Implante de Stent no Tronco da Coronária Esquerda

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Arq Bras Cardiol
volume 73, (nº 3), 1999
Sá Caso
e cols.
Relato de
Stent em tronco da coronária esquerda não protegido
Implante de Stent no Tronco da Coronária Esquerda não
Protegido de Paciente com Choque Cardiogênico
Bedson José Lopes de Sá, Mary Jane Martins Rocha, José Bonifácio Barbosa, Carlos Gama,
Raimundo João Costa Furtado
São Luís, MA
Mulher de 64 anos apresentou edema pulmonar e
choque cardiogênico após cinecoronariografia que revelou lesão severa suboclusiva em tronco de coronária esquerda (TCE) dominante. Foi submetida a angioplastia
de urgência com implante de stent no TCE, com sucesso.
Após evolução satisfatória, teve alta no 6º dia.
A angioplastia transluminal percutânea do tronco de
coronária esquerda (TCE) não protegido é considerada um
procedimento de alto risco, contra-indicada em situações eletivas, podendo, porém, ser realizada em casos específicos de
pacientes clinicamente instáveis com infarto agudo do miocárdio (IAM) e angina instável com contra-indicação cirúrgica, ou pacientes críticos nos quais a mortalidade operatória
seria elevada demais 1,2. Nestes casos, a angioplastia complementada com implante de stent pode oferecer mais vantagens,
como o menor índice de complicações agudas, subagudas e
reestenose 3. Relatamos o caso de uma paciente com choque
cardiogênico devido à instabilização de lesão suboclusiva no
TCE, tratada com implante de stent de urgência.
Relato do caso
Paciente de 64 anos, do sexo feminino, diabética, portadora de estenose mitral submetida a comissurotomia a céu
aberto há 4 anos, apresentou episódios fugazes de opressão retroesternal e sudorese acompanhados de dispnéia
sem relação com esforço, com duas semanas de evolução.
Foi encaminhada para estudo hemodinâmico e cinecoronariográfico.
O exame foi realizado em 6/10/98 e obtidos acessos
vasculares arterial e venoso por via femoral direita, sendo
posicionados dois introdutores 6F. O estudo foi conduzido
inicialmente em câmaras direitas, tendo sido registradas as
pressões de átrio direito (AD), ventrículo direito (VD), tronco da artéria pulmonar (TAP) e capilar pulmonar (PCP), seguindo-se a ventriculografia direita. As pressões foram:
Hospital – São Luís
Correspondência: Bedson José Lopes de Sá - Rua das Figueiras, Qda 20 - Bl. A apto 302 - 65017-150 - São Luís, MA
Recebido para publicação em 7/1/99
Aceito em 28/4/99
AD média = 5mmHg; VD = 45/5mmHg; TAP = 45/18mmHg;
PCP = 22mmHg. Com a ventriculografia direita observou-se
à recirculação um padrão de esvaziamento de átrio esquerdo
(AE) compatível com estenose mitral moderada.
Em seguida, foi realizado o estudo cinecoronariográfico e cineventriculográfico esquerdo. Foram utilizados
cateteres de Judkins (JR e JL) e Pigtail, calibre 6F. O exame
mostrou-nos artéria coronária direita (CD) com lesão moderada na origem; a artéria coronária esquerda (CE) foi de difícil
cateterização, e seu estudo mostrou ser ela do tipo dominante, com estenose severa, suboclusiva (>90%) na porção
média do seu tronco (fig. 1). A injeção no ventrículo esquerdo (VE) mostrou hipocontratilidade severa em região apical
e discreta nas demais faces. As pressões à esquerda foram:
VE = 120/15mmHg; Aorta = 120/60mmHg.
