UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA - CCEN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DE MATERIAIS DISSERTAÇÃO DE MESTRADO TRANSFERÊNCIA DE CARGA INDUZIDA POR UM CAMPO ELÉTRICO EXTERNO EM CADEIAS POLIÊNICAS LONGAS por Igo Tôrres Lima Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência de Materiais da Universidade Federal de Pernambuco como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciência de Materiais. Banca Examinadora: Prof. Celso Pinto de Melo (orientador – UFPE) Prof. Ricardo Luiz Longo (DQF - UFPE) Prof. Antônio Gomes Souza Filho (DF - UFC) Recife – PE, Brasil Agosto - 2010 Lima, Igo Tôrres. Transferência de carga induzida por um campo elétrico externo em cadeias poliênicas longas / Igo Tôrres Lima. - Recife: O Autor, 2010. xiv, 89 p.: il. fig. tab. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco. CCEN. Ciência de Materiais, 2010. Inclui bibliografia e apêndice. 1.Química quântica . 2.Polímeros. 3. Orbitais moleculares. I.Título. 541.28 (22.ed.) FQ 2010-048 ii iii Aos meus pais Inácio Pereira Lima e Violêta Tôrres de Sousa Lima iv Agradecimentos Agradeço a Deus por todas as coisas boas que aconteceram na minha vida. Aos meus pais, pelo carinho, apoio e esforço concedidos a minha educação. Aos meus irmãos Léo e Kamilla pelo companheirismo. A Patrícia Helene por todo o carinho, compreensão e incentivo que me deu durante esses anos. A República do Piauí: Afonso, Débora, Fabio (B. E.), Heloísa, Jussiê, Lázaro, Lenival, Nayra, Paula e Samuel pela amizade que se estabeleceu nesse período de convivência, minha família em Recife. Aos meus amigos: Augusto, Antônio Marcio, Clécio, Cledson (Z.P.), Gerson, Giovani, Joaquim (Quinzim), Jorlandio, Karllinha, Kléber, Lavôr (Chico Lopes), Marcus, Max, Milriam, Olímpio, Paulo Afonso, Paulo Gustavo, Rodrigo, Vladimir e Yareni pelas brincadeiras e discussões sobre Física. Um agradecimento especial ao meu orientador, Celso P. de Melo pela orientação, discussões e comentários, amizade e apoio nos momentos difíceis. Agradeço também a CAPES e o CNPq, que deram suporte financeiro a esta pesquisa. v Sumário LISTA DE FIGURAS .............................................................................................................viii LISTA DE TABELAS ............................................................................................................xiii Resumo .................................................................................................................................... xiv Abstract ..................................................................................................................................... xv CAPÍTULO 1 – Introdução ........................................................................................................ 1 CAPÍTULO 2 – Porque betaínas ................................................................................................ 7 2.1 – Procedimentos Computacionais ...................................................................................... 10 2.2 – Localização Espacial dos Orbitais Moleculares de Fronteira (OMFs): Análise Qualitativa ................................................................................................................................ 10 2.3 – Localização Espacial dos Orbitais Moleculares de Fronteira (OMFs): Análise Quantitativa .............................................................................................................................. 14 2.4 – Análise Populacional ....................................................................................................... 17 CAPÍTULO 3 – Transferência de Carga Induzida por Campo Elétrico................................... 25 3.1 – Chaveador Molecular ...................................................................................................... 25 3.2 – Aplicação de um campo elétrico externo ao longo da direção de uma cadeia conjugada .................................................................................................................................................. 28 3.2.1.A – Efeito sobre os níveis de energia .............................................................................. 29 3.2.1.A.1 – variação dos níveis de energia para o caso n = 1: .................................................. 30 3.2.1.A.2 – variação dos níveis de energia para o caso n = 3: .................................................. 35 3.2.1.A.3 – variação dos níveis de energia para o caso n = 4: .................................................. 36 3.2.1.A.4 – variação dos níveis de energia para o caso n = 9: .................................................. 37 3.2.1.B – Efeito sobre a localização espacial dos OMFs .......................................................... 39 3.2.1.B.1 – variação da localização espacial dos OMFs para o caso n = 1: ............................. 39 3.2.1.B.2 – variação da localização espacial dos OMFs para o caso n = 3: ............................. 43 3.2.1.B.3 – variação da localização espacial dos OMFs para o caso n = 4: ............................. 46 3.2.1.B.4 – variação da localização espacial dos OMFs para o caso n = 9: ............................. 48 3.2.2 – Variação da Densidade de Carga como Função do Campo Aplicado .......................... 50 vi 3.2.2.A – Densidade de carga nos grupos funcionais ............................................................... 50 3.2.2.B – Densidade de carga ao longo da ponte conjugada .................................................... 54 3.3 – Campo elétrico transversal aplicado na cadeia conjugada .............................................. 55 3.3.1.A – Modificação nos níveis de energia ........................................................................... 56 3.3.1.B – Modificação na localização espacial dos OMFs ....................................................... 64 3.3.2 – Campo x Carga ............................................................................................................. 75 CAPÍTULO 4 – Conclusões e Perspectivas ............................................................................. 81 Apêndice A – Correlação Eletrônica ........................................................................................ 85 Referências ............................................................................................................................... 86 vii LISTA DE FIGURAS Figura 1. 1 – Esquemas do primeiro transistor de contato de ponto em (a), do transistor de junção bipolar em (b), e em (c) do transistor de efeito de campo. E= emissor, B=base, C=coletor. .................................................................................................................................. 2 Figura 1. 2 – Mecanismo de retificação molecular proposto por (a) Aviram e Ratner, (b) curva de retificação. ................................................................................................................... 4 Figura 2. 1 – Cadeia poliênica substituída lateralmente por dois pares de grupos típicos doador (D) e aceitador (A) de elétrons, com a cadeia poliênica alinhada na direção-z. .......... 9 Figura 2. 2 – Estruturas otimizadas a nível RHF/6-31G para as nove configurações moleculares da betaína da família 7. ....................................................................................... 11 Figura 2. 3 – Superfícies de isovalor (isoval=0,02): HOMO e LUMO para os membros n=1 e n=9 da família 7 das betaínas calculada a nível ab initio RHF/6-31G. ................................. 12 Figura 2. 4 – Superfícies de isovalor (isoval=0,02): HOMO e LUMO para os membros n=1 e n=9 da família 7 da betaína calculada a nível ab initio com a função de base 6-31G(d) dentro da aproximação B3LYP. ........................................................................................................... 13 Figura 2. 5 – Cálculo da localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira entre os grupos doadores (D1 e D2), os aceitadores (A1 e A2) e a ponte conjugada, mostra a inversão na posição dos orbitais (a) HOMO e (b) LUMO para o caso n ≥ 4. ....................................... 16 Figura 3. 1 – Chave molecular de Carter. D e A são grupos funcionais doador e aceitador substituídos na cadeia poliênica. A partir do estado fundamental 1, luz pode ser absorvida para produzir uma transferência de carga entre D e A, resultando no estado excitado 3. A passagem do sóliton converte o estado fundamental 1 no estado fundamental 2, bloqueando a absorção da luz......................................................................................................................... 26 Figura 3. 2 a – Níveis de energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico externo aplicado na betaína da família 7 com separação n=1 entre A2 e D2. 31 Figura 3. 2 b – Variação da energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico externo aplicado na betaína da família 7 com separação n=1. ...................... 32 Figura 3. 2 c – Representação esquemática do fenômeno de não-cruzamento entre duas superfícies de energia potencial de dois estados eletrônicos 1 e 2.. ........................................ 32 viii Figura 3. 3 a – Níveis de energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico externo aplicado na betaína da família 7 com separação n=3 entre os grupos A2 e D2. ..................................................................................................................................... 35 Figura 3. 3 b – Variação da energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico externo aplicado na betaína da família 7 com separação n=3 entre os grupos A2 e D2. ..................................................................................................................................... 35 Figura 3. 4 a – Níveis de energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico externo aplicado na betaína da família 7 com separação n=4 entre os grupos A2 e D2. ..................................................................................................................................... 36 Figura 3. 4 b – Variação da energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico externo aplicado na betaína da família 7 com separação n=4 entre os grupos A2 e D2. ..................................................................................................................................... 37 Figura 3. 5 a – Níveis de energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico externo aplica na betaína da família 7 com separação n=9 entre os grupos A2 e D2. .......................................................................................................................................... 38 Figura 3. 5 b – Variação da energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico externo aplicado na betaína da família 7 com separação n=9 entre os grupos A2 e D2. ..................................................................................................................................... 38 Figura 3. 6 – Localização espacial dos orbitais moleculares na betaína com a separação n=1 entre os grupos A2 e D2. (a) HOMO e (b) LUMO, nos grupos funcionais. (c) HOMO e (d) LUMO nas diferentes regiões da ponte conjugada, como função do campo elétrico aplicado sobre a molécula. ...................................................................................................................... 41 Figura 3. 7 – Localização espacial dos orbitais moleculares na betaína da família 7 com a separação n=3 entre os grupos A2 e D2. (a) HOMO e (b) LUMO, nos grupos funcionais. (c) HOMO e (d) LUMO nas diferentes regiões da ponte conjugada, como função do campo elétrico aplicado sobre a molécula. ......................................................................................... 45 Figura 3. 8 – Localização espacial dos orbitais moleculares na betaína da família 7 em que a separação entre os grupos A2 e D2 corresponde a n=4. (a) HOMO e (b) LUMO, nos grupos funcionais. (c) HOMO e (d) LUMO nas diferentes regiões da ponte conjugada, como função do campo elétrico aplicado sobre a molécula. ......................................................................... 47 Figura 3. 9 – Localização espacial dos orbitais moleculares na betaína da família 7 em que a separação entre os grupos A2 e D2 corresponde a n=9. (a) HOMO e (b) LUMO, nos grupos ix funcionais. (c) HOMO e (d) LUMO nas diferentes regiões da ponte conjugada, como função do campo elétrico aplicado sobre a molécula. ......................................................................... 49 Figura 3. 10 – Soma das cargas atômicas dos átomos dos grupos funcionais em função da intensidade do campo elétrico externamente aplicado, calculada através da análise populacional de Mülliken: (a) no grupo D1; (b) no grupo A1; (c) no grupo A2; (d) no grupo D2. As barras verticais azuis representram as regiões de não-cruzamento............................. 52 Figura 3. 11 – Análise populacional da carga atômica dos átomos dos grupos funcionais em função da intensidade do campo elétrico externamente aplicado, calculada através de métodos de potencial eletrostático (ESP), usando a técnica CHELPG: (a) no grupo D1; (b) no grupo A1; (c) no grupo A2; (d) no grupo D2. As barras verticais azuis representam as regiões de não-cruzamento. .................................................................................................................. 53 Figura 3. 12 – Soma das cargas atômicas dos átomos da ponte em função da intensidade do campo elétrico externamente aplicado, calculada através da Análise populacional de Mülliken: (a) Molécula na configuração n=1; (b) Molécula na configuração n=3. ............... 54 Figura 3. 13 – Análise populacional da carga atômica dos átomos da ponte em função da intensidade do campo elétrico externamente aplicado, calculada através de métodos de potencial eletrostático (ESP), usando a técnica CHELPG: (a) Molécula na configuração n=1; (b) Molécula na configuração n=3. ................................................................................ 55 Figura 3. 14 – Níveis de energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico longitudinal (ξz) aplicado na betaína com a configuração n=9 e sob a influência de um campo transversal ξy=-0,006 u.a. ....................................................................................... 57 Figura 3. 15 – Níveis de energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico longitudinal ( z) aplicado na betaína com a configuração n=9 e sob a influência de um campo transversal ξy=0,000 u.a. ........................................................................................ 60 Figura 3. 16 – Níveis de energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico longitudinal (ξz) aplicado na betaína com a configuração n=9 e sob a influência de um campo transversal ξy=+0,006 u.a. ..................................................................................... 61 Figura 3. 17 – Níveis de energia dos orbitais moleculares de fronteira HOMO e LUMO como função do campo elétrico longitudinal (ξz) aplicado na betaína com a configuração n=9 para os diferentes valores de campo transversal (ξy): (a) no intervalo de campo –0,015 u.a.≤ ξz ≤ +0,015 u.a.; (b) região ampliada da primeira situação de não-cruzamento –0,008 u.a. ≤ ξz ≤ x –0,005 u.a.; (c) região ampliada da segunda situação de não-cruzamento +0,008 u.a. ≤ ξz ≤ +0,012 u.a.. .............................................................................................................................. 63 Figura 3. 18 – Localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico longitudinal (ξz) aplicado na betaína com a configuração n=9 onde o campo transversal é nulo, ou seja, ξy=0,000 u.a.: (a) HOMO; (b) LUMO. ........................................ 65 Figura 3. 19 – Localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico longitudinal (ξz) aplicado na betaína com a configuração n=9 e sob a influência de um campo transversal ξy= -0,002 u.a.: (a) HOMO; (b) LUMO. ........................ 66 Figura 3. 20 – Localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico longitudinal (ξz) aplicado na betaína com a configuração n=9 e sob a influência de um campo transversal ξy= -0,004 u.a.: (a) HOMO; (b) LUMO. ........................ 68 Figura 3. 21 – Localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico longitudinal (ξz) aplicado na betaína com a configuração n=9 e sob a influência de um campo transversal ξy= -0,006 u.a.: (a) HOMO; (b) LUMO. ........................ 69 Figura 3. 22 – Localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico longitudinal (ξz) aplicado na betaína com a configuração n=9 e sob a influência de um campo transversal ξy= +0.002 u.a.: (a) HOMO; (b) LUMO. ...................... 71 Figura 3. 23 – Localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico longitudinal (ξz) aplicado na betaína com a configuração n=9 e sob a influência de um campo transversal ξy= +0.004 u.a.: (a) HOMO; (b) LUMO. ...................... 72 Figura 3. 24 – Localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico longitudinal (ξz) aplicado na betaína com a configuração n=9 e sob a influência de um campo transversal ξy= +0.006 u.a.: (a) HOMO; (b) LUMO. ...................... 74 Figura 3. 25 – Carga atômica dos átomos dos grupos funcionais em função do campo elétrico (ξz), calculada através da análise populacional de Mülliken para a betaína com a configuração n=9: (a) no grupo D1; (b) no grupo A1; (c) no grupo A2; (d) no grupo D2. ...... 76 Figura 3. 26 – Análise populacional da carga atômica dos átomos dos grupos funcionais em função do campo elétrico (ξz), calculada através de métodos de potencial eletrostático (ESP) para a betaína com a configuração n=9, usando a técnica CHELPG: (a) no grupo D1; (b) no grupo A1; (c) no grupo A2; (d) no grupo D2. ............................................................................ 78 Figura 3. 27 – Soma das cargas atômicas dos átomos do grupo D1 como função do campo elétrico (ξz) para a betaína com a configuração n=9: (a) primeira região de não-cruzamento, xi –0.008 u.a. ≤ ξz ≤ –0.005 u.a.; (b) segunda região de não-cruzamento, +0.008 u.a. ≤ ξz ≤ +0.012 u.a.. .............................................................................................................................. 80 xii LISTA DE TABELAS Tabela 2. 1 – Análise Populacional de Mülliken para os membros da família 7 de betaínas no estado fundamental, com base em cálculos a nível ab initio RHF/6-31G. .............................. 20 Tabela 2. 2 – Carga ChelpG (em unidades atômicas) para os diferentes membros das betaínas da família 7 no estado fundamental calculada a nível ab initio RHF/6-31G, como função da distância de separação entre os grupos laterais D2 e A2. ....................................... 23 Tabela 3. 1 – Orbitais moleculares de fronteira considerados. ............................................... 30 Tabela 3. 2 – Divisão adotada para a localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira nas 7 regiões distintas da molécula. ......................................................................... 39 Tabela 3. 3 – Representação dos orbitais moleculares HOMO e LUMO na região de nãocruzamento (Gauss View – RHF/6-31G) para a betaína da família 7 com a configuração n=9 e sob influência de um campo elétrico transversal (ξy=-0,006 u.a.) e um campo elétrico longitudinal (ξz) variável. ......................................................................................................... 59 Tabela 3. 4 – Orbitais moleculares de fronteira para diferentes valores de campo elétrico transversal (ξy).......................................................................................................................... 