P á g i n a | 71 AQUISIÇÃO DOS SONS EM CASOS DE PARALISIA CEREBRAL Carla Mariéli Menon – G (UNICENTRO/I) Dra Luciane Trennephol da Costa (UNICENTRO/I) Resumo. A Paralisia Cerebral pode ser definida como uma desordem do movimento e da postura, persistente, porém não fixa, surgida nos primeiros anos de vida pela interferência no desenvolvimento do sistema nervoso central (TABITH JR.,1980 apud LIMONGI, 2003), causada por uma desordem cerebral não progressiva e possui muitos níveis de comprometimento cerebral. Nesta pesquisa, investigamos como se dá o processo de aquisição dos sons em portadores de PC. Para tanto, realizamos pesquisas bibliográficas e entrevistamos duas profissionais fonoaudiólogas que trabalham com casos de paralisia cerebral. Há três tipos básicos de PC; a Espástica, a Atetóide/discinética e a Atáxica (DEDERICH, 2000) com variados sintomas e em todos os tipos há comprometimento da oralidade. Na PC, podem ocorrer muitos níveis de comprometimento cerebral o que dificulta alguma padronização na aquisição sonora e no desenvolvimento da linguagem. Segundo as profissionais entrevistadas, os sons menos comprometidos são as vogais e os mais comprometidos são as consoantes, principalmente os sons [l] e [r]. Palavras-chave: Paralisia Cerebral, Aquisição da Linguagem, Aquisição dos sons, Fonética e Fonologia. Abstract. Brain paralysis is a persistent, non-fixed movement and posture disorder occurring early in life due to interference on the development of the central nervous system (TABITH JR.,1980 apud LIMONGI, 2003), caused by non-progressive brain disorder, featuring several brain damage levels. Current analysis investigates the acquisition process of speech sounds in people with BP. Biographic research was undertaken and two speech therapists working with people suffering from BP were interviewed. There are three basic types of BP, namely Spastic Paralysis, Athetoid/Dyskinetic Paralysis and Ataxic Paralysis (DEDERICH, 2000) with several symptoms. All types reveal oral deficiencies. Since several types of brain damage may occur in BP, standardization in the acquisition of sounds and in language development is difficult. According to the interviewed speech therapists, vowels are the less impaired sounds, whereas the consonants, mainly [l] and [r], have the highest impairment. Keywords: Brain paralysis, language acquisition; acquisition of sounds; Phonetics and Phonology. REVISTA INTERLINGUAGENS Vol. 09 3ª ed 2016 I S S N 2 1 7 8 - 955X P á g i n a | 72 1 Introdução A aquisição dos sons é um fator importante no processo de aquisição da linguagem, pois a produção sonora é um dos principais meios que o ser humano utiliza para interagir e se comunicar. A aquisição sonora é bastante comprometida nos casos de Paralisia Cerebral. Segundo Tabith Jr. (1980 apud LIMONGI, 2003), a Paralisia Cerebral é uma desordem do movimento e da postura, persistente, porém não fixa, surgida nos primeiros dois anos de vida pela interferência no desenvolvimento do sistema nervoso central. É nesta etapa da vida que ocorre o processo de maturação neurológica na qual se dá as principais aquisições nos níveis motores e perceptual, mesmo que estes sintomas e sinais possam se modificar com o decorrer do tempo. A Paralisia Cerebral é causada por uma desordem cerebral não progressiva. Ela apresenta como consequência um desenvolvimento anormal do cérebro ou uma lesão encefálica. Atualmente a nomenclatura da Paralisia Cerebral foi modificada, visto que o paralítico cerebral não possui uma parada nas atividades físicas e mentais. Por isso tem-se utilizado o termo Encefalopatia Crônica Não Progressiva ou Não Evolutiva: O termo Paralisia Cerebral é considerado por muitos autores inadequado, uma vez que significaria a parada total de atividades físicas e mentais, o que não corresponde ao caso. Atualmente, tem-se utilizado o termo Encefalopatia Crônica Não Progressiva ou Não Evolutiva para deixar bem claro seu caráter persistente, mas não evolutivo, apesar de as manifestações clínicas poderem mudar com o desenvolvimento da criança e com a plasticidade cerebral. Ainda, o termo é útil para diferenciar a PC das Encefalopatias Crônicas Progressivas, que decorrem de patologias com degeneração contínua” (CANDIDO, p.3, 