INFÂNCIA, ARTE E GENÊRO NA SALA DE AULA: RELAÇÕES ENTRE A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA E VIGOTSKI1 RESUMO: Com base na perspectiva educacional marxista o presente trabalho debate a visão de educação infantil e suas implicações para formação humana das crianças. Destacando e pontuando a ação com projetos voltados ao debate de gênero em sala de aula no Centro de Educação infantil Catequista Maria Alacoque, na cidade de Brejo Santo-CE. Projetos construídos e pautados na perspectiva pedagógica da Pedagogia Histórico-Crítica e na Psicologia Histórico-Cultural. Este trabalho aponta como resultados a possibilidade do ensino de artes com saberes emancipatórios para as crianças e traz ainda a perspectiva da continuação da pesquisa, com intuito de aprofundar o debate em torno das teorias utilizadas e da realização de ações concretas com as mesmas. Palavras Chaves: Pedagogia Histórico-Crítica, Arte, Educação Infantil. EDUCAÇÃO INFANTIL E A FORMAÇÃO DA CRIANÇA É a partir do conceito de infância que se torna palpável todo o entendimento da sua formação na perspectiva escolar. Por muito tempo as crianças foram vistas como meros reprodutores das ações adultas, adultos em miniatura. O conceito de infância tal qual nós enquanto sociedade conhecemos é bastante recente, data do início do século XX. É com base nesse novo conceito protagonizado pelas pedagogias conhecidas no Brasil como da escola nova, que entende as crianças como seres dotados de potencialidades e de direito de vivenciar seu momento histórico de acordo com suas perspectivas de mundo, que as Orientações Curriculares para Educação Infantil do governo do estado do Ceará, datadas de 2011 e pautadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), debatem e pontuam a função e as responsabilidades da educação escolar das crianças: Segundo as novas Diretrizes Curriculares, as instituições de Educação Infantil cumprem sua função sociopolítica e pedagógica à medida que: a. Oferecem condições e recursos para que as crianças usufruam seus direitos civis, humanos e sociais; b. Assumem a responsabilidade de compartilhar e complementar a educação e do cuidado ás crianças com as famílias; c. Possibilitam tanto a convivência entre crianças e entre adultos e crianças quanto á ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas; 1 Elandia Ferreira Duarte, especialista em Arte/Educação e Língua Portuguesa pela Universidade Regional do Cariri, professora da Licenciatura em Educação do Campo-PROCAMPO na mesma instituição e professora de Educação infantil na cidade de Brejo Santo-CE. E-mail: [email protected] d. Constroem novas formas de sociabilidade e de subjetividade comprometidas com a ludicidade, a democracia, a sustentabilidade do planeta e com o rompimento de relações de dominação, etária, socioeconômico, étnico-racial, de gênero, regional, linguístico e religioso. (p. 12) É ainda com base na DCNEI, que as Orientações Curriculares do estado, pontuam três princípios para o ensino das crianças, quais sejam: Princípios éticos, ligados e voltados a autonomia e responsabilidade da criança consigo, com os outros a sua volta e com o mundo. Princípios políticos, basicamente os voltados a sua percepção enquanto cidadão. E os princípios estéticos, esses diretamente vinculados a vivências que impulsionem a sensibilidade, ludicidade e a proximidade com as diferentes manifestações artísticas e culturais. As DCNEI Pontuam ainda um eixo norteador para pensar a aprendizagem nessa fase da vida escolar: a brincadeira. Ela é vista como mola propulsora de todas as ações voltadas para a vivência das crianças nos centros de Educação Infantil C.E.I). Colocada sob importância maior, pois entende-se que nessa fase, as crianças aprendem e apreendem o mundo através da brincadeira, e que ensiná-la nos moldes da escola tradicional é uma violência a seus direitos. Longe de discordarmos, gostaríamos apenas de pontuar que acreditamos na perspectiva de ter como norte a brincadeira, sem no entanto esvaziar de conhecimento e saberes científicos o cotidiano escolar dos C.E.I. Pensar a Educação Infantil, como momento em que as aprendizagens são entrelaçadas com a ludicidade e a brincadeira é algo necessário, porém que esse viés de pensar a formação