62 xiii Resumo O presente trabalho consiste em um estudo teórico sobre os efeitos de campo elétrico na estrutura eletrônica de sistema do tipo (doador - ponte conjugada – aceitador), como parte de uma avaliação mais completa de moléculas que possam funcionar como chaveadores moleculares. O sistema estudado é formado por uma família de betaínas em que longas cadeias poliênicas são substituídas lateralmente por dois pares de grupos doadores e aceitadores de elétrons, (D1, A1) e (D2, A2). Inicialmente, para cada membro dessa família de moléculas, investigamos as possíveis alterações na localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira HOMO e LUMO e na carga elétrica das diferentes regiões da molécula como função da separação entre os grupos A2 e D2. Confirmamos por método ab initio a existência de uma inversão na localização espacial do HOMO e do LUMO nos maiores membros dessa família de betaína. A compreensão, ainda que qualitativa, de tais alterações é uma condição necessária para o entendimento do processo de transferência intramolecular. Em seguida, exploramos teoricamente o efeito que o campo elétrico externo aplicado sobre a molécula provoca sobre as posições dos níveis de energia e sobre a localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira. Nossos resultados mostram que tanto a localização dos orbitais moleculares quanto a posição dos níveis de energia sofrem mudanças significativas, com o “não-cruzamento” de níveis levando a efeitos importantes como a mistura de simetria entre os orbitais moleculares envolvidos e mudanças na carga elétrica das diferentes partes da molécula. Concluímos que a transferência de elétrons entre os grupos doadores e aceitadores substituídos ao longo da cadeia conjugada depende, dentre outros fatores, da distância entre eles. Combinando este fato com a aplicação de campos elétricos ao longo da cadeia é possível controlar o fluxo de carga entre os grupos D e A. Portanto, o transporte global de carga é altamente dependente da interação entre os níveis moleculares induzida pelo campo elétrico, o que permite mudanças súbitas na localização espacial da densidade eletrônica localizada nas diferentes regiões da molécula. Palavras Chave: betaínas, ab initio, chaveador molecular, inversão dos orbitais moleculares. xiv Abstract We present a theoretical investigation of how an externally applied electric field affect the electronic structure of long polyenic systems laterally substituted by (donor – acceptor) pairs and show the possible uses of such systems as molecular switches. The molecules studied belong to a particular family of betaines where the main conjugated chain is laterally substituted by two pairs of typical electron donor and acceptor groups, (D1, A1) and (D2, A2) disposed at varying relative distances between the A2 and D2 groups. As a first step, for each molecule considered, we investigated eventual changes in the spatial localization in different regions of the molecule of the molecular frontier orbitals HOMO and LUMO and of the electric charge. The understanding - even if only qualitative - of these changes is a necessary condition to access the intramolecular electron transfer process. By using ab initio methods, we have confirmed the occurrence of an inversion in the spatial localization of the HOMO and of the LUMO for the largest members this family of betaines. We have then exploited the possible effects of an external electric field applied on the molecule upon the position of the different energy levels and in the spatial localization of the frontier molecular orbitals. We show the corresponding changes in the spatial localization of the molecular orbitals and in the energy levels and how they can be associated to the presence of avoidedcrossing situation among neighboring level that lead to important effects, such as the mixture of symmetry of the molecular orbitals involved and simultaneous changes in the electronic charge distribution in different parts of the molecule. We determine that the amount and direction of the electron transfer between the donor and acceptor groups substituted along the conjugated chain is substantially affected by the distance between them. The global transport of charge along the long polyenic chain is highly dependent on the complex interaction between the molecular levels induced by the electric field, which allows sudden changes in spatial localization of the electronic density located in different regions of the molecule. By combining this fact with the application of electric fields in the transversal direction relative to the main conjugated chain, we establish the necessary conditions to control the charge flow between D and A groups. Keywords: betaines, ab initio, molecular switch, inversion of the molecular orbitals. xv CAPÍTULO 1 Introdução Hoje em dia tecnologia de informação tornou-se uma parte importante de nossas vidas. É comum vermos telefone móvel, notebooks, tocadores de música e muitos outros dispositivos eletrônicos, a qualquer momento e em qualquer lugar. Como a complexidade dos aparelhos móveis vem aumentando, a miniaturização e armazenamento de dados tornaram-se questões importantes. Todos os aparelhos requerem armazenamento de dados ou memórias. Memórias convencionais são implementadas em circuitos integrados à base de semicondutores, tais como transistores e capacitores. A principal força motora por trás da tecnologia de memórias e dispositivos é a demanda para aplicações móveis e existe a necessidade de aumentar a capacidade e desempenho dos sistemas, diminuir o consumo de energia, construir sistemas de tamanho menor e reduzir o custo dos sistemas. Entretanto, uma série de fatores físicos e econômicos ameaça a continuidade dos dispositivos de memória atuais à base de semicondutores inorgânicos [1]. Ao contrário das tecnologias atualmente dominantes em que os efeitos de memória estão associados a uma estrutura de célula especial, as novas tecnologias são baseadas na bi-estabilidade elétrica dos materiais decorrentes de alterações em certas propriedades intrínsecas, como magnetismo, polaridade, fase, conformação e condutividade, em resposta ao campo elétrico aplicado. Materiais orgânicos e polímeros são promissores candidatos para futuras aplicações de memória em escala molecular. Suas características atrativas incluem boa processabilidade, dimensões miniaturizadas e a possibilidade de design molecular através da síntese química [2]. Tem sido mostrado que pacotes pequenos de moléculas ou moléculas individuais, montados dentro de andaimes endereçáveis, podem conduzir e chavear correntes elétricas, e podem reter bits de informação elétricos. As vantagens de memórias orgânicas e polímeros também incluem simplicidade na estrutura do dispositivo, boa escala, potencial de baixo custo, operação à baixa potência, propriedades de estados múltiplos, capacidade de empilhamento 3D e grande capacidade de armazenamento 1 de dados [1,3]. Em particular, materiais poliméricos possuem propriedades únicas, tais como resistência mecânica, flexibilidade, e a mais importante de todas, o fácil processamento. Com o advento das primeiras tecnologias de comunicação e em decorrência dos esforços de guerra, o mundo assistiu a um rápido avanço no campo da eletrônica na primeira metade do século XX. Ao final da segunda guerra mundial, houve um esforço concentrado no desenvolvimento de dispositivos de estado sólido alternativos. Em 1947 John Bardeen e Walter Brattain criaram o primeiro transistor de contato de ponto (ver Fig. 1.1) que era constituído de uma placa de germânio em contato com três fios de ouro. Em 1948 William Shockley descobriu o transistor de junção bipolar (TJB), no qual a passagem de corrente era controlada através de camadas alternadas de germânio do tipo p e do tipo n. Em 1954 o germânio foi substituído por silício e este mesmo semicondutor foi utilizado no desenvolvimento do primeiro circuito integrado em 1958 por Jack Kilby. Em 1961 o TJB foi substituído pelos transistores de efeito de campo (FETs). Um FET funciona controlando a migração de elétrons ou buracos em um canal entre um eletrodo emissor e um coletor. Quanto maior essa migração, maior a corrente entre emissor e coletor, e assim uma migração causada por um sinal na base pode ser transformada em uma corrente ainda maior, amplificando o sinal. Figura 1. 1 – Esquemas do primeiro transistor de contato de ponto em (a), do transistor de junção bipolar em (b), e em (c) do transistor de efeito de campo. E= emissor, B=base, C=coletor. A integração de circuitos completos, incluindo transistores, fios, resistores e capacitores, em um único chip de silício, levou a um aumento das velocidades, fazendo com que a capacidade de computação crescesse a níveis imprevisíveis. Tal progresso que ocorreu na indústria microeletrônica foi, e vêm sendo, baseado na tecnologia do silício. Ao longo das últimas décadas tem sido verificado que a capacidade de processamento dos 2 microprocessadores dobra a cada 18 meses. Tal constatação, que é conhecida como Lei de Moore, parece estar se aproximando de um limite físico. A capacidade de processamento está relacionada com a quantidade de transistores por unidade de área (densidade superficial de transistores) presentes no microprocessador. Quanto maior for essa densidade, maior será a potência consumida pelo microprocessador e, consequentemente, maior a energia dissipada sob forma de calor. Portanto, esforços voltados tanto para o aumento de capacidade de processamento quanto para a melhoria da eficiência na dissipação (ou na redução da produção de calor) devem ocorrer concomitantemente, caso contrário o calor seria gerado em níveis acima do „suportável‟ pelo microprocessador. Dentro dessa perspectiva, a eletrônica molecular tal como é observada na riqueza e complexidade de funcionamento dos seres vivos, aparece como uma alternativa importante. A implementação de estruturas lógicas à base da eletrônica molecular poderiam ocupar áreas de um milhão de vezes menores que seus análogos de silício [4], o que permitiria passar da escala microeletrônica para nanoeletrônica. Uma primeira proposta de construção de moléculas como elementos ativos em dispositivos eletrônicos surgiu em 1974, quando Aviram e Ratner [5] propuseram que retificação molecular ou condução elétrica assimétrica poderia ocorrer através dos orbitais moleculares de uma única molécula por meio de tunelamento. Neste sistema, D é um grupo doador de elétrons com baixo potencial de ionização, A é um grupo aceitador de elétrons com alta afinidade eletrônica e representa uma conexão molecular tipo “sigma”. O estado zwitteriônico fundamental da molécula não-polarizada polarização oposta seria mais acessível a partir do estado , do que o estado zwitteriônico de . Em uma linguagem de dispositivos de estado-sólido, este sistema apresenta uma estrutura assimétrica multinível de tunelamento ressonante, ou seja, o emparelhamento (ressonância) entre os níveis de energia do eletrodo e da molécula é mais facilmente obtida para uma determinada direção de campo elétrico; consequentemente, a corrente elétrica flui com mais facilidade para uma determinada direção da polarização da tensão aplicada (Fig. 1.2a e Fig. 1.2b). Sistemas moleculares podem apresentar analogias com sistemas de estado-sólido. Por exemplo, ao invés de estrutura de bandas para sistemas sólidos, sistemas moleculares são descritos em termos dos orbitais moleculares. No entanto, a diferença de energia entre o orbital ocupado de mais alta energia (HOMO) e o orbital desocupado de mais baixa energia (LUMO), pode ser comparada com o “gap” de energia em semicondutores. A engenharia de “gaps”, portanto, pode ter analogia com a modificação da estrutura de níveis de sistemas moleculares. 3 Figura 1. 2 – Mecanismo de retificação molecular proposto por (a) Aviram e Ratner, (b) curva de retificação. No entanto, para que moléculas possam ser usadas como dispositivos eletrônicos, é necessário aprofundar o estudo de suas propriedades, tais como a sua distribuição eletrônica e o efeito que o campo elétrico externo provoca sobre os níveis de energia de seus orbitais, dentre outras que influenciam o transporte de elétrons entre suas extremidades e, com isso, identificar moléculas promissoras para tais dispositivos. Atualmente, nanotubos de carbono e cadeias de polifenilenos [4] formam as duas categorias de macromoléculas que vêm se destacando em termos de transporte de cargas. O mecanismo de retificação proposto por Aviram e Ratner tem um aspecto em comum: o caráter assimétrico da molécula. Tal fato restringe o conjunto de moléculas que poderiam ser utilizadas como dispositivos funcionais retificadores. De um modo geral, três tipos de moléculas podem ser apontadas com propriedades retificadoras [6]: I. As moléculas : onde um grupo doador de elétrons se conecta a um grupo aceitador através de uma ponte do tipo . Note, no entanto, que condições adicionais devem ser observadas para que essas moléculas exibam de fato um caráter retificador [7]; II. Moléculas : moléculas cuja ponte entre os grupos doadores e aceitadores forma um sistema de conjugação , ou seja, é constituída por ligações não-saturadas (ligações duplas e simples alternadas), de modo que as mesmas estão fortemente acopladas; 4 III. Moléculas que possuem apenas sistemas- , desprovidas de grupos funcionais. Apesar de possuírem canais de condução (orbitais moleculares ) para o transporte de elétrons, essas moléculas são simétricas. Com isso, a simetria pode ser quebrada quando a molécula é inserida de forma assimétrica entre eletrodos externos. O objeto de interesse deste trabalho são as moléculas da família das betaínas piridínicas heterocíclicas (tipo ), que apresenta um comportamento peculiar no processo de transferência de elétrons a depender da separação entre os grupos doadores e aceitadores. No Capítulo 2 deste trabalho nós damos uma justificativa para a escolha desse sistema molecular, como também apresentamos um estudo ab initio da estrutura eletrônica de uma família representativa de betaínas formada por uma cadeia conjugada que é substituída lateralmente por dois pares de grupos formalmente doador aromático negativamente carregado (Fenolato) e aceitador aromático positivamente carregado (Piridina). Nesta fase inicial do trabalho, confirmamos a existência de uma transferência de elétrons intramolecular fotoinduzida (TEIF) nos maiores membros dessa família da betaína. Além disso, analisamos as propriedades moleculares dividindo a molécula em cinco partes: doador-1 (D1), aceitador-1 (A1), ponte conjugada (P), aceitador-2 (A2) e doador-2 (D2), permitindo assim um melhor entendimento da participação da ponte conjugada na transferência de elétrons nestas moléculas. Uma vez feito esse estudo, é de interesse tentar entender como se dá o processo de transferência entre as diferentes partes da molécula. Nesse sentido, apresentamos no Capítulo 3 um estudo ab initio do efeito de aplicação de um campo elétrico externo longitudinal sobre quatro casos especiais da betaína formada pelos mesmos grupos doadores e aceitadores substituídos de maneira distinta uma da outra. Em todos os casos, podemos observar regiões de “não-cruzamento” entre os níveis de energia dos orbitais moleculares HOMO e LUMO, e discutimos a importância desse efeito sobre a localização espacial da densidade eletrônica nos orbitais moleculares envolvidos no processo. Para obtermos um melhor entendimento da relação entre os sucessivos pontos de “não-cruzamento” e as propriedades elétricas, discutimos as possíveis implicações deste efeito sobre a carga eletrônica nas diferentes regiões da molécula. Ainda no Capítulo 3, nós escolhemos aquele caso que apresenta a maior variação de carga elétrica nos grupos funcionais e examinamos como a presença de campos elétricos transversais e longitudinais contribui para o processo de transferência de carga a longa distância na betaína. Os resultados obtidos indicam que se a intensidade do campo 5 elétrico transversal é mantida fixa, existem valores críticos de campo longitudinal para os quais um rearranjo da densidade eletrônica na cadeia pode ocorrer, como uma conseqüência do “não-cruzamento” ou cruzamento evitado dos níveis de energia e conseqüente modificação na localização espacial dos correspondentes orbitais moleculares de fronteira. Nós buscamos o entendimento completo dos fenômenos moleculares especiais discutidos nesta dissertação de mestrado, e finalizamos no Capítulo 4 apresentando as principais conclusões alcançadas e as perspectivas de possível continuidade para este trabalho. 6 CAPÍTULO 2 Porque betaínas Betaínas podem ser definidas como qualquer composto zwitteriônico constituído por um grupo funcional positivamente carregado, usualmente um íon amônio ou fosfônio, e um grupo funcional negativamente carregado como, por exemplo, um grupo carboxilato, que não necessariamente deve ser adjacente ao sítio catiônico. Historicamente, o termo betaína era reservado apenas à trimetilglicina [ , nomenclatura da IUPAC: acetato de trimetil amônio], um derivado metílico do aminoácido glicina. Em sistemas biológicos, a betaína é considerada como um importante metabólico intermediário, frequentemente encontrado em microorganismos, plantas e tecidos animais. Comumente o nome betaína é também atribuído a qualquer um dos vários sais de amônio quaternário análogos em estrutura à molécula original. Devido a sua peculiar distribuição de cargas dipolar no estado fundamental, as betaínas têm sido reconhecidas como uma classe promissora de moléculas para dispositivos de ótica não-linear (ONL) [8, 9] e para design de novas drogas farmacêuticas e arranjos químicos supramoleculares [10, 11]. Atualmente, há uma vasta literatura sobre betaínas piridínicas, os derivados mais simples da betaína original, relatando os mecanismos de síntese e propriedades ONL [12], obtidas através de cálculos de estrutura eletrônica ou de medidas experimentais. Entretanto, betaínas piridínicas de grande tamanho, isto é, formadas por grupos doadores e aceitadores de elétrons interconectados por uma longa cadeia conjugada, não têm sido suficientemente examinadas por estudos teóricos ou experimentais [13, 14]. A procura por novos materiais com alta atividade ótica não-linear para aplicações em dispositivos fotônicos, tais como moduladores eletrópticos, chaveadores e memórias ópticas, tornou-se uma intensa área de pesquisa nos últimos anos [15-17]. Materiais orgânicos destacam-se como uma alternativa bastante promissora para tais aplicações devido à versatilidade da síntese orgânica e às não-linearidades extremamente altas. Os tempos de resposta ultra rápidos observadas em cromóforos orgânicos podem ser incorporados em uma variedade de estruturas macroscópicas tais como, cristais, filmes de Langmuir-Blodgett, filmes auto-montados e matrizes poliméricas [16]. Entre os diversos sistemas moduladores propostos para aplicações em ONL destacam-se os cromóforos não-centrossimétricos com 7 transferência de carga intramolecular unidimensional. Tipicamente, estas moléculas contêm um sistema de elétrons- conjugados, assimetricamente substituídos por grupos doador e aceitador, denominados sistemas [16-18]. Uma classe especial destas moléculas, que será objeto de estudo desta tese, são os compostos zwitteriônicos ou betaínicos - conjugados, onde os grupos doadores e aceitadores conectados à cadeia conjugada são anéis aromáticos negativamente e positivamente carregados, respectivamente. Estas moléculas possuem uma característica incomum quanto à sua distribuição eletrônica: o estado fundamental é altamente dipolar devido à grande separação de cargas, que é em geral reduzida no estado excitado [19]. Esta característica particular das betaínas é a principal responsável por sua alta atividade ONL [20]. Em trabalhos teóricos realizados anteriormente [21-23], foi verificado que betaínas piridínicas heterocíclicas formadas por um par de grupos doador (D) e aceitador (A) conectados às extremidades de uma ponte poliênica apresentam propriedades peculiares quanto ao sentido da TEIF e ao papel doador e aceitador desempenhado pelos grupos cíclicos das mesmas, a depender do tamanho da ponte conjugada que une estes grupos. Através de cálculos de estrutura eletrônica semiempíricos [21], foi observado que a partir de um certo comprimento da cadeia conjugada, o qual por sua vez dependente da intensidade dos grupos D e A substituintes, uma inversão na localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira (OMFs) é estabelecida, ou seja, o orbital HOMO (LUMO) passa a se localizar preferencialmente na região da molécula contendo o grupo A (D), ao contrário do que é comumente observado em sistemas D-A convencionais [24]. Como conseqüência imediata deste efeito, nos maiores membros de uma dada família de betaínas, a TEIF ocorre na direção inversa, isto é, do grupo aceitador para o doador, abrindo a possibilidade para a construção de novos dispositivos para a eletrônica molecular. Quando nenhum campo elétrico externo está presente, é bem conhecido que a localização do mais alto orbital molecular ocupado (HOMO) e o mais baixo orbital molecular desocupado (LUMO) dos sistemas separação depende da , como mostrado anteriormente [21-23] ocorrer para as moléculas da família das betaínas. Dentre os resultados obtidos, destacamos o seguinte: enquanto a densidade do HOMO (LUMO) está essencialmente distribuída sobre o grupo doador (aceitador) para os menores membros da molécula, um deslocamento gradual das densidades eletrônicas correspondentes para os lados opostos da molécula é encontrado em betaínas com maiores valores de . Dessa forma, é esperado que as betaínas de tamanho intermediário exibam uma transferência de carga inversa, isto é, o fluxo de elétrons decorrente da absorção de um fóton é direcionado da região aceitadora para a região doadora da molécula. Portanto, a direção do 8 fluxo de elétrons fotoinduzido nesses materiais pode ser modulada pelo comprimento da cadeia conjugada que conecta os grupos D e A, como uma conseqüência direta da “inversão” na localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira HOMO e LUMO. Figura 2. 