Serão as políticas do BM e FMI as causas dos nossos sismos sociais? Por Francisco Carmona Quando passam pouco mais de duas décadas, após a introdução do Programa de Reabilitação Económica (PRE), e do controverso pacote de medidas aconselhadas pelo Banco Mundial (BM) e Fundo Monetário Internacional (FMI), para tirar o país da apatia económica, em certos círculos divergem as leituras sobre se foi feita a melhor opção, ao alinhar com o liberalismo defendido por aquelas duas instituições da Brettons Woods. Tal discussão sobre o modelo de desenvolvimento seguido pelo país nas últimas duas décadas foi reacendida com os multiplicados protestos que se registam um pouco por todo o país com destaque para a cidade de Maputo, Xinavane (Manhiça) Jangamo (Inhambane) e Chimoio (Manica), relacionados com o aumento do preço dos transportes, bens essenciais e a impunidade que supostamente gozam os criminosos. Em causa estariam os ganhos e malefícios da adesão do país, há duas décadas, às políticas do BM e do FMI. Por exemplo, os fortes protestos em Maputo começaram com as manifestações contra o aumento dos preços dos chapas, que passaram a ter o monopólio do sector nas zonas urbanas, supostamente como consequência das medidas de liberalização económica implementadas em 1987, sob recomendação do BM e FMI. Mas outros negam rendondamente uma relação de causa-efeito, entre as medidas de liberalização económica do BM e FMI e os sismos sociais que estamos a viver. Dizem que é preciso olhar para as políticas internas, porque Moçambique sofre de uma crise de produção interna de políticas com uma visão nacional e endógena, consistentes, efectivas e inclusivas. O processo decisório está debilitado neste aspecto particular, e isso conduz a uma situação em que todo o sistema se torna também débil. Breve historial Segundo analistas económicos e estudos efectuados pela Consulting Group, a má administração económica e os 16 anos de guerra civil, logo após a independência do país dificultaram o desenvolvimento económico de Moçambique. Desde a proclamação da independência do país e durante mais de uma década a economia foi administrada de acordo com um planeamento socialista, ou seja, uma estratégia de economia centralizada, dirigida pelo Estado. Este era um modelo de desenvolvimento por substituição de importações, com base na nacionalização de empresas privadas, uma atitude hostil para com investidores privados estrangeiros, controlo de preços extensivo, um câmbio sobrevalorizado, impostos sobre exportações e a imposição de pesados direitos sobre as importações. O extensivo programa de nacionalizações em todos os sectores da economia, a fraca administração, e a falta de incentivos para os trabalhadores quase que paralisou toda a produção. Economia de mercado No entanto, em 1987, Moçambique abandonou o modelo socialista em favor de uma economia de mercado e, no mesmo ano, adoptou o primeiro programa de ajustamento estrutural, o PRE, com um leque de medidas negociadas com o Banco Mundial e o FMI. Em 1992, foi assinado o acordo de Paz em Roma, capital italiana, colocando fim à longa guerra civil que paralisou a economia do país por 16 anos. Desde então, o país tem gozado de estabilidade política e de melhoramentos macroeconómicos notáveis, mas não desenvolvimento no seu conceito mais amplo. Segundo economistas, as reformas estruturais que deram uma nova forma à economia, a política macroeconómica prudente que criou um ambiente macroeconómico estável, evitaram um declínio económico e trouxeram consigo uma retoma económica de vulto. Desde os meados da década 90 do século passado, a economia cresceu a um ritmo sustentado, bastante acima do crescimento médio da região da SADC, e o número de pessoas afectadas pela pobreza desceu substancialmente. O economista Dipac Jaiantilal (Ver Caixa) concorda que houve um crescimento ao nível macroeconómico, no entanto, nega que houve desenvolvimento no sentido mais amplo do termo. Transportes A apertada política monetária do Banco de Moçambique conteve a inflação. A título ilustrativo indicam que a inflação desceu de um índice superior a 60% para menos de 10% no fim de 1990, subindo novamente para 22% em 2001; situação atribuída às históricas intempéries de 2000 e a factores exógenos. Desde então, a