resenhas Jogo de espelhos Mariluce Moura H Por que gostamos de história Jaime Pinsky Editora Contexto 224 páginas, R$ 29,00 94 | Agosto DE 2013 á algo surpreendente de cara, para não dizer mesmo desconcertante, no livro mais recente de Jaime Pinsky. Porque ante o título e as qualificações do autor é fácil ao leitor desavisado se inclinar a crer que tem em mãos um ensaio erudito sobre os fundamentos culturais e psicológicos da atração que exercem sobre tantos as múltiplas narrativas da história – ou sobre as razões históricas do prazer que a maioria experimenta ao acompanhar bem construídas narrativas reais ou ficcionais, recheadas de peripécias e de personagens intrigantes. Mas, longe disso, Por que gostamos de história é uma coletânea de 60 textos curtos organizados sob oito rubricas, escritos com leveza, fluidez e linguagem clara e concisa que é recomendável observar quando se apresentam ideias e se organizam argumentos em sua defesa para leitores de jornal. O historiador experimentado que é Pinsky, autor de mais de duas dezenas de livros, professor titular de história da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com passagens também pelas universidades de São Paulo e Estadual Paulista (respectivamente USP e Unesp), aqui assume a face do comunicador, do comentarista que se dirige a um público de contornos imprecisos, no qual pode se ocultar tanto um de seus pares quanto um hipotético trabalhador dono de escassa educação formal e ávido por pistas seguras para desvendar o mundo. Daí, talvez, uma certa hesitação ou experimentação do autor a respeito do tom em que é melhor falar a esse público. Essa fala pode ser modulada como conselho de professor: “Se não der para ver mais nada no Louvre, se não der para ver mais nada em Paris, namore a Vitória [de Samotrácia] por meia hora. Depois disso, você nunca mais será o mesmo, pois terá visto uma das maiores obras do gênio humano”, ele diz em “Vale a pena ver museus?” (p. 68). Mas o tom pode também revestir-se de um à vontade próprio de uma conversa entre iguais, papo de intelectuais marcado por referências tranquilas a autores, sem necessidade de explicar quem são a cada passo. A certa altura, por exemplo, em “Como furtar a história dos outros” (p. 40-42), Pinsky observa que Jack Goody, “um dos maiores antropólogos da civilização vivos, reconhecido no mundo inteiro”, mas ainda “pouco conhecido no Brasil, embora seja tido como uma espécie de Hobsbawm da antropologia”, percebe “certo desprezo pelo Oriente, que já custou e pode ainda custar mais caro ao mundo ocidental”. E completa: “Assim, ele acusa teóricos fundamentais, como Marx, Weber, Norbert Elias, Braudel, Finley e Perry Anderson por esconderem conquistas do Oriente e mesmo de se apropriarem delas em seus escritos”. Em ambos os artigos, ele se dirige originalmente a leitores do Correio Braziliense, no primeiro caso, em setembro de 2005 e, no segundo, em julho de 2008. Aliás, o jornal mais importante de Brasília foi o destino original da maior parte dos textos do novo livro de Pinsky (p. 219-220), que nele estão agrupados pelos subtítulos História, Cultura, Mundo, Povos e Nações, Cotidiano, Educação, Brasil e Família. Uns poucos textos foram veiculados pela Folha de S. Paulo, Jornal da Unesp, História Viva e Revista Um. Todos eles foram publicados entre 2004 e 2013. A notar, nessa espécie de exercício do jornalismo pelo historiador, que Pinsky se mostra, em contrapartida, bem receptivo ao trabalho de historiadores amadores, ainda que declare ser favorável à regulamentação da sua profissão. “Nada tenho contra amadores que ousam adentrar no reino de Clio”, informa. Em seu olhar, “bons livros de divulgação histórica têm sido produzidos por leigos. (...) Cabe ao público e à crítica (ela existe?) avaliar a qualidade do que está sendo escrito” (p. 53). E para isso ele recomenda que alguns acadêmicos saiam mais “de sua confortável torre de marfim” e venham a público comentar as obras lançadas em vez de “ficar resmungando pelos corredores contra este ou aquele jornalista que produziu um livro de sucesso. Seria um diálogo rico e honesto” (p. 53-54). Em tempo: “Por que gostamos de história?” (p .19), com interrogação, é o título do primeiro artigo do livro jornalístico do respeitado historiador Jaime Pinsky, em que se propõe , sem dúvida, um certo jogo de espelhos. E nele o autor nos diz que um dos motivos da popularidade dos livros de história foi explicado por Sófocles há 25 séculos. “Ele dizia que, de todas as maravilhas do mundo, o homem é a mais interessante para os próprios seres humanos” (p. 20). Números para as artes