicas, mas também a pessoas jurídicas.
Por fim,
una moral racional que solo cobrase eficacia a través de
procesos de socialización y de la conciencia de los indivíduos
permanecería restringida a un estrecho radio de acción.
En cambio, a través de un sistema jurídico con el que está
internamente vinculada, la moral puede irradiar sobre
todos los ámbitos de acción, incluso sobre esos ámbitos
sistémicamente autonomizados de interacciones regidas por
medios de regulación o control sistémico, que descargan a
los actores de todas las exigencias morales a excepción de la
única obediencia al derecho (Habermas, 1998, p. 183-184).
Tanto o direito como a moral devem garantir a autonomia de
todos os envolvidos em suas normas. Ambos buscam legitimidade no próprio fato de proporcionar a liberdade. Ocorre que a
autonomia, no caso do direito, se bifurca; tal divisão não encontra
correspondência na moral. A moral pede que cada indivíduo
obedeça às normas que estabelece para si próprio, por um juízo
imparcial ao qual ele procede de per si ou coletivamente. Uma vez
que as normas jurídicas são estabelecidas por instituições que as
aplicam coercitivamente e que, nos discursos de justificação e
aplicação jurídicas, levam em conta não apenas a formação da
opinião e da vontade, mas, em certos casos, uma decisão coletiva, há uma partilha de papéis entre firmar e enunciar o direito e
entre obedecer-lhe como destinatário. Tal partilha não significa
o nascimento de uma oposição, ou uma dualidade irreconciliável,
mas de uma coesão, justamente para que a legitimidade surja da
legalidade. A coesão interna entre autonomia pública e autonomia
privada é o objeto do próximo tópico.
A relação eqüiprimordial entre autonomia pública e
privada por meio do sistema de direitos e a coesão
interna entre direitos humanos e soberania popular
Dando curso à sua teoria acerca do direito, Habermas (1998,
p. 184) mostra agora como um sistema de direitos pode lidar de
maneira correta com a coesão interna entre autonomia pública e
privada. Tal sistema contém os direitos que os cidadãos deverão
atribuir-se reciprocamente caso queiram regular sua convivência
de forma legítima por meio do direito positivo. Num primeiro
passo, tais direitos devem ser inseridos da perspectiva de alguém
que não está implicado no processo de atribuição mútua. Antes
de chegar a este ponto, Habermas já percorrera os caminhos necessários para tanto: primeiro, ele aludiu, da história da dogmática
do direito, ao paradoxo do surgimento da legitimidade a partir da
legalidade; em segundo lugar, a autonomia foi relida, ainda que de
uma forma mais breve que a abordada neste tópico, a partir da
conexão interna entre autonomia pública e autonomia privada;
por último, a relação de complementariedade entre direito e
moral permitiu uma melhor distinção entre normas jurídicas e
normas gerais de ação.
Não raro, Estado de Direito e democracia são apresentados
como idéias opostas. O princípio do Estado de Direito16 vez por
16
Rosenfeld (2004, p. 17) lembra que a expressão Rechtsstaat cunhada pelos alemães remonta a Kant, ou mesmo antes, e não significa rule of law, mas, no inglês,
State rule through law, ou a regra (ou governo) do Estado por meio do direito. O Kaiser, para governar com a legitimidade que a ordem dinástica logicamente não
poderia fornecer a ele, dependia de um outro tipo de legitimidade a ser atribuída pelo menos formalmente pelo Reichstag. O Kaiser se utiliza estrategicamente
da legitimidade política para realizar a vontade do Estado que encarnava, sem com isso retirar as vestes do jurídico do poder que exercia. Já a expressão L’État
de droit, tradução literal de Rechtsstaat feita por Carré de Malberg, não significou substancialmente aquilo que foi cunhada pelos germânicos. Rosenfeld traduz
a expressão como Estado por meio da democracia jurídica ou Estado por meio da regra democrática, da lei democrática, já que o povo soberano se faz presente
pela aprovação democrática da lei, segundo a Revolução Francesa. Um regime legal, na França, deve ser um regime democrático. A legitimidade está aqui
intimamente ligada aos ideais de Rousseau: legitimidade que existe se representa a vontade geral do povo. No século XX, com o próprio Carré de Malberg, os
franceses puderam verificar que a democracia, de per si, não garantia direitos constitucionais; daí a expressão passou a ser entendida como a regra do direito
ou a regra do Estado por meio do direito democrático. Por fim, nos Estados Unidos, rule of law, ou Estado de Direito, esteve desde sempre ligado à proteção dos
direitos fundamentais. Direito constitucionais sempre foram considerados direitos.