1 – Cadeia poliênica substituída lateralmente por dois pares de grupos típicos doador (D) e aceitador (A) de elétrons, com a cadeia poliênica alinhada na direção-z. Diante desses resultados, escolhemos uma família das betaínas1 e montamos um sistema molecular em que uma longa cadeia poliênica de tamanho fixo é substituída lateralmente por dois pares de grupos funcionais, cada par formado por um composto aceitador e outro doador Fig. 2.1. Esses grupos e de elétrons, com orientações distintas, como representado na estão dispostos ao longo da cadeia de modo a permanecer a uma curta distância um do outro no primeiro par membros do segundo par , enquanto que, a separação entre os é aumentada até certo limite crítico, acima do qual o sistema poderá desenvolver uma transferência de carga anômala e de forma cooperativa [22]. 1 A molécula escohida é a betaína da família 7 que é formada por um grupo doador (Fenolato) conectado ao grupo aceitador (Piridina) por uma ponte conjugada [23]. 9 2.1 – Procedimentos Computacionais Nós adotamos o programa Gaussian 03 [25] para descrever a estrutura eletrônica das betaínas. Cada uma das nove configurações examinadas teve sua geometria mais estável determinada a nível Hartree-Fock Restrito (RHF) usando a função de base 6-31G. Também realizamos cálculos de otimização utilizando o funcional densidade (B3LYP) com uso do conjunto de base 6-31G estendido por uma função de polarização adicional, isto é, 6-31G(d). A inclusão da função de polarização é importante para melhorar a descrição dos orbitais virtuais, que podem desempenhar um papel relevante na transferência de elétrons através da molécula [26]. Esse último tratamento foi adotado com a finalidade de obtermos uma descrição mais acurada e verificarmos a robustez dos nossos resultados com relação à inclusão de efeitos de correlação eletrônica sobre a otimização de geometria do estado fundamental. De posse da geometria otimizada, realizamos cálculos de energia a campo nulo, com a molécula alinhada na direção- . Para alinhar a molécula em uma dada direção, foi escrito um programa em Fortran em que as coordenadas da molécula foram rotacionadas de modo a que o eixo- seja definido como a linha reta que passa pelos átomos de carbono 11 e 17 (contando da esquerda para a direita) da cadeia conjugada. Para impedir a reorientação da molécula, foi adicionada a palavra-chave NoSymm no arquivo de entrada do Gaussian. O campo elétrico externo que atua sobre a molécula foi tomado dentro da aproximação do dipolo. Em todos os casos examinados, o conjunto de base escolhido foi o mesmo adotado no cálculo de otimização de geometria. 2.2 – Localização Espacial dos Orbitais Moleculares de Fronteira (OMFs): Análise Qualitativa Uma vez determinada a forma otimizada de cada uma das nove estruturas moleculares escolhidas ( ver Fig. 2.2), examinamos qualitativamente a localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira HOMO e LUMO correspondentes. Como mostrado em trabalhos anteriores, através de métodos semiempíricos e cálculos ab initio [22], identificamos na Figura 2.3 uma inversão na localização espacial do HOMO e do LUMO, ou seja, para as 10 configurações em que o par está separado por uma distância pequena, o HOMO (LUMO) está essencialmente distribuído sobre os grupos , e ponte conjugada ( , e ponte conjugada). Figura 2. 2 – Estruturas otimizadas a nível RHF/6-31G para as nove configurações moleculares da betaína da família 7. Entretanto, quando a distância entre o par atinge seu valor crítico, ocorre um deslocamento dos orbitais moleculares correspondentes para os lados opostos da molécula e, o HOMO (LUMO) passa a se distribuir essencialmente sobre os grupos ponte conjugada ( , , e e ponte conjugada). Assim, para as moléculas em que a distância 11 entre o par é pequena, espera-se que essas moléculas exibam uma transferência de carga normal e competitiva (ou seja, em sentidos opostos), quando expostas a uma diferença de potencial. Para as moléculas em que a distância entre o par é grande, espera-se que uma transferência de carga cooperativa (no mesmo sentido para cada par D-A) poderá ser desenvolvida pelo sistema molecular, com resultado de um efeito a longa distância em que carga pode ser transferida do par elétrons para o segundo grupo formalmente doador de . Figura 2. 3 – Superfícies de isovalor (isoval=0,02): HOMO e LUMO para os membros n=1 e n=9 da família 7 das betaínas calculada a nível ab initio RHF/6-31G. Isto pode ser considerado como um indicativo de que este sistema é promissor para utilização no desenvolvimento de novos dispositivos para eletrônica molecular [27]. Na verdade, o dispositivo molecular não pode ser considerado apenas como uma molécula isolada, mas sim o conjunto eletrodo-molécula-eletrodo, e assim é costume considerar que a molécula está conectada aos eletrodos metálicos (normalmente de ouro) através de grupos tiol (-SH) presentes em suas extremidades. Apesar de serem os elementos mais usados, enxofre e ouro não formam uma conexão perfeita devido ao fato de que a geometria dos orbitais desocupados do enxofre não permite que os orbitais -conjugados da molécula interajam fortemente com os orbitais de condução do ouro [4], o que, na prática, implica na existência de uma barreira de potencial na interface molécula-metal [28]. 12 Para uma descrição mais acurada da distribuição eletrônica nas betaínas, realizamos cálculos de otimização utilizando o funcional densidade (B3LYP) com as funções de base 6-31G e 6-31G(d). Dessa forma, podemos verificar o quão robusto é o fenômeno da inversão na localização dos orbitais moleculares de fronteira (HOMO e LUMO) com relação ao nível de tratamento teórico. Como mostrado na Figura 2.4, a inversão HOMO-LUMO é preservada para os maiores membros da família das betaínas, em uma indicação da viabilidade de observação experimental do efeito. Note que fazendo o cálculo com esse nível de teoria {DFT B3LYP/6-31G(d)}, o HOMO é mais deslocalizado sobre a cadeia conjugada para a molécula na configuração n=9. Entretanto, é importante verificarmos o quantitativamente o grau de localização dos orbitais moleculares em cada região da molécula. Figura 2. 4 – Superfícies de isovalor (isoval=0,02): HOMO e LUMO para os membros n=1 e n=9 da família 7 da betaína calculada a nível ab initio com a função de base 6-31G(d) dentro da aproximação B3LYP. Deve ser notado também, que nas estruturas moleculares otimizadas a cadeia conjugada sofre uma torção nas pontas, ou seja, a parte da cadeia conjugada que está do lado esquerdo do grupo D1 e a parte que está ao lado direito do grupo D2 sofrem uma torção com relação à parte da cadeia que liga os quatro grupos funcionais. Essa última mantém sua conjugação, no entanto, os grupos funcionais são rotacionados com relação à cadeia conjugada, de modo que para os menores membros (n=1,2,3) o grupo A1 e o grupo D2 tem 13 faces coincidentes, o que não é observado para os membros da betaína com n ≥ 4. Já os grupos D1 e A2 mantêm a mesma estrutura (isto é, com faces coincidentes) para todos as configurações examinadas. 2.3 – Localização Espacial dos Orbitais Moleculares de Fronteira (OMFs): Análise Quantitativa Um orbital molecular é escrito como uma combinação linear de orbitais atômicos [29], ou seja, (2.1) em que representa o -ésimo orbital atômico e o -ésimo coeficiente do -ésimo orbital molecular. Para uma análise quantitativa da localização espacial dos orbitais moleculares, nós dividimos os orbitais atômicos da betaína em três regiões contíguas, ou seja, os orbitais atômicos dos átomos pertencentes ao grupo doador (D), ponte (P) e grupo aceitador (A) [30], respectivamente, de forma que qualquer orbital molecular pode ser escrito como (2.2) Dessa forma, podemos realizar um estudo quantitativo do grau de localização de um determinado orbital molecular em diferentes regiões da molécula, pelo cálculo das grandezas (2.3.a) 14 (2.3.b) e (2.3.c) em que é a matriz de “overlap” dos orbitais atômicos e é o elemento de matriz dado por (2.4) Como os orbitais moleculares são ortonormalizados, a soma do grau de localização do orbital molecular nas diferentes regiões da molécula deve ser igual a um, ou seja, (2.5) Para um entendimento ainda mais completo do comportamento da localização espacial dos OMFs do sistema, essas regiões podem ainda ser subdivididas como , onde o espaço relativo ao grupo doador é dividido em grupo doador-1 (D1) e grupo doador-2 (D2); da mesma forma, o espaço do grupo aceitador é dividido em grupo aceitador-1 (A1) e grupo aceitador-2 (A2), tal que , e o espaço correspondente à ponte conjugada pode ser dividido em ponte esquerda (PE), ponte central (PC) e ponte direita (PD), de forma que . A Figura 2.5 representa uma análise quantitativa do grau de localização do HOMO e do LUMO nas diferentes regiões da molécula. Nessa primeira análise a campo nulo, consideramos a molécula dividida em cinco blocos (D1, D2, A1, A2 e ponte conjugada- ), e definimos como o valor padrão para afirmar que a localização do orbital é expressiva em uma determinada região da molécula. Como pode ser observado na Figura 2.5a, nos menores membros da molécula (isto é, de até ), o HOMO está 15 localizado essencialmente sobre os dois grupos doadores (D1 e D2) e a ponte conjugada- . Quando a separação entre D2 e A2 é aumentada até um valor crítico “queda” drástica em (ou seja, na localização do HOMO no grupo formalmente doador D2) que se mantém para os maiores valores de em observamos uma e, paralelamente, um aumento considerável . De modo similar, na Figura 2.5b temos para uma diminuição acentuada em , que é acompanhada pelo concomitante aumento em . (a) (b) D1 A1 ponte A2 D2 0,9 0,8 0,7 0,7 0,6 0,6 0,5 0,5 LUMO HOMO 0,8 0,4 0,4 0,3 0,3 0,2 0,2 0,1 0,1 0,0 0,0 0 1 2 3 4 5 n 6 7 8 9 D1 A1 ponte A2 D2 0,9 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 n Figura 2. 5 – Cálculo da localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira entre os grupos doadores (D1 e D2), os aceitadores (A1 e A2) e a ponte conjugada, mostra a inversão na posição dos orbitais (a) HOMO e (b) LUMO para o caso n ≥ 4. O papel que a ponte conjugada desempenha no processo de transferência de carga pode ser destacado pela observação de que o HOMO e o LUMO passam a se localizar não apenas nos grupos funcionais doadores e aceitadores, mas começam também a se estender ao longo da cadeia conjugada, proporcionando a superposição entre o HOMO e o LUMO necessária para uma transferência de carga efetiva. Assim, em uma interpretação com base na 16 teoria dos orbitais moleculares, verificamos a ocorrência de uma inversão na localização espacial do HOMO e do LUMO quando , isto é, quando o par está separado por quatro ligações duplas na cadeia conjugada. Dessa forma, espera-se que as estruturas moleculares com apresentem uma inversão na transferência de carga, o que em nossa expectativa deve levar a um efeito cooperativo na ação dos dois pares de grupos doadores e aceitadores. A identificação desta inversão na localização do HOMO e do LUMO é a base para nossa atenção de que um comportamento interessante na distribuição de carga ao longo do sistema pode surgir se esses orbitais moleculares vizinhos, de algum modo, mudarem suas localizações características. 2.4 – Análise Populacional Uma vez atingida a convergência no processo iterativo do campo auto-consistente, há várias formas de obter informações sobre o sistema molecular. Um método amplamente usado para analisar a distribuição eletrônica de um sistema é a análise populacional baseada no conceito de carga atômica. Dentre as variantes do método, uma das mais usadas devido a sua simplicidade é a análise populacional de Mülliken [31]. Nesse método, os elétrons de uma molécula de elétrons são divididos em populações líquidas populações de “overlap” nas funções de base ,e para todos os possíveis pares de funções de base, definindo subsequentemente grandezas como carga atômica total em um átomo particular, entre outras. A densidade de probabilidade associada a um elétron no orbital é dada por (2.6) Integrando a equação acima em todo o espaço, obtemos (2.7) Assumindo os coeficientes reais, temos 17 (2.8) Mülliken propôs que os termos da equação acima devem ser tratados como segue. Um elétron no orbital molecular contribui com o termo com o termo 2 para a população de overlap entre no orbital molecular ( ) e fazendo elétrons no orbital molecular população de overlap entre para a população líquida e e . Considerando elétrons simbolizarem as contribuições de , respectivamente para a população líquida em e , e contribui e para a . Temos então (2.9) e (2.10) Somando sobre os orbitais moleculares ocupados, obtemos a população líquida de Mülliken em e a população de overlap para o par e ( ): (2.11) (2.12) A soma de todas as populações líquidas e de overlap é igual ao número de elétrons na molécula na molécula: (2.13) 18 É conveniente para alguns propósitos “separar” os elétrons entre funções de base, apenas, sem populações de overlap. Mülliken propôs que isto pode ser feito dividindo-se cada população de overlap base igualmente entre as funções de base , isto resulta em uma população bruta , em mais a metade da soma das populações de overlap entre e . Para cada função de , que é igual à população líquida e todas as outras funções de base, ou seja, (2.14) A soma de todas as populações brutas resulta no número total de elétrons na molécula, (2.15) A soma das populações brutas para todas as funções de base centradas num átomo A resulta na população atômica bruta neste átomo, (2.16) Sendo todas as funções de base átomo-centradas, a soma das populações atômicas brutas é igual ao número de elétrons na molécula, e a carga líquida número atômico é definida como no átomo A com . Inicialmente, utilizamos uma análise populacional de Mülliken para obter a soma das cargas atômicas (em unidades atômicas, u.a.) nos cinco blocos considerados (os grupos doadores e aceitadores padrões, mais a ponte conjugada) de cada membro da betaína. De acordo com a Tabela 2.1, nós observamos que o primeiro par não sofre essencialmente nenhuma alteração significativa no valor de sua densidade de carga. Dessa forma, o par mantém seu comportamento padrão, isto é, D1 deve se comportar como um doador de elétrons e A2 como aceitador de elétrons. Já, por outro lado, no par 19 observamos que passa a haver uma grande redução na carga negativa do grupo D2 quando a separação da molécula vai de para , que é mantida para os maiores valores de . Também podemos observar que a mudança é ainda mais dramática no grupo A2 onde a carga líquida deste grupo chega a trocar de sinal, tornando-se negativa para as moléculas com . 1 -0,4013 0,1604 0,4819 0,1604 -0,4013 2 -0,3168 0,3685 0,6137 0,1433 -0,8086 3 -0,2975 0,35 0,6278 0,139 -0,8193 4 -0,2987 0,2639 0,4208 -0,191 -0,195 5 -0,2977 0,2573 0,4212 -0,217 -0,1638 6 -0,2982 0,2543 0,4168 -0,2312 -0,1417 7 -0,2966 0,2528 0,4199 -0,2412 -0,1349 8 -0,2971 0,2518 0,4071 -0,2478 -0,1141 9 -0,296 0,2516 0,4096 -0,2531 -0,1121 Tabela 2. 1 – Análise Populacional de Mülliken para os membros da família 7 de betaínas no estado fundamental, com base em cálculos a nível ab initio RHF/6-31G. Assim, ao examinarmos a distribuição eletrônica em membros crescentes da família 7 de betaínas, vemos que o grupo D2 segue uma tendência de perder o seu caráter doador passando a ter um caráter aceitador de elétrons e, de modo contrário, o comportamento do grupo A2 altera seu papel padrão de aceitador de elétrons para tornar-se uma região rica em elétrons, com a ponte conjugada atuando como um meio polarizável capaz de suprir a densidade eletrônica extra ao grupo piridina. Isto confirma a mudança peculiar no caráter dos grupos doador e aceitador quando conectados a ponte conjugadas à separação crescente entre eles. Deve ser salientado, contudo, que este método possui limitações importantes [32, 33]. Uma fonte de problemas e arbitrariedades é a divisão das populações de recobrimento em contribuições atômicas em que a população eletrônica de uma ligação é partilhada igualmente entre cada um dos átomos que compõem essa ligação. Como contra-exemplo, ao considerar uma ligação química entre dois átomos de diferentes eletronegatividades, vemos que tal partição equitativa dos elétrons pode não refletir a realidade. Uma das possíveis 20 consequências da falha na equipartição das populações de recobrimento é a reprodução não adequada do momento de dipolo molecular calculado através da função de onda Hartree-Fock utilizando as cargas de Mülliken. Um segundo problema importante na análise de Mülliken é a forte dependência do conjunto de base empregado no cálculo [32, 33], o que é conseqüência da função de onda ser projetada diretamente sobre as funções de base utilizadas. Para qualquer método de cálculo ser efetivamente útil, ele deve ser eficiente e produzir resultados de alta qualidade. Se os resultados de alta qualidade só podem ser obtidos com o maior conjunto de base, o tempo necessário para o cálculo pode ser muito grande de modo a tornar o cálculo de pouca utilidade prática. Por outro lado, um cálculo menor pode produzir resultados não-confiáveis. Para superar as dificuldades associadas à análise populacional de Mülliken, nós utilizamos uma análise de distribuição de cargas baseada em métodos de ajuste do potencial eletrostático, que deu origem aos métodos conhecidos como ESP [34, 35]. Esse método está baseado no cálculo de um conjunto de cargas atômicas pontuais, escolhidas de modo a representar o melhor possível o potencial eletrostático molecular em um conjunto de pontos pré-definidos e localizados ao redor da molécula. Essas cargas atômicas são chamadas derivadas do potencial [36]. Como o potencial é uma propriedade dependente da distribuição de carga total molecular e, portanto, das posições nucleares, mudanças na estrutura podem produzir diferenças significativas nos valores de carga calculados. Então, o nível de teoria e otimização de geometria usados para obter o potencial eletrostático, bem como a escolha do ponto do potencial, irão afetar fortemente os valores resultantes das cargas. O potencial eletrostático molecular em um ponto elétrons e para um sistema composto de átomos é definido como sendo, (2.17) em que é a carga do -ésimo núcleo localizado no ponto . O primeiro termo da equação acima corresponde ao potencial eletrostático total devido aos núcleos, tratados como cargas pontuais, onde a lei de Coulomb é utilizada para calcular o potencial de repulsão entre as cargas pontuais e a carga unitária positiva em . O segundo termo dessa equação corresponde ao potencial de atração eletrostática envolvendo a distribuição de cargas em todo 21 o espaço e a carga unitária positiva em , onde expressa em termos dos orbitais atômicos e é a densidade eletrônica que pode ser como (2.18) em que são os elementos da matriz densidade dados por (2.19) Assim, o potencial eletrostático molecular calculado pode também ser expresso como uma expansão de multipolos centrada nos átomos, e as cargas atômicas podem ser obtidas pela minimização da função (2.20) em que é o número total de pontos a serem ajustados, para cada ponto é o potencial eletrostático obtido num cálculo Hartree-Fock e o potencial eletrostático é expressado na aproximação de monopolo (2.21) Diversos pesquisadores implementaram esta metodologia utilizando diferentes métodos para escolha da distribuição de pontos [37, 38]. Como exemplos de métodos ESP temos o CHELP (Charges from Electrostatic Potential) [39] e CHELPG (Charges from Electrostatic Potential Grid based) [40]: eles diferem principalmente na escolha de pontos onde o potencial eletrostático é calculado, ou seja, em cascas esféricas concêntricas em torno de cada átomo (CHELP), ou em uma malha cúbica regularmente espaçada em torno das moléculas (CHELPG). O fato é que, o método CHELP, que foi proposto por Chirlian e Francl [39], 22 utiliza uma malha regular de pontos onde normalmente é observada uma variância rotacional das cargas atômicas, a qual é logicamente indesejada e representa um problema sério em análises conformacionais. Este problema é minimizado através de algoritmos mais sofisticados de escolha da distribuição de pontos baseado em pontos regularmente espaçados, como no método CHELPG proposto por Breneman e Wiberg [40], que reduz dramaticamente a dependência orientacional presente no método CHELP. Os únicos efeitos não incluídos neste procedimento são efeitos de penetração eletrostática de curto alcance. Na Tabela 2.2 mostramos o resultado de adoção do método CHELPG para avaliar a distribuição de cargas nas cinco regiões da molécula a campo nulo. Nós podemos observar que, quando aumentamos a separação o comportamento dos grupos é preservado, isto é, o primeiro par essencialmente não sofre nenhuma alteração significativa na carga elétrica, de modo que cada mantêm o seu comportamento padrão (isto é, doador e aceitador, respectivamente). 