seja vinculada a responsabilidade de partilha de conhecimentos e saberes relevantes para o desenvolvimento dos educandos em toda sua totalidade. Ter acesso a diversas formas de linguagens, a artes, a matemática, a saberes sociais e científicos é imprescindível para criança e responsabilidade maior da educação escolar. Pois, segundo Vigotski (2010), é exatamente esses saberes que influenciam e elevam o desenvolvimentos do psiquismo humano e que aproximam cada vez mais do todo social e das subjetivações humanas o que invariavelmente os torna mais dotados de humanidade, no sentido mais amplo do termo. É o acesso a esses saberes que influência diretamente a Zona de Desenvolvimento Imediato, segundo Vigotski (2010), a Zona de Desenvolvimento Imediato (ZDI) é aquela em que os conhecimentos são desenvolvidos pela criança com ajuda do adulto o que interfere diretamente na sua perspectiva de mundo. E é ainda essa zona responsável por sempre elevar os saberes na criança, já que o que ela faz em colaboração hoje ela poderá fazer sozinha amanhã e é exatamente nessa zona que a escola deve focar seus esforços. Atuando como ferramenta de evolução no psiquismo da crianças, A ZDI lhe permite níveis cada vez maiores e mais qualificativos de aprendizagens. A possiblidade de apropriações de saberes construídos historicamente pela humanidade, configura para formação da criança avanços qualitativos e importantes para sua apropriação e aproximação ao gênero humano. Quanto mais conhecimento se tem da humanidade e de sua história, mais humano nos tornamos, mais sensíveis e mais completos. Pontuamos assim, que a nossa perspectiva de infância corrobora diretamente com o pensamento marxiano, que entende o homem como ser social que se constroi a partir das interações que mantem com o mundo. É pois, através das modificações e transformações que o homem opera no mundo através do trabalho que se modifica e constroi a si mesmo. Nesse sentindo, partimos da premissa de que cabe a escola a partilha histórica dessas transformações. Pois é possibilitando o acesso aos conhecimentos clássicos, que se permite, como já pontuado anteriormente os saltos qualitativos na formação das crianças. Em tempos, cremos que o conhecimento não está restrito às instituições escolares, mas apreendemos que alguns desses saberes são pela própria natureza da escola, de sua responsabilidade e a ela vinculados. É a partir da apropriação desses saberes que a criança amplia e qualifica sua visão subjetiva de mundo. É através do entendimento que a instituição escolar tem de sua finalidade que se promove ou se dificulta a apropriação da humanidade nas crianças a ela vinculada. Dentre os processos educativos, destaca-se a forma de educação escolar, cuja função precípua deva ser a promoção do desenvolvimento dos indivíduos na direção da conquista e da consolidação dos comportamentos complexos culturalmente formados, dado que aponta o seu papel, sobretudo, na qualidade de imagem subjetiva da realidade a ser construída. Essa qualidade, por sua vez, não é indiferente à natureza das atividades promovidas pela educação escolar, o que significa dizer que nem toda educação escolar alia-se, de fato, a um projeto de humanização. (MARTINS, 2013, p. 11) ARTE E HUMANIZAÇÂO. “A arte é o social em nós”, essa afirmação de Vigotski (2011), traz à tona a percepção da arte como acumulo social e histórico e não meramente sentir subjetivo. Para Vigotski, a arte é o ápice da humanidade há que o ser pode chegar, pois é nela que se transforma o social em subjetividade, e vice-versa no fazer dialético. A Educação Estética faz parte do princípios norteadores da Educação Infantil. Pensar a arte como possibilidade formativa das crianças, percebendo nela essa força transformadora e possibilitadora de aprendizagens e de humanização, é a nosso ver, algo que pode contribuir imensamente com a formação da criança, atingindo-a na sua totalidade. Ter a arte como conhecimento necessário e utiliza-la em sala de aula não como mero divertimento, mas como ferramenta que atue no desenvolvimentos das crianças, elevando assim seu grau de apreensão do mundo e de si mesmas. Perceber enfim, a arte na sua essência purificadora e afetiva, sem perder de vista suas implicações sociais. É trabalhar