inflação tem estado controlada e em declínio, estando actualmente na casa de um dígito. Por outro lado, com a implementação do PRE, o Estado reduziu paulatinamente o seu papel económico dominante, privatizando as propriedades agrícolas e as empresas estatais e liberalizando os sectoreschave, tais como as telecomunicações e os transportes. Contudo, a liberalização quase total do sector dos transportes teve um efeito contraproducente: o Estado ficou refém dos transportes semicolectivos de passageiros, vulgos chapa 100. Os protestos de Maputo da superterça-feira são prova mais do que evidente. Por outro lado, há outros ganhos colectados com a liberalização da economia. Por exemplo, as exportações cresceram muito rapidamente. Mas, a maioria do crescimento das exportações é devida a mega-projectos, enquanto as exportações tradicionais cresceram mais vagarosamente. Analistas, entendem que a expansão das exportações constitui um elemento-chave para o desenvolvimento económico de Moçambique, pois o poder de compra local não é suficiente para suportar índices elevados de crescimento económico. Moçambique é igualmente um dos maiores recipientes de assistência concessional em África e a ajuda estrangeira cobre cerca de cinquenta por cento do défice orçamental. A título ilustrativo, durante o período de 1997-2003, a assistência internacional alcançou 12 a 19 por cento do PIB, quase duas vezes o montante da assistência providenciada aos outros países da região. A natureza da ajuda internacional alterou-se no referido período: as subvenções, que no período de 1995/97 eram responsáveis por 52% do volume da assistência, passaram para 69% em 2002-2003. Por outro lado, em 1999 e 2001, o país beneficiou do perdão da dívida, ao abrigo da Iniciativa dos Países Pobres Altamente Endividados (HIPC). Desde a Independência, o país beneficiou de mega-projectos. No início, foi principalmente no sector da construção (represas), mas depois da transição para a economia de mercado estabeleceram-se no país alguns investidores de envergadura no sector da indústria transformadora. Os grandes investidores foram atraídos pelas condições favoráveis oferecidas em termos de incentivos fiscais negociados numa base individual, pela situação geográfica de Moçambique, que consideram muito favorável, e pela existência de recursos naturais (gás, titânio, água, carvão). Contudo, o próprio FMI já aconselhou ao Governo moçambicano a cortar os incentivos fiscais concedidos aos megaprojectos, com destaque para a megafundição de alumínio, a Mozal, e a petroquímica Sasol. Receitas envenenadas Apesar dos ganhos obtidos por Moçambique do ponto de vista macroeconómico, com a adopção do programa estrutural, o conhecido PRE, alguns analistas em Maputo, entendem que as políticas aconselhadas pelo BM e FMI demonstraram anos depois como tendo sido contraproducentes. “Muitas das prescrições destas instituições multilaterais, passados estes anos, evidenciaram-se como tendo sido autênticas receitas envenenadas. Vejamos: privatizámos empresas, mas no seu lugar não foram repostas as médias e pequenas empresas, que de facto geram empregos e impulsionam de forma real a economia”, escreveu recentemente, Rogério Sitoe, director do Notícias, na sua coluna “Conjecturas”. O jornalista acusa o BM e o FMI de terem “aconselhado o Governo a destruir a indústria de caju, sob o argumento de que era mais vantajoso para Moçambique investir na industrialização e dedicar-se exclusivamente à exportação da castanha não processada”. “Falou-se e remeteu-se pelo menos 10 mil pessoas para o desemprego”, sublinha o jornalista. Sindicalistas A OTM-CS faz um balanço menos optimista em relação aos ganhos trazidos pela liberalização económica. “Tivemos perdas. É preciso e é fundamental reconhecermos isso. As expectativas dos trabalhadores e da sociedade em geral relativamente à qualidade de vida eram muito maiores do que o que se conseguiu com as mudanças”, defendeu Franscico Mazoio, porta-voz da OTM em debate recente na rádio estatal. Mazoio apontou a perda de muitos postos de trabalho, como consequência do rápido processo de privatização de empresas a favor de pessoas sem capacidade, como um dos aspectos negativos da viragem económica feita pelo país nos finais da década de 1980. “Muitos