Após o exame, a paciente foi encaminhada para a UTI,
estável e sem queixas. Os introdutores vasculares foram
deixados no lugar. O achado cinecoronariográfico levounos a indicar abordagem cirúrgica ao caso e foi pedido o
pré-operatório. Aproximadamente uma hora após a admissão à UTI a paciente começou a apresentar dor opressiva
retroesternal com irradiação para o dorso, dispnéia e
sudorese, observando-se ao ECG discreto infradesnivelamento do segmento ST. Rapidamente houve evolução para
edema agudo de pulmão e insuficiência respiratória, requerendo pronta intubação orotraqueal e suporte ventilatório
mecânico. Os níveis de pressão arterial sistêmica apresentaram declínio acentuado até os valores de 50/30mmHg e o
ECG já mostrava infradesnivelamento de ST de 5mm em D1,
aVL, V1-V6, assim como episódios de taquicardia ventricular
não-sustentada. Foi instituída sedação, heparinização plena, infusão contínua de lidocaína a 2%, furosemida IV, insulina simples subcutânea de acordo com níveis glicêmicos e
cloridrato de dobutamina 8µg/kg/min. Houve melhora da
congestão pulmonar, porém a paciente permanecia em choque. Devido ao estado crítico da paciente, o que revestiria
uma cirurgia de revascularização miocárdica com altíssimo
índice de mortalidade, optamos pela intervenção com cateter sobre o TCE, que levaria também a uma economia importante de tempo. A paciente foi então reencaminhada ao
departamento de Hemodinâmica.
O introdutor de 6F colocado na veia femoral direita foi
mantido, e por ele progredimos um eletrodo de marcapasso
provisório, posicionado no VD. O introdutor arterial foi
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Stent em tronco da coronária esquerda não protegido
Fig. 1 – Estudo cinecoronariográfico e cineventriculográfico esquerdo, mostrando
artéria coronária esquerda do tipo dominante, com estenose severa suboclusiva na
porção média de seu tronco.
substituído por um de 8F. Foi utilizado um cateter-guia
Amplatz L2 8F com sideholes para canulizar o TCE. A lesão
foi facilmente ultrapassada com um guia metálico steerable
0,014”, posicionado sob fluoroscopia na artéria descendente anterior, e sobre ele progredimos um cateter-balão
Europass 2,0x20mm. Até este momento o valor da pressão
ao nível da aorta ascendente era de 50/40mmHg e o monitor
mostrava significativo infradesnivelamento de ST. Foi
mantida heparinização com níveis de TCA em torno de 350s.
Realizamos uma insuflação do balão sobre a lesão a
uma pressão de 10atm por 10s. Não foi observado o surgimento de arritmia e, após a desinsuflação, os níveis pressóricos da paciente foram a 70/40mmHg. O Europass foi então
substituído por cateter-balão de perfusão Lifestream
3,0x20mm, insuflado a 4atm durante 20s. O stent utilizado foi
o Nir Primo montado em balão de 3,5x9mm, posicionado sobre a lesão e liberado com pressão de 16atm durante 15s,
com sucesso. As injeções finais mostraram fluxo TIMI 3
com estenose residual de 0% (fig. 2).
Observou-se ainda na sala de hemodinâmica a melhora
dos níveis tensionais da paciente, que foi encaminhada à
UTI com 100/70mmHg. Houve também redução do infradesnivelamento de ST, que estava em 2mm no ECG registrado imediatamente após o procedimento. A terapêutica adjuvante consistiu de ácido acetilsalicílico (AAS) 200mg/dia, ticlopidina 250mg duas vezes/dia e dobutamina em infusão
contínua de 5mcg/kg/min. A paciente apresentou melhora
gradativa dos parâmetros clínicos e hemodinâmicos, sendo
extubada em 8/10/98. Nesta mesma data foi suspensa a infusão de dobutamina. Observou-se pico máximo de CKMB
sérica de 124mg/dL 12h após o procedimento, com posterior declínio. A alta da UTI deu-se em 9/10/98. Na ocasião, a
paciente apresentava-se assintomática, em uso de ticlopidina e AAS nas doses mencionadas, furosemida 40mg/dia por
via oral e glibenclamida. Ao exame físico apresentava bom
estado geral, pulmões sem estertores e o sopro diastólico
próprio da estenose mitral. O ECG mostrava ritmo sinusal,
sobrecarga de câmaras esquerdas. Não havia onda Q patológica. No primeiro dia após a alta da UTI a paciente apresentou um episódio de fibrilação atrial aguda com resposta
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Fig. 2 – Cinecoronariografia demonstrando liberação adequada do stent sem estenose residual.