2004). Apesar de reconhecermos esta discussão da nomenclatura, adotamos neste texto o termo Paralisia Cerebral, abreviado como PC. Um fator de complexidade nos casos de paralisia cerebral é que não há um profissional responsável por ela. Observando as estatísticas, vemos que no Brasil, em 2011, segundo Tôrres, Sarinho, Feliciano e Kovacs (2011), há 24,5 milhões de pessoas que manifestam algum tipo de deficiência, 48% portam deficiência física e 22,9% motora. Neste grupo heterogêneo incluem-se as crianças com paralisia cerebral. A Paralisia Cerebral foi abordada pela Câmara dos Deputados Federais no dia 13 de julho do ano de 2015. Os médicos informaram a falta de atendimento específico para os REVISTA INTERLINGUAGENS Vol. 09 3ª ed 2016 I S S N 2 1 7 8 - 955X P á g i n a | 73 portadores e também da falta de números oficiais sobre a ocorrência da paralisia cerebral no país. Segundo eles, as estatísticas revelam que nos países em desenvolvimento ocorrem 7 casos a cada mil nascimentos, já nos países desenvolvidos, os casos baixam para 2 a cada mil nascidos. Neste artigo, investigamos o processo de aquisição dos sons nos casos de Paralisia Cerebral através de pesquisas bibliográficas, em artigos e livros especializados, e também através de entrevistas com profissionais diretamente envolvidos com pacientes portadores de paralisia cerebral. Na seção dois, traremos um breve panorama da aquisição da linguagem segundo os pressupostos das principais teorias da área: a inatista (Chomsky), a behaviorista (Skinner), a interacionista (Piaget) e a sociointeracionista (Vygotsky). Na sequência, apresentamos definições da Paralisia Cerebral, sua etiologia e definição, sua classificação e também seu histórico, elencando os principais autores que abordam a definição da Paralisia Cerebral. Na seção quatro, apresentamos as pesquisas que realizamos com profissionais que estão diariamente envolvidos nos processos de aquisição da linguagem e também no processo fonoaudiológico dos paralíticos cerebrais. 2 Abordagens teóricas em aquisição da linguagem Existem diversas correntes teóricas que tentam dar conta de explicar como ocorre o processo da aquisição da linguagem, algumas são opostas e outras se complementam. Os primeiros estudos realizados acerca da aquisição linguística de uma criança eram do tipo longitudinal, no qual os pesquisadores, que ficaram conhecidos como diaristas, anotavam a fala espontânea de seus filhos, nos ambientes naturais e em atividades cotidianas da criança (MUSSALIM e BENTES,2009). Posteriormente, essas anotações foram substituídas por registros em fitas magnéticas, em áudio ou vídeo. Outra metodologia utilizada para a realização das pesquisas em aquisição é a de tipo transversal, “que se baseia no registro de um número relativamente grande de sujeitos, muitas vezes classificados por faixas etárias” (MUSSALIM e BENTES, 2009, p.204). Assim, podem-se considerar as duas metodologias produtivas para os estudos da aquisição. REVISTA INTERLINGUAGENS Vol. 09 3ª ed 2016 I S S N 2 1 7 8 - 955X P á g i n a | 74 O desenvolvimento das pesquisas permitiu estabelecer estágios consecutivos na aquisição da linguagem. Nos primeiros meses de vida, a criança chora e começa a balbuciar, emitindo sons que não têm nenhum significado, ou seja, produzindo sons aleatoriamente. Depois, “aos seis (6) meses de idade ela balbucia um maior número de sons, um fator importante também é que neste período a crianças surdas também balbuciam, embora elas não ouçam nenhum input linguístico” (BROWN, 1973 apud GROLLA e SILVA, 2014). Este processo de balbucio é contínuo e com o tempo depende do estímulo, conforme Grolla e Silva: Aos dez (10) meses, o balbucio das crianças muda e elas começam a balbuciar somente os sons que ouvem. Por volta desta idade, os bebês começam a mapear som ao significado. Para extrair palavras do fluxo contínuo dos enunciados, os bebês se baseiam em várias fontes de informação específica de linguagem: a forma prosódica das palavras, regularidades distribucionais, informação fonética e restrições fonotáticas. Essas habilidades de percepção de linguagem altamente sofisticadas são cruciais para se aprender o léxico da sua língua nativa. (GROLLA e SILVA, 2014). Conforme Mussalim