A pesquisa foi publicada em novembro 2008 na revista american journal of medical genetics Mapa genético do bipolar Um recente estudo conduzido pela Universidade de Indiana declara ter encontrado o mapa genético do transtorno bipolar. Isso significa que, no futuro, por meio de um exame específico, combinado com pesquisa de um biomarcador sanguíneo, será possível realizar ações preventivas (mudanças de estilo de vida, consultas, baixas doses de remédios), adiar ou impedir o desenvolvimento da patologia, além de viabilizar terapias personalizadas. 50 viva saúde www.revistavivasaude.com.br A vida entre dois polos Mudanças de humor que vão da tristeza extrema à euforia caracterizam o transtorno bipolar, uma doença que requer tratamento contínuo ao longo da vida. E, nesse caso, a participação dos familiares e amigos é imprescindível por cristina almeida fusão de imagens: sandra tir O s pintores Van Gogh e Jackson Pollock, os escritores Ernest Hemingway e Virgínia Woolf, as cantoras Britney Spears e Sinead O’Connor são algumas das personalidades que já foram diagnosticadas como portadores de uma doença psiquiátrica conhecida como transtorno bipolar (TB). Descrito pela primeira vez na literatura médica por Areteu da Capadócia, no século II, esse transtorno foi relacionado à melancolia, sintoma que o cientista considerou parte ou princípio de uma mania capaz de levar os pacientes a mudanças de humor que partiam da tristeza, evoluíam para o desalento e, num segundo www.revistavivasaude.com.br momento, os conduzia a um estado de euforia que beirava a loucura. Embora as mudanças de temperamento e os altos e baixos sejam naturais e previsíveis, hoje, sabe-se que o TB se distingue pela evolução de seus sintomas que, excessivos, repercutem na vida afetiva e social do paciente, podendo levá-lo ao suicídio. Como os sintomas podem ser confundidos com uma nuance da personalidade do sujeito, ou com outras doenças, muitas vezes o TB não é imediatamente diagnosticado, o que faz com que a pessoa sofra por muitos anos sem o devido cuidado. Trata-se de um mal que não tem cura, mas pode ser controlado. Formas de ajudar Para a psiquiatra Sheila Cavalcante Caetano, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, é muito importante o acesso às informações sobre a patologia, seja para o próprio paciente, seja para seus amigos e familiares, que possuem papel importante em todo o tratamento. Sheila diz que o envolvimento familiar é essencial não só para auxiliar nas providências práticas que a doença requer, mas também para que todos possam aprender novas formas de lidar com o problema, diminuindo os efeitos do estresse dele decorrentes. Assim, juntamente com o apoio médico e psicológico, além da participação de grupos de apoio e atividades organizadas por entidades como a Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata) e a Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB), formam o tripé que leva ao equilíbrio e à possibilidade da melhora na qualidade de vida de todas as pessoas envolvidas. Acompanhe a entrevista exclusiva que a psiquiatra concedeu à VivaSaúde, de seu consultório em São Paulo. viva saúde 51 A VIDA ENTRE DOIS POLOS reprodução autorizada pela associação brasileira de familiares, amigos e portadores de transtornos afetivos: www.abrata.org.br. Como familiares e amigos devem agir Se os medicamentos estiverem causando efeitos colaterais muito incômodos, o médico deve ser informado; Detecte com o paciente os primeiros sinais de uma recaída; se ele considerar essa atitude como intromissão, afirme que é seu papel auxiliá-lo; Fale com o médico em caso de suspeita de idéias de suicídio; Compartilhe com outros membros da família o cuidado com o paciente; Estabeleça algumas regras de proteção durante fases de normalidade do humor, como retenção de cheques e cartões de crédito em fase de mania; Auxilie-o a manter boa higiene de sono; Programe atividades antecipadamente; Mesmo depois da melhora, há um período de adaptação e desapontamento; é importante