1 -0,5415 0,4827 0,1323 0,4737 -0,5472 2 -0,4567 0,8141 -0,1694 0,5456 -0,7336 3 -0,4501 0,8239 -0,1162 0,5014 -0,7589 4 -0,5214 0,7724 -0,216 0,2069 -0,2419 5 -0,5194 0,748 -0,1686 0,1703 -0,2304 6 -0,511 0,7694 -0,1843 0,1408 -0,2149 7 -0,5074 0,7567 -0,1859 0,1383 -0,2017 8 -0,5259 0,7433 -0,1625 0,1291 -0,184 9 -0,5185 0,7492 -0,1808 0,1329 -0,1828 Tabela 2. 2 – Carga ChelpG (em unidades atômicas) para os diferentes membros das betaínas da família 7 no estado fundamental calculada a nível ab initio RHF/6-31G, como função da distância de separação entre os grupos laterais D2 e A2. Embora não de forma tão dramática a ponto de ocorrer a mudança no sinal da carga elétrica observado anteriormente, a alteração no comportamento das cargas elétricas do par é mantida, isto é, a carga negativa do grupo D2 é reduzida, assim como a carga positiva do grupo A2, quando a separação da molécula passa de para . Dessa forma, utilizando o método de análise de distribuição de carga baseada em ajuste de 23 potencial eletrostático (ESP) para as betaínas da família 7, o grupo D2 segue uma tendência de perder o seu caráter doador e passar a ter um caráter aceitador de elétrons, enquanto que, de modo contrário, o comportamento observado para o grupo A2 é o de alterar seu papel padrão de aceitador de elétrons para tornar-se uma região rica em elétrons, com a ponte conjugada atuando como um meio polarizável responsável por suprir a densidade eletrônica extra ao grupo piridina. 24 CAPÍTULO 3 Transferência de Carga Induzida por Campo Elétrico 3.1 – Chaveador Molecular Existe um consenso crescente de que, ao longo das próximas duas décadas, a contínua diminuição de escala das características físicas dos circuitos eletrônicos, observada nos últimos quarenta anos, atingirá por fim o seu limite último, tanto por razões econômicas como técnicas [41]. Dentre os possíveis substitutos da microeletrônica baseada no silício, a Eletrônica Molecular aparece como uma alternativa de interesse [42, 43]. Uma fronteira atual do conhecimento na interface entre Física, Química, Biologia e Eletrônica na escala nanoscópica, a Eletrônica Molecular oferece vários atrativos: a partir de uma perspectiva científica, há o apelo formal de prever como moléculas individuais (ou um número limitado delas) poderia controlar o armazenamento e fluxo de informações, enquanto que, do ponto de vista de aplicações mais práticas, existe o sonho da reprodução do funcionamento interno dos sistemas biológicos em uma configuração sintética. Em 1982 Carter foi pioneiro em propor a construção de um chaveador molecular, baseado [44] nas propriedades do poliacetileno (PA), o polímero conjugado mais simples [45]. Carter baseou-se no princípio de tunelamento de elétrons. O coeficiente de transmissão de um elétron viajando ao longo de um “fio molecular” (isto é, uma cadeia polimérica) e aproximando-se de uma série finita de barreiras periódicas seria unitária se a energia dos elétrons se igualasse com um nível de energia pseudo-estacionário das barreiras. O chaveador pode ser desligado por uma mudança na altura da barreira ou a profundidade do poço de potencial, o que pode ser controlado pelo momento de dipolo dos grupos laterais ligados ao fio molécula [46]. A estrutura do PA PA é conhecida por acomodar sólitons topológicos como excitações elementares. Estes são defeitos na conjugação que separam duas configurações equivalentes do padrão de alternância de ligações simples e duplas na cadeia. A barreira de potencial entre estes dois estados fundamentais é baixa o suficiente para permitir o movimento do sóliton. Um protótipo para a chave solitônica de Carter é mostrado na Fig 3.1., onde D e A são, respectivamente, radicais moleculares tipo doador ou aceitador a serem 25 substituídos na cadeia poliênica. Devido ao movimento do sóliton, o estado fundamental 1 pode ser convertido ao estado fundamental 2, que troca a ligação entre os ligantes de dupla para simples. A partir do estado fundamental 1, luz pode ser absorvida no sentido de provocar uma transferência de carga entre e , enquanto o mesmo não é possível a partir do estado fundamental 2, uma vez que este não permite as modificações estruturais induzidas pelo processo de transferência de carga. Dessa forma, a absorção ou não de luz pode ser determinada pela passagem do sóliton sobre a cadeia poliênica. Figura 3. 1 – Chave molecular de Carter. D e A são grupos funcionais doador e aceitador substituídos na cadeia poliênica. A partir do estado fundamental 1, luz pode ser absorvida para produzir uma transferência de carga entre D e A, resultando no estado excitado 3. A passagem do sóliton converte o estado fundamental 1 no estado fundamental 2, bloqueando a absorção da luz. O campo de dispositivos eletrônicos é uma das aplicações mais fascinantes de sistemas orgânicos conjugados. Desde as idéias originais de Carter e colaboradores [44], um grande número de trabalhos tem sido realizado de forma a tornar a idéia do chaveador molecular uma realidade. Até onde a eletrônica molecular está interessada, a propriedade mais importante de um sóliton é que este inverte a posição de ligações simples e duplas ao se mover ao longo de uma cadeia conjugada. Em outras palavras: o sóliton “chaveia” a distribuição eletrônica da molécula entre dois estados distintos [47]. Uma chave molecular é, por definição, uma molécula que muda de “estado” devido à influência de um agente externo 26 (em geral, luz ou campo elétrico). As chaves propostas por Carter comumente estão associadas a uma mudança conformacional nas cadeias poliênicas, onde grupos doadores e aceitadores são dispostos nas pontas ou lateralmente [45]. Em 1985, Tanaka e colaboradores, [48] baseados em cálculos de orbitais moleculares, investigaram teoricamente a estrutura eletrônica de uma chave solitônica, considerada como um pequeno polieno substituído, ou como uma cadeia infinita possuindo pares de ligantes longo do polímero, onde foi escolhido o grupo periodicamente distribuídos ao como grupo funcional doador e o como grupo funcional aceitador. Analisando os coeficientes dos orbitais moleculares cristalinos do estado fundamental e do estado excitado, eles observaram que o LUMO do sistema, o qual é suposto inicialmente como parcialmente preenchido no caso de transferência de carga, não exibe o caráter ligante e anti-ligante apropriado para permitir o mecanismo push-pull. Portanto, eles concluíram que o sistema examinado não apresenta a propriedade de chaveamento. Além disso, o modelo chaveador proposto por Carter tem a desvantagem de que os níveis de energia do elétron transmitido devem corresponder exatamente aos níveis de energia das barreiras formadas no fio molecular, quando na realidade, qualquer distribuição de geometrias dos segmentos de cadeia deve conduzir a uma dispersão das posições dos níveis de energia ao longo da cadeia polimérica, resultando assim em uma diminuição acentuada do coeficiente de transmissão do elétron. Portanto, a idéia de um chaveador com base no princípio de tunelamento eletrônico pode falhar quando aplicadas a situações em cadeias poliméricas reais [46]. No entanto, em 1988 S. Roth e colaboradores mostraram que a maioria dos resultados experimentais até então conhecidos sobre a condutividade elétrica dos polímeros condutores estava de acordo com o mecanismo de transporte de “hopping” de alcance variável. A molécula usada como protótipo foi o poliacetileno. A condutividade foi estudada como uma função do nível de dopagem, temperatura, freqüência e comprimento de conjugação [49]. Desde os trabalhos iniciais de Aviram e Rartner [5], muito se tem discutido sobre a construção de dispositivos eletrônicos como retificadores e transistores que tenham por base a transferência interna de elétrons em moléculas do tipo elétrons , se conecta outro, , onde um grupo doador de , de caráter aceitador, através de uma ponte intramolecular . Uma linha usual de abordagem do problema envolve a chamada aproximação de transporte coerente [50], em que o fluxo de elétrons que passa por uma molécula conectada a dois eletrodos e nas extremidades se faz através dos níveis moleculares sem que ocorra qualquer tipo de espalhamento eletrônico ou reajuste molecular. Em nosso grupo temos desenvolvido um tratamento alternativo, no qual a interação entre os níveis moleculares 27 ocasionados pela presença do campo elétrico externo pode ter um efeito significativo sobre o transporte global de carga, por exemplo, ao facilitar uma súbita mudança da localização na densidade eletrônica entre diferentes regiões da molécula [30]. Como essas interações podem também ocasionalmente criar barreiras para a transferência de carga intramolecular, o transporte não-coerente pode ser um fator importante para a condutância global do sistema molecular. Neste capítulo, nós combinamos o fato das betaínas apresentarem uma transferência anômala de carga (a depender da separação entre os grupos e ) com a aplicação de campos elétricos ao longo da cadeia conjugada, de modo que o fluxo de carga entre os grupos e substituídos possa ser variado de maneira controlada. 3.2 – Aplicação de um campo elétrico externo ao longo da direção de uma cadeia conjugada O chaveador molecular proposto por Carter pode ser considerado como um dispositivo orgânico de multi-etapas, onde o esqueleto é composto de oligômeros de etileno ligados a grupos doadores (D) e aceitadores (A). Sob tensão externa, o sistema muda de estado de conjugação para outro, mais especificamente de ligações duplas-simples para ligações simples-dupla. Dificuldades encontradas na construção deste tipo de dispositivo molecular são evidentes. Após a primeira mobilidade de carga entre o , o sistema não permite que o próximo segmento funcione como um dispositivo, isto é, o segundo segmento apresentará um fluxo de carga no sentido contrário ao primeiro. Para evitar esse problema nós propomos um dispositivo que permite o chaveador molecular depender apenas do tamanho da separação entre os grupos na cadeia conjugada. Entender como o campo elétrico provoca alterações nos níveis de energia e na localização dos orbitais moleculares de fronteira é uma condição necessária para compreendermos como se dá o transporte de elétrons pela molécula. Para isso, vamos agora examinar os efeitos introduzidos devido a um campo elétrico sobre a propriedade eletrônica das betaínas. Deve ser notado que, recentemente, Del Nero e colaboradores examinaram o efeito de um campo elétrico externamente aplicado sobre a distribuição [51] e transporte [52] de cargas em moléculas conjugadas com um grupo doador e outro aceitador terminalmente substituídos em uma cadeia poliênica de tamanho variável. 28 As configurações geométricas correspondentes ao estado fundamental das estruturas analisadas foram obtidas por meio do cálculo de otimização de geometria utilizando o programa Gaussian 03 [25], de acordo com os resultados mostrados no Capítulo 2. Com as estruturas já otimizadas, nós consideramos quatro casos limites para realização de cálculos de energia com a molécula sofrendo atuação de um campo elétrico externo aplicado na direção da cadeia conjugada. Os casos considerados foram: a molécula com a menor separação , isto é, ; a configuração molecular antes da inversão HOMO-LUMO ( configuração em que a inversão HOMO-LUMO ocorre ( a maior separação foram orientadas na direção calculada, isto é, ), a ) e, por último, a molécula com . As estruturas moleculares consideradas , e em seguida calculamos a energia (sem alterar a geometria do sistema) quando a molécula está submetida a um campo elétrico externo aplicado ao longo da cadeia conjugada e de intensidade variável em ambos os sentidos. Os cálculos de energia foram realizados a nível ab initio RHF (Restricted Hartree-Fock) usando a função de base 631G. Por questão de conveniência, podemos em uma primeira aproximação usar a hipótese de Born-Oppenheimer e considerar os núcleos em uma configuração estática, resolvendo a equação de Schrodinger para elétrons que se movem em um potencial estacionário. Dessa forma, os cálculos de energia da betaína para cada valor de na presença do campo elétrico externo foram realizados mantendo fixa a estrutura otimizada para o caso do campo nulo. 3.2.1.A – Efeito sobre os níveis de energia Com a molécula alinhada em uma dada direção ( , um campo elétrico externo foi aplicado ao longo do eixo da cadeia conjugada, e sua intensidade variada em ambos os sentidos. Em nossa abordagem, é importante levar em conta as interações elétron-elétron de modo a destacar o papel importante desempenhado pelas interações intra-moleculares nos processos de transporte de elétrons [53], ou seja, examinar o limite do transporte “nãocoerente”. Além disso, uma boa aproximação para a maioria dos sistemas “push-pull” conjugados, é considerar o modelo de dois níveis, onde a transição eletrônica HOMO LUMO é predominante e governa tanto a reatividade quanto as propriedades espectroscópicas desse sistema [23]. Desse modo, vamos inicialmente examinar como variam os níveis de energia (em especial, o HOMO e o LUMO) da molécula nas diferentes configurações, quando um campo elétrico variável atuar sobre a molécula de betaína. Nas 29 Figs. 3.2 a 3.5 examinamos os níveis de energia dos quatro orbitais ocupados mais altos e os quatro orbitais desocupados mais baixos, de acordo com a nomenclatura apresentada na Tabela 3.1. Nomenclatura dos níveis de energia dos orbitais moleculares de fronteira L+3 LUMO+3 L+2 LUMO+2 L+1 LUMO+1 L LUMO H HOMO H-1 HOMO-1 H-2 HOMO-2 H-3 HOMO-3 Tabela 3. 1 – Orbitais moleculares de fronteira considerados. 3.2.1.A.1 – variação dos níveis de energia para o caso n = 1: Inicialmente analisamos o caso separação entre (correspondente à betaína com menor ). Conforme podemos observar na Fig 3.2a, o campo elétrico provoca o cruzamento entre os níveis de energia da molécula. Note que a campo nulo, a separação HOMO-LUMO é relativamente alta, isto é, Hartrees. No entanto, quando aumentamos a intensidade do campo elétrico, o gap HOMO-LUMO diminui bastante, de modo a fazer com que esses dois orbitais moleculares se tornem quase degenerados nos intervalos de campo e , conforme destacados pelas regiões circuladas da Fig 3.2a. O mesmo ocorre na região dos intervalos de campo elétrico e em . Este comportamento pode ser associado ao fenômeno de “não-cruzamento” (em inglês, “avoided-crossing”) entre dois orbitais moleculares. De nosso interesse, a principal consequência desse fenômeno é a mistura resultante na simetria dos dois orbitais moleculares, ou seja, o fato de que o “não-cruzamento” dos níveis de energia envolvidos pode provocar 30 uma mudança na localização espacial dos orbitais moleculares envolvidos, desde que os orbitais envolvidos estejam inicialmente localizados em regiões distintas da molécula. Para uma melhor compreensão, o fenômeno de “não-cruzamento” (Figura 3.2c) pode ser entendido considerando dois níveis e associadas ao Hamiltoniano não-perturbado externo e suas correspondentes energias [54]. Na presença de um campo elétrico aplicado ao longo da cadeia conjugada (direção - ), o Hamiltoniano do problema pode ser escrito como , com . H-3 H-2 H-1 H L L+1 L+2 L+3 0,10 0,05 0,00 Níveis de Energia (u.a.) e -0,05 -0,10 -0,15 -0,20 -0,25 -0,30 -0,35 -0,04 -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 0,04 Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 2 a – Níveis de energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico externo aplicado na betaína da família 7 com separação n=1 entre A2 e D2. 31 0,24 LUMO-HOMO 0,22 0,20 0,18 0,16 u.a. 0,14 0,12 0,10 0,08 0,06 0,04 0,02 0,00 -0,04 -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 0,04 Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 2 b – Variação da energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico externo aplicado na betaína da família 7 com separação n=1. Figura 3. 2 c – Representação esquemática do fenômeno de não-cruzamento entre duas superfícies de energia potencial de dois estados eletrônicos 1 e 2. 