e Bentes (2009), no começo a taxa de crescimento do vocabulário da criança é reduzida, ela começa a produzir as primeiras palavras por volta dezesseis (16) e vinte (20) meses. Mas somente entre 18 e 20 meses que aparecem as primeiras combinações de palavras, as quais no início tendem a ser telegráficas. Há uma espécie de explosão vocabular por volta dos vinte e quatro (24) a trinta (30) meses, e a maior parte das crianças já domina as estruturas sintáticas e morfológicas de suas línguas maternas aos três anos de idade. A aquisição da linguagem é considerada uma área multidisciplinar, visto que há várias disciplinas, como a Psicologia e a Linguística, cujos objetos de estudos são relacionados com a aquisição da linguagem. Sobretudo, quando o foco é a cognição humana, pois a ciência cognitiva vai indagar sobre a aquisição do conhecimento, sobre o funcionamento da mente e neste campo vai observar como se dá o processo da linguagem e sua aquisição. Abordaremos brevemente as principais correntes teóricas da área: a inatista (Chomsky), a behaviorista (Skinner), a interacionista (Piaget) e a sociointeracionista (Vygotsky). Segundo Mussalim e Bentes (2009), os estudos em aquisição da linguagem foram REVISTA INTERLINGUAGENS Vol. 09 3ª ed 2016 I S S N 2 1 7 8 - 955X P á g i n a | 75 incentivados a partir dos trabalhos realizados pelo linguista Noam Chomsky, pai da teoria gerativa. Esta teoria defende o inatismo, ou seja, acredita que desde quando o indivíduo nasce já possui uma gramática universal e que a aquisição da linguagem ocorre através do desencadeamento de um dispositivo inato, ou seja, do que já estaria inscrito na mente humana. Chomsky enfatiza que o ser humano não apenas repete, mas usa sua criatividade para criar frases e palavras nunca ouvidas antes. Por isso, para a aprendizagem de uma linguagem, é preciso estar exposto ao estimulo, ao reforço, mas não necessariamente a resposta, isto ocorreria com o tempo. Nesse processo, segundo Mussalim e Bentes (2009, p.208, 209) “a criança é exposta a um input (conjunto de sentenças ouvidas no contexto), sendo o output um sistema de regras para a linguagem do adulto, a gramática de uma determinada língua 1. ” Para a teoria gerativa, a aquisição da linguagem não se dá apenas pelo fator cognitivo, mas também por interações sociais e um postulado forte da teoria é a hipótese do “período crítico” que aborda o fato de que a criança adquire uma linguagem até a puberdade e a partir disso a aquisição é muito rara (Mussalim e Bentes, 2009, p. 221). Mas, em oposição à abordagem inatista, o comportamentalismo ou behaviorismo1 credita um papel crucial ao estímulo na aquisição. A aprendizagem da linguagem, segundo os behavioristas, se dá a partir do meio e através de reforço com estímulo e resposta. Skinner, o psicólogo estadunidense mais influente no behaviorismo, propõe enquadrar a linguagem na sucessão e contingência de mecanismos de estímulo - reforço - resposta, que explicam o condicionamento e que estão na base da estrutura do comportamento. Para Skinner, o aprendizado se dá através de um processo denominado condicionamento operante. As mudanças nos comportamentos voluntários são resultados de eventos de estímulos ou punições. Por um lado, tem-se o reforço que é o evento que estimula; e por outro lado, a punição que faz o contrário, diminui a possibilidade de se repetir tais comportamentos. Segundo Skinner, a imitação exerce uma função importante na aquisição da linguagem da criança, ele defende que a imitação segue um princípio fixo. A criança imita o que o adulto fala e recebe uma recompensa (esta recompensa pode ser entendida como receber um sorriso de volta ou até mesmo ganhar um doce), mesmo que ela não fale exatamente da forma como foi 1 De Behavior que significa comportamento em inglês. REVISTA INTERLINGUAGENS Vol. 09 3ª ed 2016 I S S N 2 1 7 8 - 955X P á g i n a | 76 pronunciada por ele e com o passar do tempo através da repetição ela aprende a combinar as palavras da mesma forma como o adulto. Outro fator essencial para aquisição da linguagem é a interação social entre a criança e seus interlocutores vista como fator básico no desenvolvimento linguístico. Alguns estudiosos (MUSSALIM e BENTES, 2009, p.215) afirmam que as