a sensibilidade e a percepção de si na criança, fazendo dela ponte de transformação na criança através de suas próprias sensações e vivências. É permitir à criança entrar em contato com o mundo que a rodeia através de suas próprias sensações, sentimentos e percepções. É encher de subjetividade a objetividade cotidiana a que a ela está vinculada. É ainda dar vazão aos seus sentimentos e possibilitar formas para que ela possa resignificar seu mundo, pois através da arte se vivencia sentimentos sociais que se modificam e reverberam nas sensações e emoções individuais. A refundição das emoções fora de nós realiza-se por força de um sentimento social que foi objetivado, levado para fora de nós, materializado e fixado nos objetos externos da arte, que se tornaram instrumento da sociedade. A peculiaridade essencialíssima do homem, diferentemente do animal, consiste em que ele introduz e separa do seu corpo tanto o dispositivo da técnica quanto o dispositivo do conhecimento cientifico, que se tornam instrumentos da sociedade. De igual maneira, a arte é uma técnica social do sentimento, um instrumento da sociedade através do qual incorpora ao ciclo da vida social os aspectos íntimos e pessoais do nosso ser. Seria mais correto dizer que o sentimento não se torna social mas, ao contrário, torna-se pessoal, quando cada um de nós vivencia uma obra de arte, converte-se em pessoal sem com isto deixar de continuar social. (VIGOTSKI, 2011, p. 315). Perceber a arte como uma ferramenta rica de possibilidades educativas, sem no entanto retirar dela sua essência e sua finalidade de difundir humanidade pelas percepções por ela causadas. Não retirar dela sua subjetividade. Mas antes, usar essa força catártica de forma educativa e potencialmente formadora. Como a faca ou qualquer outro instrumento, a obra de arte em si não é boa nem má, ou, para ser mais exato, implica enormes possiblidades de bem e de mal, dependendo tudo isto apenas do emprego e do destino que dermos a esse instrumento. Como reza um exemplo banal, a faca nas mãos de uma criança tem um valor bem diferente. Mas está é só uma metade do objetivo da arte. A outra consiste em conservar a ação da arte como arte, não permitir que o leitor disperse as forças suscitadas por ela, e lhe substitua os impulsos vigorosos por insípidos preceitos protestantes, racionais e moralizadores. (VIGOTSKI, 2011, p. 322) A arte na sala de aula surge como alento ao cotidiano e como respeito e valorização da imaginação da criança. Trabalhar através das diversas linguagens da arte com os educandos é dar-lhes possibilidades de construir e aprofundar mundos e criações. “Não é por acaso que, desde a remota antiguidade, a arte tem sido considerada como um meio e um recurso da educação, isto é, como certa modificação duradoura do nosso comportamento e do nosso organismo” Vigotski (2011, p. 321). Nesse sentindo, entendemos que a finalidade do trabalho com obras de artes de diversas linguagens em sala de aula, deve buscar muito mais que a mera reprodução dessas obras pelas crianças, sua ânsia deve ser pautada na formação de apreciação nos educandos. Antes de reproduzir uma obra, urge entendê-la, apreciá-la, fato que por si só já produz modificações e interfere na formação do ser. MENINA TAMBÈM PODE TIA? No cotidiano da sala de aula de uma turma de vinte crianças de quatro anos de idade, da qual fomos professora no ano de 2014, na cidade de Brejo Santo- CE, essa pergunta feita repetidas vezes pelas meninas da turma e em diversas situações como brincar de bola, ficar sem camisa no recreio, brincar de luta, de corridas e disputas, ações completamente corriqueiras e que no nosso entendimento não acarretava tais questionamentos, incomodou o suficiente para fazer nascer a vontade de pesquisar o que levava efetivamente a esse entendimento nos educandos e formas de intervenção pedagógicas passiveis de serem utilizadas em sala de aula. Partimos do pressuposto da ação em sala de aula, porque acreditamos na força mediadora do educador em sala e de seu papel de, através de saberes e posicionamentos, interferir e contribuir na formação de seus educandos. Na educação Infantil, essa força está em toda a sua potência, já que nesse momento de apreensão de mundo as crianças se espelham