conflitos ambientais territoriais em áreas protegidas: o parque

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CONFLITOS AMBIENTAIS TERRITORIAIS EM ÁREAS PROTEGIDAS:
O PARQUE NACIONAL DA SERRA DO CIPÓ1
CONFLICTS IN ENVIRONMENTAL TERRITORIAL PROTECTED AREAS:
PARK NATIONAL SERRA DO CIPÓ
Izabel Beatriz Rodrigues de
Moura
Instituto de Geografia
Universidade Federal de Uberlândia
Laboratório de Geografia Agrária
[email protected]
RESUMO
O processo de implantação de Unidades de Conservação (UC) tem-se estruturado numa política
orientada pelo desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, institucionalizar unidades sem a
participação das comunidades do seu entorno implica o aparecimento de conflitos ambientais, isso se
explica, por um lado, pelas práticas agrícolas das comunidades consideradas agente de degradação
ambiental, a fim de protegê-la da ação antrópica degradadora e, por outro, os projetos desenvolvidos
sem a observação dos contextos ambientais e sociais onde são implantados, atingindo as comunidades
tradicionais que possuem uma íntima relação como o meio onde estão inseridos. Assim, este artigo
objetivou, portanto, identificar alguns conflitos decorrentes da criação do PARNA Serra do Cipó, os
sujeitos envolvidos e os impactos de suas ações. A metodologia baseou-se na pesquisa qualitativa,
documental, entrevistas semiestruturadas. Apresenta como resultados o processo de criação do parque,
como também os conflitos ambientais originados, além da invisibilidade dos atores sociais.
Palavras-Chave: Conflito Ambiental, PARNA Serra do Cipó, Comunidades Tradicionais.
ABSTRACT
The process of conservation units deployment (UC) has a structured policy aimed at sustainable
development. In this sense, institutionalizing units without the participation of its surrounding
communities implies the emergence of environmental conflicts, it is explained, on the one hand, the
agricultural practices of communities considered environmental degradation agent in order to protect it
from degrading human action and on the other, projects developed without observing the
environmental and social contexts in which they are deployed, reaching traditional communities that
have a close relation to the environment where they live. Thus, this article aims therefore to identify
the conflicts arising from the creation of the National Park Serra do Cipo, subjects involved and the
impacts of their actions. The methodology was based on qualitative research, documentary, semistructured interviews. Displays results as the process of creating the park, as well as the environmental
conflicts arising beyond the invisibility of social actors.
Keywords: Environmental Conflict, PARNA Serra do Cipo, Traditional Communities
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Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG).
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INTRODUÇÃO
As bases teóricas e legais para conservar grandes áreas naturais foram deliberadas
na segunda metade do século XIX, quando da designação de milhares de hectares da região
nordeste de Wyoming como Parque Nacional de Yellowstone, em 1872, seu objetivo tinha
como base uma concepção preservacionista onde “valorizava-se a natureza a partir de uma
noção de pertencimento e também pelo prazer da contemplação estética”. (PÁDUA, 2012,
p.5).
Segundo Diegues (2001) a institucionalização de tal parque converteu-se no
marco inicial desse processo, constituindo uma das políticas conservacionistas mais
empregadas pelos países do Terceiro Mundo. De acordo com esse autor a região torna-se
reservada e proibida de ser colonizada, ocupada ou vendida segundo as leis americanas.
Com a criação do Yellowstone National Park, outros países seguiram a política de
institucionalização de parques nacionais. O Canadá em 1885, seguido pela Nova Zelândia, em
1894, a África do Sul e a Austrália, em 1898. Na América Latina, o México foi o primeiro a
instituir uma reserva florestal, em 1894, a Argentina em 1903, o Chile em 1926.
No Brasil, na década de 1930, criou-se um Código Florestal que estabelecia, pelo
Decreto 23.793 de 23 de janeiro de 1934, o marco legal dos parques nacionais, e em 1937
criou-se a primeira área oficialmente protegida de âmbito nacional: O Parque Nacional de
Itatiaia, localizado nas montanhas da Mata Atlântica, no Estado do Rio de Janeiro
(FERREIRA, 2004; CABRAL, 2005). Com objetivos similares ao de Yellowstone, proteger
áreas naturais de grande beleza cênica.