características da fala do adulto são fundamentais para a aprendizagem da linguagem na criança, visto que quando um adulto se dirige a uma criança a fala sofre algumas modificações. Essas modificações podem ser fonológicas, morfológicas, sintáticas, semânticas e pragmáticas. Por exemplo, quando um adulto vai falar com uma criança ele não irá falar da mesma forma que fala com um adulto, ou seja, quando um adulto vai alimentar a criança ela não irá dizer “venha almoçar” mas sim “venha comer papá ou olha o mamá”. De acordo com a teoria interacionista propagada pelo suíço Jean Piaget, a aquisição depende da inteligência da criança, ou seja, a aquisição e o desenvolvimento da linguagem são derivados do desenvolvimento do raciocínio na criança. Este aparecimento da linguagem se dá a partir do estágio sensório- motor, por volta dos dezoito (18) meses, pois é neste período que há o desenvolvimento da função simbólica, que se dá por meio do significante e significado. De acordo com Mussalim e Bentes (2009, p.211), juntamente “com a linguagem, o jogo simbólico, a imagem mental, as sucessivas coordenações entre as ações e entre estas e o sujeito, surge à possibilidade de internalizar e conceptualizar as ações”. Logo, pode-se entender que a linguagem é vista, para Piaget, como um sistema simbólico de representações, ela se torna possível, assim como qualquer aspecto da função simbólica geral, como desenhar, por exemplo. Diferentemente do inatismo, a aquisição é resultante de uma interação entre o ambiente e o organismo, porém esse conhecimento só é internalizado, absorvido, através de fatores cognitivos existentes em cada indivíduo e que possuem um tempo determinado para emergir. Nessa perspectiva piagetiana a impulsão que o ser humano tem de desvendar o desconhecido e conhecer algo novo tem uma origem biológica, e passa por vários estágios: a) sensório-motor (zero a dezoito meses), b) pré-operatório (dois a sete anos), c) operações concretas (sete a doze anos) e d)operações formais (doze a dezesseis anos). REVISTA INTERLINGUAGENS Vol. 09 3ª ed 2016 I S S N 2 1 7 8 - 955X P á g i n a | 77 Uma das vertentes do interacionismo social é o “sociointeracionismo”, na qual a linguagem é atividade constitutiva do conhecimento do mundo pela criança. É pela linguagem que a criança se constrói como sujeito. O conhecimento e a linguagem estão intrinsecamente relacionados e os dois passam pela mediação do outro, do interlocutor. Diferentemente de Piaget, Vygotsky, um dos grandes nomes do sociointeracionismo, acredita que a aquisição da linguagem é como um processo pelo qual a criança se firma como sujeito da linguagem (e não como aprendiz passivo) e pelo qual constrói ao mesmo tempo seu conhecimento do mundo, passando pelo outro (MUSSALIM e BENTES, 2009, p. 214). Soares (2009) afirma que, segundo Vygotsky, para a criança internalizar alguns conhecimentos é necessário que haja a interação com o meio e com o outro, pois ela sempre dependerá de signos externos para adquirir os significados atribuídos pelos outros. E é através desse contato que a criança aprende a língua falada em sua comunidade. É através das relações sociais e históricas que a criança vive que ocorrerão essas tais mudanças, seja através das amizades ou até mesmo na vida escolar da criança. Com essas várias vertentes teóricas, que tentam dar conta de como ocorre a aquisição da linguagem, conseguimos observar diversos lados dessa questão. Através destas teorias, pode-se afirmar que - apesar de que nenhuma consegue, de uma forma completa, explicar esse processo -, nascemos com uma estrutura que nos capacita para desenvolvermos a linguagem, mas e também necessária a experiência empírica, o contato com o meio, com o ambiente, o estímulo e a maturação biológica para adquirir a linguagem. Dessa forma compreendemos que é através da interação de diversos fatores (biológicos, psicológicos, sociais) que se torna possível que os seres humanos adquiram a linguagem. Essa interação demonstra seu papel crucial na aquisição da linguagem em casos de PC como veremos na próxima seção. 3 Paralisia Cerebral A Paralisia Cerebral (PC), de acordo com Tabith Jr.