trabalhadores perderam os seus empregos e isso pode entender-se olhando para o sector informal, que cresceu de uma forma bastante ampla”, frisou Mazoio. Havia emprego, mas não trabalho Mas o economista Luís Magaço, também em recentes declarações à rádio estatal, nega que a abertura económica do país tenha resultado na deterioração do ambiente de emprego e lembra que, antes das reformas, muitas pequenas empresas moçambicanas empregavam mão-de-obra excessiva e não tinham capacidade para competir. “Na verdade, essas empresas não criavam de facto emprego. Davam emprego às pessoas, mas não havia trabalho, nem eram competitivas. O Estado não podia continuar a subsidiar pequenas empresas que empregavam centenas de trabalhadores a ganhar 10 a 15 dólares”, sublinhou Magaço. Nessa perspectiva, era necessário que as pequenas unidades de produção sofressem reformas, para empregar 100 pessoas a ganharem um pouco mais, com maior rendimento e competitividade, enfatizou o economista. “Quando introduzimos o PRE, em 1987, o país exportava cerca de 200 milhões de dólares, hoje exportamos acima de dois mil milhões de dólares, o PIB per capita era de 80 dólares ou 90 dólares hoje é de quase 400 dólares “, destacou Luís Magaço. “Houve custos sociais, mas quando faço um balanço, a avaliação é positiva”, sintetizou o economista. Houve crescimento, mas não desenvolvimento Em entrevista concedida ao SAVANA, o professor de Economia Monetária do mestrado em Desenvolvimento Económico da Faculdade de Economia da Universidade Eduardo Mondlane, Dipac Jaiantilal, indica que é verdade que Moçambique regista, desde meados da década 90, crescimentos ao nível macroeconómico, mas que tal não significa necessariamente desenvolvimento. “Desenvolvimento não significa apenas crescer em termos macroeconómicos, exportações e PIB real global, ou mesmo per capita. Há outras dimensões como questões não monetárias do desenvolvimento, como o acesso aos serviços essenciais, por exemplo, saúde, educação, justiça, transportes e vários outros que estão envolvidos neste conceito mais amplo que é o desenvolvimento”. Por outro lado, Jaiantilal aponta outros aspectos que é preciso considerar na questão de desenvolvimento que têm a ver com o grau das desigualdades sociais, porque, segundo ele, estas têm importância no sentido de que influenciam o sentimento de inclusão e participação das pessoas nos frutos da evolucão da sociedade. Para ele, as desigualdades sociais deterioraram-se nos últimos anos em várias regiões do país, como o provam os respectivos números do coeficiente de Gini e Theil resultante dos Inquéritos ao Agregados Familiares (IAF) de 2002-3 comparativamente aos do IAF anterior, de 1996-7, e os resultados do Trabalho de Inquérito Agrícola (TIA) dos últimos anos. Quanto ainda à participacão, “Os mecanismos de participação dos cidadãos na vida do país não têm que estar apenas bonitos no papel. Tem que funcionar”, frisou, Jaiantilal, um antigo macro-economista sénior do Banco Mundial no período 2000-2003, e Director de Estudos Estatísticas do Banco de Moçambique até 1990. Segundo Jaiantilal, vários estudos têm demonstrado que o propalado crescimento económico se restringiu apenas a certas camadas da sociedade. Foi, segundo ele, um crescimento que criou poucos empregos novos, e falhou em criá-los em número minimamente necessário para fazer face a toda a demanda que existe, derivada, não só do processo de privatização das empresas que levou ao despedimento de dezenas de milhares de trabalhadores, mas também do crescimento demográfico que o país assiste. Todavia, para o também Coordenador Científico do Instituto de Investigacão para o Desenvolvimento José Negrão, conhecido também como Cruzeiro do Sul, registam-se avanços em algumas áreas sociais como p.e. na área da Educação, em termos de acesso ao ensino primário, mas persistem problemas ao nível da sua expansão, por exemplo, no ensino secundário e a outros níveis de educação. “Este grupo de estudantes que acaba o ensino primário e que não tem lugar na ensino secundário, acaba por ter que encontrar outras formas de sobrevivência. Imigrando, por exemplo, para os grandes centros urbanos, e dedicando-se como muitas outras mulheres e homens ao sector informal”. Aliada a questão da educação, o professor