Revista Matéria, v. 9, n. 4, pp. 305 – 314, 2004 http://www.materia.coppe.ufrj.br/sarra/artigos/artigo10611 ISSN 1517-7076 Estudo do Comportamento em Fadiga Oligocíclica da Liga Ti-13V-11Cr-3Al A.R. SILVA JR1; D.L.S. OLIVEIRA1; C.A.R.P. BAPTISTA1; M.J.R. BARBOZA1; M.A.S. TORRES2 1 FAENQUIL - Faculdade de Engenharia Química de Lorena Departamento de Eng. de Materiais, cx. postal 116, CEP 12.600-000 - Lorena/SP, Brasil 2 FEG/UNESP - Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá Depto. de Mecânica, Av. Ariberto P. Cunha, 333, CEP 12.500-000, Guaratinguetá/SP, Brasil e-mail: [email protected] RESUMO O titânio e suas ligas possuem excelente relação resistência/massa específica e resistência à corrosão, o que torna esses materiais atraentes ao emprego estrutural, notadamente no setor aeroespacial. As ligas Ti-β, dentre as quais a liga Ti-13V-11Cr-3Al é uma das mais bem sucedidas comercialmente, podem ter suas propriedades mecânicas controladas por meio de tratamentos térmicos. Estas constituem um dos grupos mais promissores de ligas de titânio em termos de processamento, propriedades e aplicações potenciais, apresentando os mais altos níveis de resistência mecânica. A avaliação do comportamento em fadiga por meio de testes controlados pela deformação, geralmente denominados ensaios de fadiga de baixo ciclo, é considerada atualmente a forma mais eficaz para a determinação das propriedades de fadiga de um material. No presente trabalho, realizou-se um estudo comparativo do comportamento em fadiga de baixo ciclo da liga Ti-13V-11Cr-3Al em duas condições: endurecido e recozido. O material foi recebido na forma de barras com diâmetro 7,6 mm, as quais foram tratadas termicamente a vácuo (750°C/1h) de forma a privilegiar a ductilidade. Após o tratamento térmico, os grãos β, inicialmente alongados, adquiriram um aspecto equiaxial. Medidas de microdureza Vickers foram realizadas para as duas condições microestruturais. Ensaios uniaxiais de ciclo totalmente reverso e com controle de deformação total foram realizados com o objetivo de determinar as curvas de Coffin-Manson e as propriedades de fadiga de baixo ciclo do material. As curvas tensão-deformação cíclicas foram determinadas a partir dos bicos dos laços de histerese estáveis. Uma análise detalhada dos laços de histerese coletados durante os ensaios foi realizada para se avaliar as tensões internas associadas à evolução da estrutura de defeitos. Palavras chaves: Ligas de titânio, propriedades mecânicas, fadiga de baixo-ciclo, tensões internas. Study of the Behavior of the Ti-13V-11Cr-3Al Alloy in Low-Cycle Fatigue ABSTRACT Titanium-based alloys show excellent strength-to-weight ratio and corrosion resistance, and hence are very attractive for structural applications, especially in aerospace industry. Ti-13V-11Cr-3Al is one of the most successful β-type alloys, which is the most promising group of titanium alloys in terms of processing, properties and potential applications and whose mechanical properties can be optimized by means of heat treatments. The use of strain-controlled experiments (low-cycle fatigue tests) is the most effective method for the fatigue behavior assessment and fatigue properties determination of a given metallic material. The aim of the present work was to perform a comparative evaluation of the low cycle fatigue behavior of Ti-13-11-3 alloy in two conditions: age hardened and annealed. The material was received in form bars with 7.6 mm in diameter, part of which was heat-treated in a vacuum furnace (750°C/1h) in order to improve the ductility. The β grains, which had elongated shape in the as-received condition, became equiaxiaxed after annealing. Totally reversed strain-controlled tests were performed in order to determine the Coffin-Manson