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A tese central de Jürgen Habermas em Facticidade e validade
outra não se faz presente mesmo naquelas ordens em que o poder
político se utiliza do direito; o poder político encontra-se ainda
não domesticado pelo direito. Em outras situações, há Estados
de direito em que o poder político ainda não foi democratizado.
Habermas (2002, p. 285-286) quer, assim, demonstrar como é
comum que vejamos o princípio do direito e o princípio da democracia como opostos, ou seja, como às vezes é difícil vislumbrar,
em virtude dos problemas empíricos, a eqüiprimordialidade entre
autonomia pública e privada; disso não decorre que tal reconciliação não seja possível do ponto de vista normativo.
O medium que representa o direito pressupõe direitos que definem o status de sujeitos de direito como portadores dos mesmos.
Neste passo, dois aspectos podem ser destacados: um primeiro,
relativo ao arbítrio regido pelos interesses de sujeitos que atuam
orientados pelo seu sucesso, é desvinculado dos contextos de
ação orientada ao entendimento nos quais se dão as obrigações;
um segundo aspecto é o da coordenação de ações por meio de
normas coercitivas que limitam os espaços de ação desde fora.
Tais aspectos do medium do direito são apenas o reverso da mesma
moeda. Este fato elucida por que os direitos ocupam a posição
fundamental de assegurar e compatibilizar as chamadas liberdades
comunicativas. Estas, ad instar de Klaus Günther, Habermas (1998,
p. 185) as conceitua como a possibilidade pressuposta reciprocamente na ação comunicativa de assumir uma posição diante
de uma locução ou manifestação de um próximo e diante das
pretensões de validade que são levantadas junto de tais manifestações, as quais buscam um reconhecimento intersubjetivo17. Tal
reconhecimento comporta obrigações exoneradas pelas próprias
liberdades subjetivas que o direito institui. A ação comunicativa
importa em uma intersubjetividade das relações estabelecidas
entre os agentes, e tal explica por que esta liberdade está anexada
a obrigações ilocucionárias.
Desse modo, a autonomia privada pode ser entendida
como a liberdade negativa de abandonar a zona pública de
obrigações ilocucionárias recíprocas e deter-se numa posição de observador mútuo e do também mútuo exercício de
influências recíprocas. A autonomia privada se circunscreve
até onde o sujeito de direito não precisa prestar contas ou
arrazoar o curso de suas ações. As liberdades comunicativas
desobrigam os sujeitos de entrar na ação comunicativa e
contrair obrigações ilocucionárias.
O direito legítimo só é compatível com um modo de coerção jurídica que não destrua os motivos racionais de obediência
ao direito (Habermas, 1998, p. 187). O direito não pode, co-
ercitivamente, impor a renúncia às liberdades comunicativas e
exigir dos sujeitos uma atitude objetivante de um ator que age
estrategicamente. Isto pode ocorrer, no máximo, pela discricionariedade dos mesmos. As normas jurídicas devem deixar um
espaço, sempre, para que possam ser seguidas por respeito.
O princípio democrático une o princípio do discurso à
forma jurídica. Tal entrelaçamento é concebido como uma gênese
lógica do direito que pode ser reconstruída passo a passo. Ela
tem início com a aplicação do princípio do discurso ao direito
a liberdades subjetivas de ação (direito que é constitutivo da
própria forma jurídica) e termina com a institucionalização
jurídica de condições para o exercício discursivo da autonomia
política que configura e concretiza a autonomia privada. Dá de
barato que o princípio democrático seja o núcleo do sistema de
direitos. Tal gênese lógica se dá num processo circular, no qual
o código do direito e o princípio democrático se constituem
co-originariamente.
The democratic principle can take institutional shape only in the
system of rights necessary if citizens are to be both addressees
and authors of laws that “legitimately regulate their living
together.” More specifically, the “application of the discourse
principle to the medium of law as such” issues in a set of rights
guaranteeing the private autonomy of the addressees of law,
while the requirement that the addressees also be authors of
law generates rights of political participation and thus the public
autonomy of citizens (Rheg, 1996, p. 1153)18.