(1980apud LIMONGI, 2003),seguindo a proposta de Little Club(1959), “é uma desordem do movimento e da postura, persistente, porém não fixa, surgida nos primeiros anos de vida pela interferência no desenvolvimento do sistema nervoso central, causada por uma REVISTA INTERLINGUAGENS Vol. 09 3ª ed 2016 I S S N 2 1 7 8 - 955X P á g i n a | 78 desordem cerebral não progressiva” A Paralisia Cerebral se trata de uma consequência de um desenvolvimento anormal do cérebro ou de uma lesão encefálica. Vale ressaltar que essas alterações devem ocorrer nos seus dois primeiros anos, visto que é o período da maturação neurológica na qual se dá as principais aquisições nos níveis motor e perceptual. Embora os sintomas e sinais possam se modificar com o decorrer do tempo. As lesões podem ocorrer de três formas: pré-natais, perinatais e pós- natais. As lesões pré - natais podem ocorrer desde a fecundação até o nascimento. Algumas causas podem ser: o diabete materno, a rubéola materna, deficiências de vitaminas durante a gestação, carências de proteínas, hemorragia materna originada por tentativa de aborto. As perinatais ocorrem durante o nascimento, podem acontecer nos trabalhos de partos prolongados e manobras de ressuscitação empregadas tardiamente. Um dos fatores importantes é a incompatibilidade mãe-filho em relação ao fator Rh. Como causas pósnatais, podemos citar as doenças infecciosas, como meningites e encefalites, distúrbios vasculares, traumas e tumores cerebrais (LIMONGI, 2003, p. 89). Reproduzimos na Figura 1 um quadro com a lista dos principais fatores causais e de risco para paralisia cerebral disponível em DIAMENT, A, CYPELS (1996) apud CANDIDO (2004). Pré-natais Genéticas e/ou Hereditárias Causas Maternas Infecções congênitas (Toxoplasmose, Rubéola, Sífilis, HSV) Drogadição materna, uso de medicamentos (Tabaco, Álcool, Maconha, Cocaína) Complicações obstétricas Descolamento Placentário Placenta prévia Hemorragias/ameaça de aborto Diabetes/Desnutrição maternos Má posição do cordão umbilical Malformações congênitas Exposição a radiações (raios X) Perinatais Prematuridade e Baixo peso Distócias (Asfixia perinatal, Trauma cerebral) Infecções (Menigites, Herpes) Hipoglicemia Distúrbio Hidroeletrolíticos Pós-natais Infecções Meningites Encefalites Trauma craniano Acidente cérebro-vascular REVISTA INTERLINGUAGENS Vol. 09 3ª ed 2016 I S S N 2 1 7 8 - 955X P á g i n a | 79 Cardiopatia congênita cianótica Anemia Falciforme Malformações vasculares Anóxia cerebral Acidente por submersão Aspiração de corpo-estranho Insuficiência/parada respiratória Desnutrição Figura 01. Fatores causais e de risco Fonte: DIAMENT, A, CYPELS, 1996. Segundo Limongi (2003) os problemas de comunicação em crianças com paralisia cerebral podem variar desde a ausência de intenção comunicativa, passando por grandes dificuldades na comunicação oral devidas a alterações práticas que interferem na articulação dos sons, palavras e frases, até distúrbios ao nível da linguagem. Os especialistas consideram que na ausência da comunicação oral, há uma atitude comunicativa presente através de gestos, sinais, algumas poucas vocalizações. A classificação dos tipos de paralisia cerebral é variável, conforme Tabith (1995 apud DEDERICH, 2000, p.12), e depende dos sintomas que geralmente refletem a região do cérebro que sofreu a lesão. Os três tipos básicos de Paralisia Cerebral são: Espástica, Atetóide/discinética, Atáxica (Dederich, 2000). O primeiro tipo básico da PC, segundo Bitencourt, Oliveira, Brito, Sousa e Matos, (2011) o qual corresponde a 70% casos, caracteriza-se pela lesão do motoneurônio superior no córtex ou nas vias que terminam na medula espinhal. Os músculos espásticos por estarem em contração contínua causam aparente fraqueza do seu condutor antagonista às posições anormais das articulações sobre as quais atuam, assim, pode-se dizer que os movimentos são excessivos. Conforme as deformidades articulares se desenvolvem, suas contraturas fixam e não progridem. O reflexo tônico cervical pode persistir além de tempo normal, porém os demais reflexos neonatais geralmente desaparecem durante o repouso determinando geralmente posições viciosas ou contraturas em padrão flexor. Já a Atetóide corresponde 20% a 30% dos casos e compromete sistema extrapiramidal, parte neural envolvida na coordenação dos