32 Os auto-estados e autovalores de são dados respectivamente por (3.1) e (3.2) em que é um fator de fase, , e (3.3) Nós vemos então que, a depender do valor da interação corresponder a um estado e , cada um dos auto-estados pode original puro ou a uma mistura qualquer dos dois. Em especial, uma troca entre as características dos dois estados originais ocorrerá quando o parâmetro de mistura mudar do seu valor inicial final (antes da interação), para seu valor (depois da interação). Dessa forma, em uma situação de “não-cruzamento” entre esses níveis (que podem estar localizados em diferentes partes da molécula), o campo elétrico pode modificar a distribuição eletrônica do sistema. Portanto, o fenômeno do “nãocruzamento” pode introduzir uma situação muito peculiar do fluxo global de elétrons, desde que em determinados valores específicos de campo elétrico a interação entre dois ou mais níveis provoca o “tunelamento” do elétron de uma região para outra da molécula. Ainda na Fig 3.2a podemos observar que existem outras regiões de “não-cruzamento” entre outros orbitais moleculares. Para todas as faixas de valores do campo elétrico externo que ocasionem situações de “não-cruzamento” de orbitais moleculares ocupados, uma mudança na distribuição eletrônica nas diferentes regiões da molécula pode ser esperada. Observando a Fig. 3.2a, nós podemos associar as concavidades das curvas de energia do HOMO e do LUMO à mistura de simetria entre esses orbitais moleculares. Em particular, nós admitimos que a interação HOMO-LUMO está relacionada de maneira competitiva à interação desses orbitais moleculares com seus vizinhos mais próximos, ou seja, a interação do HOMO com o HOMO-1 e a interação do LUMO com o LUMO+1. Dessa 33 forma nós podemos dizer que, quando a diferença de energia entre o HOMO e LUMO diminuir, ocorrerá um crescimento em (variação de energia entre HOMO e HOMO-1) e também em (variação de energia entre LUMO e LUMO+1). De maneira simplificada, nós podemos dizer que, para ocorrer uma mistura de simetria entre HOMO e LUMO, o diferenças de energia deve estar em um mínimo enquanto que as e máximo. Na Fig. 3.2b nós plotamos as curvas de devem se encontrar em um , e também, as de um fator definido como (3.4) onde a soma dos dois gaps (HOMO-HOMO-1 e LUMO-LUMO+1) é máxima nas regiões em que a interação HOMO-LUMO se torna relevante. (Note que o contrário também é verdadeiro, isto é, quando a interação HOMO-LUMO não é relevante, o fator deve ser mínimo). Nas Figs. 3.3 a 3.5 são ilustrados os resultados obtidos para a interação entre os níveis de energia em função da intensidade do campo elétrico externo aplicado no caso das estruturas com , e , membros distintos da família 7 de betaínas duplamente substituída por pares D1A1 e D2A2. Podemos identificar que, em todos os casos para os quais o gap HOMO-LUMO diminui em determinados intervalos de campo, há também a ocorrência do “não-cruzamento” desses orbitais moleculares nas regiões indicadas por círculos. E em todas as regiões de “não-cruzamento” deve ser esperado que ocorra uma mudança na localização espacial dos orbitas moleculares. 34 3.2.1.A.2 – variação dos níveis de energia para o caso n = 3: H-3 H-2 H-1 H L L+1 L+2 L+3 0,10 0,05 Níveis de Energia (u.a.) 0,00 -0,05 -0,10 -0,15 -0,20 -0,25 -0,30 -0,35 -0,04 -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 0,04 Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 3 a – Níveis de energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico externo aplicado na betaína da família 7 com separação n=3 entre os grupos A2 e D2. 0,24 LUMO-HOMO 0,22 0,20 0,18 0,16 (u.a.) 0,14 0,12 0,10 0,08 0,06 0,04 0,02 0,00 -0,04 -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 0,04 Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 3 b – Variação da energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico externo aplicado na betaína da família 7 com separação n=3 entre os grupos A2 e D2. 35 A compreensão, ainda que qualitativa, dessas alterações é a condição necessária para o entendimento dos processos de transporte de elétrons pela molécula, onde mudanças súbitas na localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira podem sucessivamente abrir e fechar canais de transferência intramolecular de elétrons, levando assim à explicação do aspecto característico da condutância molecular. Na Fig. 3.3a nós observamos que para a molécula na configuração , na região de campo elétrico , apesar de os níveis de energia do HOMO e do LUMO estarem distantes, a concavidade das curvas desses orbitais moleculares parece indicar que os níveis de energia correspondentes tendem a se aproximar. A mesma observação pode também ser feita a partir da Fig. 3.3b, onde é observado um mínimo na curva concomitante a um máximo na curva do fator , assim como nas demais regiões de não-cruzamento. Desse modo, é esperado que nessas regiões ocorra uma mistura dos orbitais moleculares HOMO e LUMO. 3.2.1.A.3 – variação dos níveis de energia para o caso n = 4: H-3 H-2 H-1 H L L+1 L+2 L+3 0,10 0,05 Níveis de Energia (u.a.) 0,00 -0,05 -0,10 -0,15 -0,20 -0,25 -0,30 -0,35 -0,04 -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 0,04 Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 4 a – Níveis de energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico externo aplicado na betaína da família 7 com separação n=4 entre os grupos A2 e D2. 36 Na Fig. 3.4a nós observamos duas outras regiões de não-cruzamento para a molécula com , um no intervalo de campo elétrico de e outro no intervalo de campo entre para a molécula com . Assim como acontece , no intervalo de campo elétrico entre e a concavidade das curvas de energia do HOMO e do LUMO nos leva a acreditar que existe uma mistura de simetria entre esses dois orbitais moleculares nesses intervalos de campo elétrico. De fato, ao analisar a Fig. 3.4b, nós podemos observar a presença de alguns mínimos na curva concomitante aos máximos na curva do fator , o que deve levar a uma mudança na localização desses orbitais moleculares. 0,24 LUMO-HOMO 0,22 0,20 0,18 0,16 (u.a.) 0,14 0,12 0,10 0,08 0,06 0,04 0,02 0,00 -0,04 -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 0,04 Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 4 b – Variação da energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico externo aplicado na betaína da família 7 com separação n=4 entre os grupos A2 e D2. 3.2.1.A.4 – variação dos níveis de energia para o caso n = 9: Para a molécula na configuração nós podemos identificar claramente nas Figs. 3.5a e 3.5b as regiões de não-cruzamento entre os orbitais moleculares HOMO e LUMO, indicadas pelas elipses pretas. No entanto, devido à proximidade dos orbitais moleculares nos valores extremos de campo elétrico, acreditamos que isso pode ser devido a 37 uma interação entre três ou mais orbitais moleculares. É importante observar que as regiões de não-cruzamento não ocorrem em intervalos simétricos de campo elétrico, devido ao caráter intrinsecamente assimétrico da molécula. H-3 H-2 H-1 H L L+1 L+2 L+3 0,10 0,05 Níveis de Energia (u.a.) 0,00 -0,05 -0,10 -0,15 -0,20 -0,25 -0,30 -0,35 -0,04 -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 0,04 Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 5 a – Níveis de energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico externo aplica na betaína da família 7 com separação n=9 entre os grupos A2 e D2. 0,24 LUMO-HOMO 0,22 0,20 0,18 0,16 (u.a.) 0,14 0,12 0,10 0,08 0,06 0,04 0,02 0,00 -0,04 -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 0,04 Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 5 b – Variação da energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico externo aplicado na betaína da família 7 com separação n=9 entre os grupos A2 e D2. 38 3.2.1.B – Efeito sobre a localização espacial dos OMFs Uma vez em condições de quantificar a localização dos orbitais moleculares, podemos plotar os gráficos de localização nas diferentes regiões da molécula em função do campo elétrico. De acordo com a nomenclatura apresentada na Tabela 3.2, representamos separadamente, nas Figs. 3.6 a 3.9, as probabilidades de encontrarmos os orbitais moleculares (HOMO e LUMO) nos grupos funcionais e nas diferentes regiões da cadeia conjugada para cada um dos valores de considerados, ou seja, e . Nomenclatura das diferentes regiões da molécula D1 Doador-1 A1 Aceitador-1 A2 Aceitador-2 D2 Doador-2 P.E Ponte do lado esquerdo P.C Ponte central P.D Ponte do lado direito Tabela 3. 2 – Divisão adotada para a localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira nas 7 regiões distintas da molécula. 3.2.1.B.1 – variação da localização espacial dos OMFs para o caso n = 1: Na Fig. 3.6a observamos o grau de localização do HOMO nos grupos funcionais da betaína com . Nota-se uma mudança no grau de localização nos grupos funcionais nos intervalos de campo elétrico e , que pode ser atribuída à interação entre os orbitais HOMO e HOMO-1 nesses intervalos de campo elétrico, também observado na Fig. 3.2a. Entretanto, nas regiões em que ocorre uma situação de “não-cruzamento” entre o HOMO e o LUMO, nenhuma mudança no grau de localização do HOMO é observada nos grupos funcionais. Da mesma forma, vemos na Fig. 3.6b que nessas mesmas regiões não há nenhuma mudança no grau de localização do LUMO nos grupos funcionais, o que indica que a mistura de simetria entre o HOMO e 39 LUMO deve estar representada em uma mudança no grau localização desses orbitais moleculares sobre a ponte conjugada. Também na Fig. 3.6b, as mudanças apresentadas do grau de localização do LUMO nos intervalos de campo elétrico , e também em são atribuídas à interação entre LUMO e LUMO+1. Conforme é mostrado na Fig. 3.6c, nós examinamos o grau de localização do HOMO nas diferentes regiões da ponte. Como a cadeia conjugada possui 24 carbonos, definimos como ponte do lado esquerdo os primeiros 8 átomos de carbono juntamente com os átomos de hidrogênio ligados a eles; a ponte central é formada pelos 8 átomos de carbono localizados na parte central da cadeia e os átomos de hidrogênio ligados a eles; e, por último, consideramos a ponte do lado direito formada pelos outros 8 átomos de carbono e os átomos de hidrogênio aos quais estão ligados. Desse modo, podemos observar, para a betaína com separação n=1 entre os grupos A2 e D2, uma mudança no grau de localização do HOMO tanto na ponte do lado esquerdo quanto na ponte do lado direito referente às regiões de nãocruzamento entre o HOMO e o LUMO. Note que, no intervalo de campo elétrico , pode ser observado que, ao aumentar a intensidade do campo elétrico, o HOMO, que estava localizado principalmente na ponte do lado esquerdo, para o valor de campo , passa a se localizar principalmente sobre a ponte do lado direito após o valor de campo elétrico . Essa mudança também é apresentada no intervalo de campo elétrico , no qual o HOMO se encontra localizado sobre a ponte do lado direito em aumentamos a intensidade do campo elétrico para e, quando , passa a se localizar principalmente sobre a ponte do lado esquerdo. Da mesma forma, a mistura de simetria entre HOMO e LUMO ocorre para os maiores valores de campo elétrico ( ). 40 Campo Elétrico (u.a.) (a) -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 1,0 D1 A1 A2 D2 0,8 HOMO 0,6 0,4 0,2 0,0 (b) -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 1,0 D1 A1 A2 D2 LUMO 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 (c) -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 1,0 0,8 HOMO 0,6 0,4 0,2 0,0 P.E P.C P.D (d) -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 1,0 LUMO 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 P.E P.C P.D Figura 3. 6 – Localização espacial dos orbitais moleculares na betaína com a separação n=1 entre os grupos A2 e D2. (a) HOMO e (b) LUMO, nos grupos funcionais. (c) HOMO e (d) LUMO nas diferentes regiões da ponte conjugada, como função do campo elétrico aplicado sobre a molécula. 41 Outras regiões onde ocorrem mudanças no grau de localização desses orbitais moleculares podem ser encontradas. Por exemplo, no intervalo de campo elétrico entre nós notamos um aumento no grau de localização do HOMO sobre a ponte do lado esquerdo e uma diminuição da localização do HOMO sobre a ponte central. Analisando esse resultado, em face da variação dos níveis de energia da molécula (ver Fig. 3.2a), nós podemos atribuir essa mudança à interação do HOMO com o HOMO-1 nesse intervalo de campo elétrico. A interação entre os orbitais moleculares {HOMO e HOMO-1} também provoca uma mudança no grau de localização do HOMO no intervalo de campo elétrico entre , em que ocorre uma diminuição da localização do HOMO sobre a ponte do lado direito e um aumento da localização deste sobre a ponte central; e, na região de campo entre , também podemos ver uma diminuição no grau de localização do HOMO sobre a ponte central, que é acompanhada por um aumento da localização deste orbital sobre a ponte do lado esquerdo. O mesmo acontece para valores positivos de campo elétrico, já que, no intervalo entre , nós vemos uma redução do grau de localização do HOMO sobre a ponte central acompanhada por um aumento da localização do HOMO sobre a ponte do lado direito; no intervalo entre ocorre uma diminuição do grau de localização do HOMO na ponte do lado esquerdo concomitante ao aumento da localização do HOMO sobre a ponte central; e, por último, no intervalo de , pode-se observar uma diminuição do grau de localização do HOMO sobre a ponte central, concomitante ao aumento da localização deste orbital sobre a ponte do lado direito. Da mesma forma que foi mostrada a mudança da localização do HOMO como função do campo elétrico, na Fig. 3.6d nós representamos o grau de localização do LUMO sobre as diferentes regiões da ponte conjugada. Podemos ver as mudanças apresentadas na localização do LUMO nas regiões em que situações de “não-cruzamento” entre os níveis são observadas, da mesma forma com que foi mostrada a localização do HOMO. Por exemplo, no intervalo de campo elétrico , o LUMO está localizado principalmente sobre a ponte do lado direito em , e passa a se localizar principalmente sobre a ponte do lado esquerdo quando aumentamos a intensidade do campo elétrico para o valor , podemos ver que em . Também no intervalo entre o LUMO está localizado principalmente sobre a ponte do lado esquerdo, mas que, quando aumentamos a intensidade do campo 42 elétrico para , o LUMO passa a se localizar sobre a ponte do lado direito. Finalmente, e da mesma forma também, a mudança na localização do LUMO é apresentada nos valores extremos de campo elétrico, ou seja, nos intervalos entre . Por sua vez, nós encontramos também uma mudança no grau de localização do LUMO nos intervalos de campo elétrico e . Essa mudança pode ser atribuída a interação entre os orbitais LUMO e LUMO+1 nesses intervalos de campo elétrico, como pode ser visto na Fig. 3.2a. As regiões em que ocorrem essas mudanças na localização devido ao “não-cruzamento” entre o HOMO e o LUMO podem ser chamadas regiões de “transição”; a localização espacial do HOMO muda do lado esquerdo da molécula para o lado direito da molécula nos intervalos de campo elétrico e e, de modo contrário, o LUMO muda do lado direito para o lado esquerdo da molécula nesses intervalos de campo elétrico. Já para os intervalos positivos de campo elétrico + ,e , o HOMO muda do lado direito para o lado esquerdo da molécula, enquanto que o contrário ocorre com o LUMO, que muda do lado esquerdo para o lado direito da molécula. Isso indica que muito embora a interação entre o HOMO e o LUMO não provoque nenhuma mudança significativa na localização espacial desses orbitais nos grupos funcionais, deve ser esperado que a interação HOMO-LUMO tenha um efeito significativo na densidade de carga nas diferentes regiões da ponte conjugada. 3.2.1.B.2 – variação da localização espacial dos OMFs para o caso n = 3: Na Fig. 3.7a nós observamos o grau de localização do HOMO nos grupos funcionais da betaína com separação entre os grupos A2 e D2. A primeira situação de não-cruzamento entre o HOMO e o LUMO, ocorre no intervalo de campo elétrico , com uma pequena redução no grau de localização do HOMO no grupo doador-1 que tende a ser nula em aumenta em , e, em seguida, . O grau de localização do HOMO nos demais grupos funcionais permanece inalterado e praticamente nulo. Nessa mesma região de campo elétrico, podemos observar na Fig. 3.7b um crescimento no grau de localização do LUMO no grupo doador-1 entre intervalo de campo elétrico e, em seguida, o mesmo se reduz no . Essa mudança deve ser refletida no comportamento da carga elétrica do grupo D1 nesse intervalo de campo elétrico. 43 Na segunda região de não-cruzamento entre o HOMO e o LUMO, isto é, , não é observada nenhuma mudança significativa no grau de localização do HOMO (Fig. 3.7a) nos grupos funcionais, assim como nenhuma alteração no grau de localização do LUMO (Fig. 3.7b) ocorre nesses grupos para o mesmo intervalo de campo elétrico. Dessa forma, nenhuma alteração significativa na carga elétrica dos grupos funcionais deve ser esperada nesse intervalo de intensidade do campo elétrico aplicado. As demais alterações no grau de localização do HOMO nos grupos funcionais apresentadas na Fig. 3.7a são ocasionadas pela interação entre os orbitais HOMO e o HOMO-1, assim como as demais alterações no grau de localização do LUMO nos grupos funcionais apresentadas na Fig. 3.7b são ocorrem devido à interação entre o LUMO e o LUMO+1. Na Fig. 3.7c observa-se como o grau de localização do HOMO nas diferentes regiões da cadeia conjugada varia com o campo elétrico. Podemos observar que na primeira região de não-cruzamento (no intervalo ) ocorre uma diminuição do grau de localização do HOMO na ponte do lado esquerdo. Essa redução é concomitante ao aumento da localização na ponte do lado direito e a um pequeno crescimento no valor da localização do HOMO na ponte central. No mesmo intervalo de campo elétrico podemos observar na Fig. 3.7d uma redução no grau de localização do LUMO na ponte do lado direito, acompanhada de um crescimento do valor da localização do LUMO na ponte do lado esquerdo e na ponte central. No segundo intervalo de campo elétrico onde ocorre a interação entre o HOMO e o LUMO ( podemos observar na Fig. 3.7c uma redução na localização do HOMO na ponte do lado direito, que é acompanhada por um crescimento no valor da localização do HOMO na ponte do lado esquerdo. Ainda no mesmo intervalo de campo elétrico pode-se observar uma redução no grau de localização do LUMO na ponte do lado esquerdo que ocorre ao mesmo tempo em que um crescimento no grau de localização do LUMO na ponte do lado direito passa a ser observado. Assim como ocorre nos grupos funcionais, as demais alterações no grau de localização do HOMO nas diferentes regiões da cadeia conjugada apresentadas na Fig. 3.7c são ocasionadas pela interação entre o HOMO e o HOMO-1, assim como as demais alterações no grau de localização do LUMO apresentadas na Fig. 3.7d se devem à interação entre o LUMO e o LUMO+1. Como foi mencionado anteriormente (ver Fig. 3.3b), no intervalo de campo elétrico existe uma mistura de simetria entre o HOMO e o LUMO, quando pode ser observado (ver Fig. 3.7a a Fig.3.7d) que as mudanças na localização desses orbitais moleculares ocorrem principalmente nos grupos D1, ponte central e ponte do lado direito. 44 Campo Elétrico (u.a.) (a) 1,0 0,8 HOMO 0,6 -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 D1 A1 A2 D2 0,4 0,2 0,0 (b) 1,0 0,8 LUMO 0,6 -0,03 D1 A1 A2 D2 0,4 0,2 0,0 (c) -0,03 1,0 P.E P.C P.D 0,8 HOMO 0,6 0,4 0,2 0,0 (d) 1,0 0,8 -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 P.E P.C P.D LUMO 0,6 0,4 0,2 0,0 Figura 3. 7 – Localização espacial dos orbitais moleculares na betaína da família 7 com a separação n=3 entre os grupos A2 e D2. (a) HOMO e (b) LUMO, nos grupos funcionais. (c) HOMO e (d) LUMO nas diferentes regiões da ponte conjugada, como função do campo elétrico aplicado sobre a molécula. 45 3.2.1.B.3 – variação da localização espacial dos OMFs para o caso n = 4: Ao contrário do apresentado nas betaínas da família 7 em que a separação entre os grupos A2 e D2 vale e , nas Fig. 3.8a e 3.8b nós podemos observar que para a molécula com uma separação , o campo elétrico tem um efeito maior na mudança do grau de localização do HOMO e do LUMO sobre os grupos funcionais, principalmente dos grupos D1 e D2. Isso é um indicativo de que esses dois grupos podem estar interagindo de modo a transferir carga de um para o outro ao longo da molécula. Nós podemos observar também que a mistura de simetria entre esses orbitais moleculares também muda a localização desses orbitais (HOMO e LUMO) na cadeia conjugada, como pode ser observado nas Fig. 3.8c e Fig. 3.8d. Assim, a separação n entre os grupos A2 e D2 tem um papel importante no processo de transferência de carga entre os grupos funcionais ao longo da betaína da família 7, onde deve ser esperado, para os menores membros da betaína, que o processo de transferência de carga se dê principalmente entre as diferentes regiões da ponte conjugada da molécula. O contrário deve ser esperado para os maiores membros da betaína, ou seja, quando n atingir seu valor crítico (n = 4) essa transferência de carga deve ocorrer tanto nas diferentes regiões da ponte conjugada como também nos grupos funcionais da betaína. 