curves and the fatigue properties of the alloy in both microstructural conditions. The cyclic stress-strain curves were obtained by joining the tips of the stable hysteresis loops. A detailed analysis of the collected hysteresis loops allowed one evaluating the internal stresses related to the dislocation structure evolution. Keywords: Titanium alloys, mechanical properties, low-cycle fatigue, internal stresses. Autor Responsável: C.A.R.P. BAPTISTA SILVA JR, A.R., OLIVEIRA, D.L.S., BAPTISTA, C.A.R.P., BARBOZA, M.J.R., TORRES, M.A.S., Revista Matéria, v. 9, n. 4, pp. 305 – 314, 2004. 1 INTRODUÇÃO O titânio e suas ligas possuem excelente relação resistência/massa específica e resistência à corrosão, o que torna esses materiais atraentes ao emprego estrutural, notadamente no setor aeroespacial. As ligas Ti-β, dentre as quais a liga Ti-13V-11Cr-3Al é uma das mais bem sucedidas comercialmente, podem ter suas propriedades mecânicas controladas por meio de tratamentos térmicos. Estas constituem um dos grupos mais promissores de ligas de titânio em termos de processamento, propriedades e aplicações potenciais, apresentando os mais altos níveis de resistência mecânica [1,2,3]. Em temperatura ambiente o titânio apresenta-se com estrutura HC (fase α), que se transforma em CCC (fase β) a 1156 K. A adição de elementos de liga visa basicamente a manutenção de uma ou outra fase. A manipulação microestrutural das ligas de titânio através de tratamentos térmicos baseia-se na nucleação e crescimento da fase α a partir de β ao se resfriar o material. A transformação martensítica também é possível quando a fase β é resfriada rapidamente. Dois tipos de martensita podem ser formados: α’ (HC) e α’’ (ortorrômbica) [4,5,6]. A liga Ti-13V-11Cr-3Al solubilizada apresenta resistência à tração da ordem de 700 MPa e alongamento de 40%. Após envelhecida, o limite de resistência ultrapassa 1,2 GPa, com um alongamento de 8% [6,7]. Os materiais metálicos, quando sujeitos à deformação plástica cíclica, podem falhar por fadiga mesmo que as tensões aplicadas sejam muito inferiores ao seu limite de resistência à tração. A descrição do comportamento em fadiga é um dos aspectos mais importantes a serem considerados na prevenção de falhas em serviço e nas questões fundamentais de segurança e economia envolvendo metais e ligas para uso estrutural. As alterações nas propriedades dos materiais desencadeadas no processo de fadiga geralmente atingem valores de saturação e estão condicionadas pela deformação plástica cíclica, que é o resultado da movimentação e interação de discordâncias. As mudanças mais importantes dizem respeito às propriedades mecânicas do material e podem ser avaliadas por meio de medições contínuas do laço de histerese durante o carregamento cíclico em ensaios controlados pela deformação. Dependendo do estado inicial do componente, o material pode sofrer amolecimento ou endurecimento cíclico, ou ainda permanecer estável. Não é incomum ocorrerem os três eventos em um mesmo material, dependendo das condições iniciais e dos parâmetros de carregamento cíclico [8]. O amolecimento e o endurecimento cíclicos também podem ser avaliados comparando-se as curvas tensão-deformação monotônica e cíclica de um material. Dentre as técnicas disponíveis para a previsão da vida em fadiga de materiais e componentes, o método ε/N é sem dúvida um dos mais importantes, pois considera a fadiga de alto-ciclo (descrita pela lei de Basquin) e de baixo-ciclo (descrita pela equação de Coffin-Manson) numa única expressão, além de ser empregado nas análises de deformação local, nas quais se consideram as deformações atuantes no ponto crítico de componentes (causadas por concentradores de tensão) para se prever o número de ciclos necessários para iniciar uma trinca [9,10]. Este método parte do laço de histerese estável, no qual a amplitude de deformação total é dada pela soma das parcelas elástica e plástica, expressa pela equação (1). A forma de representação mais aceita da curva de fadiga foi proposta por Morrow [11] e é dada pela equação (2), onde E é o módulo de Young, 2Nf é o número de reversões para a falha, σ’f e ε’f são os coeficientes de resistência e ductilidade à fadiga e b, c são respectivamente os expoentes de resistência e ductilidade à fadiga. ε at = ε ae + ε ap ε at = σ ′f E (2 N f )b + ε ′f (2 N f )c (1) (2) Os processos de amolecimento e endurecimento cíclico se manifestam pela variação da amplitude de tensão necessária para causar uma dada amplitude de deformação. Mesmo para parcelas da vida em fadiga em que a tensão de pico se mantém constante existe uma contínua alteração microestrutural no material. A tensão externa aplicada deve estar em equilíbrio com as tensões internas, as quais podem ser subdivididas de acordo com a distância em que elas são efetivas. Para se movimentarem, as discordâncias devem superar campos de tensões internas de diferentes alcances. Esse conjunto de tensões é considerado em termos de dois componentes principais: tensões de curto alcance, que podem ser superadas por ativação térmica e, portanto, dependem da temperatura e da taxa de deformação, e tensões de longo alcance, que dependem apenas da deformação [9]. Informações quantitativas sobre tensões internas podem ser obtidas ao se analisar o formato dos laços de histerese elasto-plástica. Aplica-se neste caso uma técnica simples proposta por Cottrell para avaliar dois parâmetros importantes no comportamento das discordâncias em metais submetidos à fadiga: a tensão de atrito σf e a tensão de recuo σb. Metalurgicamente, o termo tensão de atrito é usado para denominar tensões que se opõem ao deslizamento planar devido a distorções da rede cristalina, sendo, portanto de curto alcance. Feaugas e Clavel [12] afirmam que σb pode ser relacionada a um processo de deformação local que 306 SILVA JR, A.R., OLIVEIRA, D.L.S., BAPTISTA, C.A.R.P., BARBOZA, M.J.R., TORRES, M.A.S., Revista Matéria, v. 9, n. 4, pp. 305 – 314, 2004. induz interações de longo alcance com discordâncias móveis. Em termos metalúrgicos, ela refere-se à tensão que se opõe à movimentação de discordâncias devido ao empilhamento de discordâncias de mesmo sinal. Enquanto a primeira é independente do sentido da deformação, a tensão de recuo muda de sinal durante cada reversão. Ela sempre atinge seu valor máximo no ponto de máxima deformação do ciclo de fadiga, atuando de forma a reduzir a tensão de escoamento no sentido reverso. Por ser de natureza elástica, ela logo decresce durante a deformação reversa (a qual tem o mesmo sentido que ela) e então torna a aumentar, agora no sentido oposto, de forma a se opor à continuidade da deformação. A tensão de recuo é, portanto, sempre direcionada a causar um efeito de Bauschinger [13]. Considerando a tensão de pico como a amplitude de tensão no ciclo de carregamento, σa, e designando por σe a tensão de escoamento durante a deformação cíclica, as tensões de atrito e de recuo podem ser calculadas de acordo com as equações (3) e (4). Deve-se ressalvar que o valor da tensão de escoamento é um tanto arbitrário, uma vez que depende do método adotado para definir o início da deformação plástica. Essa limitação não impede que, ao se adotar um mesmo critério ao longo dos ensaios realizados, ao menos os valores relativos das tensões de atrito e de recuo calculados por meio dessas equações tenham significado [14]. Além disso, Pedersen e Carstensen [15], ao estudar o comportamento cíclico de uma liga de titânio α+β, observaram uma razoável concordância entre os resultados obtidos por esta