Essa concepção preservacionista é tida por Diegues (2001) como “O Mito da
Natureza Intocada”, tratando das relações simbólicas e do imaginário entre o homem e a
natureza, tendo como centro da análise as áreas naturais protegidas, que conforme o autor,
mesmo que o processo de globalização tenha contribuído para a devastação da natureza,
rompendo antigas alianças que ligavam o homem à natureza, os mitos ainda continuam vivos.
Nesse sentido, Diegues (2001) destaca que:
Um desses mitos modernos, originário dos países industrializados, se refere
às áreas naturais protegidas, consideradas pelo ecologismo preservacionista
como o paraíso, um espaço desabitado, e que a natureza deve ser conservada
virgem e intocada. Sucede que esse mito se confronta com outros mitos e
simbologias que as populações tradicionais moradoras de parques nacionais
protegidos (indígenas, pescadores, artesanais, ribeirinhos) têm em relação ao
mundo natural. (DIEGUES, 2001, p.2).
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Esse ideal preservacionista onde o homem é principal agente destruidor da
natureza, trouxe consigo diversos conflitos, onde envolvem-se fatores econômicos, sociais e
ambientais. Sobre os conflitos ambientais, Zhouri (2010) pontua que “envolvem a relação
entre poder e meio ambiente no terreno”. Nesse caso, “os conflitos ambientais territoriais
marcam situações em que existe sobreposição de reivindicações de diversos grupos sociais,
portadores de identidades e lógicas culturais diferenciadas, sobre o mesmo recorte espacial”.
Assim sendo, trabalhar com as questões socioambientais num contexto onde se
tem, de um lado, uma área de proteção integral, e de outro, um grupo de atores sociais
atingidos em função da criação, nos leva a refletir sobre o mito “da natureza intocada”, o ideal
preservacionista baseado na compreensão de uma natureza bruta, sem a interferência do
homem, como descreve Diegues, (2001).
Pois ao implantar uma Unidade de Conservação, principalmente, as de proteção
integral, objetiva-se, dentre outros fins, a manutenção e, de certa forma, a perpetuação dos
recursos naturais existentes na área destinada a este fim, todavia, vem sombreada com o clima
de descontentamento dos moradores da área afetada, de entidades, entre outros, originados
quando se desconhece a participação local na implantação dessas áreas.
A crítica a essa corrente preservacionista é realizada no campo interdisciplinar da
Ecologia Política, a partir do diálogo da Antropologia, Geografia, Sociologia e Economia.
Assim, um pressuposto deste trabalho é pensar o espaço geográfico enquanto produção social
que se realiza mediante o trabalho e com as transformações da natureza, onde a geografia se
interessa por questões compartilhadas em outras ciências, dentre elas o lugar do sujeito no
debate social, já que o espaço abriga múltiplos atores e interesses. Que são construídos
socialmente de acordo com princípios, valores e suposições.
Neste contexto, o estudo aqui apresentado busca realizar uma análise da dinâmica
territorial ocorrida no processo de implantação e consolidação do PARNA Serra do Cipó, e o
conflito ambiental instaurado em meio a diferentes interesses, disputas e percepções.
O PARQUE NACIONAL DA SERRA DO CIPÓ
A Serra do Cipó está locada na região central de Minas Gerais, situada sob os
“domínios” da Serra do Espinhaço. É uma importante região no que diz respeito à diversidade
biológica (flora e fauna).
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Assim, Ferreira (2010) caracteriza a região como um importante divisor de águas
do estado. Em sua porção oeste, os cursos d’água compõem a bacia do rio São Francisco. Na
porção leste, os cursos d’água compõem a microbacia do rio Santo Antônio, um importante
afluente do rio Doce. A região da Serra do Cipó é extremamente importante no que diz
respeito à conservação dos recursos naturais e à proteção da biodiversidade. Divide os biomas
do cerrado (oeste) e da mata atlântica (leste), com destaque para os campos rupestres,
ecossistema peculiar.