Esta circularidade do processo de autoconstituição do
direito e do processo democrático deu azo para que Frank
Michelman levantasse uma objeção. Haveria a persistência de
um paradoxo, e não uma tensão constitutiva, entre direitos e
democracia que se realiza ab initio no ato do poder constituinte
originário, é dizer, será que é possível reconhecer realmente
como democrático o processo de formação da opinião e da
vontade levado a cabo pelos pais fundadores? Habermas levanta
a questão, ventilada adiante, de que os cidadãos que decidem
pela criação autônoma de uma associação de participantes do
direito livres e iguais colocam-se diante da aporia de dizer que
direitos eles devem se atribuir reciprocamente, caso queiram
regular legitimamente sua convivência por intermédio do direito
positivo. Duas constatações se seguem:
- Em primeiro lugar, constatamos que só pode ser tido como
legítimo aquilo em torno do qual os participantes da deliberação
livre podem unir-se por si mesmos, sem depender de ninguém
17
Klaus Günther (1996, p. 1038) esclarece que o conceito de “liberdade comunicativa” refere-se a um dos mais basilares conceitos de liberdade, ou seja, a
possibilidade de dizer “não”.“The possibility to say ‘no’ is constitutive for the possibility of alternatives, and for the actor’s awareness that he or she could decide
between taking an affirmative position toward a plan of action. Taking an affirmative position then means taking a negative position toward the counterreasons
which could be mobilized against the action plan. Thus, the actor’s will can be interpreted as the result of a double negativity, that is, as the negation of the
possibility of a negation of her intention. Then, it seems that this structure of double negativity is the central feature of communicative freedom.”. Tradução
livre: “A possibilidade de dizer ‘não’ é constitutiva da possibilidade de alternativas e da consciência do ator de que ele ou ela poderiam decidir por assumir uma
posição afirmativa diante de um plano de ação. Assumir uma posição afirmativa então significa assumir uma posição negativa diante das contra-razões que
poderiam ser levantadas contra o plano de ação. Assim, a vontade do ator pode ser interpretada como o resultado de uma dupla negação, ou seja, como a
negação da possibilidade da negação de sua intenção. Então, parece que esta estrutura de dupla negação é a característica central da liberdade comunicativa.”
Em se tratando de uma liberdade negativa, Günther salienta que tal dupla negação deve ser entendida em termos de relações ilocucionárias entre falante e
ouvinte: trata-se da recusa do ouvinte em aceitar o pronunciamento do falante, algo fundamental para a liberdade comunicativa. A possibilidade de dizer “não” é
a liberdade de tomar uma posição diante das pretensões de validade de um ato de linguagem. Isto envolve, por óbvio, a terceira possibilidade de não adentrar na
comunicação (o que é diferente de abandoná-la após o estabelecimento de obrigações ilocucionárias entre as partes).
18
Tradução livre: “O princípio democrático pode obter uma forma institucional apenas no sistema de direitos necessários se os cidadãos podem ser ao mesmo
tempo destinatários e autores das leis que ‘legitimamente regulam sua vida em conjunto’. Mais especificamente, a ‘aplicação do princípio do discurso ao medium
do direito como tal’ deságua numa estrutura de direitos garantindo a autonomia privada dos destinatários do direito, enquanto que a exigência de que os
mesmos sejam também autores daquele gera direitos de participação política e, assim, a autonomia pública dos cidadãos.”
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Emílio Peluso Neder Meyer
– portanto, aquilo que encontra o assentimento fundamentado
de todos, sob as condições de um discurso racional. Isso não
exclui, naturalmente, a possibilidade do falibilismo, pois a busca
da única resposta correta não é capaz de garantir, por si mesma,
um resultado correto. Somente o caráter discursivo do processo
de deliberação é capaz de fundamentar a possibilidade de
autocorreções reiteradas e, destarte, a perspectiva de resultados
racionalmente aceitáveis.
- Em segundo lugar, constatamos que os participantes se
comprometem, através de um questionamento específico,
a assumir o direito moderno como medium para regular sua
convivência. Ora, o modo de legitimação de um assentimento
geral obtido sob condições do discurso, e a idéia de leis
obrigatórias que abrem espaço para iguais liberdades subjetivas
fazem jus ao conceito kantiano de autonomia política: aqui
ninguém é livre, enquanto houver um único cidadão impedido
de gozar da igual liberdade sob as leis que todos os cidadãos
se deram a si mesmos, seguindo uma deliberação racional.