é igualmente crítico às políticas agrárias seguidas pelo Estado, que para ele não foram das mais bem sucedidas. No seu entender, nos vários anos de implementação dos programas de reajustamentos económicos, o país não conseguiu resolver o problema de como o sector familiar pode produzir e comercializar mais por hectar de terra para que ela possa se beneficiar ainda mais. “Porque é que este processo não avançou? Como é que nunca resolvemos o problema da comercialização agrícola? Havia o sistema dos cantineiros que no período colonial, embora com os seus problemas de exploração em termos de troca, mas conseguiu levar ao mercado a produção camponesa. Eliminado o sistema estatal praticamente nada foi estruturado quer em termos de vias de escoamento quer em termos de um sistema eficiente e incentivador da produção dos pequenos agricultores, para colmatar as falhas do mercado existente. Até hoje continuamos a ter problemas de comercialização dos produtos agrícolas o que não incentiva as pessoas a melhorarem a produtitividade. Porquê produzir mais e melhor se a produção vai apodrecer no campo? Portanto, estas questões não foram devidamente resolvidas e então há uma migração campo-cidade cada vez maior para as cidades. “Hoje uma das grandes características do problema da pobreza em Moçambique, e são vários os estudos que têm demonstrado isso, é que a pobreza urbana está a aumentar ainda mais rapidamente do que a já proverbial pobreza rural. E a situação seria pior se não tivesse havido uma Lei de Terras favorável à segurança dos direitos costumeiros de ocupação e uso de terras. Mas note-se que com o aumento da procura de terras pelo sector privado para açambarcamento ou para projectos ligados ao bio-diesel e outros, há cada vez mais uma disputa de terras que ameaçam estes direitos legalmente reconhecidos, mas relativamente mal protegidos na prática”, entende Jaiantilal. Pobres da zona rural, para a zona urbana O professor defende que a situação da pobreza urbana em Maputo (recentemente abordada por uma equipa de pesquiadores que incluía uma Investigadora do Cruzeiro do Sul, numa pesquisa intitulada “XiculungoPobreza Urbana em Maputo”) é mais uma amostra de que a situação não está boa, em termos de precaridade e vulnerabilidade de uma grande maioria dos citadinos do Grande Maputo, o que pode resvalar para situações de convulsões sociais como os que temos estado a assistir recentemente. Indica, por exemplo, que os dados do Inquérito aos Agregados Familiares, levado a cabo pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) desmonstram o aumento das disigualdades em Maputo e da falta de criação de empregos. “Esses dados já existem. Só quem não os lê, no sentido de usá-los para determinar políticas mais adequadas para resolver os problemas que existem, é que pode ficar surpreendido com as situações mais recentes que têm acontecido no nosso país e em particular em Maputo”, frisa. No entender do economista, o problema principal é que parece haver uma certa preocupação das pessoas que estão nos cargos de direcção do aparelho estatal de usar o argumento da mão estranha” para se refugiarem e não fazerem análises e tomar medidas apropriadas que poderiam depois ser discutidas com os parceiros de internacionais de cooperação. “Se calhar, mais do que puro comodismo, ou outra coisa, será uma questão dos interesses particulares que estas pessoas têm nos nossos ministérios de tentar usar esses locais do Estado para resolver os seus próprios problemas e não os problemas do povo”. Para ele, tem que haver um processo credível e eficaz em problemas e de políticas que sejam discutidas e amplamente partilhadas com os parceiros sociais, nomeadamente, sindicatos, sociedade civil e com todos os agentes económicos de forma a que estas forças vivas se apropriem das soluções a que se forem chegando. Sobre os alegados condicionalismos impostos por doadores e instituições internacionais, como o BM e o FMI, Dipac Jaiantilal entende que é evidente que os parceiros internacionais de cooperação irão defender o interesse de quem detém os fundos de ajudas, mas é necessário que o Estado e as forças vivas mencionadas se façam sentir através de discussões e diálogos sérios, e não “para inglês ver”. Citou o exemplo da indústria do açúcar, onde