movimentos. Assim, o sistema muscular torna-se instável e o portador pode apresentar movimentos involuntários de pequena amplitude. O portador apresenta um controle da cabeça fraco e as respostas a estímulos são instáveis e imprevisíveis. O caso que menos ocorre é o Atáxico, que corresponde a 10% dos casos. Ele se manifesta por uma falta de equilíbrio e falta de coordenação motora em REVISTA INTERLINGUAGENS Vol. 09 3ª ed 2016 I S S N 2 1 7 8 - 955X P á g i n a | 80 atividades musculares voluntárias. A ataxia pura na Paralisia Cerebral é rara e no início não é fácil de ser reconhecida. Há pouco controle de cabeça e do tronco. A fala é frequentemente retardada e indistinta, caracteristicamente com a boca aberta e salivação considerável. Segundo Pinho (1999, p.21), Berry e Eisenson (apud Tabith, 1995) agruparam certas características de fala, de acordo com o tipo de Paralisia Cerebral da seguinte forma: O atetóide apresenta distúrbios articulatórios que variam do completo mutismo e disartria a discretos problemas articulatórios. Tem alterações fônicas que se exteriorizam por uma voz aspirada, rouca ou fonação ventricular. O ritmo respiratório sempre está muito alterado. A fala do espástico contém severos distúrbios e as anormalidades dos músculos da laringe levam a súbitos aumentos do volume ou rápidas mudanças na altura da voz. A fala é lenta, laboriosa e sem inflexão. A fala do atáxico é caracterizada por uma articulação pouco cuidada, que logo se torna ininteligível quando tenta emitir frases mais longas. O ritmo é anormal. A altura, intensidade e qualidade são monótonas e espasmódicas. (PINHO, 1999, p.21) Reproduzimos na Figura 2 um quadro de classificação da PC com os respectivos tipos de disfunções motoras disponível em Freire (2008 apud TABAQUIN, 1996) N° Tipo Disfunção Motora Topografia Espástico - Diplegia - Quadriplegia - Hemiplegia - Dupla hemiplegia - comprometimento maior dos membros inferiores; - prejuízo equivalente aos quatro membros; - comprometimento de um domínio corporal; - membros superiores mais comprometidos. 2 Discinética - Hipercinética ou Coreoatetóide - Distônica - movimento involuntário com presença de movimentação associada; - tônus muscular variável induzido por movimentos voluntários. 3 Atáxica - Dissinergia - tremor intencional; - dificuldades na manutenção do equilíbrio. 1 - predomínio do prejuízo motor com a presença de outras alterações Figura 02: Classificação da Paralisia Cerebral, segundo Minear (1956), com tipos de disfunções motoras e topografias dos prejuízos (FREIRE, 2008)Fonte: TABAQUIN (1996) 4 Mista -Quadros associados Como vemos, a PC tem variados sintomas, principalmente motores, em seus três tipos e em todos eles há o comprometimento da fala. Os estudos acerca da Paralisia Cerebral têm se modificado ao longo do tempo. Um dos pesquisadores da Paralisia REVISTA INTERLINGUAGENS Vol. 09 3ª ed 2016 I S S N 2 1 7 8 - 955X P á g i n a | 81 Cerebral ortopedista chamado Willian Little descreve em 1953, que a PC é uma síndrome caracterizada por uma rigidez muscular e pode ser ocasionada por vários fatores que acarretam a asfixia do recém nascido. Phelps, no inicio deste século, deu inicio as tentativas de tratamento para um grupo de crianças com alterações semelhantes às estudadas por Little, surgindo o termo Paralisia Cerebral, usado para denominar um agrupamento de caráter terapêutico (DEDERICH, 2000, p.09). Dando continuação à investigação para designar qual o termo seria adequado para a Paralisia Cerebral, Keats (1970 apud DEDERICH, 2000), por sua vez, define a Paralisia Cerebral como um termo geral usado para designar qualquer paralisia, fraqueza, falta de coordenação ou desvio funcional do sistema motor que é resultado de lesões intracranianas. A partir disso, Leitão, em 1983, complementa a definição de Keats dizendo que a PC é um grupo extremamente heterogêneo, reunindo distúrbios motores que ocorrem antes, durante ou depois do nascimento, sendo impossível definí-lo satisfatoriamente (DEDERICH, 2000, p. 09). Segundo Dederich (2000), Tabith (1995) explica que o termo paralisia cerebral é inadequado porque indicaria uma ausência total de atividades físicas e mentais. Em 1995, Limongi mostra que “a linguagem, movimento e cognição são postos