(Habermas, 2003, p. 162).
Michelman (Habermas, 2003, p. 164) sustenta que a prática
constituinte não pode ser explicada da ótica da teoria do discurso,
já que, dentro do processo circular de autoconstituição do direito,
poderia haver um regresso ao infinito. A legitimidade procedimental dos resultados discursivos depende não somente da
observância do procedimento, mas de pontos de vista temporais,
sociais e objetivos, segundo a crítica de Michelman. O paradoxo
levantado por Michelman, é, em verdade, tão antigo quanto a própria história do Direito Constitucional, fruto de eternos debates,
como os travados entre Hans Kelsen e Carl Schmitt19.
Habermas responde às críticas de Michelman com algo
que ele entende ser próprio do caráter das Constituições
dos Estados Democráticos de Direito: sua abertura para o
futuro. Uma Constituição democrática cria um projeto capaz
de formar tradições com um início definido na história20.
As gerações vindouras possuem a tarefa de reinterpretar e
reafirmar a Constituição, atualizando a substância normativa
do sistema de direitos.
É verdade que essa continuação falível do evento fundador
só pode escapar do círculo da autoconstituição discursiva
de uma comunidade, se esse processo, que não é imune a
interrupções e a recaídas históricas, puder ser interpretado,
a longo prazo, como um processo de aprendizagem que se
corrige a si mesmo (Habermas, 2003, p. 165).
A amarração entre os princípios do Estado Democrático
de Direito se evidencia na prática comum de cidadãos que
procuram interpretar e atualizar uma Constituição. O sentido
performativo dessa prática, que visa criar uma comunidade
política de cidadãos livres e iguais, é enunciado na Constituição, e apenas isto, dependendo de uma explicação cotidiana,
num processo que se corrige a si mesmo.
Não bastam, porém, os direitos políticos para o processo
de autolegislação. O sistema de direitos deve conter a resposta à
questão de quais são os direitos para a convivência legítima
dos cidadãos sob a égide do direito positivo. Somando o conceito de forma jurídica, que, como em Luhmann, é entendido
como um conceito relativo à estabilização de expectativas
sociais de comportamento, e o conceito de princípio do discurso,
Habermas (1998, p. 188) introduz em abstrato três categorias
de direitos que estabelecem o código do direito ao criar o status
de sujeitos de direito:
(1) Direitos fundamentais resultantes do desenvolvimento e
configuração politicamente autônomos do direito ao maior
grau possível de iguais liberdades subjetivas de ação. Apenas
com o princípio do discurso é possível vislumbrar que
qualquer pessoa tem um direito a iguais liberdades subjetivas
de ação. Mas apenas com essa categoria o código do direito
não poderá restar institucionalizado. É preciso encontrar a
aplicação dentro de uma comunidade jurídica e determinar
direitos passíveis de reclamação.
São correlatos desses mesmos direitos:
(2) Direitos fundamentais resultantes do desenvolvimento e
configuração politicamente autônomos do status de membro
da associação voluntária que é a comunidade política. Normas
jurídicas se referem a contextos de interação de sociedades
concretas. Elas advêm de um legislador histórico, tendo como
referência um âmbito jurídico geograficamente delimitado,
assim, um espaço restrito de validade. É preciso lembrar que
todo monopólio da coerção é finito, provincial com relação
ao futuro e ao espaço. Por isso o código do direito deve incluir
direitos referentes ao pertencimento a uma determinada
associação de sujeitos de direito, permitindo a diferenciação
entre membros e não membros. São os chamados direitos de
nacionalidade.
(3) Direitos fundamentais que resultam diretamente da
acionabilidade dos direitos, ou seja, da possibilidade de
reclamar judicialmente seu cumprimento, bem como os
direitos que resultam do desenvolvimento e configuração
politicamente autônomos da proteção dos direitos individuais.
Os sujeitos de direito só poderão mobilizar na forma de
faculdades de exercer uma ação jurídica as faculdades de
coerção ligadas a seus direitos se eles tiverem livre acesso a
tribunais independentes, que decidam imparcialmente e de
maneira impositiva.
