CONFLITOS AMBIENTAIS TERRITORIAIS EM ÁREAS PROTEGIDAS: O PARQUE NACIONAL DA SERRA DO CIPÓ1 CONFLICTS IN ENVIRONMENTAL TERRITORIAL PROTECTED AREAS: PARK NATIONAL SERRA DO CIPÓ Izabel Beatriz Rodrigues de Moura Instituto de Geografia Universidade Federal de Uberlândia Laboratório de Geografia Agrária [email protected] RESUMO O processo de implantação de Unidades de Conservação (UC) tem-se estruturado numa política orientada pelo desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, institucionalizar unidades sem a participação das comunidades do seu entorno implica o aparecimento de conflitos ambientais, isso se explica, por um lado, pelas práticas agrícolas das comunidades consideradas agente de degradação ambiental, a fim de protegê-la da ação antrópica degradadora e, por outro, os projetos desenvolvidos sem a observação dos contextos ambientais e sociais onde são implantados, atingindo as comunidades tradicionais que possuem uma íntima relação como o meio onde estão inseridos. Assim, este artigo objetivou, portanto, identificar alguns conflitos decorrentes da criação do PARNA Serra do Cipó, os sujeitos envolvidos e os impactos de suas ações. A metodologia baseou-se na pesquisa qualitativa, documental, entrevistas semiestruturadas. Apresenta como resultados o processo de criação do parque, como também os conflitos ambientais originados, além da invisibilidade dos atores sociais. Palavras-Chave: Conflito Ambiental, PARNA Serra do Cipó, Comunidades Tradicionais. ABSTRACT The process of conservation units deployment (UC) has a structured policy aimed at sustainable development. In this sense, institutionalizing units without the participation of its surrounding communities implies the emergence of environmental conflicts, it is explained, on the one hand, the agricultural practices of communities considered environmental degradation agent in order to protect it from degrading human action and on the other, projects developed without observing the environmental and social contexts in which they are deployed, reaching traditional communities that have a close relation to the environment where they live. Thus, this article aims therefore to identify the conflicts arising from the creation of the National Park Serra do Cipo, subjects involved and the impacts of their actions. The methodology was based on qualitative research, documentary, semistructured interviews. Displays results as the process of creating the park, as well as the environmental conflicts arising beyond the invisibility of social actors. Keywords: Environmental Conflict, PARNA Serra do Cipo, Traditional Communities 1 Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG). 1 INTRODUÇÃO As bases teóricas e legais para conservar grandes áreas naturais foram deliberadas na segunda metade do século XIX, quando da designação de milhares de hectares da região nordeste de Wyoming como Parque Nacional de Yellowstone, em 1872, seu objetivo tinha como base uma concepção preservacionista onde “valorizava-se a natureza a partir de uma noção de pertencimento e também pelo prazer da contemplação estética”. (PÁDUA, 2012, p.5). Segundo Diegues (2001) a institucionalização de tal parque converteu-se no marco inicial desse processo, constituindo uma das políticas conservacionistas mais empregadas pelos países do Terceiro Mundo. De acordo com esse autor a região torna-se reservada e proibida de ser colonizada, ocupada ou vendida segundo as leis americanas. Com a criação do Yellowstone National Park, outros países seguiram a política de institucionalização de parques nacionais. O Canadá em 1885, seguido pela Nova Zelândia, em 1894, a África do Sul e a Austrália, em 1898. Na América Latina, o México foi o primeiro a instituir uma reserva florestal, em 1894, a Argentina em 1903, o Chile em 1926. No Brasil, na década de 1930, criou-se um Código Florestal que estabelecia, pelo Decreto 23.793 de 23 de janeiro de 1934, o marco legal dos parques nacionais, e em 1937 criou-se a primeira área oficialmente protegida de âmbito nacional: O Parque Nacional de Itatiaia, localizado nas montanhas da Mata Atlântica, no Estado do Rio de Janeiro (FERREIRA, 2004; CABRAL, 2005). Com objetivos similares ao de Yellowstone, proteger áreas naturais de grande beleza cênica. Essa concepção preservacionista é tida por Diegues (2001) como “O Mito da Natureza Intocada”, tratando das relações simbólicas e do imaginário entre o homem e a natureza, tendo como centro da análise as áreas naturais protegidas, que conforme o autor, mesmo que o processo de globalização tenha contribuído para a devastação da natureza, rompendo antigas alianças que ligavam o homem à natureza, os mitos ainda continuam vivos. Nesse sentido, Diegues (2001) destaca que: Um desses mitos modernos, originário dos países industrializados, se refere às áreas naturais protegidas, consideradas pelo ecologismo preservacionista como o paraíso, um espaço desabitado, e que a natureza deve ser conservada virgem e intocada. Sucede que esse mito se confronta com outros mitos e simbologias que as populações tradicionais moradoras de parques nacionais protegidos (indígenas, pescadores, artesanais, ribeirinhos) têm em relação ao mundo natural. (DIEGUES, 2001, p.2). 