homenagem a Gerd Bornheim

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HOMENAGEM:
GERD BORNHEIM
Apresentação
Caco Xavier
Fui, continuo sendo e certamente serei por toda a vida um esforçado aluno do professor Gerd
Bornheim. Acompanhando-o ora mais de perto, ora mais distante, em seminários variados, encontros,
palestras e conferências, e também em conversas de corredor, aprendi, por admiração e exemplo, a
respeito de certos conteúdos caros à filosofia e, mais importante, a respeito da atitude filosófica e
responsável do homem diante do mundo.
Gerd Bornheim, nome e sobrenome germânico, era essencialmente grego em sua postura
autêntica e socrática. Invariavelmente, iniciava palestras e aulas com escusas do tipo “sei que nada
sei”. Essa dimensão de vida fazia com que se colocasse diante de uma audiência altamente
‘intelectualizada’ de mais de mil pessoas, num dos salões mais caros e luxuosos do Rio de Janeiro, ou
frente a um reduzido grupo de alunos de primeiros semestres de graduação em Filosofia, sentados no
chão do pátio da Universidade, com rigorosamente a mesma reverência e cuidado.
Um professor de filosofia é coisa que não existe, se levarmos em conta o dito de Immanuel Kant
que, em sua ementa a um curso de inverno, afirmou a impossibilidade de todo ensino de Filosofia,
“como se ela fosse formada por um conjunto de leis e teorias fechadas e prontas”. É possível, no
entanto, ensinar história da filosofia, mas, sinceramente, a quem isso poderia interessar, a não ser se o
estudo de teorias, sistemas, filósofos e pensadores do passado e do presente estiver a serviço da verdadeira
educação do pensar-por-si, da Paidéia que busca o formar-do-homem-pleno? Não é possível existir
um educador em filosofia desse quilate que não tenha também por princípio e fundamento a atitude
filosófica do espanto, a criancice heracliteana atribuída ao tempo – reinação de jogar seus próprios dados
–, ou a nobreza nietzscheana do pensamento próprio e solitário, uma certa ‘demência filosófica’.
Caco Xavier – Jornalista, Assessor da Vice-Presidência de Recursos Humanos da Fiocruz
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de 2002, um ano depois de ter apresentado uma
aulas, educa-se construindo relações e aclarando conceitos,
inquietante aula inaugural na Fiocruz, cujos registros
educa-se discursando em sala e repassando informações e
infelizmente se perderam. Por essa razão, selecionamos,
conhecimentos. Mas igualmente deseduca-se muito
dentre entrevistas e trechos de suas obras, algumas
executando todas essas tarefas, e por isso não podemos
pinceladas de seu pensamento filosófico, a título de
atribuir exclusivamente a essas práticas milenares e
agradecida homenagem.
repetitivas a essência da educação. Por educação entende-
Por fim, encerro com uma obviedade extremamente
se ainda um transbordar de paixão, pelo menos em três
necessária: falar da generosidade do greco-germânico e
direções: em relação ao objeto amado (essa moça bela
brasileiríssimo Gerd Bornheim. Muitas causas poderiam ser
porém misteriosíssima chamada pelos gregos de Sophia);
anotadas como razões para tal. Quem sabe a identificação
em relação aos companheiros de simpósio (no caso deste
com o existencialismo, idéia tão cara? Ou o profundo interesse
livro: nós); e em relação à própria vida, numa espécie de
pela expressão artística? Ou...? Arrisco uma causa acima de
nobreza que se satisfaz plenamente com a imagem de si
todas: o elogio do efêmero, a compreensão da finitude radical
mesmo. Essa grega diáfana, cabelos longos, vestido
do homem. E não só do homem em geral, mas de todos nós
transparente (nem totalmente nua, nem completamente
e de si mesmo. Insetos de um dia, passamos. Bornheim
vestida), essa moça clara e distinta, Sophia amada e
termina por integrar todos e tudo ao hólos pré-socrático,
intensamente buscada, não se faz de rogada e, de sua parte,
por generosidade e razão.
também ama, seduz, acaricia, alimentase da potência de quem a ama,
retribuindo-lhe cada hora despendida,
cada pensamento, cada palavra amorosa,
cada enlevo enamorado.