As três categorias elencadas são resultado da aplicação
19
Kelsen tentou ocultar tal paradoxo com sua teoria pura. A norma fundamental seria um pressuposto da Ciência do Direito e por isso não seria ele mesmo objeto
de questionamento; a Ciência do Direito pertencia ao campo do dever ser. Schmitt expôs o paradoxo, dando prevalência à democracia, conceituada por ele como
a unidade do político que radicava no Presidente da República (tal como na Igreja Católica, o Presidente, e não o Parlamento, melhor exprimia o princípio da
representação) (Caldwell, 1997, p. 85ss).
20
A idéia da Constituição como um projeto é própria de teorias reconstrutivas como as de Habermas e Dworkin e põe de lado teorias originalistas que visam
alcançar a vontade do constituinte, como se ela pudesse prender as próximas gerações de uma vez por todas, como se encerrasse um processo. Daí afirmar
Rosenfeld ser a identidade constitucional um projeto aberto que se concretiza na construção e reconstrução. “O sujeito constitucional, que emerge do encontro
do eu com o outro, fundado na ausência e na alienação, encontra-se em uma posição que requer que ele esqueça a sua identidade utilizando-se do medium
de um discurso constitucional, enraizado em uma linguagem comum que vincula e une o multifacetado eu constitucional aos seus múltiplos outros. Esse
discurso constitucional deve ser construído, sobretudo, a partir de um texto constitucional que deve ser localizado em seu contexto próprio, levando em conta
as restrições normativas e factuais relevantes. Como o texto é dependente do contexto e como o contexto é aberto-a-finalidades (open-ended) e sujeito a
transformações ao longo do tempo, o sujeito constitucional precisa recorrer ao discurso constitucional para inventar e reinventar a sua identidade. [...] Em resumo,
a auto-identidade constitucional, no entanto, só pode ser articulada pouco a pouco por um sujeito parcial que deve construí-la a partir de fragmentos díspares
que precisam ser projetados em um passado e um futuro incertos” (Rosenfeld, 2003b, p. 39-41).
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A tese central de Jürgen Habermas em Facticidade e validade
do princípio do discurso ao medium do direito, ou seja, são
condições da configuração da associação horizontal dos
cidadãos. Tais direitos garantem apenas a autonomia privada
dos cidadãos, dando aos mesmos o status de destinatários das
normas, o que possibilita sua reclamação uns em relação aos
outros. Não há direito legítimo sem essas três categorias de direitos.
Não se está falando aqui dos direitos liberais. Os direitos
fundamentais pertencentes ao código do direito são direitos
não saturados. Eles devem ser interpretados e desenvolvidos
de acordo com as circunstâncias por um legislador político.
Os cidadãos atribuem-se mutuamente direitos determinados
e não regulam sua convivência apenas em abstrato. Direitos
clássicos de liberdade, direitos políticos e direito ao devido
processo são interpretações das categorias de direitos acima
definidas, são concretizações. Os direitos não saturados das
três primeiras categorias definidas por Habermas (1998, p.
192) são princípios jurídicos que orientam o constituinte. Sua
soberania não está afetada porque ele precisa seguir tais
categorias se quiser utilizar o medium do direito.
Para que eles sejam considerados como autores é necessária uma outra categoria:
(4) Direitos fundamentais de participação em igualdade
de oportunidades nos processos de formação da opinião
e da vontade comuns, nos quais os cidadãos exerçam sua
autonomia política e mediante os quais seja estabelecido
o direito legítimo. O teórico do direito diz aos cidadãos
que direitos atribuir-se mutuamente se quiserem regular
sua convivência por meio do direito positivo. Deve haver,
contudo, uma mudança de perspectiva se tais cidadãos
devem, eles mesmos, fazer uso do princípio do discurso.
Como sujeitos de direito, eles só alcançarão sua autonomia
caso possam se ver como autores dos direitos dos quais são
destinatários. Para tanto, contudo, não cabe a eles disporem
do meio do direito: esse é o único código pelo qual podem
expressar sua autonomia. São os próprios cidadãos, como
legisladores constituintes, que devem estruturar os direitos
que transformam o princípio do discurso em princípio
democrático21.
Tal categoria tem uma aplicação na interpretação que
pode ser feita em termos de Direito Constitucional das
categorias de (1) a (4), bem como no desenvolvimento e
configuração política de tais direitos. Os direitos políticos
fundam o status de cidadãos livres e iguais, o qual é auto-referencial, já que possibilita aos cidadãos mudar sua posição
jurídica a fim de melhor configurar sua autonomia pública
e privada. Por fim:
(5) Direitos fundamentais que garantam condições de
vida que, social, técnica e ecologicamente asseguradas na
medida de sua necessidade em cada caso, proporcionem o
usufruto por igual de oportunidades dos direitos elencados
de (1) a (4).