2 Esse ideal preservacionista onde o homem é principal agente destruidor da natureza, trouxe consigo diversos conflitos, onde envolvem-se fatores econômicos, sociais e ambientais. Sobre os conflitos ambientais, Zhouri (2010) pontua que “envolvem a relação entre poder e meio ambiente no terreno”. Nesse caso, “os conflitos ambientais territoriais marcam situações em que existe sobreposição de reivindicações de diversos grupos sociais, portadores de identidades e lógicas culturais diferenciadas, sobre o mesmo recorte espacial”. Assim sendo, trabalhar com as questões socioambientais num contexto onde se tem, de um lado, uma área de proteção integral, e de outro, um grupo de atores sociais atingidos em função da criação, nos leva a refletir sobre o mito “da natureza intocada”, o ideal preservacionista baseado na compreensão de uma natureza bruta, sem a interferência do homem, como descreve Diegues, (2001). Pois ao implantar uma Unidade de Conservação, principalmente, as de proteção integral, objetiva-se, dentre outros fins, a manutenção e, de certa forma, a perpetuação dos recursos naturais existentes na área destinada a este fim, todavia, vem sombreada com o clima de descontentamento dos moradores da área afetada, de entidades, entre outros, originados quando se desconhece a participação local na implantação dessas áreas. A crítica a essa corrente preservacionista é realizada no campo interdisciplinar da Ecologia Política, a partir do diálogo da Antropologia, Geografia, Sociologia e Economia. Assim, um pressuposto deste trabalho é pensar o espaço geográfico enquanto produção social que se realiza mediante o trabalho e com as transformações da natureza, onde a geografia se interessa por questões compartilhadas em outras ciências, dentre elas o lugar do sujeito no debate social, já que o espaço abriga múltiplos atores e interesses. Que são construídos socialmente de acordo com princípios, valores e suposições. Neste contexto, o estudo aqui apresentado busca realizar uma análise da dinâmica territorial ocorrida no processo de implantação e consolidação do PARNA Serra do Cipó, e o conflito ambiental instaurado em meio a diferentes interesses, disputas e percepções. O PARQUE NACIONAL DA SERRA DO CIPÓ A Serra do Cipó está locada na região central de Minas Gerais, situada sob os “domínios” da Serra do Espinhaço. É uma importante região no que diz respeito à diversidade biológica (flora e fauna). 3 Assim, Ferreira (2010) caracteriza a região como um importante divisor de águas do estado. Em sua porção oeste, os cursos d’água compõem a bacia do rio São Francisco. Na porção leste, os cursos d’água compõem a microbacia do rio Santo Antônio, um importante afluente do rio Doce. A região da Serra do Cipó é extremamente importante no que diz respeito à conservação dos recursos naturais e à proteção da biodiversidade. Divide os biomas do cerrado (oeste) e da mata atlântica (leste), com destaque para os campos rupestres, ecossistema peculiar. Neste cenário está inserido o Parque Nacional da Serra do Cipó (de âmbito federal) situado a cerca de 100 km da capital Belo Horizonte, na direção Nordeste, entre as coordenadas 19° latitude sul e 43° longitude oeste. Abrange os municípios de Jaboticatubas, Santana do Riacho, Morro do Pilar e Itambé do Mato Dentro. O PARNA possui uma área de 31.617,8 ha, dos quais 20.764 ha encontram-se no Município de Jaboticatubas, seguido pelo Município de Santana do Riacho com 2.615 ha, Morro do Pilar, 5.934 ha, e o restante, 2.304 ha, estão localizados no Município de Itambé do Mato Dentro. A Unidade de Conservação, PARNA Serra do Cipó foi primeiramente instituída como: Parque Estadual da Serra do Cipó – estabelecido de acordo com a Lei Estadual n.º 6.605, de 14 de julho de 1975, sendo administrado pelo Instituto Estadual de Florestas-IEF. A implantação dessa unidade teve influências, principalmente, de cientistas e pesquisadores preocupados com a conservação da biodiversidade da Serra do Cipó. Nesse contexto, em 1981, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) criou uma comissão objetivando estudar a viabilidade de transformar o Parque Estadual para a esfera federal. Em 25 de setembro de 1984, por meio do Decreto n.