técnica e as análises de tensões internas feitas segundo um modelo estáticodinâmico aplicado à teoria de Eshelby. Neste caso, consideram-se as estruturas de discordâncias induzidas pela deformação cíclica, e o modelo empregado tem a vantagem de permitir a introdução de informações quantitativas obtidas via microscopia eletrônica de transmissão. σ f = σb = (σ a − σ e ) 2 (3) (σ a + σ e ) 2 (4) O presente trabalho teve como objetivo realizar um estudo comparativo do comportamento em fadiga de baixo ciclo da liga Ti-13V-11Cr-3Al em duas condições microestruturais: encruado e recozido. As propriedades de fadiga do material foram levantadas por meio de ensaios controlados pela deformação total. As curvas deformação-vida e a curva tensão-deformação cíclica foram determinadas experimentalmente a partir dos laços de histerese elasto-plástica. A técnica de Cottrell foi empregada na análise do comportamento tensões internas e de como estas evoluem durante o amolecimento e endurecimento cíclicos nas duas condições do material. 2 MATERIAL E MÉTODOS No desenvolvimento experimental do trabalho empregou-se a liga Ti-13V-11Cr-3Al, recebida na forma de barras cilíndricas com 7,6 mm de diâmetro, das quais algumas foram separadas para tratamento térmico a vácuo. Análise química por ICP para os teores de V, Cr, Al e Fe, além do Ti, indicou que estes estão dentro das faixas estabelecidas pela especificação AMS 4917. Antes do tratamento térmico as barras foram lixadas, limpas com acetona e inseridas em tubos de quartzo. Em seguida, esses tubos foram introduzidos em um forno tubular a vácuo (10-3 torr) e mantidos por 1 hora na temperatura de 750ºC. Após esse período, os tubos foram retirados do forno e as barras resfriadas ao ar calmo. Realizaram-se análises metalográficas e testes de microdureza e tração do material em ambas as condições: como recebido (envelhecido) e recozido. Observou-se no primeiro caso uma estrutura de grãos alongados, conforme mostra a Figura 1 (a), indicativa de que as etapas finais do processo de conformação plástica deram-se abaixo da temperatura de recristalização. No material tratado termicamente, foi observada uma estrutura granular equiaxial, Figura 1 (b), indicando que o material foi recristalizado durante o tratamento térmico. Os ensaios de microdureza Vickers (10g, 20s, 10 medidas em cada amostra) resultaram em valores superiores para a condição como recebido, mas em ambos os casos não apresentaram variação significativa entre as seções longitudinal e transversal, conforme indicado na Tabela 1. As propriedades mecânicas do material, obtidas nos ensaios de tração, são apresentadas na Tabela 2. Nota-se a significativa redução da resistência mecânica e o aumento da ductilidade proporcionados pelo tratamento térmico de recozimento. O limite de resistência à tração no material na condição envelhecida ficou um pouco acima do nível apresentado na literatura [6,7]. O tratamento térmico também propiciou uma redução no módulo de Young em relação à microestrutura envelhecida, o que é uma característica de ligas Ti-β. Quanto ao comportamento tensão-deformação real, o material recozido apresentou um expoente de encruamento ligeiramente superior ao do material envelhecido, embora ambos os valores sejam considerados baixos. 