46 (a) -0,03 -0,02 -0,01 Campo Elétrico (u.a.) 0,00 0,01 0,02 0,03 1,0 D1 A1 A2 D2 0,8 HOMO 0,6 0,4 0,2 0,0 (b) -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 1,0 D1 A1 A2 D2 0,8 LUMO 0,6 0,4 0,2 0,0 (c) -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 1,0 P.E P.C P.D 0,8 HOMO 0,6 0,4 0,2 0,0 (d) -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 1,0 0,03 P.E P.C P.D 0,8 LUMO 0,02 0,6 0,4 0,2 0,0 Figura 3. 8 – Localização espacial dos orbitais moleculares na betaína da família 7 em que a separação entre os grupos A2 e D2 corresponde a n=4. (a) HOMO e (b) LUMO, nos grupos funcionais. (c) HOMO e (d) LUMO nas diferentes regiões da ponte conjugada, como função do campo elétrico aplicado sobre a molécula. 47 3.2.1.B.4 – variação da localização espacial dos OMFs para o caso n = 9: Nas Fig. 3.9a – 3.9b nós examinamos o grau de localização do HOMO nos grupos funcionais da betaína com a separação entre os grupos A2 e D2. Nas regiões onde a mistura de simetria entre HOMO e LUMO está presente, nós observamos que há uma maior mudança na localização desses orbitais moleculares sobre os grupos funcionais, o que deve levar a uma maior interação entre esses grupos no processo de transferência de carga intramolecular. Como nos casos anteriores, nós podemos ver como a mistura de simetria entre o HOMO e o LUMO provoca uma mudança na localização desses orbitais moleculares nas diferentes regiões da molécula, o que pode ser observado nas Figs. 3.9c e 3.9d. Fazendo uma relação desses resultados com as elipses pretas mostradas nos gráficos dos níveis de energia (ver Fig. 3.2 – 3.5), nós vemos que todas as regiões destacadas pelas elipses pretas são identificadas como situações de não-cruzamento em que as mudanças na localização dos orbitais moleculares de fronteira são provocadas pela mistura resultante na simetria dos orbitais envolvidos. Isso indica que, para os casos aqui examinados, a análise feita observando a concavidade das curvas dos níveis de energia é válida, como também a suposição de que a interação HOMO-LUMO está relacionada de maneira competitiva à interação desses dois orbitais com seus vizinhos mais próximos, ou seja, a interação do HOMO com o HOMO-1 e do LUMO com o LUMO+1. 48 Campo Elétrico (u.a.) (a) -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 1,0 D1 A1 A2 D2 0,8 HOMO 0,6 0,4 0,2 0,0 (b) -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 1,0 D1 A1 A2 D2 0,8 LUMO 0,6 0,4 0,2 0,0 (c) -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 1,0 P.E P.C P.D 0,8 HOMO 0,6 0,4 0,2 0,0 (d) -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 1,0 0,02 0,03 P.E P.C P.D 0,8 LUMO 0,6 0,4 0,2 0,0 Figura 3. 9 – Localização espacial dos orbitais moleculares na betaína da família 7 em que a separação entre os grupos A2 e D2 corresponde a n=9. (a) HOMO e (b) LUMO, nos grupos funcionais. (c) HOMO e (d) LUMO nas diferentes regiões da ponte conjugada, como função do campo elétrico aplicado sobre a molécula. 49 3.2.2 – Variação da Densidade de Carga como Função do Campo Aplicado 3.2.2.A – Densidade de carga nos grupos funcionais Para obtermos um melhor entendimento da interação HOMO-LUMO provocada pelo campo elétrico aplicado nas betaínas, calculamos a carga líquida nos grupos funcionais para cada uma das estruturas analisadas. Através da Análise Populacional de Mülliken, nós representamos graficamente nas Figs. 3.10a à 3.10d, a variação da densidade de carga para a betaínas nas configurações . Em uma primeira análise dos resultados, podemos ver que a variação de carga dos grupos funcionais é maior na molécula com os maiores valores de separação . Isto indica que para moléculas da categoria das betaínas da família 7, quando a separação entre os grupos substituintes A2 e D2 atingir seu limite crítico nós teremos uma transferência de carga efetiva entre os grupos funcionais da molécula, um comportamento que deve ser mantido para os maiores valores de . Devemos destacar que nas regiões onde a interação HOMO-LUMO (representada pelas barras verticais azuis) se apresenta de maneira mais acentuada, temos um crescimento pronunciado da carga atômica dos átomos dos grupos funcionais para a molécula com os maiores valores de . Isto se deve à mudança na localização do HOMO e do LUMO nesses grupos funcionais, o que é mais difícil de ocorrer nas moléculas com a separação menor, pois a mistura de simetria afeta principalmente a localização desses orbitais na cadeia conjugada. Outro ponto importante a ser destacado é a mudança no comportamento dos grupos A2 e D2: a depender da separação , o grupo A2 (que é formalmente aceitador de elétrons) passa a ter um caráter doador para valores de campo elétrico negativos quando alcança seu limite crítico, ou seja, .O contrário ocorre com o grupo D2, que é formalmente doador de elétrons e passa a ter o caráter aceitador quando a separação atinge seu limite crítico. O inverso também é verdade, ou seja, para valores positivos de campo elétrico o grupo A2 tem um comportamento de típico aceitador de elétrons e o grupo D2 tem um comportamento de um típico doador de elétrons. Pode-se observar também na Fig. 3.10c que a campo nulo, a carga líquida do grupo funcional A2 tem uma mudança de sinal, tornando-se negativa e que a carga líquida do grupo D2 se aproxima de zero para os maiores valores de n. Esse comportamento de A2 e D2 não é observado quando a molécula se encontra nas configurações de menor separação . Essa mudança de comportamento favorece que, para os dois pares doador-aceitador, a transferência 50 de elétrons se dê na mesma direção; esses resultados que são consistentes com a aproximação de considerar o modelo de dois níveis, onde a interação HOMO-LUMO predomina e governa o processo de transferência de carga desse sistema. Para verificar a robustez de nossos resultados, decidimos implementar também a análise de distribuição de cargas baseada nos métodos de ajuste de potencial eletrostático (ESP) [34, 35], onde as cargas atômicas podem ser obtidas pela minimização da função , dado pela eq. 2.20. Das várias técnicas para distribuição de cargas atômicas em moléculas, nós optamos pela técnica CHELPG por sua eficiência computacional e boa descrição das observáveis físicas derivadas de suas distribuições de carga, tais como momento de dipolo. Os resultados apresentados nas Figs. 3.11a à 3.11d mostram a concordância entre a técnica CHELPG e a análise populacional de Mülliken, para o comportamento da densidade de carga dos grupos funcionais como função do campo elétrico, isto é, a carga localizada sobre os grupos funcionais é bem mais sensível ao campo elétrico quando a molécula se apresenta nas configurações com os maiores valores de n. Como pode ser observado nas Figs. 3.11a à 3.11d nas regiões de interação entre o HOMO e o LUMO, há uma “quebra” na curva da carga líquida dos grupos funcionais da molécula com os maiores valores de n, ou seja, o “não-cruzamento” entre o HOMO e o LUMO provoca uma curva acentuada na carga líquida dos grupos funcionais. Além disso, verificamos que a campo nulo, a carga dos grupos A2 e D2 se aproximam de zero quando aumentamos a separação n, indicando que boa parte da carga líquida do grupo D2 foi transferida para as demais regiões da ponte incluindo o grupo A2 que tem um decréscimo na carga positiva, ou seja, ganha elétrons. 51 (a) (b) n=1 n=3 n=4 n=9 4 3 3 2 Carga Elétrica (u.a.) Carga Elétrica (u.a.) 2 1 0 -1 1 0 -1 -2 -2 -3 -3 -4 -4 -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 -0,03 0,03 3 -0,02 -0,01 0,00 0,01 Campo Elétrico (u.a.) Campo Elétrico (u.a.) (c) (d) n=1 n=3 n=4 n=9 4 0,02 0,03 0,02 0,03 n=1 n=3 n=4 n=9 4 3 2 2 Carga Elétrica (u.a.) Carga Elétrica (u.a.) n=1 n=3 n=4 n=9 4 1 0 -1 1 0 -1 -2 -2 -3 -3 -4 -4 -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 -0,03 Campo Elétrico (u.a.) -0,02 -0,01 0,00 0,01 Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 10 – Soma das cargas atômicas dos átomos dos grupos funcionais em função da intensidade do campo elétrico externamente aplicado, calculada através da análise populacional de Mülliken: (a) no grupo D1; (b) no grupo A1; (c) no grupo A2; (d) no grupo D2. As barras verticais azuis representam as regiões de não-cruzamento. 52 (b) (a) 3 3 2 Carga Elétrica (u.a.) 2 Carga Elétrica (u.a.) n=1 n=3 n=4 n=9 4 n=1 n=3 n=4 n=9 4 1 0 -1 1 0 -1 -2 -2 -3 -3 -4 -4 -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 -0,03 0,03 -0,02 -0,01 (c) 0,01 0,02 0,03 0,02 0,03 (d) n=1 n=3 n=4 n=9 4 3 4 3 2 n=1 n=3 n=4 n=9 2 Carga Elétrica (u.a.) Carga Elétrica (u.a.) 0,00 Campo Elétrico (u.a.) Campo Elétrico (u.a.) 1 0 -1 1 0 -1 -2 -2 -3 -3 -4 -4 -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 Campo Elétrico (u.a.) 0,03 -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 11 – Análise populacional da carga atômica dos átomos dos grupos funcionais em função da intensidade do campo elétrico externamente aplicado, calculada através de métodos de potencial eletrostático (ESP), usando a técnica CHELPG: (a) no grupo D1; (b) no grupo A1; (c) no grupo A2; (d) no grupo D2. As barras verticais azuis representam as regiões de não-cruzamento. 53 3.2.2.B – Densidade de carga ao longo da ponte conjugada (a) P.E P.C P.D 4 3 3 2 2 1 0 -1 1 0 -1 -2 -2 -3 -3 -4 -4 -0,03 -0,02 P.E P.C P.D 4 Carga Elétrica (u.a.) Carga Elétrica (u.a.) (b) -0,01 0,00 0,01 0,02 -0,03 0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 Campo Elétrico (u.a.) Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 12 – Soma das cargas atômicas dos átomos da ponte em função da intensidade do campo elétrico externamente aplicado, calculada através da Análise populacional de Mülliken: (a) Molécula na configuração n=1; (b) Molécula na configuração n=3. Para a betaína nas configurações e nós vimos que as mudanças na localização do HOMO e do LUMO ocorrem principalmente na cadeia conjugada. Assim, nós representamos nas Figs. 3.12a e 3.12b o valor das cargas nas diferentes regiões da ponte, como função do campo elétrico para esses dois casos ( e ), calculadas através da Análise Populacional de Mülliken. Como pode ser observado, nas regiões em que ocorre a mistura de simetria entre o HOMO e o LUMO, há a presença de uma carga acentuada nas pontes (ponte do lado esquerdo, ponte central e ponte do lado direto). O mesmo comportamento também é observado quando a densidade de carga é obtida através do método ESP, usando a técnica CHELPG, como pode ser observado nas Figs. 3.13a e 3.13b). Desse modo nós encerramos essa discussão afirmando que basta o crescimento da separação entre os 54 grupos aceitador e doador (A2 e D2) para que ocorra um efeito sinérgico na transferência de carga na mesma direção para os dois pares doador-aceitador. Um efeito semelhante a esse pode ser desempenhado por um campo elétrico externo. Desse modo, nós podemos afirmar que o chaveamento se dá pela interação HOMO-LUMO de maneira que a passagem de elétrons pode ser controlada pela intensidade do campo elétrico aplicado na molécula. (a) (b) P.E P.C P.D 4 3 3 2 2 Carga Elétrica (u.a.) Carga Elétrica (u.a.) P.E P.C P.D 4 1 0 -1 1 0 -1 -2 -2 -3 -3 -4 -4 -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 Campo Elétrico (u.a.) Campo Elétrico (u.a.) Figura 3.13 – Análise populacional da carga atômica dos átomos da ponte em função da intensidade do campo elétrico externamente aplicado, calculada através de métodos de potencial eletrostático (ESP), usando a técnica CHELPG: (a) Molécula na configuração n=1; (b) Molécula na configuração n=3. 3.3 – Campo elétrico transversal aplicado na cadeia conjugada O transistor é um dispositivo eletrônico constituído por três terminais e que é usado para controlar sinais elétricos. Seu uso mais comum é o controle de amplificação e de chaveamento. No transistor de efeito de campo (FET) o controle do sinal elétrico é feito sobre 55 os portadores em movimento de deriva, isto é, do contato fonte ao contato dreno, através de um canal semicondutor. Esse controle é feito por um campo elétrico criado devido a uma tensão que é aplicada por um terceiro contato chamado de porta. Em analogia a isso, nós introduzimos diferentes valores de campo elétrico transversal ( ) e examinamos se é possível obter o controle o controle do fluxo de elétrons através da molécula aplicando um campo longitudinal variável ( ). Nesta seção nós apresentamos um estudo teórico dos efeitos de um campo elétrico externo aplicado transversalmente sobre a estrutura eletrônica da betaína. Das quatro estruturas analisadas na Seção 3.2, nós destacamos a estrutura molecular com a configuração n=9, pelo fato de apresentar a maior variação da carga líquida nos grupos funcionais quando um campo elétrico externo longitudinal atua sobre a molécula. Nós examinamos como a presença de campos elétricos transversais e longitudinais contribui para uma transferência de carga a longa distância. Assim, se um campo transversal é ligado, as interações entre os níveis moleculares induzidas pelo campo elétrico devem resultar numa transferência de carga controlada entre os grupos doadores e aceitadores. A configuração geométrica correspondente ao estado fundamental da molécula foi otimizada a nível ab initio Restricted Hartree-Fock (RHF) usando a função de base 6-31G. Com a estrutura otimizada, nós realizamos cálculos de energia (sem alterar a geometria do sistema) para diferentes valores de campo transversal (Vg), e submetendo a molécula a um campo elétrico externo de intensidade variável na direção da cadeia conjugada, com o mesmo conjunto de base. A estrutura molecular considerada foi orientada de modo que a cadeia conjugada está alinhada na direção . Dessa forma, para cada valor de Vg nós consideramos apenas a estrutura otimizada a campo nulo em todos os cálculos de energia com campo elétrico aplicado na molécula. 3.3.1.A – Modificação nos níveis de energia A mudança nos níveis de energia Hartree-Fock da betaína examinada neste capítulo nos dá uma idéia de como a localização dos orbitais moleculares pode ser modificada pelo progressivo aumento da intensidade do campo elétrico externo. Até o momento, temos discutido o efeito do campo elétrico aplicado longitudinalmente sobre a cadeia conjugada das betaínas considerando o modelo de dois níveis, onde a transição eletrônica HOMO LUMO é predominante e governa tanto a reatividade quanto as propriedades espectroscópicas desse 56 sistema [23]. Nesta seção, estudamos as mudanças que um campo elétrico transversal ( ), provoca nos níveis de energia e na localização espacial dos orbitais moleculares como função do campo elétrico longitudinal ( ). Primeiramente, vamos tomar como exemplo a betaína da família 7 com a configuração molecular n=9. Para isso, 7 valores de campo elétrico foram aplicados transversalmente à direção da cadeia conjugada ( intervalos de ), com . Para cada valor de campo elétrico transversal, um campo elétrico variável é aplicado longitudinalmente à direção da cadeia conjugada ( ), variando em intervalos de . Desse modo, vamos examinar como variam os níveis de energia (em especial, HOMO e LUMO) como função do campo elétrico aplicado na betaína. Nas Fig. 3.14 à Fig. 3.16 examinamos os níveis de energia para três casos, , e , em que representamos os quatro orbitais ocupados mais alto e os quatro orbitais desocupados mais baixo, de acordo com a nomenclatura apresentada na Tabela 3.1. H-3 H-2 H-1 H L L+1 L+2 L+3 0,10 0,05 Níveis de Energia (u.a.) 0,00 -0,05 -0,10 -0,15 -0,20 -0,25 -0,30 -0,35 -0,016 -0,012 -0,008 -0,004 0,000 0,004 0,008 0,012 0,016 Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 14 – Níveis de energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico longitudinal (ξz) aplicado na betaína com a configuração n=9 e sob a influência de um campo transversal ξy=-0,006 u.a. 57 Inicialmente analisamos o caso em que o campo elétrico transversal é aplicado sobre a betaína. Como pode ser observado na Fig. 3.14, nos intervalos de campo elétrico entre e ocorre a interação entre o HOMO e o LUMO, e assim, nessas regiões é esperada uma mistura de simetria desses orbitais moleculares. Um fato relevante a ser destacado é a presença de oscilações nos níveis de energia da molécula que ocorrem no primeiro intervalo de campo elétrico ( ). Isso é um indício de que nessa região ocorrem sucessivas misturas de simetria provocadas pelo campo elétrico transversal ( ). Como exemplo, nós representamos na Tabela 3.3 as nuvens eletrônicas do HOMO e do LUMO na região de campo elétrico entre Como pode ser observado, em . o HOMO está localizado sobre toda a molécula, mas principalmente sobre o lado esquerdo da molécula, ou seja, nos grupos D1, A1, A2, ponte do lado esquerdo e ponte central. O LUMO por sua vez está localizado principalmente sobre o grupo D2 e ponte do lado direito. No entanto, aumentando a intensidade do campo no sentido negativo, podemos observar em uma mudança na localização do HOMO e do LUMO, isto é, o HOMO passa a se localizar sobre o grupo D2 e ponte do lado direito, e o LUMO passa a se localizar principalmente sobre os grupos D1, A1, A2 e ponte do lado esquerdo. Aumentando mais um pouco a intensidade do campo elétrico, observa-se novamente em que a localização desses orbitais moleculares muda, voltando para a situação encontrada em , ou seja, o HOMO localizado principalmente sobre os grupos D1, A1, A2, ponte do lado esquerdo e ponte central, e o LUMO por sua vez está localizado principalmente sobre o grupo D2 e ponte do lado direito. Note, porém, que na região de campo elétrico entre essas oscilações não são identificadas, de modo que não deve haver mudanças sucessivas na localização dos orbitais moleculares de fronteira. 58 Tabela 3. 3 – Representação dos orbitais moleculares HOMO e LUMO na região de não-cruzamento (Gauss View – RHF/6-31G) para a betaína da família 7 com a configuração n=9 e sob influência de um campo elétrico transversal (ξy=-0,006 u.a.) e um campo elétrico longitudinal (ξz) variável. 59 H-3 H-2 H-1 H L L+1 L+2 L+3 0,10 0,05 Níveis de Energia (u.a.) 0,00 -0,05 -0,10 -0,15 -0,20 -0,25 -0,30 -0,35 -0,016 -0,012 -0,008 -0,004 0,000 0,004 0,008 0,012 0,016 Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 15 – Níveis de energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico longitudinal ( z) aplicado na betaína com a configuração n=9 e sob a influência de um campo transversal ξy=0,000 u.a. Na Fig.3.15, observamos os níveis de energia da molécula sem a presença do campo transversal, ou seja, . Nota-se que a região de não-cruzamento entre o HOMO e o LUMO é muito próxima da que ocorre com o campo . No entanto, ainda que pequeno, há um deslocamento na posição em que o não-cruzamento entre esses orbitais moleculares. Também pode ser observado que as oscilações nos níveis de energia presentes no caso agora não estão presentes nos valores de campo negativo, mas uma pequena oscilação ocorre no valore de campo elétrico . Isso nos leva mais uma vez a acreditar que a depender do valor do campo transversal, mudanças sucessivas na localização dos orbitais moleculares podem ocorrer e isso implicará numa mudança no comportamento da carga efetiva. 60 H-3 H-2 H-1 H L L+1 L+2 L+3 0,10 0,05 Níveis de Energia (u.a.) 0,00 -0,05 -0,10 -0,15 -0,20 -0,25 -0,30 -0,35 -0,016 -0,012 -0,008 -0,004 0,000 0,004 0,008 0,012 0,016 Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 16 – Níveis de energia dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico longitudinal (ξz) aplicado na betaína com a configuração n=9 e sob a influência de um campo transversal ξy=+0,006 u.a. Na Fig. 3.16, apresentamos o comportamento dos níveis de energia da molécula com o campo transversal . Novamente podem ser observadas pequenas oscilações nos níveis de energia da molécula no intervalo entre , o que deve levar a mudanças na localização dos orbitais moleculares de fronteira. Também em há indicação de uma interação entre o LUMO e o LUMO+1 que não ocorre nos demais casos. Por se tratar apenas de orbitas desocupados, nós consideramos que essa interação (LUMO-LUMO+1) não deve ter um efeito significativo na carga efetiva do sistema. Na Fig. 3.17 nós representamos os níveis de energia dos orbitais moleculares de fronteira HOMO e LUMO para os diferentes valores de campo elétrico transversal ( ) e seguindo a nomenclatura apresentada na Tabela 3.4. 