essencialmente nos adultos com os quais mantem relação de trocas de múltiplas e de afeto. O professor da Educação Infantil, tem papel preponderante na mediação e partilha de saberes e visões de mundo em sala de aula. Estando a criança em momento de efervescência de conhecimento e apreensão do meio e dos objetos, das normas sociais e suas implicações para a vida, o professor pode auxiliar nessas vivências acelerando ou retardando a apropriação desses saberes pela criança, pode ajudar a quebrar paradigmas e preconceitos de toda ordem, ou pode reforçá-los. Não queremos com isso, passarmos a visão do professor como detentor de saberes e a criança como mera expectadora, queremos antes trazer à tona a responsabilidade do professor de Educação Infantil, fase em que a criança fortemente propensa a imitações e apreensões de mundo através do que o outro está vivenciando, responsabilidade tão esquecida e tão negligenciada, qual seja: a de perceber a criança como portadora de ânsias e possibilidades de aprendizagens, sendo ele o responsável por criar, mediar, interferir diretamente com ações pedagógicas com finalidades claras e intencionais no desenvolvimento dessas crianças. Trazer à tona o papel de intelectual formador desses educadores é urgente. [...] a aprendizagem na escola se organiza amplamente com base na imitação. Porque na escola a criança não aprende o que sabe fazer sozinha mas o que ainda não sabe e lhe vem a ser acessível em colaboração com o professor e sob sua orientação. O fundamental na aprendizagem é justamente o fato de que a criança aprende o novo. Por isso a zona de desenvolvimento imediato, que determina esse campo das transições acessíveis à criança, é a que representa o momento mais determinante na relação da aprendizagem com o desenvolvimento (VIGOTSKI, 2010, p. 331) Voltemos à pesquisa. Com os sentidos aguçados pelas constantes perguntas feitas pelas crianças, passamos a perceber ações no próprio centro que dividiam e reforçavam essa visão nas crianças: pais que não queriam menina sentadas pertos de meninos, merendeiras que dividiam por cores os talheres colocados para as crianças, entre outras. Decidimos por, através da arte, possibilitar acesso a diversas obras e trabalhos feitos por mulheres, sem no entanto reforçar a divisão já posta. O intúito era darmos acesso à produção de diversas artistas mulheres, na perspectiva de levar as crianças ao contatos com o feminino e suas múltiplas possibilidades através da arte. Para essa intervenção por motivos de aproximação, por concordarmos com as bases marxistas de visão de educação, por também já ser uma teoria com a qual trabalhamos e tentamos nos aprofundar há algum tempo, recorremos à Pedagogia Histórico-Crítica2 2 preconizada pelo educador Dermeval Saviani, buscamos Devido às limitações do presente estudo, não iremos nos aprofundar no debate da citada teoria. Em caso de interesse sugerimos a leitura dos livros: “Escola e Democracia”, “Pedagogia histórico-Crítica Primeiras aproximações” ambos de Dermeval Saviani e “Pedagogia Histórico-Crítica: 30 anos”, organizado pela Ana Carolina Galvão Marsiglia e que conta com estudos em diversas áreas além de um artigo do próprio Saviani que remonta toda a trajetória da teoria. principalmente livros e estudos que aproximassem a Psicologia Histórico-Cultural da referida teoria. Deparamo-nos com diversos estudos sobre a pedagogia Histórico-Crítica e a tentativa de trazer a proximidade da mesma com a psicologia Histórico-Cultural. Dos quais citamos: “A procura da Unidade Psicopedagógica: articulando a psicologia histórico-Cultural com a pedagogia Histórico-Crítica”, de Suze Scalcon de 2002 e “O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica”, de autoria da educadora Lígia Márcia Martins, do ano de 2013. Percebemos que se Vigotski enfatiza o aporte teórico e metodológico de uma pesquisa com o suporte histórico dialético, o educador Saviani e os diversos estudiosos da corrente da pedagogia histórico-crítica, somam esforços no intuito do transpor os conceitos e vertentes do método marxista, em método pedagógico. A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA COMO MÉTODO PEDAGÓGICO. Tendo como base os cincos passos, definidos como um alicerce possível de ação pedagógica transformadora em sala de aula, preconizados pela Pedagogia HistóricoCrítica, iniciamos as ações em sala de aula. Acreditamos ser relevante pontuarmos, minimamente cada passo e sua finalidade. 