estavam em causa vários milhares de empregos. “Quando algumas forças internas conseguiram, de facto, que o Governo pegasse nesta questão a sério, foi possível discutir e evitar o colapso da indústria do açúcar em Moçambique”. “Eu, por exemplo, já estive a trabalhar em organizações internacionais, como o Banco Mundial. Conheço essas instituições por dentro, sobretudo, as margens de discussão e negociação. Só que ela (a discussão) deve ser bem fundamentada. É preciso fazer um trabalho de casa”, aconselhou. Questionado se é ou não é lícito fazer uma relação de causa efeito entre as políticas do BM e do FMI e as convulsões sociais que tomaram conta do país, Jaiantilal entende que não é tão linear. “Há uma responsabilidade em parte dessa ideologia neo-liberal no sistema económico mundial deste período dominado pelas forcas de um certo tipo de globalização excludente, que assumiu a ascendência máxima na era de Reagan, nos Estados Unidos, mas é preciso reconhecer que essa ideologia até já foi absorvida por muitos agentes do Estado, que ingenuamente ou não, parecem acreditar que tudo deve ser entregue ao sector privado. “Infelizmente, porque houve uma série de problemas no período anterior que levaram a uma exagerada concentração de produção no sector estatal, conjugada com os problemas de guerra. Então o pêndulo, na mente de muitos moçambicanos, virou no sentido oposto, o de virar para um mercado totalmente livre e aberto, quando nós sabemos que o mercado deve ser, não só regulado, mas também, onde não existe condições para esse mercado funcionar de forma completa por várias falhas de mercado, o Estado assumir o seu papel e criar condições para que os problemas sejam resolvidos e para que simultaneamente o sector privado possa desempenhar o seu papel. No entanto, não vejo na actuação do nosso Estado essa reflexão. O que existem é uns lançarem a culpa sobre os outros, consoante as conveniências políticas do momento”. Agora já temos um Estado refém dos chapas? “Em relação à questão dos transportes o Estado de facto eximiu-se das suas responsabilidades no tocante aos transportes públicos urbanos (mas não só). Há muito tempo se fala dos problemas que existem em relação aos “chapas”, mas as soluções nunca foram trazidas. Nunca houve interesse real para que se criassem capacidades, recursos e se juntassem os fundos requeridos para resolver os problemas. Não é que o país hoje não tenha fundos do orçamento - tanto internos, como da cooperação - com os quais possam-se fazer alocuções que reflictam melhor as prioridades internas do país. Nos anos recentes os doadores estão a optar pelo budget support (transferência de fundos sem uma alocação pré-definida para projectos específicos ou seja transferir recursos directamente para o orçamento do Estado em volumes cada vez maiores). Quem elabora o orçamento do Estado prevê um conjunto de receitas, faz a alocação por sectores em termos de despesas por prioridades, em termos de actividades específicas, por programa de desenvolvimento e de redução de pobreza. Os Estados têm neste sistema uma margem de manobra maior que nos sistemas de assistência internacional anterior, margem que deveriam usar melhor, mas que não pelo que nos é dado ver, não estão a usá-la devidamente, e não será por preguiça mental, mas quiçá porque não há interesse real dos agentes do Estado. Em qualquer país digno desse nome não é possível em cidades grandes metropolitanas como Maputo não haver transportes públicos, para as classes mais desfavorecidas se deslocarem para o centro da cidade a partir dos seus locais de habitação que geralmente estão na periferia a preços acessíveis. Esses percursos são importantes para a vida económica das cidades e são importantes para a sobrevivência desses cidadãos. Portanto, tem que haver um subsídio implícito ou explícito. Qualquer Governo tem a sua frota de transportes públicos. Noutros países, nas zonas metropolitanas, os transportes mais baratos até são os metros, ou os próprios autocarros que pertencem a empresas públicas ou municipalizadas. A questão da gestão é possível resolver e contratar uma gestão eficiente para esse serviço público. Nós conhecemos serviços públicos eficientes em países africanos, como, por exemplo, a África do Sul. Nos Estados Unidos, o