não exigir demais e não superproteger, mas ajude-o a fazer algumas coisas, quando necessário; Evite chamar o paciente de louco ou demonstrar outros sinais de preconceito, que favorecem o abandono do tratamento; trate-o normalmente; Aproveite períodos de equilíbrio para diferenciar depressão e euforia de sentimentos normais de tristeza e alegria. O que é transtorno bipolar? Sheila Caetano: O transtorno bipolar (TB) é uma doença caracterizada por pelo menos dois episódios de alteração do humor, onde obrigatoriamente haverá euforia, podendo ocorrer também episódios de depressão. Na euforia, o paciente se sente alegre em exagero e, às vezes, irritado, apresentando estado de autoestima elevada. Suas sensações o fazem sentir-se superpoderoso, com aumento do desejo sexual, pensamentos acelerados, falando muito e rapidamente. Nessa fase, gasta muito dinheiro, não sente necessidade de dormir nem se sente cansado. Nos períodos de depressão, a pessoa fica muito triste, chorosa, angustiada, lenta, com autoestima baixa, insônia e cansaço, e é possível que ocorra diminuição ou aumento do apetite e irritabilidade. Trata-se de um transtorno psiquiátrico que acomete em torno de 1% a 3% da população e geralmente começa na adolescência. Quais são as causas e fatores desencadeantes? Sheila: Não estão bem determinadas as causas do TB. Sabe-se que não existe um fator único desencadeante, mas possivelmente uma interação de fatores genéticos e ambientais. Entre os genéticos, sabemos que numa família com um membro com TB grave, a chance de um parente em 1° grau ter o transtorno é duplicada quando comparado à população em geral. Quanto às causas ambientais, o acúmulo de estresse e o uso de drogas como maconha, cocaína e anfetamina podem desencadear o TB. O TB pode ser confundido com depressão. Como é possível identificar os sintomas? Sheila: No TB temos fases de depressão, mas para ser bipolar é obrigatória a existência do polo da euforia Não há cura para o transtorno bipolar, mas a doença é controlável como o diabetes e a pressão alta 52 viva saúde ou elação, isto é, alegria exagerada, e é notório para parentes e conhecidos que a pessoa apresente uma alegria que não é normal: ri exageradamente, tem maior desejo sexual, sente-se mais poderosa do que os outros, a autoestima está inflada, não sente sono e possui muita energia, fala e se movimenta o tempo todo, não conseguindo manter o foco. Nas crianças, esses sintomas aparecem de acordo com a fase de seu desenvolvimento. Na idade escolar, são frequentes brigas porque se sentem irritadas, acham que são mais poderosas do que os professores, não param quietas na sala de aula e são os palhaços da sala. Na adolescência, há muita irritabilidade e nas fases de euforia o quadro é de inquietação, superpoder, atividades de risco, desinibição, aumento da atividade sexual. Durante a fase de depressão verifica-se baixo desempenho escolar, isolamento social, mau humor, tristeza, choro contínuo e alterações do sono e apetite. Quais são os riscos para o paciente? Sheila: O TB é um transtorno crônico e o surgimento de um episódio facilita o aparecimento de outros, se o primeiro não for devidamente tratado. A instabilidade da doença com alternância de episódios de depressão e euforia atrapalha o desempenho na escola e no trabalho, o relacionamento afetivo, conjugal, com filhos e outros parentes. As pessoas com TB têm maior risco de desenvolver abuso e dependência de drogas. Além disso, essa é a doença mais associada ao suicídio, que é o pior dos riscos. Como é a terapia indicada nesses casos? Sheila: Não há cura para o TB, mas a doença é controlável como o diabetes e a pressão alta. É sempre indicado tomar medicação que estabilize o humor e impeça o surgimento de novos episódios de depressão ou euforia. Sugere-se também a psicoterapia para auxiliar o paciente a conhecer a doença e aprender a lidar com o estresse. Nos www.revistavivasaude.com.br casos em que predomina a depressão, além do estabilizador do humor (como lítio, ácido