Gaúcho de Caxias do Sul,
nascido em 1929, cassado e impedido
de lecionar no país em 1969, exilado
na Europa até 1974, Bornheim é autor
de alguns clássicos da filosofia brasileira
como ‘Introdução ao filosofar’, ‘Os
filósofos pré-socráticos’, ‘Sartre:
Metafísica e existencialismo’, ‘Dialética,
teoria e praxis’ e ‘Páginas de filosofia da
arte’. O educador morreu em setembro
Peter Ilicciev
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Educa-se escrevendo livros, educa-se preparando
GERD BORNHEIM
Bornheim Educador
Considerações (com)Temporâneas
Sobre a filosofia, os filósofos e o ensino da filosofia
Se compreendermos a Filosofia em sentido amplo – como concepção da vida e do mundo –,
poderemos dizer que sempre houve filosofia. De fato, ela responde a uma exigência da própria natureza
humana; o homem, imerso no mistério do real, vive a necessidade de encontrar uma razão de ser para
o mundo que o cerca e para os enigmas de sua existência. Neste sentido, todo povo, por primitivo que
seja, possui uma concepção do mundo. Mas se compreendermos a Filosofia em um sentido próprio,
isto é, como o resultado de uma atividade da razão humana que se defronta com a totalidade do real,
torna-se impossível pretender que a Filosofia tenha estado presente em todo e qualquer tipo de
cultura. O que a História nos mostra é exatamente o contrário: a Filosofia é um produto da cultura
grega, devendo-se reconhecer que se trata de uma das mais importantes contribuições daquele povo
antigo ao mundo ocidental.
Por que a Grécia produziu aquela filosofia maravilhosa toda, durante um ou dois séculos, e
depois nunca mais produziu nada? Como é que se explica isso? São as coisas da evolução. De repente
a inteligência grega secou? Não é tão fácil dar resposta a isso. Acho que a história, no fundo, acaba
sendo um imenso jogo, e de repente aqui e ali precipitam-se certas condições que possibilitam a
efervescência de um tipo de cultura que pode ser excepcional. Não dá para reduzir a um estatuto de
racionalidade pura porque aí se cria uma realidade manipulável.
Filosofia é teoria, ou seja, visão atenta e concentrada e, portanto, crítica e interpretativa do real.
Visão concentrada e crítica: ela encontra o seu centro naquilo que vê e no modo como deixa ver. O
modo de ver está na pergunta; o filósofo é o homem que pergunta, e de modo radical. Por isso, a
teoria se revela incompatível com o preconceito.
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A Filosofia, como ensinava Hegel, vê o mundo às
avessas, e isso para tentar elucidá-lo numa nova perspectiva.
discurso filosófico se desdobre com necessidade na
dimensão do tempo.
É bem verdade que esse tipo de elucidação, quando se
constata a impossibilidade de resolver as questões, pode
concluir por mostrar certas contradições dificilmente
Entendemos que nada na Filosofia pode excluir a
inserção histórica.
suportáveis.
O filósofo tem que saber se fazer ouvir, e ele pode
A Filosofia é essencialmente problema, e toda solução
fazer isso. Tem muita gente que, por fraqueza intelectual,
como que se dobra por dentro de si para constituir-se em
se esconde em uma carapaça de terminologia, de uma
novo problema. Já por essa razão se entende que a Filosofia
linguagem muito difícil. Isso denota apenas falta de
seja, de algum modo, fundamentalmente histórica, que o
capacidade de comunicação. Há exemplos brilhantes dessa
capacidade de comunicação. Bertrand Russel, Noam
Chomsky e Sartre fizeram isso à perfeição. Eles sabiam
(no caso de Chomsky, sabe) falar com o povo, com esses
‘bovinos’ do Nietzsche. Não se pode nunca desacreditar
na função crítica da razão. Ela tem essencialmente uma
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função crítica, e essa função, por definição, tem que ser
democrática, senão a democracia perde sua razão de ser.
O exercício da democracia pressupõe o exercício de uma
razão crítica.
A filosofia é a consciência crítica, a admissão
fundamental dessa consciência crítica e, conseqüentemente,
a politização do homem.