1. Prática social inicial: etapa na qual se deve focar a realidade cotidiana do aluno, que longe de ser entendida como o saber espontâneo é mais correto afirmar que leva-se em conta a realidade histórica e as vivências do aluno, tendo sempre em mente a qualificação dessa visão a partir do acesso aos saberes que serão construídos. Equivale aqui a Zona de Desenvolvimento Efetivo do educando, que como já pontuado acima não é o foco da escola, mas é a partir dela que se pode chegar a finalidade da interferência do saber escolar, que é Zona de Desenvolvimento Imediato. É importante ressaltar que o saber das crianças, baseado em suas experiências do cotidiano, pode contribuir para a estruturação do início da ação pedagógica, mas não é condição para ela. Isto por duas razões: primeiro, porque as experiências dos alunos são baseadas no senso comum, referem-se ao conhecimento “em-si” e a forma de conhecimento que a escola deve dedicarse a desenvolver é o conhecimento “para-si”. A segunda razão, decorrente da primeira, é que a escola, dedicando-se ao saber erudito, nem sempre encontrará nos interesses imediatos e nos conhecimentos prévios dos alunos os conteúdos que a escola deve transmitir e isso não significa que por isso não deva criar as necessidades e oferecer os conhecimentos históricos e elaborados. (MARSIGLIA, 2011, p. 24) 2. Problematização: momento em que o professor tendo por base a etapa anterior e a etapas seguintes, questionará o conhecimento posto pela prática social, evidenciando sua estrita relação com a escola e organização social. No momento da problematização, o professor precisa ter claro como orientará o desenvolvimento da aprendizagem, baseando-se naquilo que já tem como material da etapa anterior e seus objetivos de ensino. Além disso, seu planejamento deve abordar as diversas dimensões do tema e evidenciar a importância daquele conhecimento, fazendo-o ter sentido para o aluno (MARSIGLIA, 2011, p. 25) 3. Instrumentalização: momento em que se efetiva a ação do professor, é aqui em que são postos os conhecimentos científicos relacionados à prática inicial, é o momento de questionar e confrontar elevando assim, o nível de conhecimento dos alunos. Corresponderia aqui a Zona de Desenvolvimento Imediato, consolidada da intervenção do professor na construção do conhecimento por parte do aluno, com mediação e em conjunto com o professor. A apropriação dos instrumentos físicos e psicológicos permite a objetivação dos indivíduos, tornando “órgãos da sua individualidade” o que foi construído socialmente ao longo da história humana. A importância dessa instrumentalização está em possibilitar o acesso da classe trabalhadora ao nível das relações de elaboração do conhecimento e não somente sua produção (MARSIGLIA, 2011, p. 25) 4. Catarse: momento de culminância do processo educativo, etapa em que o aluno depois de confrontar os saberes espontâneos e científicos, chega a uma nova visão da realidade. Apreende o fenômeno em toda a sua totalidade. É o momento da mudança qualitativa na visão de mundo do aluno. Essa mudança sendo parte de um processo, é caracterizada pela diferença qualitativa entre o antes e o depois da catarse. Sendo assim, o momento catártico modifica a relação do indivíduo com o conhecimento, saindo do sincretismo caótico inicial para uma compreensão sintética da realidade, relacionando-se intencional e conscientemente como o conhecimento (MARSIGLIA, 2011, p. 26) 5. Prática social final: o ponto de chegada de toda a ação educativa, o momento em que se volta a prática social, só que de forma qualitativamente maior e entendendo-a em toda a sua complexidade e totalidade. Quando o aluno problematiza a prática social evolui da síncrese para a síntese, está no caminho da compreensão do fenômeno em sua totalidade. O primeiro e o quinto momento são a pratica social, mas diferem no sentido de que ao final do processo essa prática se modifica em razão da aprendizagem resultante da prática educativa, produzindo alterações na qualidade e no tipo de pensamento (empírico ao teórico) (MARSIGLIA, 