Neste cenário está inserido o Parque Nacional da Serra do Cipó (de âmbito
federal) situado a cerca de 100 km da capital Belo Horizonte, na direção Nordeste, entre as
coordenadas 19° latitude sul e 43° longitude oeste. Abrange os municípios de Jaboticatubas,
Santana do Riacho, Morro do Pilar e Itambé do Mato Dentro.
O PARNA possui uma área de 31.617,8 ha, dos quais 20.764 ha encontram-se no
Município de Jaboticatubas, seguido pelo Município de Santana do Riacho com 2.615 ha,
Morro do Pilar, 5.934 ha, e o restante, 2.304 ha, estão localizados no Município de Itambé do
Mato Dentro. A Unidade de Conservação, PARNA Serra do Cipó foi primeiramente instituída
como: Parque Estadual da Serra do Cipó – estabelecido de acordo com a Lei Estadual n.º
6.605, de 14 de julho de 1975, sendo administrado pelo Instituto Estadual de Florestas-IEF. A
implantação dessa unidade teve influências, principalmente, de cientistas e pesquisadores
preocupados com a conservação da biodiversidade da Serra do Cipó.
Nesse contexto, em 1981, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
(IBDF) criou uma comissão objetivando estudar a viabilidade de transformar o Parque
Estadual para a esfera federal. Em 25 de setembro de 1984, por meio do Decreto n.º 90.223,
foi criado o Parque Nacional da Serra do Cipó. Segundo o documento de criação, os objetivos
da UC são “proteger a fauna e a flora, devido ao alto grau de endemismo de suas espécies, a
proteção da bacia de captação do rio Cipó, importante pelas cachoeiras e águas límpidas e a
preservação das belezas cênicas da região”, cabendo ao IBDF e, mais tarde ao IBAMA
adotarem medidas necessárias à sua efetiva proteção e implantação, como também o processo
de desapropriação dos proprietários e suas benfeitorias existentes nos limites da UC.
CONFLITOS AMBIENTAIS EM ÁREAS PROTEGIDAS
A temática dos conflitos ambientais entende que o ideal preservacionista baseado
na compreensão de uma natureza bruta, sem a interferência do homem, ou seja, uma “natureza
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intocada”. (DIEGUES, 2001), mas que ao longo do tempo produz desigualdades de acesso e
distribuição do ambiente e seus recursos. Nessa toada, observa-se uma classe beneficiada, e
outra, afetada. De um lado a desapropriação de populações locais, que residem nessas áreas há
décadas, para a conservação da natureza, e de outro lado, tem-se, por exemplo, o turismo que
se intensifica após a criação de tais unidades de conservação, ocasionando um adensamento
populacional em grande escala, com intuito de deleitarem-se com belezas cênicas, como
também, fugir de um cotidiano estressante que é os centros urbanos.
Existem diversos debates que envolvem pesquisadores sociólogos e também
geógrafos em relação à criação das unidades de conservação, bem como a política adotada
para a implantação dessas UC, levando em conta a produção do espaço, como também as
sociedades tradicionais. Conforme Vallejo (2009):
A criação das unidades de conservação no mundo atual vem se constituindo
numa das principais formas de intervenção governamental, visando reduzir
as perdas da biodiversidade face à degradação ambiental imposta pela
sociedade (desterritorialização das espécies da flora e fauna). Entretanto,
esse processo tem sido acompanhado por conflitos e impactos decorrentes da
desterritorialização de grupamentos sociais (tradicionais ou não) em várias
partes do mundo. (VALLEJO, 2009, p.1).
Desse modo, percebe-se que o estudo das unidades de conservação abrange a
discussão territorial sob diferentes abordagens, bem como o problema da desterritorialização,
conforme menciona Haesbaert (2002) tão importante no contexto histórico e contemporâneo.
Nesse sentido, Oliveira (2011) pontua que não se pode considerar como uma unidade de
conservação um área apenas por suas belezas cênicas ou pela sua importância aos habitantes
do mundo urbano-industrial, excluindo toda história e conhecimento tradicional ali presente é,
no mínimo, ir contra os direitos humanos daquelas sociedades tradicionais.
Dessa forma, Costa et al (2003, p.4) advertem que “na região da Serra do Cipó,
vários conflitos se manifestam, associados tanto a interesses divergentes em termos de uso do
espaço, quanto a diferenças entre modos de vida mais tradicionais e outros que compõem um
enorme espectro, mais típicos das grandes áreas urbanas”.