O ensino de Filosofia não deve ter compromisso
apenas com o sistema de idéias abstratas. Ele está mais
para a idéia de tocar a realidade humana, de
responsabilizar o aluno dentro da realidade na qual ele
Acervo CCS
vive e fazer dele, de fato, um cidadão. Passa por aí, pela
política, pelo estudo amplo da palavra centrada no
homem, na realidade.
Flávio de Souza
Não existe filosofia brasileira. Existe uma atividade
filosófica no Brasil e em Portugal, mas, infelizmente, a
língua portuguesa não produziu nenhum filósofo que
realmente pese na história do pensamento.
Sobre o mundo e a natureza
A natureza é um grande animal vivo, um organismo
que evolui, que tem suas próprias leis e evolução interna.
Essa compreensão se perdeu muito porque hoje quase
sempre vemos a natureza como um imenso objeto, e
achamos que esse objeto está simplesmente à disposição
do homem. Mas não é bem assim. Sujeito e objeto formam
uma relação abstrata. Por isso é bom voltar aos présocráticos que, de certa maneira, propõem a integração
entre sujeito e objeto.
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A natureza deixou de ser o grande repositório,
eternamente inesgotável, do qual o homem exauriria
indiscriminadamente a sua riqueza. Daí surgiu uma nova
necessidade, e conseqüentemente um novo tipo de
que falou em globalização, dizendo que o capital é uma
compromisso. O tema, de resto, não se restringe à questão
realidade necessariamente internacional, foi Marx. Marx não
da natureza, pois alcança o modo de o homem ser no mundo
fundou a Primeira Nacionalista, ele fundou a Primeira
em todas as suas dimensões.
Internacional, justamente por causa disso. A questão é a
mesma desde os tempos de Marx: discutir como é esse
A questão ecológica não pode mais ser resolvida em
processo de globalização do capital. A globalização é uma
termos de ciência e tecnologia. A natureza tornou-se, agora,
fatalidade, nós estamos caminhando realmente para uma
antes de tudo, um tema visceralmente e necessariamente
aldeia global, um mundo único, e este é o grande parto que
político.
o mundo vai ter que vencer, lutar por ele e estabelecê-lo.
Mas esse negócio de neoliberalismo é só piada de percurso.
A globalização é um fenômeno universal, e não tem
Nem a ciência transformadora, nem os enlevos da
volta. O que pode ser discutido é o modo de fazer a
paulicéia desvairada – apenas a diferença. E chegamos
globalização. Não se deve esquecer que o primeiro pensador
então a isto: o planeta filmado como um imenso catálogo,
talvez sempre inacabado, de diferenças as mais díspares. Onde
leibniziana do conceito de Humanidade. De repente, até o
fica, afinal, a estabilidade dos valores da Cultura Ocidental
Universo se torna pequeno.
– precisamente da cultura que se deixou inebriar pelas
diferenças? Hoje, todo o mundo já sabe: não existem mais
Sobre o homem e a condição humana
culturas definitivas, todas elas são mortais. E já não resta
As coisas passam a acontecer hoje em dia a partir de
dúvidas: estamos todos instalados no reino das diferenças.
um tipo de antinomia inédito na história da humanidade:
Mas, ao mesmo tempo, estamos engajados num novo tipo
exatamente a que se verifica entre essa repetição compulsiva
de construção.
e as instâncias da criatividade humana, ou seja, da perseguição
do novo. E é importante observar que estamos em face de
Não há de ser também mero devaneio inconseqüente
uma contradição para a qual não existe síntese possível, ao
a hodierna cunhagem da expressão aldeia global,
menos tanto quanto se vê. Quero dizer que toda tentativa de
aparentemente tão cândida. Veja-se, entretanto, na palavra
superar a contradição através de artifícios apaziguadores leva
‘aldeia’ um prolongamento das diferenças, e no adjetivo
apenas a camuflar a questão. O que importa está, bem ao
‘global’ aquele desígnio que começou a ser fabricado na forja
contrário das nostalgias sintetizadoras ou das invenções da
eternidade, em aprofundar a própria contradição; digamos
que nós somos essa contradição.
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São conceitos novos: ‘indivíduo’ e ‘povo’ são coisas
que só souberam instituir-se no curso dos tempos modernos.