lado a lado, ou melhor, são sequencializados conforme sua relevância.” Por isso, uma criança com Paralisia Cerebral possui limitações sensoriomotoras que seriam compensadas pela “atuação sobre o real exterior” através de outras vias sensoriais. Nessa mesma perspectiva a linguagem não é reduzida apenas à articulação e nem apenas veículo de expressão de etapas da estruturação cognitiva (VASCONCELLOS, 1999, p. 292), mas sim um instrumento e resultado do processo de interação social. Relacionando a aquisição da linguagem com o sujeito com Paralisia Cerebral, os especialistas dizem que a linguagem ultrapassa o motor e o cognitivo, mas ela acaba sendo remetida ao social e à comunicação. A linguagem faz pressão, mas ela não é propriamente dedicada a um espaço privilegiado de discussão. A tentativa de conciliar o sensório motor e o cognitivo e ao social para dar conta da linguagem do Paralitico Cerebral não faz, de fato, outra coisa senão inscrevê-la ou reafirmá-la no “campo da complementaridade”, no campo em que não há lugar para considerações sobre a língua enquanto funcionamento autônomo ( HENRY, 1992 apud VASCONCELLOS, 1999)”. REVISTA INTERLINGUAGENS Vol. 09 3ª ed 2016 I S S N 2 1 7 8 - 955X P á g i n a | 82 Frazão (2000) destaca que, a linguagem ganha destaque ao aproximar-se com o interacionismo em Aquisição de Linguagem, tal como proposto por De Lemos, o qual remove a noção de comunicação, que cede lugar à de interpretação. Se com interpretação, a pesquisadora ultrapassa o imaginário da comunicação e faz intervir a linguagem na clinica fonoaudiológica do Paralitico Cerebral, é certo, também, que uma face dessa questão não é tratada. Mesmo na ausência de oralização, é possível dizer que “há fala” no caso desses pacientes, pois mesmo sem a prática da fala em si, é possível a criança interagir através de sentimentos, emoções, conhecimentos, afetos (VASCONCELLOS, p.293). Segundo Dederich, “apesar das contradições relativas à nomenclatura “Paralisia Cerebral”, uma das definições mais aceitas ainda hoje é a utilizada pelo Little Club de Oxford, desde 1958, na qual a paralisia cerebral é apresentada como uma sequela de agressão encefálica, caracterizada por um transtorno constante, mas variável, de tônus, postura e movimento, que aparece na primeira infância, e é secundário a uma lesão não evolutiva do encéfalo e à influência que essa lesão exerce sobre a maturação neurológica” (2000, p.10). Apesar de um portador de Paralisia Cerebral obter um déficit motor ainda há um sistema linguístico dentro desta pessoa por mais que ele tenha um funcionamento cerebral prejudicado isso não impede o portador de se comunicar. Por isso ainda, que o termo “paralisia” seja usado para definir alguma irregularidade que aconteceu no cérebro, existe sim um movimento entre a linguagem e o sujeito e por mais que se tenham diferentes graus de alterações motoras e sensoriais a criança irá construir e organizar seu universo com as possibilidades existentes por seu meio. Esse parece ser o caminho seguido pelas profissionais ouvidas cujas entrevistas abordaremos em nossa seção final. 4 Pesquisas com profissionais Com o intuito de colher informações acerca do processo e das ações terapêuticas nos casos de Paralisia Cerebral, realizamos uma entrevista com duas profissionais que atendem crianças com PC em instituições públicas que oferecem atendimento a crianças com PC. As entrevistadas assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e REVISTA INTERLINGUAGENS Vol. 09 3ª ed 2016 I S S N 2 1 7 8 - 955X P á g i n a | 83 as duas optaram por não serem identificadas na pesquisa, desta forma neste texto nos referenciamos a elas como a E1, entrevistada um, e a E2, entrevistada dois. A primeira entrevistada trabalha há seis anos com paralíticos cerebrais, sendo que há um ano está trabalhando no estabelecimento em que foi entrevistada. Já os outros cinco anos ela trabalhou em outro lugar. Através de seus estudos e da sua experiência considera que um fator comum entre esses casos é que quase todas as crianças com Paralisia Cerebral não falam ou possuem uma dificuldade muito grande de fala. O trabalho que é realizado com essas crianças vai se alterar dependendo do grau de dificuldade que a criança apresenta. Por