Joselia Aguiar E fotos eduardo cesar Política cultural e economia da cultura José Carlos Durand Ateliê Editorial/ Edições Sesc-SP 184 páginas / R$ 39 statísticas lembram economia, que, por sua vez, se vincula a lucro – visto como ameaça à autonomia da criação. Estatísticas também lembram burocracia e controle estatal – noções que costumam despertar apreensão, dado o histórico de totalitarismo e censura em regimes do século XX. Resumidamente, é como José Carlos Durand explica a grande resistência que os números encontram no campo das artes, em trecho do capítulo “Indicadores culturais: para usar sem medo”, de seu recente Política cultural e economia da cultura. Sociólogo com extensa trajetória de estudos sobre o tema, ele tem defendido a importância de pensar economicamente as artes e a cultura a fim de que sejam adotadas políticas públicas mais justas e eficientes. Em última instância, quem mais se beneficiará dos números são o artista e seu público. Só que antes há de se dirimir um tanto de preconceitos. O livro soma-se a uma ainda esparsa bibliografia sobre esse campo no país, que no entanto tem crescido nos últimos cinco anos. Foi Durand quem incentivou a tradução e prefaciou, em 2007, um dos clássicos da área, A economia da cultura, de Françoise Benhamou, economista francesa que trata da experiência europeia. O que o título de Durand traz de contribuição são dados, análises e propostas para o caso brasileiro. Como nota, só agora a gestão pública de cultura começa a ter atenção, em decorrência da década e meia de estabilidade do país. Além das novas publicações, movimenta cada vez mais encontros, seminários e redes virtuais. Para que servem os indicadores culturais? Ora, como argumenta Durand, para quantificar o setor, sua participação na economia, a contribuição estadual e municipal e o quanto indivíduos gastam com cultura. Esses dados passaram a ser levantados de modo mais sistemático na última década numa iniciativa do Ministério da Cultura (MinC) em conjunto com Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Levantar estatísticas é apenas a ponta de uma nova lógica que inclui também a formação do profissional que vai trabalhar com gestão cultural – para acabar com um quadro de amadorismo que parece romântico mas tem efeito pernicioso – e o estabelecimento de formas inteligentes de financiamento e patro- cínio, por meio de bancos públicos e agências de fomento e envolvendo tanto agentes do mercado quanto da academia. Os 11 artigos do livro vão então perfazer um percurso que é ao mesmo tempo conceitual, histórico e comparativo. Com abordagem didática e caráter introdutório, atendem sobretudo a quem deseja se iniciar no assunto. A ideia de economia da cultura, como adverte, não deve ser confundida com a de marketing cultural, e hoje, ao incorporar novas tecnologias, abre-se para uma noção que é ainda mais ampla, a de economia criativa. Durand mostra como se transformou o setor no país de 1995 a 2010, analisando ações governamentais e privadas no âmbito da Lei Sarney e, depois, Lei Rouanet. Primeiro, o MinC se restabelece após o que considera como a devastação promovida pelo governo Collor. Será sob orientação liberal que funcionará nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, quando o autor identifica certo exagero na concessão de incentivos fiscais para viabilizar parcerias com a iniciativa privada. No governo Lula, o orçamento é maior, assim como o quadro de funcionários, e se configura um modelo notadamente mais inclusivo e voltado às culturas populares. Entre as tendências internacionais, os casos dos Estados Unidos e da França são particularmente abordados, resultado de intensa pesquisa de pós-doutorado de Durand naqueles países. No conjunto de temas tratados, em que se entrelaçam economia e política, há até oportuna incursão ao território da crítica da arte. Num dos capítulos, “Premiações como instrumento de política cultural: uma proposta para a América Latina”, o autor discute o enfraquecimento das instâncias de consagração erudita. Numa região que vive, como define, “tempos de descentramento e multipolaridade”, lembra que a autoridade pública deve fazer valer seu poder de chancelar antes que o mercado multiplique e banalize prêmios e competições. Como ressalta, é preciso olhar atentamente para os artistas que não são vistos por editoras ou gravadoras mas têm talentos que merecem ser reconhecidos. Os números devem, afinal, estar a serviço das artes. Joselia Aguiar é jornalista, mestre e doutoranda em história (USP), concentrando-se em reportagens e estudos no campo da cultura. PESQUISA FAPESP 210 | 95