Um nome é apenas um nome, mero signo, símbolo,
o referencial mínimo a indicar uma realidade maior, e a
maioridade agora pertence ao indivíduo concreto. O verso
famoso de Gertrude Stein poderia aqui ser parafraseado: um
Acervo CCS. Foto do fundo: Peter Ilicciev
nome é um nome é um nome é um nome é um nome – e
nada mais do que um nome; assim como uma rosa é uma
rosa é uma rosa é uma rosa, e uma rosa é apenas isso – um
pleno indivíduo.
Claro que agora já se sabe do planeta, as rotas estão
codificadas, as economias definidas, mas continua o velho
deslumbramento, o fascínio pela descoberta do outro: cria-
Peter Ilicciev
inventaram a solidão ocidental. Não há a possibilidade
de erradicação. Quando essa tradição começa a entrar em
crise no Século XX, surge a Psicanálise de Freud. No
fundo, o que ele quer é desculpabilizar o homem.
Um físico me disse outro dia que nem a eletrônica
e nem a Física aplicada sabem o que vai acontecer nos
próximos anos. A revolução é grande demais e temos de
vivê-la. E o aprendizado maior que o homem tem de fazer
é o de si mesmo, de seu poder.
Os sentimentos são históricos, se modificam através
dos tempos. Não vejo nenhuma vantagem em acentuar as
‘dimensões eternas’ do homem. Isso é uma maneira de se
esvaziar o homem.
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Hoje, de muitas maneiras, em diversos níveis, o
se até uma pedagogia do outro, o reconhecimento, por
efêmero mostra-se como signo da finitude radical do
exemplo, da superioridade de certos comportamentos de
homem e de suas coisas.
tribos nativas das ilhas dos Mares do Sul em relação aos
procederes da puritana sociedade ocidental; e começa-se
Nada há de mais consentâneo com a condição
a perguntar: será verdade que o sentimento de culpa tem
histórica do homem do que uma certa forma de
de fato caráter universal?
esquecimento seletivo, que se alicerça justamente nas
exigências de novos e outros caminhos da criatividade
A questão da culpa na tragédia é profundamente
humana. Faça-se, pois, o elogio do efêmero.
grega. No tronco hebraico-cristão, a idéia de culpa é
diferente. É tão radicalmente outra que não pode haver
Sobre a ética e a liberdade
tragédia. Na Grécia, a culpa é um caminho de educação
A ética hoje é essencialmente um problema, porque
do homem. A idéia toda é a erradicação da culpa, que não
todo o sentido da ética tradicional caiu por terra. A ética
é individual, mas coletiva. Ao passo que na cultura
tradicional era baseada numa normatividade muito estreita.
ocidental, hebraico-cristã, nós vivemos dentro da culpa.
A norma hoje se reduz a dois níveis possíveis: é o
Os grandes inventores da culpa foram Jó e Abraão. Eles
formalismo prussiano ou então uma concepção
Marcos Alencar
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Marcos Alencar
completamente convencional da norma. É uma convenção
A política é, na realidade, um saber, uma técnica,
social que todo mundo aceita, mas ela não tem mais
uma arte da responsabilização do homem. Esse sentido
problema de fundamento. O que justifica todo esse
de responsabilidade é fundamental.
processo é o fato de que, a partir de Descartes, introduzse um conceito novo de liberdade: a liberdade como livre
O que é uma idéia de liberdade muito popular
arbítrio. O homem é o senhor de seus atos, ele tem
hoje em dia? Um jovem que tem uma motocicleta, por
independência e autonomia, ele escolhe o que quer.
exemplo. Ele é livre, autônomo, independente. Isso é de
um individualismo extremo, e sem individualismo não
A liberdade desenvolveu-se nos tempos modernos
há liberdade. Mas o condicionamento da liberdade assume
dentro de uma contradição fundamental. Por um lado,
outros níveis. Encontramos três níveis fundamentais: o
surge a prática da liberdade enquanto soberania em função
biológico, que condiciona a minha ação livre; o psicológico
da autonomia do indivíduo. Esse conceito de liberdade,
(traumas de infância que vão condicionar todo o meu
que luta contra a predestinação divina, está na base do
exercício da liberdade, por exemplo); e o social, que é o
moderno individualismo. Mas, esgotadas as prerrogativas
mais importante (uma pessoa extremamente pobre nem
da referida predestinação, surge uma nova problemática:
sabe o que é liberdade).