Desse modo, nem o âmbito da autonomia política dos cidadãos
é restringido desde fora por um direito natural ou moral e nem
a autonomia privada do indivíduo é instrumentalizada por uma
legislação dita soberana. Para a prática de autodeterminação
dos indivíduos apenas está previamente dado o princípio
do discurso, inscrito nas próprias condições de associação
comunicativa e no medium do direito. É certo que o código
jurídico estabelecido já representa direitos de liberdade
que fixam o status de sujeitos de direito e garantem a sua
integridade, mas tais direitos são condições necessárias que
no máximo possibilitam o uso da autonomia política. Como
condições de possibilidade, eles não restringem a soberania
do legislador, mesmo que não estejam à sua livre disposição.
“Las condiciones posibilitantes no imponen restricciones a aquello
que constituyen” (Habermas, 1998, p. 194).
O princípio do discurso só pode adotar a forma de
princípio da democracia se ambos se entrelaçarem e desenvolverem um sistema de direitos que leve em conta a
reciprocidade da autonomia pública e da autonomia privada.
Todo exercício da autonomia política é uma interpretação
desse sistema não saturado e isto vale também para os
direitos políticos. O princípio de que o poder do Estado
emana do povo deve ser especificado em cada caso. Assim,
os diferentes capítulos referentes aos direitos fundamentais
em cada Constituição são diferentes leituras, para Habermas,
de um mesmo sistema de direitos. A primazia da Constituição
sobre as leis pertence à sistemática do Estado de direito, mas isso só
significa uma fixação relativa do conteúdo das normas constitucionais.
Toda Constituição é um projeto que só ganha consistência
por meio da interpretação constitucional.
Assegurando eqüiprimordialmente a autonomia pública
e privada, o sistema de direitos operacionaliza a tensão entre
facticidade e validade, entre positividade e legitimidade. De
um lado, o sistema desencadeia, por intermédio de leis coercitivas que tornam compatíveis iguais liberdades de ação, os
arbítrios de sujeitos que agem estrategicamente. Por outro
lado, ele mobiliza e une na autonomia pública as liberdades
comunicativas de cidadãos que almejam o bem comum.
O paradoxo do surgimento da legitimidade a partir da
legalidade só aparece caso se conceba o sistema jurídico
como um processo circular que retorna recursivamente a
si mesmo e se legitima a si mesmo. A tal se opõe, segundo
Habermas, o fato de que instituições jurídicas da liberdade caem no desuso sem as iniciativas de uma população
acostumada à liberdade. A espontaneidade desta população
não é algo que possa ser imposto pelo direito. Pelo contrário, tal só é possível em tradições que mantenham vivo o
sentimento de liberdade e que a promovam, contribuindo
para a manutenção de uma cultura política liberal. O direito
pode diminuir o encargo do uso de liberdades comunicativas. A teoria do discurso compreende o direito de ambas
as perspectivas. De uma parte, o fardo da legitimação da
produção do direito se desloca e não recai tanto sobre as
virtudes de cidadãos, mas sobre procedimentos de formação da opinião e da vontade. Por outro, a tradução para
o código do direito das liberdades comunicativas implica
que o direito mesmo deve se abrir a fontes de legitimação
das quais não pode dispor a bel-prazer.
21
“De igual forma que la libertad comunicativa, antes de toda institucionalización, está referida a condiciones de un empleo del lenguaje orientado al
entendimiento, y depende de esas condiciones, así también los derechos a hacer uso público de la libertad comunicativa dependen de formas de comunicación
y de procedimientos discursivos de deliberación y decisión, asegurados jurídicamente. Éstos tienen que garantizar que todos los resultados obtenidos de manera
formal y procedimentalmente correcta tengan a su favor la presunción de legitimidad” (Habermas, 1998, p. 193, destaques do original).
