MARKETING DO BEM ESTAR ANIMAL E SEU IMPACTO NO CONSUMIDOR Ana Paula Norte, Thais H.N. de Oliveira, Simone de C. Balian Universidade de São Paulo/Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia [email protected] Resumo Objetiva-se com este trabalho comparar as necessidades que os consumidores da cidade de São Paulo têm em relação ao bem estar animal com o marketing do mesmo tema nas embalagens de carne de aves. Optou-se pela pesquisa qualitativa, através da aplicação da metodologia do discurso do sujeito coletivo, em que 40 pessoas foram entrevistadas nas ruas da cidade de São Paulo e responderam perguntas abertas sobre bem estar animal e atração às embalagens apresentadas. Os discursos foram analisados com o ® auxílio do software Qualiquantisoft , de autoria da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Também documentou-se fotograficamente 30 embalagens de carne de aves comercializadas em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife, com foco no uso de cores, formas e presença de figuras, textos e fotos. Os resultados mostram que as cores mais frequentemente encontradas são a verde e a laranja, 43,0% (13/40) das embalagens possuíam algum desenho do frango e 20,0% (06/30) possuíam foto, geralmente de pratos prontos. A respeito do tema “bem estar animal”, os entrevistados entendem que esteja relacionado aos comportamentos típicos e aspectos físicos dos animais, tanto de companhia quanto de produção. Porém, apenas 22,5% (09/40) acreditam que os animais devem ser tratados de forma mais humanitária e declararam comprar com maior cuidado, 100,0% (40/40) nunca viram o selo de bem estar animal nas lojas e apenas três (7,5%) entrevistados encontraram informações sobre bem estar nos supermercados. A embalagem votada mais atraente foi a de frango caipira, com predomínio das cores verde, vermelho e azul. Concluiu-se que, a questão do bem estar animal não representa uma necessidade do consumidor, mas fonte de culpa e exploração do marketing. Palavras Chaves: bem estar animal, marketing, discurso do sujeito coletivo, embalagem. Abstract It was aimed with this project to compare the needs of consumers towards animal welfare in the city of Sao Paulo with the marketing in poultry labels. The investigation was qualitative, more specifically the collective subject speech, in which 40 people were interviewed in the streets and answered open questions regarding animal welfare and attraction to different labels. The speeches were analyzed with the help of software Qualiquantisoft, which was developed in the Public Health School at the University of Sao Paulo. It also photographically documented 30 poultry labels in stores and houses in Sao Paulo, Rio de Janeiro and Recife, focusing on color, shape and the presence of figures, text and pictures. The results show that the colors more frequently found were green and orange, 43% of labels had a chicken drawing and 20% had a photo, mostly of food dishes. In terms of animal welfare, the interviewees link it with typical behavior and the animal’s physical aspect, both for company animals and farm animals. But only 22,5% believe that animals should be treated more humanly and state to buying meat more carefully, 100% have never seen the animal welfare label in stores and only 3 interviewees found information on animal welfare in supermarkets. The label voted most attractive was the free-range poultry one, composed majorly of green, red and blue colors. Thus, animal welfare is proven not to be a necessity for consumers, but the source of blame and marketing exploitation. Key words: animal welfare, marketing, collective subject speech, label. SIICUSP 2014 – 22º Simpósio Internacional de Iniciação Científica e Tecnológica da USP Introdução O bem estar animal é assunto complexo e controverso, cada vez mais discutido e incorporado aos currículos escolares e que envolve preocupações éticas, políticas, sócio-econômicas e científicas. BROOM (2004) define bem estar animal como uma característica que varia com o momento, relacionada às tentativas do indivíduo em adaptar-se ao ambiente. A avaliação do bem estar, ainda de acordo com BROOM (2004) abrange mensurações diretas (frequência cardíaca, atividade da glândula adrenal) e dos sentimentos inerentes ao animal (tipos de comportamento, desenvolvimento fisiológico e anatômico, etc.). A partir dos anos 50, com o desenvolvimento tecnológico, o melhoramento genético, manejo e nutrição mais eficientes, a produção animal passou a ser industrializada e em escala (APPLEBY, 2014). Estas mudanças foram necessárias para atender uma maior demanda por alimentos baratos, uniformes, de maior qualidade, mais seguros em grande quantidade, mas impactaram negativamente o bem estar, pela intensificação da produção. Desta forma, a preocupação ética com a qualidade de vida dos animais de produção confronta-se com os aspectos ecônomicos do bem estar, quais sejam, as preferências do consumidor. NORWOOD e LUSK, no seu livro Compassion, by the pound (2011), colocam como pressuposto mais importante a escolha do consumidor, já que