Costa et al (2003) destacam alguns desses conflitos:
Conflitos fundiários: em torno da criação do parque, visto pela população
tradicional como uma invasão de seus direitos, visto pelos ecologistas e por
parte desta mesma comunidade como uma garantia de preservação de um
importante patrimônio coletivo, ao mesmo tempo que é um indutor de um
determinado tipo de turismo, o ecoturismo, que se quer manter e incentivar,
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com um mínimo de controle. Conflitos em torno de obras de pavimentação
da MG-10, que corta e estrutura a localidade, gerando ampla mobilização da
comunidade e várias entidades e instituições, que culminou em recente
audiência pública para discussão da questão. Conflitos mais abrangentes e
difusos em torno do recente processo de urbanização dentro da APA,
caracterizado, principalmente, por loteamentos para recreio e expansão
urbana. (COSTA et al, 2003, p. 4-5).
Dessa maneira, conforme já abordado, cabe refletir que os conflitos ambientais
territoriais marcam situações em que existe sobreposição de reivindicações de diversos grupos
sociais, portadores de identidades e lógicas culturais diferenciadas, sobre o mesmo recorte
espacial. (ZHOURI, 2010). Ou seja, é uma porção do espaço onde uma sociedade reivindica,
objetivando garantir a todos os membros as condições e os meios materiais de sua existência,
tendo em vista que no seio dessa sociedade tradicional as espécies e territorialidade são
indispensáveis para a persistência e permanecia de muitas outras.
Sendo assim, convém destacar que esse processo de criação de espaços ou
territórios protegidos, foi responsável pelo processo de desterritorialização de vários
grupamentos sociais, tradicionais ou não, que residiam na área onde hoje estão localizadas as
unidades de conservação PARNA Serra do Cipó e APA Morro da Pedreira.
Diante dessa situação, Costa et al (2003) abordam que durante um longo período,
o discurso ambiental alimentou o mito da natureza intocada pelo homem como alternativa
única de preservá-la. Nesta perspectiva, toda “intervenção” do homem no meio físico
certamente provoca um impacto ambiental. Colocando numa extremidade o homem e em
outra o meio físico (geralmente considerado como natureza).
Dessa forma, compreender esse campo de conflitos onde de um lado tem-se o às
populações locais e de outro as alterações ocasionadas pela instituição da UC, requer uma
serie de discussões onde envolvem-se preservacionistas, poder público, instituições privadas,
destinadas à conservação da biodiversidade, que aponham a ideia de que as populações
tradicionais são consideradas empecilhos à proteção da natureza.
Essa complexidade, que envolve a reivindicação do espaço social, por parte da
sociedade tradicional nos instiga a discutir quais as políticas ambientais de criação das
Unidades de Conservação, não indo contra a esse modelo, mas admitindo a importância de
que a legislação necessite de uma revisão, principalmente, quando se trata das áreas de
proteção “integrais”, no que diz respeito às populações locais. Sendo assim, identificar as
relações que passam a integrar o cotidiano das populações locais após a instalação das
Unidades de Conservação, e como se dá a transformação do espaço para tais populações e
6
quais as políticas públicas adotadas, é essencial para compreender esse campo de conflitos
ambientais territoriais.
Haesbaert (2002) versa que o processo de desterritorialização para criação dessas
unidades tinha como objetivo a conservação desses recursos naturais, baseado em um ideal
preservacionista, separando o homem da natureza, ou seja, a implantação das UC’s significou
uma grande mudança nos hábitos, costumes e no modo de vida dos habitantes da região,
conforme apontam Santos e Dapieve (1998):
Muitas famílias não tinham acesso à escola, luz elétrica, médico, etc., por
residirem em locais de difícil acesso. Já para aqueles que apenas cultivavam
lavouras na área, houve prejuízo, pois, foram proibidos de plantar. Faltou,
também, uma sensibilização da população local para a implantação do
parque, o que gerou certa “antipatia” e incompreensão do povo da região.
(SANTOS e DAPIEVE, 1998, p. 6).