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Emílio Peluso Neder Meyer
O direito moderno possui certas qualidades formais. Em
primeiro lugar, ele é estruturado individualisticamente. As ordens
jurídicas modernas estruturam-se sobre direitos subjetivos, que
dão aos destinatários um âmbito de ação para que eles possam
proceder de acordo com suas preferências. Dentro do que foi
limitado pelo direito, as pessoas agem sem que precisem motivar
as atitudes que tomam, ao contrário do que ocorre em relação
às normas morais. Porém, ao contrário das normas morais,
a cujos motivos as pessoas devem também ligar sua vontade
autônoma, as normas jurídicas aplicam-se cogentemente. Daí
uma segunda característica do direito moderno: ele é cogente. A
legitimidade do direito moderno consiste no espaço deixado
para que as pessoas possam obedecer-lhe por respeito. O
direito moderno é, ao mesmo tempo, a consagração de leis
da coerção e leis da liberdade22. E, em terceiro lugar, é preciso
salientar que o direito moderno é positivo, ou seja, é um direito
escrito e modificável que, para que obtenha legitimidade, deve
ser constituído por meio de um procedimento democrático que
garanta, eqüitativamente, a autonomia pública e privada dos que
são atingidos por ele (Habermas, 2001, p. 145-147).
Com isso, de um lado, estabelece-se uma relação conceitual entre o caráter de coercibilidade e a modificabilidade do
direito moderno: a facticidade da imposição do direito tem
uma ligação direta com as normas que, se impostas agora,
podem não sê-lo no futuro, e isto por obra de um legislador
que pode alterá-las a qualquer momento. De outro lado, para
que se possa obedecer a um direito que não pode mais apelar
para uma moral eterna (direito natural) ante a dessacralização
das imagens de mundo, é necessário que ele obedeça a um
procedimento de institucionalização que assegure a autonomia
dos destinatários. Ou seja, um procedimento democrático.
O princípio democrático garante legitimidade ao direito
ao fundar a idéia de que suas normas possuem como alvo
destinatários que podem se ver como autores das mesmas.
Está aí a coesão interna entre direitos humanos e soberania
popular23. A forma do direito define os procedimentos democráticos de formação da opinião e da vontade que irão
dizer que direitos cabem a quem:
A almejada coesão interna entre direitos humanos e
soberania popular consiste assim em que a exigência de
institucionalização jurídica de uma prática civil do uso público
das liberdade comunicativas seja cumprida justamente por
meio dos direitos humanos. Direitos humanos que possibilitam
o exercício da soberania popular não se podem impingir de
fora, como uma restrição (Habermas, 2002, p. 292).
Com a autonomia privada, os indivíduos decidem como
usufruir dos direitos subjetivos de que dispõem; com a
autonomia pública, eles definem como o igual será tratado
como igual e o desigual como desigual, por intermédio de
suas liberdades comunicativas. No entanto, tal diferenciação
não compromete a coesão interna entre autonomia pública
e privada. Em sociedades pós-tradicionais, os indivíduos
não têm como dispor do “medium” jurídico nos processos de
integração social, não podendo mais apelar para justificações
metafísicas. Partindo desse ponto, é imperioso ressaltar que
os indivíduos devem fazer uso de sua autonomia pública para
definir que direitos cabem a quem e em que medida; ao mesmo
tempo, eles só podem fazer um uso adequado das já mencionadas liberdades comunicativas se dispuserem de condições
mínimas para tanto. Assim, autonomia pública e privada são
eqüiprimordiais, co-originárias, complementares.
Regulamentações que podem pretender legitimidade são
justamente as que podem contar com a concordância de
possivelmente todos os afetados enquanto participantes em
discursos racionais, nos termos do “princípio do discurso”. Se
os discursos e negociações são o que constitui o espaço de
formação da opinião e da vontade política racional, então,
segundo Habermas, a suposição de racionalidade que
deve embasar o processo democrático tem que se apoiar
num arranjo comunicativo segundo o qual tudo depende
das condições sob as quais se podem institucionalizar
juridicamente as formas de comunicação necessárias para
a criação legítima do Direito (Cattoni de Oliveira, 2004b, p.
180).