a do condicionamento da liberdade. É a partir dessa
antinomia entre independência e condicionamento que
A liberdade se instaura, ou cresce, a partir de outra
se coloca, hoje, todo o problema das relações entre moral
vertente, oposta à primeira, que é o compromisso efetivo
e ética, e entre ética e política.
do homem: o homem não é livre, ele se torna – ou não –
livre. Queremos com isso dizer que não existe uma essência
Na origem, teatro e teoria são a mesma coisa. O grego
da liberdade, como elemento pré-dado e constitutivo de
inventou uma coisa notável que é a arte do olhar. Uma cultura
uma suposta natureza humana.
centrada no olhar. Os primeiros filósofos, surgidos pouco
depois do teatro, estavam inventando maneiras concentradas
A liberdade é sempre, e essencialmente, um
fenômeno político.
de olhar. Teoria é isso. E teatro também: querer ver com
atenção. Eles inventaram o homem sentado, vendo o
espetáculo. Coincidência muito interessante: inventaram o
A crescente democratização do consumo passou a
anfiteatro e a sala de aula. Teoria vem de theorein, um verbo
manifestar o seu caráter essencialmente socializante de
de raiz homérica, relativo ao ato de ver, no qual a partícula
muitas maneiras, a começar por aquela que é talvez a mais
theo assinala a relação com a divindade.
importante de todas: passa-se a entender a pobreza
simplesmente como falta de educação – falta de educação
A arte contemporânea é, antes de tudo, a criação de
política, de educação social. No passado, nos medievos,
um extenso e variadíssimo acervo de invenções da linguagem
chegou-se ao ponto de mascarar a pobreza fazendo dela
– precisamente o que ela pretende ser. A natureza do
uma espécie de virtude, como se fazia também com a
problema reside invariavelmente neste lugar preciso: qualquer
castidade. Hoje todo o mundo vê: eram apenas formas de
resposta leva a criatividade a inventar novos e sempre outros
atrofia, de deseducação, e nada mais.
problemas. E o que parece sem saída confirma tão-somente
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novos rumos da criatividade.
Sobre a arte
A arte sempre foi, precipuamente, uma
interpretação daquilo que se pretendia que fossem as
origens – talvez a arte seja essencialmente a releitura das
origens, sempre renovada. Ora, de nosso tempo cabe dizer
que tal releitura vê-se levada a conseqüências extremas:
parece que ela põe em causa a própria natureza das origens.
A arte se renova sempre, e ao mesmo tempo não se
sabe pra onde ela vai. É uma sensação que o passado não
tinha e não podia ter: a de não se conseguir controlar o
que se está fazendo. Esse caminho é irreversível. São
problemas que vêm, eu diria, da saturação, e não da pobreza
ou do enfraquecimento.
Peter Ilicciev
Sobre Sartre e o existencialismo
porque ou bem sou objeto do outro ou bem transformo o
O Existencialismo é um movimento que atingiu o
outro em objeto meu. Não dá para fugir dessa desigualdade.
seu apogeu na metade do século. Os grandes mestres
O sadomasoquismo de fato define a situação da
praticamente desapareceram. O problema é que as
intersubjetividade.
questões colocadas pelo pensamento existencialista dizem
respeito à própria realidade humana em toda a sua
Sartre não aceita o inconsciente. O homem é
extensão. E a partir daí o Existencialismo continua tendo
instantaneamente consciência. Em segundo lugar, a idéia
uma repercussão teórica e prática crescente. Existencialismo
fundamental é a intencionalidade, que não é uma questão
é a doutrina que coloca as categorias básicas para se repensar
intelectual, é mais ampla, não pega só a inteligência. Pega
a realidade humana.
também as emoções, os sentimentos, tudo é mais ou menos
intencional. Essa idéia da intencionalidade é radicalizada
O único filósofo que aceita a palavra existencialismo
por Sartre. Ele é tão radicalmente intencional que se não
para designar a sua própria doutrina é Sartre. Mas ele toma
existe o intencionado, ele não é nada, é nada de consciência.
de Heidegger a frase que tornou
famosa toda a escola: “A
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existência precede a essência”.