º 90.223, foi criado o Parque Nacional da Serra do Cipó. Segundo o documento de criação, os objetivos da UC são “proteger a fauna e a flora, devido ao alto grau de endemismo de suas espécies, a proteção da bacia de captação do rio Cipó, importante pelas cachoeiras e águas límpidas e a preservação das belezas cênicas da região”, cabendo ao IBDF e, mais tarde ao IBAMA adotarem medidas necessárias à sua efetiva proteção e implantação, como também o processo de desapropriação dos proprietários e suas benfeitorias existentes nos limites da UC. CONFLITOS AMBIENTAIS EM ÁREAS PROTEGIDAS A temática dos conflitos ambientais entende que o ideal preservacionista baseado na compreensão de uma natureza bruta, sem a interferência do homem, ou seja, uma “natureza 4 intocada”. (DIEGUES, 2001), mas que ao longo do tempo produz desigualdades de acesso e distribuição do ambiente e seus recursos. Nessa toada, observa-se uma classe beneficiada, e outra, afetada. De um lado a desapropriação de populações locais, que residem nessas áreas há décadas, para a conservação da natureza, e de outro lado, tem-se, por exemplo, o turismo que se intensifica após a criação de tais unidades de conservação, ocasionando um adensamento populacional em grande escala, com intuito de deleitarem-se com belezas cênicas, como também, fugir de um cotidiano estressante que é os centros urbanos. Existem diversos debates que envolvem pesquisadores sociólogos e também geógrafos em relação à criação das unidades de conservação, bem como a política adotada para a implantação dessas UC, levando em conta a produção do espaço, como também as sociedades tradicionais. Conforme Vallejo (2009): A criação das unidades de conservação no mundo atual vem se constituindo numa das principais formas de intervenção governamental, visando reduzir as perdas da biodiversidade face à degradação ambiental imposta pela sociedade (desterritorialização das espécies da flora e fauna). Entretanto, esse processo tem sido acompanhado por conflitos e impactos decorrentes da desterritorialização de grupamentos sociais (tradicionais ou não) em várias partes do mundo. (VALLEJO, 2009, p.1). Desse modo, percebe-se que o estudo das unidades de conservação abrange a discussão territorial sob diferentes abordagens, bem como o problema da desterritorialização, conforme menciona Haesbaert (2002) tão importante no contexto histórico e contemporâneo. Nesse sentido, Oliveira (2011) pontua que não se pode considerar como uma unidade de conservação um área apenas por suas belezas cênicas ou pela sua importância aos habitantes do mundo urbano-industrial, excluindo toda história e conhecimento tradicional ali presente é, no mínimo, ir contra os direitos humanos daquelas sociedades tradicionais. Dessa forma, Costa et al (2003, p.4) advertem que “na região da Serra do Cipó, vários conflitos se manifestam, associados tanto a interesses divergentes em termos de uso do espaço, quanto a diferenças entre modos de vida mais tradicionais e outros que compõem um enorme espectro, mais típicos das grandes áreas urbanas”. Costa et al (2003) destacam alguns desses conflitos: Conflitos fundiários: em torno da criação do parque, visto pela população tradicional como uma invasão de seus direitos, visto pelos ecologistas e por parte desta mesma comunidade como uma garantia de preservação de um importante patrimônio coletivo, ao mesmo tempo que é um indutor de um determinado tipo de turismo, o ecoturismo, que se quer manter e incentivar, 5 com um mínimo de controle. Conflitos em torno de obras de pavimentação da MG-10, que corta e estrutura a localidade, gerando ampla mobilização da comunidade e várias entidades e instituições, que culminou em recente audiência pública para discussão da questão. Conflitos mais abrangentes e difusos em torno do recente processo de urbanização dentro da APA, caracterizado, principalmente, por loteamentos para recreio e expansão urbana. (COSTA et al, 2003, p. 4-5). Dessa maneira, conforme já abordado, cabe refletir que os conflitos ambientais territoriais marcam situações em que existe sobreposição de reivindicações de diversos grupos sociais, portadores de identidades e lógicas culturais diferenciadas, sobre o mesmo recorte espacial. (ZHOURI, 2010). Ou seja, é uma porção do espaço onde uma sociedade reivindica, objetivando garantir a todos os membros as condições e os meios materiais de sua existência, tendo em vista que no seio dessa sociedade tradicional as espécies e territorialidade são indispensáveis para a persistência e permanecia de muitas