valproico, carbamazepina), às vezes é necessário tomar antidepressivos, mas esses devem ser administrados com muito cuidado, pois o medicamento pode desencadear a euforia nos pacientes bipolares. pintura, nem arte alguma. No auge da euforia, a pessoa pode perder o contato com a realidade e começar a ouvir vozes ou se sentir perseguido, com risco de se machucar ou até mesmo se suicidar. Após quanto tempo é possível identificar algum progresso no tratamento? Sheila: A distribuição é igual entre homens e mulheres. Na depressão unipolar (sem euforia), a proporção é de duas mulheres acometidas para cada homem, provavelmente por questões hormonais. Como familiares e amigos devem agir nessa circunstância? Sheila: Assim como os pacientes, os parentes devem aprender sobre a doença em associações correlatas, além de planejar com o psiquiatra e/ ou psicólogo uma forma de auxiliar no tratamento. Cito como exemplo o fato de um paciente ficar mais de três noites sem dormir, momento em que é necessário procurar a ajuda do psiquiatra juntamente com o paciente. Se a pessoa estiver em euforia e gastando muito dinheiro, por exemplo, o familiar deverá guardar os talões de cheque e os cartões, impedindo que o paciente gaste todo o seu dinheiro. Artistas do passado e celebridades do nosso tempo têm sido diagnosticados bipolares. Existe alguma relação entre ter uma vida pública e o TB? Sheila: Não parece ter uma relação clara. Logo que as pessoas bipolares começam a apresentar euforia, ainda há algum controle sobre suas atividades que, nesse momento, apenas estão aumentadas: estão com mais energia, pensam mais rápido e ficam mais confiantes. Com o progredir da doença, as pessoas em euforia perdem a crítica sobre si mesmas e ficam tão agitadas que não conseguem parar e se controlar. A partir daí não produzirão mais nada, nem música, nem www.revistavivasaude.com.br Sheila: Até o século passado a maioria das pessoas pensava que todas as crianças eram felizes e, portanto, não poderiam sofrer de transtornos depressivos. Contudo, há casos de bipolaridade descritos de longa data na infância. Hoje, psiquiatras e psicólogos estão mais atentos ao surgimento de depressão e TB nessa fase da vida. E se o paciente quiser parar de tomar a medicação? Desculpas comuns Razões para continuar o tratamento Como ajudar Não me agrada a ideia de tomar remédios a vida toda. O Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) pode causar sintomas que persistem, se alteram ou até pioram ao longo da vida. Somente com tratamento adequado a doença pode ser controlada. Lembrar a seu ente querido que tomar remédios não é sinal de fraqueza. Pessoas que sofrem de asma e pressão alta também tomam remédios por toda a vida. Estou melhor e não há nada de errado comigo. O TAB pode afetar a capacidade de julgamento e é possível que a pessoa esteja vivenciando um episódio de humor neste momento. Sentir-se bem pode significar que o remédio está funcionando. Assegurar-se de que o médico tenha sido avisado sobre como o paciente se sente. Pode ser que haja necessidade de regular a dosagem da medicação. Os efeitos colaterais me deixam física e psicologicamente desconfortável. Estou engordando e sempre sonolento. Os efeitos colaterais podem ser temporários. Em algumas pessoas os benefícios da medicação são superiores a esses desconfortos. Aconselhar a pessoa a falar sobre o assunto com seu grupo de apoio ou com seus familiares. Não estou de acordo com o tratamento e não quero tomar esse remédio. Parar com o remédio ou modificar sua dosagem sem supervisão médica pode agravar os sintomas. Lembrar que ele sempre pode pedir uma segunda opinião. Sugira que converse com o médico sobre alternativas de tratamento. material adaptado do site: www.bipolar.com Sheila: As medicações podem demorar entre duas e seis semanas para começar a fazer efeito. Quem sofre mais com o TB, homens ou mulheres? Crianças e adolescentes sempre foram acometidos pela doença e não se sabia, ou há realmente um aumento de casos? viva saúde 53