O fundamento do homem é o Nada. O Nada não é
nenhum mistério, é a distância do sujeito. Eu sou
definitivamente separado de tudo que me cerca e de tudo
Não há essência nenhuma
que tenho consciência. A consciência me impede de me
para Sartre. Ele se oporia a uma
identificar com as coisas. Eu estou separado e essa separação
filosofia da essência. A consciência
é justamente o Nada.
está em primeiríssimo lugar. Em
segundo, está a dicotomia sujeito-
Sartre dedica poucas páginas ao Ser. O que dele se poderia
objeto e, na intimidade da
dizer? Que ele é o que ele é, mais nada. Ele é pleno, total,
dicotomia sujeito-objeto, está
perfeito, ilimitado, nada pode perturbá-lo, pois ele não tem a
instalado o Nada. Mas toda
menor consciência de si mesmo; ele é, pura e simplesmente.
realidade é ou sujeito ou objeto.
Sujeito e objeto deslocam tudo.
O amor é uma ilusão. Não é que não exista, mas não
Sartre é o primeiro que afirma que
tem estabilidade, tem que ser conquistado a cada momento.
sujeito e objeto são intercambiáveis.
Procurar sacramentar o amor, institucionalizar o amor no
Genilton Vieira
casamento, na família, isso tudo é falso. Só o ato de
Sartre chega a dizer que
toda relação é sadomasoquista,
responsabilidade absoluta nesse instante é fundamental em
todo o existencialismo de Sartre.
Sartre não aceitava nenhuma forma de
determinismo. Ele achava que o homem inventa esse
determinismo para se proteger contra a liberdade, porque
é difícil ser livre. O que há é responsabilidade absoluta.
Não é uma coisa aleatória, você tem que reinventar a
responsabilidade em função de cada ato cometido.
Sobre ele mesmo
É importante não perder a grandeza do olhar.
Roberto Jesus Oscar
Eu odeio todas as formas de fundamentalismos.
Acho o fundamentalismo um surto de irracionalidade
As falas de Gerd Bornheim foram compiladas e
editadas dos seguintes veículos/fóruns/livros:
completamente condenável. Qualquer forma de
fundamentalismo é um horror, porque é a expressão
da decadência da religião.
Mesa-Redonda Ética e Política, 26 de outubro de 2001, Universidade
Federal Fluminense
Entrevista sobre Sartre, 15/09/2002, Jornal Correio Brasiliense
A idéia de ortodoxia me aborrece profundamente.
‘Conversa com o filósofo’, Jornal da Universidade - UFRGS - Porto
Alegre - Ano I - n.º 1 - Setembro de 1997
Tudo deve ser feito com a consciência da
Livro JB 500 anos – idéias e artigos
necessidade de escutar o próprio Tempo e, também,
no espírito do diálogo com esses vizinhos de todos nós
– os grandes filósofos e todos aqueles que souberam se
comprometer, de uma forma ou de outra, com a
aventura do mundo.
Nada do que escrevemos deve ser tomado como
conclusivo ou completo. Se o mundo, em nosso tempo,
se mostra como um panorama tão grandioso quanto
plangente, cabe ao pensamento tentar a explicitação
de seus passos, sabendo que o futuro não é objeto da
especulação filosófica.
Entrevista ao Jornal Ecologia e Desenvolvimento no 104, 2002, ao
jornalista Elias Fajardo
Entrevista a Sérgio Carvalho para a revista Vintém, julho-agosto de
1997, reproduzida no livro ‘Páginas de Filosofia da Arte’
Ensaio publicado na revista ‘Pau Brasil’ (São Paulo), no. 6, maio/
junho de 1985
Introdução ao livro ‘Os Filósofos Pré-Socráticos’, Editora Cultrix,
1967.
Notas Preliminares e Introdução do livro ‘Dialética, Teoria e Práxis’,
Editora Globo, 1977
‘Páginas de Filosofia da Arte’, Editora Uapê, 1998
‘Curso de Filosofia’, Ed. Jorge Zahar, 1989
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