A população cipoense encontra-se em uma área de conflito, do ponto de vista
socioambiental, visto que a região tem vivenciado um processo de redefinição de uso, onde o
uso agrário deu lugar ao residencial, ainda que sob a forma de segunda residência ou
casa/sitio para fins de semana.
O caso do PARNA Serra do Cipó é exemplar, pois apresenta um cenário
conflitante. As relações entre o IBAMA e a comunidade local no período de implantação
foram conflitantes, principalmente, pelo fato de não ter ocorrido uma preparação da
comunidade local para a nova realidade do lugar e, ainda, sem o desenvolvimento de uma
consciência ambiental, como também a falta de explicação sobre a importância da criação de
áreas de conservação.
Com isso, houve diversas transformações no modo de vida da população local a
situação para muitos foi traumática, ocasionando a perda da propriedade. Causando diversos
desentendimentos e a uma intensa agressividade por parte dos moradores locais para com os
funcionários do IBAMA, constituindo uma situação de enfrentamento da comunidade com o
órgão.
A introdução da Unidade de Conservação de tanta relevância, um Parque
Nacional, bem como sua extensão ocasionou resistência e conflitos entre os envolvidos. Com
a implantação do Parque, configuraram-se naquela região diversos problemas em função das
sanções impostas de uso e ocupação do solo.
Tendo em vista este cenário é interessante considerar outro fator, ou seja, o que a
comunidade pode oferecer ao Parque, no intuito de promover uma maior valorização de seus
recursos, contribuindo na sua manutenção, preservação e fiscalização, além de impulsionar à
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visitação de seus atrativos. Adicionando assim valor ao Parque, a partir de manifestações
culturais, como também as atividades ligadas à tradição local.
Assim, cabe considerar que o conceito de território é trabalhado, tradicionalmente,
pelas Ciências Naturais com ênfase no estudo da Ecologia das espécies e das populações
naturais. Entretanto, as Ciências Sociais e a Geografia concordam com tal conceito, nas
Ciências Sociais o conceito é voltado para as sociedades tradicionais, já para a Ciência
Geográfica que é caracterizada como uma ciência articulada ao espaço físico e os processos
sociais, o território não poderia ser caracterizado de outra forma, a não ser como uma
categoria geográfica das mais importantes para serem discutidas.
Diegues (1996) versa que expulsar as pessoas que sempre habitaram uma terra e a
povoaram com seus mitos e seu imaginário, significa cortar os elos que se enraizaram à terra
ao longo da história de vida desses povos.
O mesmo autor elucida ainda, a relação homem/natureza através dos mitos e
simbologias e como eles surgem nas sociedades modernas, coloca que há uma busca pela
aproximação com o mundo natural para afastar a ameaça da perda da “vida selvagem” pela
civilização urbano-industrial. (DIEGUES, 1996).
Assim, ao relacionar a vida social com a base de recursos naturais, três tipos de
práticas podem ser distinguidas: as práticas técnicas, como as transformações no ambiente e
os modos de utilização da base ambiental; as práticas sociais, através de diferentes
mecanismos de apropriação social do mundo material; e as práticas culturais, onde são
conferidos significações ao ecossistema, através de diferentes percepções e representações
(ACSELRAD, 2004).
Acselrad (2004) descreve ainda que aquilo que as sociedades fazem com seu meio
material não se resume a satisfazer carências e superar restrições materiais, mas consiste
também em projetar no mundo diferentes significados, construir paisagens, democratizar ou
segregar espaços, padronizar ou diversificar territórios sociais.
Muitas vezes as causas de uma situação de conflito não expressam simplesmente
questões consideradas objetivas (ZHOURI et al, 2005), como por exemplo, a redução da
quantidade de determinando minério em uma área extrativa ou a proibição da caça/pesca de
uma espécie em uma determinada época do ano.
Nessa linha de pensamento, Acselrad (2004) destaca a possibilidade de considerar
os conflitos ambientais em uma abordagem mais econômica, onde um dado conflito poderia
se dar por duas maneiras, a distribuição de externalidades – dificuldades daqueles geradores
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de impactos negativos assumirem e corrigirem as consequências causadas, e a outra devido ao
acesso e usos de recursos naturais, principalmente em relação a sua propriedade, associado a
espaços sociais que escapam à ação do mercado, envolvendo recursos que não têm preço e
que não são objeto de apropriação privada.