país mais capitalista do mundo, cada cidade de cada Estado tem um serviço público que é gerido pela municipalidade. Não são desenvolvidos somente pelo sector privado porque os serviços básicos não são lucrativos. Então qual é a solução para Maputo e outros centros urbanos de maior concentração populacional? Ou o Estado toma conta do serviço, ou combina com o sector privado. Esta última é a melhor solução, para que haja uma competição para que o próprio sector estatal mantenha a sua própria eficiência. É isso que os países geralmente fazem como solução para os problemas dos transportes urbanos. Portanto é preciso pôr de lado a ideia de que o transporte só pode ser funcional se for com o sector privado, porque isso não acontece em parte nenhuma do mundo. Ou se acontece cria problemas que estamos a ver agora em Maputo em que de facto se atirou a responsabilidade para o sector privado, mas não se criaram mecanismos de compensação que permitisse que esse sector privado pudesse disponibilizar esse serviço a preços mais acessíveis. Mas o Governo já avançou com uma política de compensação… O que tem havido ao longo das várias crises que têm ocorrido ao longo dos anos é haver de facto, uma certa cumplicidade do Estado ora com o sector privado dos transportes, ora com o público utente, consoante as vantagens políticas que isso trazia para o momento. Mas não há uma política coerente e clara na (dinâmica de) resolução desse problema. Isto para não falar de outras questões adjacentes que precisam de um melhor equacionamento para a resolucão da carestia do preço de combustível, fonte primária dos sucessivos aumentos. Tais questões relacionam-se com a alteração da forma e fórmula de ajustamento automático dos preços em funcão do preço internacional, com a incidência dos impostos sobre o combustível que obrigam mais do que duplicar o preço ao consumidor, e outras questões no domínio de políticas públicas que, aliás, a maior parte dos governos dos países não produtores de petróleo está a equacionar e a resolver como lhe compete. Não há dúvidas que estas negociações estão sendo feitas sob pressão e as soluções que saírem não podem ser esperadas como sendo as melhores. São soluções de recurso e cada parte parece querer transferir responsabilidades para outra. Mais uma vez o Estado parece querer transferir responsabilidades para as associações. Neste momento não estão claras, não estão transparentes as soluções encontradas. Os órgãos noticiosos, por exemplo, noticiaram que houve um concurso - lançado pelas Associações de Transportadores por acordo com o Governo - em que a Petromoc e a BP apresentaram propostas. Isto de facto seria inconcebível numa solução normal, e que seria escolhida uma delas como distribuidora exclusiva. Criar-se mais um monopólio? A teoria económica demonstra que os monopólios só trazem menores quantidades em maiores preços, para não falar das dificuldades se os chapeiros abastecessem numa só empresa. Essa solução não tem coerência económica. É contra as políticas de competição. E veja-se a regionalização das soluções, quando por exemplo a Beira (e outras cidades e outras rotas interurbanas) deveriam também ser bem equacionadas nas soluções a encontrar. A gestão desse problema não pode ser feita de forma ad hoc. Está sendo feita sob pressão porque no passado não se fizeram esses estudos. Houve tempo suficiente desde as primeiras manifestações que ocorreram nos arredores de Maputo há vários anos atrás, até as mais recentes que são no centro de Maputo e têm estado a expandir-se pelo país. Houve tempo suficiente se como seria normal tivesse havido real interesse para resolver e equacionar da mesma forma como o que os outros países fazem. Há várias soluções. Há vários estudos sobre soluções que se têm adoptado e que passam pela revisão da forma de ligação entre os preços internacionais e internos, a questão da tributação do petróleo das margens das gasolineiras, do balanço entre os sistemas privados e estatal, neste caso específico na área dos transportes de passageiros, incluindo política de carga, política de preços na área dos transportes, porque tem repercussões importantes, não só na vida das pessoas, mas também nos preços em que os produtos vão chegar ao resto da população”. SAVANA – 29.02.2008