61 Níveis de energia dos OMFs para diferentes valores H_-0,006 HOMO para o campo L_-0,006 LUMO para o campo H_-0,004 HOMO para o campo L_-0,004 LUMO para o campo H_-0,002 HOMO para o campo L_-0,002 LUMO para o campo H_+0,000 HOMO para o campo L_+0,000 LUMO para o campo H_+0,002 HOMO para o campo L_+0,002 LUMO para o campo H_+0,004 HOMO para o campo L_+0,004 LUMO para o campo H_+0,006 HOMO para o campo L_+0,006 LUMO para o campo Tabela 3. 4 – Orbitais moleculares de fronteira para diferentes valores de campo elétrico transversal (ξy). 62 (a) 0,05 H_-0,006 L_-0,006 H_-0,004 L_-0,004 H_-0,002 L_-0,002 H_+0,000 L_+0,000 H_+0,002 L_+0,002 H_+0,004 L_+0,004 H_+0,006 L_+0,006 Níveis de Energia (u.a.) 0,00 -0,05 -0,10 -0,15 -0,20 -0,25 -0,016 -0,012 -0,008 -0,004 0,000 0,004 0,008 0,012 0,016 Campo Elétrico (u.a.) (b) (c) -0,06 -0,08 -0,08 -0,10 -0,10 Níveis de Energia (u.a.) Níveis de Energia (u.a.) -0,06 -0,12 -0,12 -0,007 -0,006 -0,005 Campo Elétrico (u.a.) 0,008 0,010 0,012 Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 17 – Níveis de energia dos orbitais moleculares de fronteira HOMO e LUMO como função do campo elétrico longitudinal (ξz) aplicado na betaína com a configuração n=9 para os diferentes valores de campo transversal (ξy): (a) no intervalo de campo –0,015 u.a.≤ ξz ≤ +0,015 u.a.; (b) região ampliada da primeira situação de não-cruzamento –0,008 u.a. ≤ ξz ≤ –0,005 u.a.; (c) região ampliada da segunda situação de não-cruzamento +0,008 u.a. ≤ ξz ≤ +0,012 u.a.. 63 3.3.1.B – Modificação na localização espacial dos OMFs Conforme é apresentado na Fig. 3.17a nós examinamos como os níveis de energia do HOMO e do LUMO são afetados para diferentes valores de campo elétrico aplicado transversalmente à cadeia conjugada. Como pode ser observado, na região de campo elétrico ( ) negativo em que ocorre situações de interação HOMO-LUMO, as oscilações nos níveis de energia ocorrem apenas quando o campo transversal é aplicado sobre a molécula, enquanto que na região de campo elétrico positivo, em que ocorre a interação HOMO-LUMO, estas oscilações estão presentes em quase todos os casos, com exceção para os casos e . Também pode ser notado na Fig. 3.17b e 3.17c que, em cada caso, estas oscilações ocorrem para valores de campo elétrico ( ) diferentes, isso é um indicativo de que a mistura de simetria desses orbitais moleculares depende da intensidade do campo elétrico transversal aplicado sobre a betaína. Outro fator que também podemos destacar na Fig. 3.17b e 3.17c, é que a depender do valor do campo elétrico transversal, a interação HOMO-LUMO se inicia para diferentes valores de , ou seja, será antecipada ou atrasada com relação ao valor de campo elétrico longitudinal. Visto isso, nós agora podemos plotar os gráficos de localização dos orbitais moleculares HOMO e LUMO para os 7 casos analisados, seguindo a nomenclatura adotada na Tabela 3.2. Como estamos interessados nas propriedades elétricas apenas dos grupos funcionais, nesta seção nós analisamos somente a localização do HOMO e do LUMO nos grupos funcionais (D1, A1, A2 e D2). 64 (a) (b) D1 A1 A2 D2 1,0 1,0 0,8 0,6 0,6 LUMO HOMO 0,8 D1 A1 A2 D2 0,4 0,4 0,2 0,2 0,0 0,0 -0,015 -0,010 -0,005 0,000 0,005 0,010 -0,015 -0,010 -0,005 0,015 0,000 0,005 0,010 0,015 Campo Elétrico (u.a.) Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 18 – Localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico longitudinal (ξz) aplicado na betaína com a configuração n=9 onde o campo transversal é nulo, ou seja, ξy=0,000 u.a.: (a) HOMO; (b) LUMO. Na Fig. 3.18 examinamos o grau de localização do HOMO (Fig. 3.18a) e LUMO (Fig. 3.18b) em cada um dos grupos funcionais para o caso em que nenhum campo elétrico transversal é aplicado sobre a betaína, isto é, intervalo . Como pode ser visto, no temos a primeira situação de não-cruzamento. Nesse intervalo de campo elétrico ocorre uma redução da localização do HOMO no grupo D1, A1 e A2, acompanhada por um aumento no grau de localização HOMO no grupo D2. Concomitante a essa mudança, podemos identificar uma diminuição na localização do LUMO no grupo D2, que é acompanhada por um aumento na localização do LUMO nos grupos D1, A1 e A2. Na segunda região de não-cruzamento (no intervalo de campo elétrico entre ), temos uma redução na localização do HOMO no grupo D2, acompanhada por um aumento na localização do HOMO nos grupos D1, A1 e A2. E o contrário ocorre para o LUMO, ou seja, um crescimento na localização do LUMO no grupo 65 D2 e uma redução na localização do LUMO nos grupos D1 e A1. Dessa forma, é esperado que nessas regiões de campo elétrico ocorra uma mudança na carga atômica dos átomos dos grupos funcionais. Também pode ser destacado que a oscilação dos níveis de energia desses orbitais é observada na localização do HOMO e do LUMO na molécula em . Nesse valor de campo nota-se um aumento na localização do HOMO principalmente em D2, acompanhada por uma redução na localização do HOMO em A1. Nesse mesmo valor de campo elétrico, nota-se uma redução na localização do LUMO no grupo D2, ao mesmo tempo em que um aumento na localização do LUMO em A1. A oscilação na localização desses orbitais moleculares deve provocar uma mudança no comportamento da densidade de carga dos grupos funcionais envolvidos, ou seja, D2 e A1. (a) 1,0 (b) D1 A1 A2 D2 D1 A1 A2 D2 1,0 0,8 0,6 0,6 LUMO HOMO 0,8 0,4 0,4 0,2 0,2 0,0 0,0 -0,015 -0,010 -0,005 0,000 0,005 0,010 0,015 -0,015 Campo Elétrico (u.a.) -0,010 -0,005 0,000 0,005 0,010 0,015 Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 19 – Localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico longitudinal (ξz) aplicado na betaína com a configuração n=9 e sob a influência de um campo transversal ξy= –0,002 u.a.: (a) HOMO; (b) LUMO. Já na Fig. 3.19 observamos o grau de localização do HOMO (Fig. 3.19a) e LUMO (Fig. 3.19b) nos grupos funcionais para o caso em que um campo elétrico transversal é aplicado sobre a betaína no sentido negativo, isto é, no intervalo . Conforme é mostrado , novamente ocorre uma redução da localização 66 do HOMO no grupo D1, A1 e A2, ao mesmo tempo que um aumento no grau de localização HOMO no grupo D2 se apresenta. Concomitante a essa mudança, temos uma diminuição na localização do LUMO no grupo D2, que é acompanhada por um aumento na localização do LUMO nos grupos D1, A1 e A2. Por sua vez, na região entre temos uma redução na localização do HOMO no grupo D2, acompanhada por um aumento na localização do HOMO nos grupos D1, A1 e A2. E o contrário ocorre para o LUMO, ou seja, um crescimento na localização do LUMO no grupo D2 e uma redução na localização do LUMO nos grupos D1 e A1. Também pode ser destacado que, diferentemente do caso anterior (betaína da família 7 sob a ação de um campo elétrico transversal ), a oscilação dos níveis de energia desses orbitais, é observada na localização do HOMO e do LUMO na molécula em . Nesse valor de campo nota-se um aumento na localização do HOMO principalmente em D1 e A1, acompanhada por uma redução na localização do HOMO em D2. Nesse mesmo valor de campo elétrico, nota-se uma grande redução na localização do LUMO no grupo A1 e uma pequena redução na localização do LUMO em D1, ao mesmo tempo em que ocorre um aumento na localização do LUMO em D2. Assim, é esperado que nessas regiões de campo elétrico, ocorra uma mudança significativa na densidade de carga desses grupos funcionais onde a oscilação na localização desses orbitais moleculares deve provocar uma mudança no comportamento da carga atômica dos átomos dos grupos funcionais envolvidos, ou seja, D1, D2 e A1. Até aqui nós já vimos como a localização dos orbitais moleculares HOMO e LUMO é afetada quando um campo elétrico variável é aplicado na direção da cadeia conjugada, e diferentes valores de campo elétrico transversal são aplicados sobre a molécula. Nas regiões em que a interação HOMO-LUMO se apresenta, nós podemos identificar mudanças na localização desses orbitais moleculares em diferentes regiões da betaína, assim como as oscilações nos níveis de energia. Essas mudanças na localização devem ter um efeito significativo no comportamento da densidade de carga dos grupos funcionais da molécula como função do campo elétrico aplicado sobre a betaína. 67 (a) (b) D1 A1 A2 D2 1,0 1,0 0,8 0,6 0,6 LUMO HOMO 0,8 D1 A1 A2 D2 0,4 0,4 0,2 0,2 0,0 0,0 -0,015 -0,010 -0,005 0,000 0,005 Campo Elétrico (u.a.) 0,010 0,015 -0,015 -0,010 -0,005 0,000 0,005 0,010 0,015 Campo Elétrico (u.a.) Figura 3.20 – Localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico longitudinal (ξz) aplicado na betaína com a configuração n=9 e sob a influência de um campo transversal ξy= –0,004 u.a.: (a) HOMO; (b) LUMO. Na Fig. 3.20 examinamos o grau de localização do HOMO (Fig. 3.20a) e LUMO (Fig. 3.20b) nos grupos funcionais para o caso em que o campo elétrico transversal que é aplicado sobre a betaína vale . Como pode ser observado, no intervalo novamente ocorre uma redução da localização do HOMO no grupo D1, A1 e A2, mais uma vez acompanhada por um aumento no grau de localização HOMO no grupo D2. O contrário ocorre para o LUMO, isto é, temos uma diminuição na localização do LUMO no grupo D2, acompanhada por um aumento na localização do LUMO nos grupos D1, A1 e A2. A segunda região de não-cruzamento ocorre entre onde temos uma redução na localização do HOMO no grupo D2, que é acompanhada por um aumento na localização do HOMO nos grupos D1, A1 e A2. E o contrário ocorre para o LUMO, ou seja, um crescimento na localização do LUMO no grupo D2 e, uma redução na localização do LUMO nos grupos D1 e A1. Também pode ser destacado que nesse caso (betaína da família 7 sob a ação de um campo elétrico transversal ) não identificamos a presença das oscilações na localização dos orbitais moleculares HOMO e LUMO, o que está de acordo com a observação feita no níveis de energia (ver Fig.3.17). 68 Dessa forma, é esperado que nas regiões de não-cruzamento (no intervalo de campo elétrico entre e também em ) ocorra uma mudança significativa na densidade de carga dos grupos funcionais envolvidos, isto é, D1, A1, A2 e D2. (a) (b) D1 A1 A2 D2 1,0 1,0 0,8 0,6 0,6 LUMO HOMO 0,8 D1 A1 A2 D2 0,4 0,4 0,2 0,2 0,0 0,0 -0,015 -0,010 -0,005 0,000 0,005 0,010 0,015 Campo Elétrico (u.a.) -0,015 -0,010 -0,005 0,000 0,005 0,010 0,015 Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 21 – Localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico longitudinal (ξz) aplicado na betaína com a configuração n=9 e sob a influência de um campo transversal ξy= –0,006 u.a.: (a) HOMO; (b) LUMO. Na Fig. 3.21 analisamos o grau de localização do HOMO (Fig. 3.21a) e LUMO (Fig. 3.21b) nos grupos funcionais para o caso em que o campo elétrico transversal aplicado sobre a betaína vale . Novamente, podemos observar as regiões de não- cruzamento no intervalo de campo elétrico e também em . Na primeira situação de não-cruzamento, isto é, no intervalo novamente observamos uma redução da localização do HOMO no grupo D1, A1 e A2, ao mesmo tempo que se fez presente um aumento no grau de localização HOMO no grupo D2. Concomitante a essa mudança, temos uma diminuição na localização do LUMO no grupo D2, acompanhada por um aumento na localização do LUMO nos grupos D1, A1 e A2. Nessa mesma região de campo elétrico, pode 69 ser identificada a presença de oscilações na localização dos orbitais moleculares HOMO e LUMO. Dos casos analisados, esse é o único caso em que foi observada a presença dessas oscilações na localização para valores negativos de campo elétrico ( ), diferentemente dos casos anteriores (betaína da família 7 sob a ação de campos elétricos transversais e ) e dos demais casos que apresentaremos mais adiante em que as oscilações se apresentam para valores positivos de . As oscilações na localização dos orbitais moleculares HOMO e LUMO foram atribuídas à sucessivas mistura de simetria desses orbitais provocada pelos campos elétricos transversal ( ) e longitudinal ( ) e justificam, por exemplo, as mudanças no comportamento das nuvens eletrônicas desses orbitais apresentadas na Tabela 3.3. Como nos casos anteriores, a segunda região de nãocruzamento é encontrada no intervalo de campo elétrico onde é observada uma redução na localização do HOMO no grupo D2, acompanhada por um aumento na localização do HOMO no grupo D1 e um pequeno crescimento na localização do HOMO nos grupos A1 e A2. O contrário ocorre para o LUMO, ou seja, um crescimento na localização do LUMO no grupo D2 e uma redução na localização do LUMO nos grupos D1 e A1. Assim, é esperado que, nas regiões de campo elétrico onde há situações de nãocruzamento entre o HOMO e o LUMO, as mudanças na localização desses orbitais moleculares nos grupos funcionais impliquem em uma variação significativa na densidade de carga desses grupos funcionais; da mesma maneira, a oscilação na localização desses orbitais moleculares deve provocar uma mudança no comportamento da carga atômica dos átomos dos grupos funcionais envolvidos, ou seja, D1, D2 e A1. 70 (b) (a) 1,0 D1 A1 A2 D2 D1 A1 A2 D2 1,0 0,8 0,6 0,6 HOMO LUMO 0,8 0,4 0,4 0,2 0,2 0,0 0,0 -0,015 -0,010 -0,005 0,000 0,005 0,010 0,015 -0,015 -0,010 -0,005 0,000 0,005 0,010 0,015 Campo Elétrico (u.a.) Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 22 – Localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico longitudinal (ξz) aplicado na betaína com a configuração n=9 e sob a influência de um campo transversal ξy= +0,002 u.a.: (a) HOMO; (b) LUMO. Agora iremos examinar a mudança na localização do HOMO e do LUMO nos grupos funcionais da molécula para os casos em que o campo elétrico transversal ( ) é aplicado no sentido positivo. Na Fig. 3.22 analisamos o grau de localização do HOMO (Fig. 3.22a) e LUMO (Fig. 3.22b) nos grupos funcionais para o caso em que o campo elétrico transversal aplicado sobre a betaína vale . Como pode ser observado, a primeira região de não-cruzamento entre o HOMO e o LUMO ocorre no intervalo , onde novamente pode ser notada uma redução da localização do HOMO no grupo D1 e A1 e, uma pequena redução na localização do HOMO no grupo A2, acompanhada por um crescimento no grau de localização HOMO no grupo D2 é observado. Nessa mesma região de campo elétrico, nota-se uma diminuição na localização do LUMO no grupo D2, acompanhada por um aumento na localização do LUMO nos grupos D1, A1 e A2. Na região de campo elétrico entre temos a segunda situação de não-cruzamento, em que observamos uma redução na localização do HOMO no grupo D2, acompanhada por um aumento na localização do HOMO nos grupos D1, 71 A1 e A2. O contrário ocorre para o LUMO, ou seja, um crescimento na localização do LUMO no grupo D2 e uma redução na localização do LUMO nos grupos D1, A1 e A2. Podemos destacar também a presença de oscilações na localização desses orbitais moleculares nesse intervalo de campo elétrico, o que deve levar a mudanças no comportamento da densidade de carga dos grupos funcionais. Vale salientar que, mesmo para valores de campo elétrico fora da região de não-cruzamento, observamos oscilações na localização do HOMO e do LUMO nos grupos funcionais. Nesse caso (oscilações na localização dos orbitais moleculares fora da região de não-cruzamento), observa-se que essas oscilações na localização do HOMO estão presentes apenas nos grupos funcionais D1, A1 e A2. Como esses três grupos estão próximos um do outro (no mesmo lado da molécula), estas oscilações não terão contribuição significativa para a transferência de carga de um lado para o outro da molécula, ou seja, as mudanças na carga elétrica deverão ser apenas nesses três grupos funcionais que estão no mesmo lado da molécula. (b) (a) D1 A1 A2 D2 1,0 D1 A1 A2 D2 1,0 0,8 0,6 0,6 LUMO HOMO 0,8 0,4 0,4 0,2 0,2 0,0 0,0 -0,015 -0,010 -0,005 0,000 0,005 Campo Elétrico (u.a.) 0,010 0,015 -0,015 -0,010 -0,005 0,000 0,005 0,010 0,015 Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 23 – Localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico longitudinal (ξz) aplicado na betaína com a configuração n=9 e sob a influência de um campo transversal ξy= +0,004 u.a.: (a) HOMO; (b) LUMO. 72 Na Fig. 3.23 analisamos o grau de localização do HOMO (Fig. 3.23a) e LUMO (Fig. 3.23b) nos grupos funcionais para o caso em que o campo elétrico transversal aplicado sobre a betaína vale . Novamente nós podemos identificar que a primeira região de não-cruzamento entre o HOMO e o LUMO ocorre no intervalo onde novamente nota-se uma redução da localização do HOMO no grupo D1 e A1 e, uma pequena redução na localização do HOMO no grupo A2, acompanhada por um crescimento no grau de localização HOMO no grupo D2 é observado. Nessa mesma região de campo elétrico, nota-se uma diminuição na localização do LUMO no grupo D2, acompanhada por um aumento na localização do LUMO nos grupos D1, A1 e A2. Na região de campo elétrico entre temos a segunda situação de não-cruzamento em que observamos uma redução na localização do HOMO no grupo D2, acompanhada por um aumento na localização do HOMO nos grupos D1, A1 e A2. O contrário ocorre para o LUMO, ou seja, um crescimento na localização do LUMO no grupo D2 e uma redução na localização do LUMO nos grupos D1, A1 e A2. Mais uma vez destacamos a presença de oscilações na localização desses orbitais moleculares nesse intervalo de campo elétrico, o que deve levar a mudanças no comportamento da carga atômica dos átomos dos grupos funcionais. Da mesma forma que o caso anterior (betaína sob influência de um campo elétrico transversal ), mesmo para valores de campo elétrico fora da região de não-cruzamento, observamos oscilações na localização do HOMO e do LUMO nos grupos funcionais. Também é observado nesse caso (oscilações na localização dos orbitais moleculares fora da região de não-cruzamento) que essas oscilações na localização do HOMO estão presentes apenas nos grupos funcionais D1, A1 e A2. Como esses três grupos estão próximos um do outro (no mesmo lado da molécula), estas oscilações não terão contribuição significativa para a transferência de carga de um lado para o outro da molécula e, as mudanças na carga deverão ser apenas nesses três grupos funcionais que estão no mesmo lado da molécula. 73 (a) (b) D1 A1 A2 D2 1,0 D1 A1 A2 D2 1,0 0,8 0,6 0,6 HOMO LUMO 0,8 0,4 0,4 0,2 0,2 0,0 0,0 -0,015 -0,010 -0,005 0,000 0,005 0,010 0,015 -0,015 -0,010 -0,005 0,000 0,005 0,010 0,015 Campo Elétrico (u.a.) Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 24 – Localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira como função do campo elétrico longitudinal (ξz) aplicado na betaína com a configuração n=9 e sob a influência de um campo transversal ξy= +0,006 u.a.: (a) HOMO; (b) LUMO. Na Fig. 3.24 examinamos o grau de localização do HOMO (Fig. 3.24a) e LUMO (Fig. 3.24b) nos grupos funcionais para o caso em que o campo elétrico transversal aplicado sobre a betaína vale . Mais uma vez é observada a mesma mudança na localização do HOMO e do LUMO nas regiões de não-cruzamento. Também identificamos duas pequenas oscilações na localização desses orbitais moleculares para o valor de campo elétrico e também em . Essas oscilações na localização do HOMO e do LUMO não são tão significativas ao ponto de fazer com que haja sucessivas misturas de simetria como observado nos casos anteriores ( , , e caso (betaína da família 7 sob influência do campo elétrico transversal , ) Assim, nesse ), não devemos esperar uma mudança significativa no comportamento da densidade de carga dos grupos funcionais. Ao final dessa discussão nós aprendemos que campos elétricos transversais e longitudinais aplicados sobre a betaína da família 7 provocam mudanças na localização dos orbitais moleculares da molécula. Essas mudanças se manifestam de maneira diferente no 74 sistema a depender do valor do campo elétrico transversal externamente aplicado sobre a betaína. Digno também de nota é o fato observado no comportamento dos níveis de energia (Fig. 3.17), em que a interação entre o HOMO e o LUMO era atrasada ou antecipada dependendo do valor de campo elétrico transversal aplicado sobre a molécula. A interação entre esses orbitais moleculares envolvidos está associada ao fenômeno do “não-cruzamento”, em que os orbitais envolvidos nesse processo, sofrem uma mistura de simetria provocada pelo agente externo, nesse caso é o campo elétrico. Outro fato observado foi a presença de oscilações nos níveis de energia da molécula. Essas oscilações estão associadas à sucessivas mudanças na localização dos orbitais moleculares HOMO e LUMO como foi mostrado nas Fig 3.18 a 3.24. Como foi discutido anteriormente, as interações entre os orbitais moleculares HOMO e LUMO provocadas pelo campo elétrico, induzem à mudanças na localização desses orbitais nas diferentes regiões da molécula. A seguir, nós discutiremos como essas mudanças na localização espacial do HOMO e do LUMO terão um efeito na carga líquida de cada parte da molécula analisada. 