Conclusões
Numa drástica redução, pode-se dizer que a tese central
de Faktizität und Geltung, e partir da qual Habermas relacionará direito e poder político, constitui-se na relação de
eqüiprimordialidade entre autonomia pública e autonomia
privada, na complementariedade entre direito e moral e
na relação recíproca entre direitos humanos e soberania
popular que partem de um mesmo princípio do discurso. A
fim de esposar sua tese da coesão interna entre direitos
e democracia, Habermas introduz a categoria do direito
moderno a partir do ponto de vista da teoria da ação comunicativa. O direito não se limita a cumprir os requisitos
funcionais de uma sociedade complexa, não, mais do que
isso, ele exerce a integração social por meio da aceitabilidade
de pretensões de validade, e isto se dá pela superação do
paradoxo da derivação da legitimidade pela legalidade, ou seja,
o procedimento legislativo passa a ser visto como garante
da legitimidade às leis. Mas isso só é possível perceber por
meio de um conceito discursivo de direito que traga à luz a
coesão interna entre autonomia pública e autonomia privada,
22
“Isso se revela na peculiar ambivalência com que o direito vai de encontro a seus destinatários e deles espera obediência. Pois ele os deixa livres, seja para
considerar as normas apenas como uma restrição efetiva de seu espaço de ação e portar-se estrategicamente em face das conseqüências previsíveis de uma
possível violação das regras, seja para querer cumprir as leis em uma atitude performativa – e isso por respeito a resultados de uma formação comum da vontade
que demandam legitimidade para si.” (Habermas, 2002, p. 287).
23
Cattoni de Oliveira (2005, p. 11-12), referindo-se a voto recente do Ministro Celso de Mello no Mandado de Segurança nº 24.831-9/DF, traduz de forma exemplar
a questão: “Nesse sentido, o Min. Celso de Mello procurou recuperar, de uma perspectiva principiológica, que certamente contribui para uma compreensão
constitucionalmente adequada da representação política e do exercício do Poder Legislativo ao Estado Democrático de Direito, a intuição normativa segundo
a qual a Constituição da República articula, de forma complexa, questões políticas – éticas, morais e pragmáticas – a questões jurídicas. Mas tal articulação deve
ser compreendida de tal forma que a proteção de direitos não fique prejudicada por razões de Estado. A garantia dos direitos fundamentais, no duplo sentido de
direitos individuais e de direitos de participação política, envolve, assim, compreendê-los como garantias constitutivas do próprio processo democrático.”
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Estudos Jurídicos
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A tese central de Jürgen Habermas em Facticidade e validade
algo de certa forma intuído por Kant e Rousseau, mas não
levado devidamente a efeito, justamente por estarem presos
à filosofia da consciência.
Tal conexão interna é apresentada por Habermas com o
recurso a um sistema de direitos que apresente as condições de
institucionalização jurídica de formas de comunicação para
a produção politicamente autônoma de normas.
Em sociedades modernas e complexas, não é possível mais
apelar para uma moral que, numa relação de subordinação,
ofereça conteúdo e legitimidade ao direito. Moral, ética e direito
tornam-se distintos. A moral e o Direito são co-originados num
princípio do discurso de conteúdo neutro, que pede o assentimento
dos afetados para que possa haver validade nas normas de ação
implicadas. Tal princípio assume um caráter especial quando
ligado à forma do direito e torna-se um princípio democrático aberto
a argumentos éticos, morais e pragmáticos. Daí que o conceito
de autonomia, que na moral é unívoco, se bifurca no direito:
autonomia pública e autonomia privada. Isso levou à idéia de
que democracia e Estado de Direito são concepções irreconciliáveis: Habermas tem em mente, justamente, proceder a
essa reconciliação. O conceito de liberdades comunicativas permite
verificar que o desuso de obrigações ilocucionárias só pode ser
uma discricionariedade dos sujeitos de direito a partir de sua
autonomia privada; por isso, o direito deve sempre deixar um
espaço para que possa ser, à disposição dos cidadãos, obedecido
por respeito.
Com isso, o princípio democrático passa a ser o núcleo de
um sistema de direitos reconstruído numa gênese lógica. Esse
sistema de direitos contém (a) direitos a iguais liberdades
subjetivas de ação; (b) direitos de configuração como
membros de uma associação política; (c) direitos de acesso
à justiça para proteção daqueles direitos; (d) direitos de
participação política que revelem a autonomia pública para
a delimitação das três primeiras categorias; e (e) direitos de
garantia de condições sociais necessárias para o usufruto
das outras categorias de direitos. Desse modo, a almejada
coesão interna entre direitos humanos e soberania popular
é alcançada pela institucionalização jurídico-constitucional
de procedimentos de participação na formação da opinião
e da vontade, procedimentos estes que estão imbricados na
inabdicável forma jurídica moderna.
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