outras. Sendo assim, convém destacar que esse processo de criação de espaços ou territórios protegidos, foi responsável pelo processo de desterritorialização de vários grupamentos sociais, tradicionais ou não, que residiam na área onde hoje estão localizadas as unidades de conservação PARNA Serra do Cipó e APA Morro da Pedreira. Diante dessa situação, Costa et al (2003) abordam que durante um longo período, o discurso ambiental alimentou o mito da natureza intocada pelo homem como alternativa única de preservá-la. Nesta perspectiva, toda “intervenção” do homem no meio físico certamente provoca um impacto ambiental. Colocando numa extremidade o homem e em outra o meio físico (geralmente considerado como natureza). Dessa forma, compreender esse campo de conflitos onde de um lado tem-se o às populações locais e de outro as alterações ocasionadas pela instituição da UC, requer uma serie de discussões onde envolvem-se preservacionistas, poder público, instituições privadas, destinadas à conservação da biodiversidade, que aponham a ideia de que as populações tradicionais são consideradas empecilhos à proteção da natureza. Essa complexidade, que envolve a reivindicação do espaço social, por parte da sociedade tradicional nos instiga a discutir quais as políticas ambientais de criação das Unidades de Conservação, não indo contra a esse modelo, mas admitindo a importância de que a legislação necessite de uma revisão, principalmente, quando se trata das áreas de proteção “integrais”, no que diz respeito às populações locais. Sendo assim, identificar as relações que passam a integrar o cotidiano das populações locais após a instalação das Unidades de Conservação, e como se dá a transformação do espaço para tais populações e 6 quais as políticas públicas adotadas, é essencial para compreender esse campo de conflitos ambientais territoriais. Haesbaert (2002) versa que o processo de desterritorialização para criação dessas unidades tinha como objetivo a conservação desses recursos naturais, baseado em um ideal preservacionista, separando o homem da natureza, ou seja, a implantação das UC’s significou uma grande mudança nos hábitos, costumes e no modo de vida dos habitantes da região, conforme apontam Santos e Dapieve (1998): Muitas famílias não tinham acesso à escola, luz elétrica, médico, etc., por residirem em locais de difícil acesso. Já para aqueles que apenas cultivavam lavouras na área, houve prejuízo, pois, foram proibidos de plantar. Faltou, também, uma sensibilização da população local para a implantação do parque, o que gerou certa “antipatia” e incompreensão do povo da região. (SANTOS e DAPIEVE, 1998, p. 6). A população cipoense encontra-se em uma área de conflito, do ponto de vista socioambiental, visto que a região tem vivenciado um processo de redefinição de uso, onde o uso agrário deu lugar ao residencial, ainda que sob a forma de segunda residência ou casa/sitio para fins de semana. O caso do PARNA Serra do Cipó é exemplar, pois apresenta um cenário conflitante. As relações entre o IBAMA e a comunidade local no período de implantação foram conflitantes, principalmente, pelo fato de não ter ocorrido uma preparação da comunidade local para a nova realidade do lugar e, ainda, sem o desenvolvimento de uma consciência ambiental, como também a falta de explicação sobre a importância da criação de áreas de conservação. Com isso, houve diversas transformações no modo de vida da população local a situação para muitos foi traumática, ocasionando a perda da propriedade. Causando diversos desentendimentos e a uma intensa agressividade por parte dos moradores locais para com os funcionários do IBAMA, constituindo uma situação de enfrentamento da comunidade com o órgão. A introdução da Unidade de Conservação de tanta relevância, um Parque Nacional, bem como sua extensão ocasionou resistência e conflitos entre os envolvidos. Com a implantação do Parque, configuraram-se naquela região diversos problemas em função das sanções impostas de uso e ocupação do solo. Tendo em vista este cenário é interessante considerar outro fator, ou seja, o que a comunidade pode oferecer ao Parque, no intuito de promover uma maior valorização de seus recursos, contribuindo na sua manutenção, preservação e fiscalização, além de impulsionar à 7 visitação de seus atrativos. Adicionando assim valor ao Parque, a partir de manifestações culturais, como também as atividades ligadas à tradição local. Assim, cabe considerar que o conceito de território é trabalhado, tradicionalmente, pelas Ciências Naturais com ênfase no estudo da Ecologia das espécies e das populações naturais. Entretanto, as Ciências Sociais e a Geografia