ventricular de 94bpm, sem repercussão hemodinâmica. Foi
submetida a cardioversão elétrica sincronizada com 200J,
obtendo-se pronta reversão ao ritmo sinusal, sem maiores
intercorrências. Utilizamos como droga de manutenção a
amiodarona na dose de 200mg por via oral duas vezes ao dia.
A alta hospitalar foi dada no dia 12/10/98, estando a
paciente assintomática e estável do ponto de vista clínico e
hemodinâmico.
Discussão
As estenoses de TCE não protegido vêm sendo
consideradas indicação absoluta para cirurgia de revascularização miocárdica e muitos consideram tais lesões proibitivas às intervenções com cateter. Entretanto há publicações que mostram que em casos selecionados, podem-se
obter bons resultados com angioplastia e implante de
endopróteses coronarianas, reduzindo-se morbimortalidade e tempo de permanência hospitalar. A princípio, os resultados a longo prazo das angioplastias com balão para TCE
não protegidos foram desapontadores 4, o que reforçava a
contra-indicação do procedimento. O advento dos stents
lançou nova luz sobre o assunto. Park e cols. realizaram implante de stent no TCE não protegido de 42 pacientes com
função do VE preservada, sendo que 41 simplesmente recusaram a cirurgia de revascularização miocárdica (RVM).
Seus resultados foram animadores, obtendo-se sucesso
imediato do procedimento em 100% dos casos. Ao cabo de
seis meses, a taxa de reestenose angiográfica foi de 22%. A
única morte ocorreu dois dias após RVM de paciente com
reestenose intra-stent. De acordo com os autores, a escolha
do stent também é fator determinante do sucesso. Devido à
alta concentração de fibras elásticas ao nível do óstio e segmento proximal do TCE, o que levaria a maior recolhimento
elástico, as lesões nestes pontos seriam melhor tratadas
com stents tubulares, sendo os stents tipo coil melhor
reservados para as lesões distais e de bifurcação 3.
Outros estudos vieram a corroborar o tratamento de lesões de TCE não protegido com os stents, relevando principalmente sua superioridade em relação à angioplastia sim-
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ples. Em uma análise de 107 pacientes submetidos a tratamento por cateter de TCE não protegidos, todos considerados
inoperáveis ou de alto risco para cirurgia de bypass coronariano, obteve-se sucesso técnico (diâmetro final de estenose<50%) em 96,2% dos casos. Das intervenções descritas, a maioria consistia de implante de stent (50%), havendo
aqueles de angioplastia com balão (20%) e aterectomia
direcional (24%). A estenose residual foi significativamente
menor nos pacientes de stent. Observou-se ainda nesse estudo uma nítida superioridade do stent em relação à angioplastia
com balão, no que diz respeito à reestenose e mortalidade ao
longo de nove meses 5. Relatos isolados também nos de-
monstram que em casos de oclusão iminente do TCE em pacientes com instabilidade clínica e hemodinâmica, esta abordagem pode ser salvadora, poupando-se o paciente do risco
aumentado de uma RVM nessas condições. Mesmo lesões
mais complexas como bifurcações do TCE podem ser tratadas
com sucesso e melhora imediata do paciente 6.
No presente caso, mais uma vez, se demonstra que as lesões de TCE não protegido estão deixando de ser um tabu para
o cardiologista intervencionista. Em casos eletivos bem selecionados e em situações de emergência, o implante de stent nesta
área, antes considerada proibida, pode ser uma decisão lúcida,
poupadora de tempo e redutora de morbimortalidade.
Referências
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