2011, p. 27) Ressaltamos que esses passos não são estanques, nem lineares, foram colocados aqui assim apenas para estruturar a compreensão pedagógica. Devem servir como norteadores da ação educativa do professor em sala de aula, sem ser visto como amarras ou receita. A pedagogia Histórico-Crítica, muito mais que passo pedagógicos, evidencia um pensamento filosófico sobre o homem, a escola e saber a ser compartilhado. Nesse sentindo, é preciso ter nos passos acima destacados uma fonte Heurística de possibilidades de ações didáticas e não uma formula fechada e acabada, sendo origem de embates e de pesquisa e trabalhos didáticas novos e protagonistas em sala de aula. MULHER TAMBÉM FAZ ARTE! Como já evidenciado neste trabalho, tínhamos como intuito da nossa ação em sala de aula, não trazer modelos de confronto entre homem e mulher, mas evidenciar para as crianças através da arte, que mulheres podem ser protagonistas de diversas ações e que podem fazer inúmeras coisas a que se dediquem e tenham vontade. Sem que isso seja algo ligado a sua sexualidade ou ao seu gênero. Optamos por abordar o tema através da arte, por vermos nesta escolha a possibilidade de um amplo trabalho voltado tanto para formação humana e da quebra de paradigmas, como a concretização de uma ação construtora da sensibilização e do desenvolvimento estético afetivo das crianças. Para nossa intervenção, que ocorreu de agosto de 2014 a novembro do mesmo ano, desenvolvemos três projetos que foram vinculados aos conteúdos que deveriam ser abordados em sala de aula, repassados para nós professoras, através das formações a que somos submetidas na Secretária de Educação do Município. Tais intervenções ocorreram na turma do Infantil III, no período da manhã, no Centro de Educação Infantil Catequista Maria Alacoque, situado na cidade de Brejo Santo- CE, no qual fazemos parte do quadro de servidores efetivos. O primeiro projeto foi intitulado: “Quando a infância vira imagem”, no qual trabalhamos com a vida e a obra da artista plástica Martha Barros, ilustradora dos livros e filha do poeta Manoel de Barros. O segundo projeto chamamos de “Música pra alegrar a vida”, contemplamos aqui a cantora Adriana Calcanhoto, destacando dois de seus trabalhos “Adriana Partimpim” e “Adriana Partipim II”. O terceiro e último projeto, foi denominando “Tem mulher no samba sim!”, que destacou sambistas mulheres no cenário brasileiro, sendo elas: Clara Nunes, Beth Carvalho e Mart’nália, este último tendo sido vinculado a um projeto que foi trabalhado em todo o município durante o mês de novembro de 2014, com o nome “A cultura afrobrasileira no ritmo do samba” que remontava a história do samba e de diversos sambistas nacionais, tendo como homenageado o compositor Adoniran Barbosa, sem no entanto fazer nenhuma menção a sambistas mulheres. Fato notado por um dos meninos da turma: “- tia não tem mulher que canta ‘musga’ de samba não?”, tendo sido esse o ponta-pé inicial desse último projeto. Todos os projetos foram firmados e trabalhados na perspectiva da pedagogia Histórico-Crítica e em diálogo permanente com as perspectivas da Psicologia históricoCultural para o desenvolvimentos infantil. Destacamos também, a necessidade de um aprofundamento teórico permanente, tanto com relação às teorias e fundamentos que deram base as ações em sala de aula, quanto aos conteúdos propostos pelos projetos, os quais foram inúmeras vezes motivos de pesquisas em livros e extensas buscas na internet. O CAMINHO SE FAZ AO CAMINHAR Construir conhecimentos percebendo na ação pedagógica possibilidades transformadoras e humanizadas é algo que requer um olhar esperançoso sobre a educação sem prescindir de uma formação teórica sólida e permanente. Perceber o educando como ser dotado de potencialidades e detentor do direito a difusão e acesso aos saberes escolares acumulados pela humanidade é o que nós entendemos como escola democrática. Carregar esses pressupostos para uma modificação do entendimento da Educação Infantil, ainda visto por muitos, como etapa assistencialista e sem aporte científico, é algo urgente para que se consolide efetivamente uma educação de qualidade para todos. Não é negando o acesso e a partilha de conhecimento as crianças que iremos formar adultos