concordam com tal conceito, nas Ciências Sociais o conceito é voltado para as sociedades tradicionais, já para a Ciência Geográfica que é caracterizada como uma ciência articulada ao espaço físico e os processos sociais, o território não poderia ser caracterizado de outra forma, a não ser como uma categoria geográfica das mais importantes para serem discutidas. Diegues (1996) versa que expulsar as pessoas que sempre habitaram uma terra e a povoaram com seus mitos e seu imaginário, significa cortar os elos que se enraizaram à terra ao longo da história de vida desses povos. O mesmo autor elucida ainda, a relação homem/natureza através dos mitos e simbologias e como eles surgem nas sociedades modernas, coloca que há uma busca pela aproximação com o mundo natural para afastar a ameaça da perda da “vida selvagem” pela civilização urbano-industrial. (DIEGUES, 1996). Assim, ao relacionar a vida social com a base de recursos naturais, três tipos de práticas podem ser distinguidas: as práticas técnicas, como as transformações no ambiente e os modos de utilização da base ambiental; as práticas sociais, através de diferentes mecanismos de apropriação social do mundo material; e as práticas culturais, onde são conferidos significações ao ecossistema, através de diferentes percepções e representações (ACSELRAD, 2004). Acselrad (2004) descreve ainda que aquilo que as sociedades fazem com seu meio material não se resume a satisfazer carências e superar restrições materiais, mas consiste também em projetar no mundo diferentes significados, construir paisagens, democratizar ou segregar espaços, padronizar ou diversificar territórios sociais. Muitas vezes as causas de uma situação de conflito não expressam simplesmente questões consideradas objetivas (ZHOURI et al, 2005), como por exemplo, a redução da quantidade de determinando minério em uma área extrativa ou a proibição da caça/pesca de uma espécie em uma determinada época do ano. Nessa linha de pensamento, Acselrad (2004) destaca a possibilidade de considerar os conflitos ambientais em uma abordagem mais econômica, onde um dado conflito poderia se dar por duas maneiras, a distribuição de externalidades – dificuldades daqueles geradores 8 de impactos negativos assumirem e corrigirem as consequências causadas, e a outra devido ao acesso e usos de recursos naturais, principalmente em relação a sua propriedade, associado a espaços sociais que escapam à ação do mercado, envolvendo recursos que não têm preço e que não são objeto de apropriação privada. Opta-se então pelo termo conflito socioambiental, buscando, assim, proporcionar uma compreensão mais ampla do emaranhado de detalhes envolvidos. Os principais conflitos relacionados às áreas protegidas no Brasil referem-se à regularização fundiária das terras destinadas à conservação. Essa situação de conflitos é tratada por Zhouri e Laschefski (2010), como conflitos que envolvem a relação entre poder e meio ambiente no terreno. Nesse caso, “os conflitos socioambientais territoriais marcam situações em que existe sobreposição de reivindicações de diversos grupos sociais, portadores de identidades e lógicas culturais diferenciadas, sobre o mesmo recorte espacial”. (ZHOURI e LASCHEFSKI, 2010. p.7). Ainda nessa perspectiva, Zhouri e Laschefski (2010) discorrem que os conflitos socioambientais surgem das distintas práticas de apropriação técnica, social e cultural do mundo material e que a base cognitiva para os discursos e as ações dos sujeitos neles envolvidos configura-se de acordo com suas visões sobre a utilização do espaço. Dessa forma, compreender esse campo de conflitos onde de um lado tem-se às populações locais e de outro as alterações ocasionadas pela instituição da UC, requer uma serie de discussões onde se envolvem preservacionistas, poder público, instituições privadas, destinadas à conservação da biodiversidade, que aponham a ideia de que as populações tradicionais são consideradas empecilhos à proteção da natureza. Cumpre destacar que “a identificação e discussão dos conflitos vêm se caracterizando como uma promissora área de investigação, na medida em que possibilita compreender mais claramente as diferentes lógicas que articulam interesses que se contrapõem em determinadas situações concretas”. (COSTA et al, 2002, p.3). Assim Bastos (2006) discorre que o campo dos conflitos ambientais constitui uma realidade e representa uma necessidade urgente para se definir novas pautas de ação e intervenção nas decisões que determinam como a sociedade satisfaz suas necessidades. Nesse contexto de conflitos ambientais, resta saber até que ponto a população afetada na implementação de UC, está realmente envolvida. Quando se envolve, que peso efetivo esse envolvimento tem na criação de políticas públicas ou no beneficiamento deles em áreas protegidas. 