Opta-se então pelo termo conflito socioambiental, buscando, assim, proporcionar
uma compreensão mais ampla do emaranhado de detalhes envolvidos. Os principais conflitos
relacionados às áreas protegidas no Brasil referem-se à regularização fundiária das terras
destinadas à conservação. Essa situação de conflitos é tratada por Zhouri e Laschefski (2010),
como conflitos que envolvem a relação entre poder e meio ambiente no terreno. Nesse caso,
“os conflitos socioambientais territoriais marcam situações em que existe sobreposição de
reivindicações de diversos grupos sociais, portadores de identidades e lógicas culturais
diferenciadas, sobre o mesmo recorte espacial”. (ZHOURI e LASCHEFSKI, 2010. p.7).
Ainda nessa perspectiva, Zhouri e Laschefski (2010) discorrem que os conflitos
socioambientais surgem das distintas práticas de apropriação técnica, social e cultural do
mundo material e que a base cognitiva para os discursos e as ações dos sujeitos neles
envolvidos configura-se de acordo com suas visões sobre a utilização do espaço.
Dessa forma, compreender esse campo de conflitos onde de um lado tem-se às
populações locais e de outro as alterações ocasionadas pela instituição da UC, requer uma
serie de discussões onde se envolvem preservacionistas, poder público, instituições privadas,
destinadas à conservação da biodiversidade, que aponham a ideia de que as populações
tradicionais são consideradas empecilhos à proteção da natureza.
Cumpre destacar que “a identificação e discussão dos conflitos vêm se
caracterizando como uma promissora área de investigação, na medida em que possibilita
compreender mais claramente as diferentes lógicas que articulam interesses que se
contrapõem em determinadas situações concretas”. (COSTA et al, 2002, p.3).
Assim Bastos (2006) discorre que o campo dos conflitos ambientais constitui uma
realidade e representa uma necessidade urgente para se definir novas pautas de ação e
intervenção nas decisões que determinam como a sociedade satisfaz suas necessidades.
Nesse contexto de conflitos ambientais, resta saber até que ponto a população
afetada na implementação de UC, está realmente envolvida. Quando se envolve, que peso
efetivo esse envolvimento tem na criação de políticas públicas ou no beneficiamento deles em
áreas protegidas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
As cidades como espaços de concentração econômica, territorial, política, social,
cultural e ambiental evidenciam diversos problemas espaciais e socioambientais, destacandose a ocupação próxima às áreas verdes causando queimadas, erosão do solo, desmatamento,
dentre outros.
Assim, as unidades de conservação do Brasil fazem parte desse contexto, já que as
mesmas são institucionalizadas na maioria das vezes nos perímetros urbanos. A partir das
demandas espaciais, territoriais, sociais, econômicas, políticas, culturais, ambientais, as
cidades expressam as consequências do crescimento desordenado. Nesse sentido, os estudos
sobre as unidades de conservação geram grandes debates, principalmente, em relação àquelas
de categoria “integral”, consideradas “intocadas”, separando o homem e a natureza.
Com base nos resultados alcançados foi possível concluir que, a criação da
unidade de conservação acarretou uma nova dimensão ao município, originando assim
diversos conflitos socioambientais. A institucionalização do PARNA Serra do Cipó ocasionou
grandes transformações no modo de vida da população local.
Essa complexidade que envolve a reivindicação do espaço social, por parte da
sociedade tradicional nos instiga a discutir quais as políticas ambientais de criação das
Unidades de Conservação, não indo contra a esse modelo, mas admitindo a importância de
que a legislação necessite de uma revisão, principalmente quando se trata das áreas de
proteção “integrais”, no que diz respeito às populações locais. Sendo assim identificar as
relações que passam a integrar o cotidiano das populações locais após a instalação das
Unidades de Conservação, e como se dá a transformação do espaço para tais populações e
quais as políticas públicas adotadas, é essencial para compreender esse campo de conflitos
territoriais.
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<Acesso em junho de 2016>
ZHOURI, Andréa & LASCHEFSKI, Klemens (org). Desenvolvimento e Conflitos
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