307 SILVA JR, A.R., OLIVEIRA, D.L.S., BAPTISTA, C.A.R.P., BARBOZA, M.J.R., TORRES, M.A.S., Revista Matéria, v. 9, n. 4, pp. 305 – 314, 2004. (a) (b) Figura 1: Microestrutura (seção longitudinal) do material nos estados: (a) Como recebido e (b) Recozido. Tabela 1: Medidas de Microdureza da Liga Ti-13V-11Cr-3Al. Amostra / Condição Como Recebido Recozido Seção Transversal 464 ± 11 324 ± 07 Seção Longitudinal 472 ± 11 324 ± 11 Tabela 2: Propriedades Mecânicas da Liga Ti-13V-11Cr-3Al. Propriedade / Condição Como Recebido Recozido Limite de escoamento, σe (MPa) 1.472 936 Limite de resistência, σt (MPa) 1.544 940 105.357 92.487 Redução em área, RA (%) 16,3 36,7 Tensão de fratura real, σf (MPa) 1.758 1.041 Deformação plástica real de fratura, εf 0,066 0,459 Coeficiente de resistência, K (MPa) 1.767 1.064 Expoente de encruamento, n 0,029 0,041 Módulo de Young, E (MPa) Os corpos-de-prova para os ensaios de fadiga foram usinados na forma e dimensões indicadas na Figura 2 e seguiram as recomendações da norma ASTM E 606. Após a usinagem, os corpos-de-prova sofreram acabamento com as lixas 320, 400, 600, 800, 1200 e 2400 em sequência, visando uniformizar a rugosidade, sendo usado como padrão de procedimento a ausência de riscos visíveis até um aumento de 20x ao estereoscópio. 308 SILVA JR, A.R., OLIVEIRA, D.L.S., BAPTISTA, C.A.R.P., BARBOZA, M.J.R., TORRES, M.A.S., Revista Matéria, v. 9, n. 4, pp. 305 – 314, 2004. Figura 2: Forma e dimensões (mm) dos corpos-de-prova utilizados. Os ensaios mecânicos foram realizados ao ar à temperatura ambiente, com o emprego de um sistema servo-hidráulico MTS 810.23M. Para os ensaios de fadiga oligocíclica, adotou-se carregamento controlado pela deformação total com ciclo totalmente reverso e freqüência de 0,2 Hz. A deformação foi medida durante cada ensaio por meio de um extensômetro axial MTS modelo 632.26F-21. Na análise dos laços de histerese coletados durante os ensaios, as parcelas elástica e plástica da deformação foram determinadas de acordo com o método da AECMA, conforme descrito por Kandil [16] e representado na Figura 3. Em cada ensaio, avaliou-se o laço de histerese gravado correspondente ao número de ciclos mais próximo de 50% da vida da peça. As retas que determinam a variação da deformação plástica Δεp, mostradas na Figura 3, foram obtidas por meio do ajuste linear do conjunto de pontos situados entre 0,4 e 0,8 vezes a amplitude de tensão, para ambas as parcelas (trativa e compressiva) do ciclo de deformação. As amplitudes de deformação elástica, plástica e total, tratadas nas equações (1) e (2), são tomadas simplesmente como a metade das correspondentes variações de deformação determinadas a partir dos laços de histerese. 1000 800 600 Tensão (MPa) 400 200 0 Δεp -200 -400 -600 -800 Δεt -1000 -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 Deformação (mm/mm) Figura 3: Método empregado para determinar as parcelas elástica e plástica da deformação cíclica. O valor de σa empregado nas equações (3) e (4) foi determinado tomando-se a tensão máxima da parcela trativa do ciclo de deformação. Para a determinação da tensão de escoamento, adotou-se o deslocamento de 0,1% da reta empregada na determinação de Δεp, conforme mostra a Figura 4. Em cada ensaio, foram avaliados os laços coletados com 1, 10, 20, 30, 40, 50, 60, 70, 80 e 90% da vida da peça, com o 309 SILVA JR, A.R., OLIVEIRA, D.L.S., BAPTISTA, C.A.R.P., BARBOZA, M.J.R., TORRES, M.A.S., Revista Matéria, v. 9, n. 4, pp. 305 – 314, 2004. objetivo de se verificar a evolução das tensões de atrito e de recuo. Deve-se ressaltar que, muito embora a tensão de escoamento seja obtida de forma um tanto arbitrária, a adoção de um valor fixo para o deslocamento da reta (offset) garante ao menos que a variação relativa entre os valores das tensões de atrito e de recuo seja avaliada com precisão. 1000 σa σ (MPa) 500 0 σe -500 -1000 -0,03 -0,02 -0,01 0,00 0,01 0,02 0,03 ε (mm/mm) Figura 4: Determinação da amplitude de tensão σa e da tensão de escoamento σe. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Independente da condição microestrutural, o material estudado se comportou de duas formas distintas na faixa de deformações analisada. Para os níveis inferiores (até εat = 0,014), observou-se uma tendência à assimetria do laço de histerese estabilizado com as tensões de pico em tração assumindo valores absolutos até 100% maiores que os da tensão de pico em compressão, num comportamento que reproduz o efeito de Baushinger. Essas tensões evoluíram de forma oposta durante os ensaios, com o aumento progressivo do pico de tração sendo acompanhado pela redução progressiva (em valor absoluto) do pico de compressão. Porém, o aumento do pico de tração não foi suficiente para compensar a redução do pico compressivo, ou seja, houve uma redução na variação da tensão no ciclo de deformação. Estas características do comportamento cíclico não estão necessariamente associadas à estrutura de grãos alongados do material como recebido, visto que se reproduziram da mesma maneira para o material recozido, alterando-se apenas os patamares dos picos de tensão. Nos níveis superiores de deformação cíclica (0,015 em diante), os laços de histerese se mantiveram simétricos e o comportamento mecânico foi caracterizado por um amolecimento cíclico. Se este comportamento pode ser associado à dissolução ou cisalhamento de precipitados no material envelhecido, é surpreendente que persiste de forma similar no material recozido. As curvas tensãodeformação cíclicas de ambas as condições do material apresentaram o mesmo formato, conforme mostrado na Figura 5. Observa-se que na região de baixas deformações a tensão diminui com o aumento da deformação. Após um patamar de tensão aproximadamente constante, pode-se observar, para as amplitudes de deformação maiores, que o pico de tensão aumenta com o aumento da deformação. Observa-se ainda na Figura 5 que este comportamento pode ser grosseiramente associado aos laços de histerese: a tensão tende a ser decrescente na região de deformação correspondente aos laços assimétricos e crescente nas deformações em que os laços são simétricos. 310 SILVA JR, A.R., OLIVEIRA, D.L.S., BAPTISTA, C.A.R.P., BARBOZA, M.J.R., TORRES, M.A.S., Revista Matéria, v. 9, n. 4, pp. 305 – 314, 2004. 1800 Endurecido Recozido 1600 Tensão (MPa) 1400 1200 1000 800 600 Laços de Histerese Assimétricos 400 0,005 0,010 Laços de Histerese Simétricos 0,015 0,020 0,025 0,030 Deformação (mm/mm) Figura 5: Comportamento tensão-deformação cíclico das duas condições do material. As propriedades de fadiga do material foram obtidas por meio do ajuste linear dos pontos log(εa) versus log(2Nf) obtidos, para cada ensaio, a partir do laço de histerese correspondente à metade da vida em fadiga da amostra. Os resultados são apresentados na Tabela 3. As curvas de fadiga de baixo ciclo do material, em ambas as condições testadas, são mostradas nas Figuras 6 e 7. Observa-se que a vida de transição, que delimita os regimes de baixo e alto ciclo, é cerca de 10 vezes maior para o material recozido. A amplitude de deformação total correspondente a 104 reversões é de 7,62 × 10-3 para o material como recebido e de 7,38 × 10-3 para o material recozido, caracterizando uma resistência à fadiga ligeiramente superior do material endurecido. Tabela 3: Propriedades de fadiga de baixo ciclo da liga Ti-13V-11Cr-3Al. Propriedade/Condição Como Recebido Recozido σ’f (MPa) 2.758 997 b -0,134 -0,042 ε’f 0,539 0,907 c -1,314 -1,043 311 SILVA JR, A.R., OLIVEIRA, D.L.S., BAPTISTA, C.A.R.P., BARBOZA, M.J.R., TORRES, M.A.S., Revista Matéria, v. 9, n. 4, pp. 305 – 314, 2004. 0 εp εe εt Log (Δε/2) -1 -2 -3 -4 2 4 3 2 10 1 10 104 3 10 Log (2Nf) Figura 6: Curvas de fadiga de baixo ciclo do material na condição “Como Recebido”. 