3.3.2 – Campo x Carga Na seção anterior nós vimos como diferentes valores de campo elétrico transversal ( ) afetam a localização dos orbitais moleculares de fronteira HOMO e LUMO nas diferentes regiões da betaína. Como discutido anteriormente, as mudanças na localização desses orbitais moleculares provocadas pelos campos elétricos, longitudinal ( ) e transversal ( ), deverão ter um efeito significativo na carga líquida dos grupos funcionais D1, A1, A2 e D2. Então, nesta seção nós apresentamos as mudanças no comportamento da densidade de carga nos grupos funcionais como função do campo elétrico aplicado sobre a betaína. Com base na Análise Populacional de Mülliken, nós representamos graficamente nas Fig. 3.25a a 3.25d, a variação de carga nos grupos funcionais da betaína para os casos em que 7 diferentes valores de campo elétrico transversal são aplicados sobre a betaína ( ) com intervalos de . 75 (b) 1,0 0,5 0,5 Carga Elétrica (u.a.) 1,0 0,0 y=-0,006 -0,5 -1,0 y=-0,004 y=-0,006 -0,5 y=-0,004 y=-0,002 y=-0,002 y=0,000 y=0,000 y=0,002 -1,0 y=0,002 y=0,004 y=0,004 y=0,006 y=0,006 -0,015 -0,010 -0,005 0,000 0,005 0,010 0,015 -0,015 -0,010 -0,005 0,000 0,005 Campo Elétrico (u.a.) Campo Elétrico (u.a.) (c) (d) y=-0,006 y=-0,006 y=-0,004 y=-0,004 y=-0,002 1,0 Carga Elétrica (u.a.) 0,0 1,0 y=0,000 y=0,002 y=0,002 y=0,004 0,5 y=0,006 0,0 -0,5 0,5 0,010 0,015 y=-0,002 y=0,000 Carga Elétrica (u.a.) Carga Elétrica (u.a.) (a) y=0,004 y=0,006 0,0 -0,5 -1,0 -1,0 -0,015 -0,010 -0,005 0,000 0,005 Campo Elétrico (u.a.) 0,010 0,015 -0,015 -0,010 -0,005 0,000 0,005 0,010 0,015 Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 25 – Carga atômica dos átomos dos grupos funcionais em função do campo elétrico (ξz), calculada através da análise populacional de Mülliken para a betaína com a configuração n=9: (a) no grupo D1; (b) no grupo A1; (c) no grupo A2; (d) no grupo D2. 76 Como é mostrado nas Fig. 3.25a à 3.25d, em todos os casos examinados temos um pronunciamento na carga líquida dos grupos funcionais nas regiões onde a interação HOMOLUMO se apresenta, o que é devido à mudança na localização desses orbitais moleculares nos grupos funcionais. Também podemos destacar que os grupos funcionais que estão localizados de baixo da cadeia conjugada, ou seja, D1 e A2, têm um crescimento mais pronunciado na densidade de carga para os casos em que o campo elétrico transversal ( ) assume valores positivos, isto é, , e também em . Nós acreditamos que o fato de esses grupos se localizarem abaixo da cadeia conjugada faz com que o campo transversal no sentido positivo facilite o fluxo de elétrons desses grupos através da ponte conjugada. O contrário também é observado para o grupo A1 e, com menor intensidade para o grupo D2 (que estão localizados na parte acima da cadeia conjugada), a densidade de carga tem um crescimento mais pronunciado para os casos em que o campo elétrico transversal assume valores negativos, ou seja, em , e . Da mesma forma, nós acreditamos que devido ao fato de os grupos A1 e D2 estão localizados acima da cadeia conjugada, a aplicação de um campo transversal no sentido negativo faz com que seja facilitado o fluxo de elétrons desses grupos funcionais através da ponte conjugada. Para validar nossos resultados e torná-los confiáveis, nós implementamos também a análise de distribuição de cargas baseada nos métodos de ajuste de potencial eletrostático (ESP) [34, 35], usando a técnica CHELPG. Os resultados apresentados nas Figs. 3.26a a 3.26d mostram a concordância entre a técnica CHELPG e a análise populacional de Mülliken, para o comportamento da densidade de carga nos grupos funcionais como função do campo elétrico, isto é, um crescimento pronunciado na densidade de carga dos grupos funcionais devido a mudança na localização do HOMO e do LUMO provocada pelo campo elétrico assim como a amplitude da curva que depende tanto da posição em que o grupo funcional está localizado (acima ou abaixo da cadeia conjugada) como também do valor do campo elétrico transversal ( ) aplicado sobre a betaína. 77 (b) (a) y=-0,006 y=-0,004 y=-0,002 1,0 1,0 y=0,000 y=0,004 y=0,006 0,0 -0,5 Carga Elétrica (u.a.) Carga Elétrica (u.a.) y=0,002 0,5 0,5 0,0 y=-0,006 y=-0,004 -0,5 y=-0,002 y=0,000 -1,0 y=0,002 -1,0 y=0,004 y=0,006 -0,015 -0,010 -0,005 0,000 0,005 0,010 0,015 -0,015 -0,010 -0,005 0,000 0,005 Campo Elétrico (u.a.) Campo Elétrico (u.a.) (c) (d) 0,010 0,015 0,010 0,015 y=-0,006 y=-0,004 1,0 1,0 y=-0,002 y=0,000 Carga Elétrica (u.a.) Carga Elétrica (u.a.) y=0,002 0,5 0,0 y=-0,006 -0,5 y=-0,004 0,5 y=0,004 y=0,006 0,0 -0,5 y=-0,002 y=0,000 -1,0 y=0,002 -1,0 y=0,004 y=0,006 -0,015 -0,010 -0,005 0,000 0,005 0,010 0,015 -0,015 -0,010 -0,005 Campo Elétrico (u.a.) 0,000 0,005 Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 26 – Análise populacional da carga atômica dos átomos dos grupos funcionais em função do campo elétrico (ξz), calculada através de métodos de potencial eletrostático (ESP) para a betaína com a configuração n=9, usando a técnica CHELPG: (a) no grupo D1; (b) no grupo A1; (c) no grupo A2; (d) no grupo D2. 78 Um fator importante que devemos destacar é a presença das oscilações na densidade de carga dos grupos funcionais. Isto se deve as oscilações na localização do HOMO e do LUMO nas regiões de não-cruzamento e que estão relacionadas às sucessivas mistura de simetria entre esses orbitais moleculares. Outro resultado importante, é que dependendo do valor de campo transversal ( ), a interação entre o HOMO e o LUMO é antecipada ou atrasada com relação ao campo longitudinal ( ), ou seja, a depender do valor do campo elétrico transversal, interação HOMO-LUMO ocorre para um valor de campo longitudinal menor ou maior. Como exemplo, nós representamos na Fig. 3.27a e 3.27b, uma visão ampliada da soma das cargas atômicas dos átomos do grupo D1, nas duas regiões de nãocruzamento entre o HOMO e o LUMO. Como pode ser observado na primeira região de nãocruzamento (Fig. 3.27a), a “quebra” na curva da carga líquida para o caso em ocorre antes que para os demais valores de campo transversal. O contrário ocorre para o outro extremo, no caso em que o campo transversal vale ,o pronunciamento da densidade de carga ocorre de maneira atrasada em relação aos demais valores de campo transversal ( ). Da mesma forma, na segunda região de não-cruzamento (Fig. 3.27b), observa-se um crescimento pronunciado da densidade de carga no caso ocorre de maneira mais antecipada que os demais valores de ocorre para o caso em que o campo transversal vale , e o contrário , ou seja, a “quebra” na curva da carga líquida ocorre de maneira atrasada em relação aos demais valores de campo elétrico transversal ( ). 79 (a) (b) -0,7 0,4 0,3 -0,8 Carga Elétrica (u.a.) -0,9 0,1 -1,0 0,0 y=-0,006 y=-0,006 -0,1 y=-0,002 y=-0,002 -0,2 y=0,000 y=0,000 y=0,004 y=0,004 -0,008 -1,3 y=0,006 y=0,006 -0,4 -1,2 y=0,002 y=0,002 -0,3 -1,1 y=-0,004 y=-0,004 Carga Elétrica (u.a.) 0,2 -0,006 -0,004 Campo Elétrico (u.a.) 0,008 0,010 0,012 Campo Elétrico (u.a.) Figura 3. 27 – Soma das cargas atômicas dos átomos do grupo D1 como função do campo elétrico (ξz) para a betaína com a configuração n=9: (a) primeira região de não-cruzamento, –0,008 u.a. ≤ ξz ≤ –0,005 u.a.; (b) segunda região de não-cruzamento, +0,008 u.a. ≤ ξz ≤ +0,012 u.a.. Finalizando essa discussão, nós podemos dizer que o campo elétrico transversal tem um papel fundamental na transferência de elétrons ao longo da molécula onde o fluxo elétrons entre os grupos doadores e aceitadores vai depender do valor de ( ). De uma maneira simplificada, nesta seção concluímos que os orbitais moleculares de fronteira interagem de maneira diferente a depender do valor do campo elétrico transversal ( ) e essas interações provocam mudanças súbitas na localização espacial dos orbitais moleculares envolvidos provocando, sucessivamente, abertura e fechamento de canais de transferência intramolecular levando ao aspecto característico na densidade de carga dos grupos doadores e aceitadores da betaína. 80 CAPÍTULO 4 Conclusões e Perspectivas Nesta dissertação apresentamos um estudo teórico a nível ab initio da estrutura eletrônica de membros da família 7 das betaínas. Para cada molécula, a cadeia poliênica é substituída lateralmente por dois pares de grupos doadores (Fenolato) e aceitadores (Piridina). Dispostos a uma certa distância entre si, estes dois pares de grupos doadoraceitador estão localizados em sentidos opostos, isto é, D1A1 e A2D2 de modo que se uma transferência de elétrons normal ocorrer em cada par, elas se darão em sentidos opostos em relação à orientação de cada. Iniciamos este trabalho analisando as propriedades eletrônicas das betaínas da família 7 variando a separação entre os grupos A2 e D2, devido à sugestão de que este sistema apresenta um comportamento diferenciado quanto à localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira HOMO e LUMO [21-23]. De fato, por meio do cálculo da localização espacial dos OMFs e da análise populacional, foi confirmado que, a campo nulo, para os menores membros da betaína da família 7 analisada, o HOMO apresenta maior concentração sobre os grupos doadores e o LUMO se concentra principalmente sobre os grupos aceitadores da molécula. Quando aumentamos a separação entre os grupos A2 e D2 até seu valor crítico (n=4), há uma mudança na localização desses orbitais onde o HOMO passa a se localizar principalmente sobre os grupos D1 e A2, enquanto que o LUMO passa a se localizar principalmente sobre os grupos A1 e D2. Isso caracteriza a existência de uma “inversão” na distribuição espacial dos orbitais moleculares de fronteira ao passarmos dos menores para os maiores valores de n, o que, por sua vez, leva a uma transferência de carga anômala e cooperativa ao longo da molécula, com efeito à longa distância, ou seja, do lado esquerdo para o lado direito da molécula. Alguns cálculos exploratórios a nível DFT (B3LYP), que inclui efeitos de correlação eletrônica sobre a função de onda do estado fundamental, também levaram às mesmas conclusões. Portanto, nossos resultados indicam a viabilidade de observação experimental desse efeito da transferência de carga intramolecular no sentido inverso, ou seja, do aceitador para o doador. Em seguida, analisamos o efeito do campo elétrico aplicado na direção da cadeia conjugada para 4 casos (n=1, 3, 4 e 9). Verificamos que a interação entre os níveis de energia dos orbitais moleculares de fronteira provocada pelo campo elétrico induz a mudanças na 81 localização espacial dos OMFs nas diferentes regiões da molécula e, consequentemente, tem um efeito significante no transporte global de carga ao longo da betaína. Para os 4 casos examinados, os resultados mostram que o efeito do campo elétrico é importante para o processo de transferência de carga. No processo que nós definimos como “chaveamento”, ocorre o aumento na densidade de carga das diferentes regiões da molécula devido à mudança na localização espacial dos orbitais moleculares de fronteira provocada pelo campo elétrico. Também é importante destacar que, mesmo para os menores membros da betaína, esse processo (chaveamento) ocorre e tem um efeito de transferência de carga ao longo da molécula, semelhante ao que foi apresentado para o caso em que variamos apenas a posição dos grupos funcionais, mantendo o campo elétrico nulo. Para quantificar o grau de localização dos orbitais moleculares de fronteira ( ), calculamos no Capítulo 2, a nível ab initio, o valor de dividindo a molécula em 5 partes distintas, ou seja, doador-1 (D1), aceitador-1 (A1), ponte conjugada (P), aceitador-2 (D2) e doador-2 (D2). Este procedimento foi fundamental para entendermos melhor o papel desempenhado pela ponte conjugada no processo de transferência de carga quando variamos a separação entre os grupos A2 e D2 da betaína da família 7. O resultado pode ser visto na Figura 2.4, onde os valores da localização dos orbitais moleculares HOMO e LUMO nas diferentes regiões da molécula mostram que, ao aumentarmos a separação entre os grupos A2 e D2 além do seu valor crítico ( ), o HOMO {LUMO} passam a se localizar não apenas sobre os grupos D1 e A2 {A1 e D2}, mas também tem um aumento no seu grau de localização sobre a ponte conjugada. Isto proporciona um grau de superposição mínimo entre o HOMO e o LUMO necessário para uma transferência de carga efetiva ao longo da molécula. Já no Capítulo 3, além da localização do HOMO e do LUMO nos grupos funcionais, nós observamos também a mudança na localização desses orbitais moleculares nas diferentes regiões da ponte conjugada, quando campos elétricos longitudinais e transversais são aplicados sobre a molécula. Para isso, calculamos o grau de localização dos orbitais moleculares HOMO e LUMO, dividindo a molécula em 7 partes distintas, ponte do lado esquerdo (P.E), doador-1 (D1), aceitador-1 (A1), ponte central (P.C), aceitador-2 (D2), doador2 (D2) e ponte do lado direito (P.D). Na Figura 3.6 à Figura 3.9, nós ressaltamos, para os 4 casos analisados (ou seja, n=1, 3, 4 e 9), as mudanças na localização do HOMO e do LUMO nas diferentes regiões da betaína da família 7. Os resultados mostram que, o campo elétrico longitudinal provoca interação entre esses orbitais moleculares (HOMO e LUMO) e consequentemente mudanças na localização do HOMO e do LUMO nas regiões da molécula. Dessa forma, podemos compreender a mudança no comportamento da carga líquida nas 82 diferentes regiões da molécula quando campo elétricos são aplicados sobre a estrutura eletrônica da betaína da família 7. Analisando os níveis de energia dos orbitais moleculares de fronteira (ver Figs. 3.2 - 3.5), nós examinamos a concavidade dos OMFs para identificar as possíveis regiões de não-cruzamento entre os o HOMO e o LUMO. Nós partimos da suposição de que a interação HOMO-LUMO se dá de maneira competitiva em relação à interação desses com seus vizinhos mais próximos (ou seja, a interação HOMO-HOMO-1 e LUMO-LUMO+1). Dessa forma, para identificarmos as possíveis situações de não cruzamento, foi introduzido o termo , dado pela Equação 3.4, que indica o quão forte é a interação entre o HOMO e o HOMO-1, e entre o LUMO e o LUMO+1. Assim, quando o valor de for um máximo, essas interações (HOMO-HOMO-1) e (LUMO-LUMO+1) são fracas e, consequentemente, a interação entre o HOMO e o LUMO torna-se mais forte. Isto indica que para essa faixa de campos aplicados temos uma região de não-cruzamento entre o HOMO e o LUMO, o que induz uma troca de simetria espacial entre os orbitais moleculares envolvidos nesse processo, um fato verificado quantitativamente pelo grau de localização definido pela Equação 2.3. Como resultados finais nós podemos observar que o fluxo de elétrons entre os grupos doadores e aceitadores da betaína pode ser controlado pela aplicação de um campo elétrico transversal ( ) com diferentes intensidades sobre a cadeia conjugada e variando o campo elétrico longitudinal ( ). Os orbitais moleculares de fronteira interagem de maneira diferente a depender do valor do campo elétrico transversal ( ), de modo que oscilações na localização do HOMO e do LUMO nas regiões de não-cruzamento estão relacionadas a sucessivas misturas de simetria espacial entre esses dois orbitais moleculares; esse efeito é também refletido na carga líquida dos grupos funcionais da molécula que apresentam mudanças de comportamento dependendo do valor de aplicado sobre a betaína. As interações entre os orbitais moleculares de fronteira envolvidos provocaram mudanças súbitas na densidade eletrônica dos níveis de energia moleculares e, assim, sucessivamente induzem a abertura e fechamento de canais de transferência intramolecular, o que leva ao aspecto característico na densidade de carga dos grupos doadores e aceitadores da betaína. Finalizando esse estudo, neste trabalho confirmamos por meio de cálculo ab initio que a transferência de elétrons entre grupos doadores e aceitadores substituídos ao longo de uma cadeia conjugada depende, dentre outros fatores, da separação entre eles onde a transferência pode se dar de maneira anômala (isto é, do grupo aceitador para o grupo doador, pela participação da ponte conjugada). Também foi mostrado que a combinação desse efeito 83 com a aplicação de campos elétricos transversais e longitudinais pode controlar o fluxo de elétrons entre os grupos D e A substituídos na cadeia. Assim, considerando os resultados obtidos em nossa investigação, sugerimos como perspectiva para um trabalho futuro o estudo completo do processo de transporte eletrônico dessa família de betaína. Este estudo deve incluir a obtenção da curva de corrente e condutância em função do campo elétrico externo [30], ligando a molécula a eletrodos de ouro, bem como a consideração do termo de acoplamento entre os átomos de ouro e o átomo de enxofre que liga a molécula ao eletrodo. Algo a ser também considerado, é a possibilidade de existência de alguma instabilidade na descrição do estado fundamental do sistema que favoreça a contribuição de estados tripletos: com isso, estaria aberta a fascinante perspectiva da spintrônica, onde desiguais distribuições e transporte de spin [55] poderiam ser observadas. 84 Apêndice A Correlação Eletrônica Os resultados obtidos pelo método Hartree-Fock incluem grande parte da energia eletrônica do sistema e representam o melhor resultado que se pode obter a partir de um único determinante. Entretanto, o método Hartree-Fock desconsidera uma pequena fração da energia total do sistema. Isto se deve ao fato de uma das aproximações utilizadas no método HF é a de que uma partícula se movimenta em um campo médio gerado pelos núcleos e pelos demais elétrons. Ou seja, o método HF trata o problema de interação elétron-elétron de uma forma média, ou como uma interação autoconsistente [29] em que, cada elétron participa do potencial que gera o movimento de todos os elétrons. Nesta aproximação não há um tratamento detalhado a respeito do movimento correlacionado dos elétrons. Portanto, é comum definir essa pequena fração da energia total do sistema (denominada energia de correlação), como sendo a diferença entre a energia exata não-relativística e a energia Hartree-Fock: Esta contribuição na energia é importante para a descrição detalhada das propriedades que sejam mais sensíveis à qualidade da função de onda, como por exemplo, momento de dipolo, polarizabilidades, etc. Diante da importância de se determinar sistematicamente a energia de correlação, vários métodos que consideram esse efeito em suas estratégias de cálculos, têm sido desenvolvidos. Dentre os métodos existentes, nós adotamos em nosso trabalho o método baseado na teoria do funcional densidade (B3LYP) para obtermos uma descrição mais acurada e verificarmos a robustez dos nossos resultados quando efeitos de correlação eletrônica são incluídos no cálculo de otimização da geometria do sistema no estado fundamental. 85 Referências [1] Ling, Q. D., Liaw, D. J., Zhu, C.X., Chan, D. S. H., Kang, E. 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