críticos e conscientes da realidade social vigente. Precisamos perceber na educação infantil, um momento de construção de saberes sistematizados e transformadores, capazes de proporcionar saltos qualitativos e transformadores nas nossas crianças. Nesse sentido corroboramos com a defesa da educadora Nereide Saviani, ao pontuar: Se, de fato, se quer atribuir à educação infantil, desde a creche, o caráter de EDUCAÇÃO, desvencilhando-a da dimensão meramente assistencial, é preciso superar também as contradições que, ao fim e ao cabo, se resumem na resistência a considerá-la educação escolar. Resistência essa que, aliás, tem origem na incompreensão (ou subestimação) dos processos de apropriação sistematizada dos múltiplos elementos culturais, cujo desenvolvimento requer o papel mediador da escola. Ou em uma visão estereotipada de escola, amorfa e sem vida, formada a partir de exemplos negativos que, lamentavelmente, têm se multiplicado nos últimos tempos. (2012, p. 71) Com as experiências aqui colocadas e trabalhadas em sala de aula, evidenciou-se para nós, que apesar de todas as dificuldades de ordem estrutural da escola, há possibilidade de ações pedagógicas pautadas em pedagogias e pensamentos educacionais que carreguem no seu corpo teórico perspectivas marxistas. Apesar de não colhermos os frutos das nossas ações por completo, visto a ação pedagógica acarretar mudanças mediadas e que levam tempo para amadurecer nos indivíduos, acreditamos ter possibilitado aos nossos alunos, saberes de cunho transformadores e emancipatórios. Destacamos que neste ano de 2015 continuaremos o projeto no intuito de proporcionar às crianças confronto com o modelo social vigente que ainda inferioriza a mulher e suas descobertas e ações no mundo, e também para aprofundarmos nosso estudos no que concerne as teorias aqui elencadas, afim de consolidarmos cada vez o debate ora aqui iniciado. No presente momento da escrita deste artigo, carregamos como resultados positivos vários debates ocorridos na escola para pais e funcionários sobre a perspectiva da opressão de gênero e de sua necessária superação. A abertura da gestão democrática do centro para o dialogo a repensar suas ações como todo global na comunidade e também a nossa própria apropriação e aprofundamento no tema e nas nossas mudanças de ações cotidianas. Destacamos ainda, a vivência mais igualitária e a construção diária ocorrida em sala de aula para as crianças que foram possibilitadas pelo desenvolvimento do projeto, entende-se a educação como possibilitadora de mudanças mediadas e não imediatas, nesse sentido o projeto anisou contribuir na formação dos pequenos de maneira a vislumbrar adultos mais justos e abertos as questões de gêneros, como forma de que todos nós possamos estar numa sociedade em que todas as pessoas gozem de seus direitos sem ser excluídas ou limitadas nessas vivências pelas suas escolhas sexuais, pelas suas definições de gêneros ou pelas suas escolhas individuais no sentido de vivencia de sua liberdade enquanto pessoa humana. BIBLIOGRAFIA MARSIGLIA, Ana Carolina Galvão. A prática pedagógica Histórico-Crítica na educação infantil e ensino fundamental. Campinas – SP. Autores Associados, 2011. (Coleção Educação Contemporânea). ____________(org). Pedagogia Histórico-Crítica 30 anos. Campinas – SP. Autores associados, 2011. (Coleção memória da Educação). MARTINS, Ligia Márcia. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica. Campinas – SP. Autores Associados, 2013. (Coleção Educação Contemporânea). SAVIANI, Nereide. Educação Infantil versus Educação Escolar: implicações curriculares de uma (falsa) oposição. In: Educação Infantil versus Educação Escolar?: Entre a (des)escolarização e a precarização do trabalho pedagógico nas salas de aula. ARCE, Alessandra; JACOMELLI, Mara Regina Martins (orgs). Campinas – SP. Autores Associados, 2012. (Coleção Educação Contemporânea). Secretaria de Educação do Estado do Ceará. Orientações Curriculares para a Educação Infantil. Fortaleza – CE. Governo do Estado, 2011. SCALCON, Suze. Á procura da unidade psicopedagógica: articulando a psicologia histórico-cultural com a pedagogia histórico-crítica. Campinas-SP. Autores associados, 2002. 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