0 εp εe εt Log (Δε/2) -1 -2 -3 -4 10 1 2 10 2 3 10 3 4 10 4 5 10 5 Log (2Nf) Figura 7: Curvas de fadiga de baixo ciclo do material na condição “Recozido”. Análises do comportamento dos laços de histerese mostraram que as tensões internas também evoluíram de modo similar para ambas as condições do material, ver Figura 8, onde σp é a tensão de pico, σf a tensão de atrito e σb a tensão de recuo. Tanto nos ensaios com baixa amplitude de deformação, Figuras 8 (a) e 8 (b), quanto nos ensaios com amplitude acima de 0,015, Figuras 8 (c) e 8 (d), observou-se que a tensão de recuo foi sempre muito superior à tensão de atrito. Esta última, que apresentou comportamento crescente durante os ensaios, assumiu valores em torno de 300 MPa para o material como recebido e 200 MPa para o material recozido. A tensão de recuo apresentou tendência decrescente e foi muito superior no material como recebido em relação ao material recozido, assumindo valores acima de 1.000 MPa no primeiro e de 600 MPa 312 SILVA JR, A.R., OLIVEIRA, D.L.S., BAPTISTA, C.A.R.P., BARBOZA, M.J.R., TORRES, M.A.S., Revista Matéria, v. 9, n. 4, pp. 305 – 314, 2004. no segundo. Isto significa que as interações de longo alcance contribuem para a maior resistência mecânica do material endurecido. A tensão de recuo apresenta uma taxa de queda mais acentuada para as amplitudes de deformação maiores, sendo este fato responsável pelo amolecimento cíclico do material. 1000 1400 900 1200 800 700 Tensão (MPa) Tensão (MPa) 1000 800 σp σf σb 600 ε = 1,2 % 600 500 σp σf σb 400 300 400 ε = 1,2 % 200 200 100 0 20 40 60 80 0 100 20 40 60 80 100 80 100 Vida (%) Vida (%) (a) Endurecido – 1,2% (b) Recozido – 1,2% 1000 1600 1400 800 Tensão (MPa) Tensão (MPa) 1200 1000 σp σf σb 800 600 ε = 1,6 % 600 σp σf σb 400 ε = 1,6 % 400 200 200 0 20 40 60 Vida (%) (c) Endurecido – 1,6% 80 100 0 20 40 60 Vida (%) (d) Recozido – 1,6% Figura 8: Evolução das tensões internas com a deformação cíclica. 4 CONCLUSÃO Embora o recozimento a vácuo tenha promovido grandes alterações na microestrutura e propriedades em tração da liga Ti-13-11-3 em relação ao material como recebido (a recristalização tornou os grãos equiaxiais, os limites de resistência e escoamento caíram e a ductilidade aumentou significativamente), o comportamento cíclico deste material apresentou grande similaridade entre ambas as condições analisadas. Para amplitudes de deformação total até 0,014, observou-se uma tendência à assimetria dos laços de histerese (efeito de Bauschinger). Em amplitudes de deformação maiores as amostras apresentaram um amolecimento inicial seguido de estabilização do comportamento cíclico. As propriedades de fadiga, determinadas a partir da equação de Coffin-Manson, indicam maior resistência à fadiga do material endurecido no regime de alto ciclo e tendência inversa no regime de baixo ciclo. A tensão de recuo apresentou valores bem superiores aos da tensão de atrito e tendência decrescente, a qual foi associada ao amolecimento cíclico do material. A continuidade deste trabalho deverá detalhar as análises microestruturais e introduzir análises fractográficas via MEV, visando aprofundar metalurgicamente a análise dos comportamentos observados. 313 SILVA JR, A.R., OLIVEIRA, D.L.S., BAPTISTA, C.A.R.P., BARBOZA, M.J.R., TORRES, M.A.S., Revista Matéria, v. 9, n. 4, pp. 305 – 314, 2004. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] BURTE, H. M.; EYLON, D. Compatibility of Energy and Aerospace Interests in Titanium, Journal of Metals, V34(1), p.20-22, 1982. [2] EYLON, D.; VASSEL, A.; COMBRES, Y.; BOYER, R. R.; BANIA, P. J.; SCHUTZ, R. W. Issues in the Development of Beta Titanium Alloys, Journal of Metals, V46(7), p.14-15, 1994. [3] BANIA, P. J. Beta Titanium Alloys and Their Role in the Titanium Industry, Journal of Metals, V46(7), p.16-19, 1994. [4] DONACHIE Jr., M. J., Titanium – A Technical Guide, ASM International, Metals Park, Ohio, 1988. [5] BRICK, R. M.; PENSE, A. W.; GORDON, R. B. Structures and Properties of Engineering Materials. 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