isso ela trabalha de forma dirigida e de forma espontânea, ela vai tentando achar uma forma para se comunicar com aquela criança seja por um sorriso ou por algum outro gesto: Então dirigida quando eu coloco atividades, estimulo ela. Por exemplo, ah hoje eu vou trabalhar com fantoches então vou estimular com os fantoches e existe outro momento que eu deixo mais livre e que eu vou de repente desenvolver outras atividades que... É eu tenho casos que crianças que não conseguem fazer aquisição de nenhum fonema e eu tento desenvolver alguma forma de comunicação então com essas crianças então é seja um levantar do braço, um contato com olhar ou um sorriso então eu sempre vou valorizando isso neh”.(E1) A família é outro fator importante para o paralitico cerebral, pois eles podem ajudar sempre seguindo as orientações do profissional e isso acaba estimulando muito o portador, que além de realizar os exercícios com o profissional realiza com a família. Mas como esses cuidados exigem tempo para o familiar do paralitico cerebral, muitas vezes eles acabam fazendo as atividades pela criança pelo fato de se ter outras coisas a mais para fazer e assim acabem não estimulando e prejudicando o portador de PC. Para a E1, na aquisição dos sons o que fica menos comprometido são as vogais, pois o primeiro som, muitas vezes produzido involuntariamente, é a vogal [a]. E o que mais fica comprometido são as consoantes: não sei eu não trabalho com nenhum que consegue produzir o L e o R esses são os mais complicados assim então os sons que a gente de chama de explosivos assim PA BA esses são os mais fáceis agora os que envolvem principalmente língua, levanta língua essa questão por questão mesmo de tonicidade neh de músculo essas coisas são mais difíceis daí.(E1) REVISTA INTERLINGUAGENS Vol. 09 3ª ed 2016 I S S N 2 1 7 8 - 955X P á g i n a | 84 A segunda entrevistada é fonoaudióloga desde 2010 e trabalha no estabelecimento em que foi entrevistada há mais ou menos dois anos. E2 fala que na Paralisia Cerebral o que vai ficar comprometido em relação à linguagem, tanto no inicio quanto ao longo do desenvolvimento, vai depender do tipo da lesão que a criança apresenta. Um fator importante para ela é que apesar da criança não ter uma oralidade ela se comunica através do choro, sorriso, do olhar, a criança se expressa de uma forma diferente. Além da dificuldade da fala, o paralitico cerebral tem também bastante dificuldade na alimentação. Em relação à abordagem teórica, esta profissional relatou que adapta os postulados de acordo com as dificuldades e necessidades da criança, abordando tanto a parte biológica como a parte social. Em relação a aquisição sonora nos casos de Paralisia Cerebral, para a E2, é difícil dizer o que fica comprometido pois tudo vai depender do tamanho da extensão da lesão dessa pessoa, pois não há nenhum caso que seja igual, algo em comum. Como a PC possui diferentes níveis de comprometimento cerebral, é difícil estabelecer uma padronização na aquisição sonora e no desenvolvimento da linguagem. Em comum, para as profissionais entrevistadas, os sons menos comprometidos são as vogais e os mais comprometidos são as consoantes, principalmente os sons [l] e [r]. Também declararam que os portadores de PC se comunicam de outras formas, além da oralidade, como através do choro, sorriso, do olhar, a criança se expressa de uma forma diferente. 5 Referências CÂNDIDO, A.M.D.M. Paralisia Cerebral: abordagem para o pediatra geral e manejo multidisciplinar. Brasília, 2004. Monografia de Residência Médica. Disponível no endereço eletrônico: www.scielo.br acesso em: 21 de março de 2016. DEDERICH, A. C. Desenvolvimento Cognitivo e Linguagem na Paralisia Cerebral. Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica Linguagem- CEFAC-, Rio de Janeiro, 2000. FRAZAO, Y. S. . Linguagem na terapia Fonoaudiológica com Bebês portadores de paralisia cerebral. In: Suelly Cecilia OLivan Limongi. (Org.). Paralisia cerebral, Processo terapêutico em Linguagem e Cognição(pontos de vista e abrangência). Carapicuiba: Pró-Fono, 2000, p. 25-34. REVISTA INTERLINGUAGENS Vol. 09 3ª ed 2016 I S S N 2 1 7 8 - 955X P á g i n a | 85 GROLLA, E. ; SILVA, M. C. F. 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