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS As cidades como espaços de concentração econômica, territorial, política, social, cultural e ambiental evidenciam diversos problemas espaciais e socioambientais, destacandose a ocupação próxima às áreas verdes causando queimadas, erosão do solo, desmatamento, dentre outros. Assim, as unidades de conservação do Brasil fazem parte desse contexto, já que as mesmas são institucionalizadas na maioria das vezes nos perímetros urbanos. A partir das demandas espaciais, territoriais, sociais, econômicas, políticas, culturais, ambientais, as cidades expressam as consequências do crescimento desordenado. Nesse sentido, os estudos sobre as unidades de conservação geram grandes debates, principalmente, em relação àquelas de categoria “integral”, consideradas “intocadas”, separando o homem e a natureza. Com base nos resultados alcançados foi possível concluir que, a criação da unidade de conservação acarretou uma nova dimensão ao município, originando assim diversos conflitos socioambientais. A institucionalização do PARNA Serra do Cipó ocasionou grandes transformações no modo de vida da população local. Essa complexidade que envolve a reivindicação do espaço social, por parte da sociedade tradicional nos instiga a discutir quais as políticas ambientais de criação das Unidades de Conservação, não indo contra a esse modelo, mas admitindo a importância de que a legislação necessite de uma revisão, principalmente quando se trata das áreas de proteção “integrais”, no que diz respeito às populações locais. Sendo assim identificar as relações que passam a integrar o cotidiano das populações locais após a instalação das Unidades de Conservação, e como se dá a transformação do espaço para tais populações e quais as políticas públicas adotadas, é essencial para compreender esse campo de conflitos territoriais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BASTOS, Cecília Maria Chaves Brito. Conflitos Ambientais Urbanos em Áreas de Ressaca: Um Estudo da Comunidade Negra da Lagoa dos Índios Macapá / AP: Brasília, 2006. CARDOSO, Christiane Vilela. As Interfaces Socioambientais de um Lugar em Reconstrução: Distrito Serra do Cipó/Minas Gerais - Brasil Agosto. 2008. 10 CASTRO, Sandra Belchiolina. Turismo e Meio Ambiente em Munícipio com Unidades de Conservação em seu Território: Estudo de caso do município de Santana do Riacho Serra do Cipó/Minas Gerais. Belo Horizonte Centro Universitário UNA Março/2006. COSTA, H.S.M.; OLIVEIRA, A.M.; RAMOS, M.V.; População, Turismo e Urbanização: Conflitos de Uso e Gestão Ambiental. Universidade Federal de Minas Gerais, GEOgraplria Ano V - No 10 – 2003 DIEGUES, A.C.S. O mito moderno da natureza intocada. Núcleo De Apoio à Pesquisa Sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas Brasileiras/USP. Editora Hucitec. São Paulo, 2001. 3.a edição. FERREIRA, R. A. A Serra do Cipó e seus vetores de penetração turística: Um olhar sobre as transformações socioambientais. Programa de Pós-Graduação do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais. (Dissertação de Mestrado em Geografia) 2010. HAESBAERT, R. Concepções de território para entender a desterritorialização. In: Território Territórios. Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense. Niterói. 2002- p. 17 — 38 OLIVEIRA, D. G. B. O ideal preservacionista na política de criação de Unidades de Conservação de proteção integral e sua influência para as populações locais. O caso do Parque Estadual da Serra do Intendente. Curso de Geografia. Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte. (Monografia). 2011.45p. PADUA, C.V. Gestão de unidades de conservação: compartilhando uma experiência de capacitação. WWF-Brasil e IPÊ Brasília, 2012. Plano de Manejo. Parque Nacional da Serra do Cipó - Área de Proteção Ambiental Morro da Pedreira. Março 2009. Relatório da Oficina Realizada nos dias 18 E 19 de Outubro de 2013 - Serra Do CipóMG. SANTOS, M. S. F; DAPIEVE, S.V. Implantação do Parque Nacional Serra do Cipó: Mitos e realidades. Universidade do Estado de Minas Gerais. Campus de Belo Horizonte. Faculdade de Educação-FAE/ Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais de Minas Gerais. Belo Horizonte. (Monografia) 1998. Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. LEI No 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9985.htm. <Acesso em junho de 2016> ZHOURI, Andréa & LASCHEFSKI, Klemens (org). Desenvolvimento e Conflitos Ambientais. Belo Horizonte: editora UFMG, 2010. 11