este, tanto não tem a intenção de ser vegetariano como importa-se com o tratamento dado aos animais. Essa escolha pode ser influenciada pelo marketing imposto pela indústria de alimentos, através do design das embalagens, isto é, uso de cores e formas, como pelas informações contidas na mesma. Conforme BULLER (2010), o bem estar animal pode aparecer comercialmente disfarçado como preocupação ética, qualidade do produto, valor agregado, diferenciação de marca, acesso ao mercado, status profissional, prática pró-ambiental e conformidade regulatória. Estas são estratégias de comercialização que permitem a commoditização do bem estar animal tanto pela indústria como pelo varejo. Objetivos Esta iniciação científica tem como objetivos: Identificar e descrever o entendimento que consumidores da cidade de São Paulo têm sobre o bem estar animal; Analisar as embalagens de carne de aves (frango, peru, pato, etc.) quanto à rotulagem, informações, selos e diferenciais do produto, com foco no bem estar animal; Comparar as necessidades e desejos do consumidor com a persuasão do marketing da indústria de alimentos em relação ao bem estar animal; Conscientizar os entrevistados em relação à este tema. Materiais e Métodos Esta pesquisa apresenta duas abordagens que se complementam: análise de embalagens de carnes de aves e o questionário sobre bem estar animal. A análise das embalagens de produtos cárneos foi feita através de documentação fotográfica nos pontos de venda e em domicílio, nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife, totalizando trinta amostras. Ademais, fotografou-se nove embalagens de produtos cárneos em Portugal e França, ambas nos pontos de venda, para comparação com as embalagens brasileiras. Os dados foram tabulados em tabela no software Excel com os seguintes critérios: unidade amostral, marca, corte, tipo, conservação, cores da embalagem (até três), presença de transparência, presença de desenhos, símbolos, textos e imagens, além da foto da embalagem para resumo. O questionário sobre bem estar animal, após pré-teste que usava da metodologia quantitativa, utiliza-se da metodologia qualitativa discurso do sujeito coletivo. Após orientação da psicóloga e psicoterapeuta cognitivo-comportamental Yone Fonseca, elaborou-se um questionário com quatro perguntas abertas: 1) Como você sabe que um animal está bem? 2) Você já pensou no bem estar dos animais produtores de alimento? 3) O que você pensa sobre estas afirmações? a. “Em supermercados e lojas, consumidores podem encontrar facilmente informações sobre produtos que respeitem o bem estar animal.” SIICUSP 2014 – 22º Simpósio Internacional de Iniciação Científica e Tecnológica da USP b. “Os selos atuais permitem que eu identifique produtos que respeitem o bem estar animal.” 4) Das três embalagens mostradas previamente, qual mais lhe atrai e por quê? Foram entrevistadas 40 pessoas na rua, que foram abordadas de forma aleatória e aceitaram participar da pesquisa, em três pontos da cidade de São Paulo: na Avenida Braz Leme (próximo ao Campo de Marte), na Avenida Paulista (em frente ao MASP) e no Vale do Anhangabaú (em frente ao Shopping Light). As entrevistas foram gravadas em um gravador portáti digital SONY ICD – PX – 312, transcritas com a ajuda do ® software Sound Organizer em um arquivo do Word, e passadas para o software Qualiquantisoft (licença de uso empresarial para a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP). Resultados Em relação às embalagens de carne de aves fotografadas, tanto brasileiras, quanto europeias, foram encontradas 16 marcas brasileiras e seis européias. Vinte e quatro das 30 embalagens brasileiras eram de aves convencionais, duas de frango caipira, duas certificadas para bem estar, uma de frango orgânico e uma de frango caipira com certificação. Já das embalagens européias, sete eram de aves convencionais, uma de frango caipira e uma de frango halal. Embalagens Número de amostras Frango Convencional Conservação Cores predominantes Transparência Desenho do frango Uso de fotos Brasileira N=30 24 (80,0%) 22 congelado (73,3%) Verde e laranja 22 (73,3%) 13 (43,3%) 6 (20,0%) Européia N=9 7 (77,8%) 7 resfriado (77,8%) Branco e vermelho 9 (100,0%) 2 (22,2%) 1 (11,1%) TABELA 1 : comparativo entre as embalagens brasileiras e européias. Em relação ao questionário com perguntas sobre bem estar animal e respondido por 40 pessoas, 52,5% (21/40) eram mulheres, 40,0% (16/40) tinham de 30 a 50 anos e 47,5% (19/40) tinham ensino superior completo. Para a questão número 1, 50,0% (20/40) sabe que um animal está bem através do comportamento natural do mesmo, 32,5% (13/40) através de parâmetros físicos/saúde e 17,5% (07/40) através dos sentimentos/intuição. Para a questão número 2, 30,0% (12/40) pensa sobre o bem estar dos animais de produção, mas compra e come normalmente, 27,5% (11/40) dizem ingerir menos carne por se preocupar com o bem estar, 22,5% (09/40) acreditam que os animais tem que ser tratados de forma mais humanitária e compram produtos de forma mais cuidadosa, e 20,0% (08/40) dizem não pensar sobre o tema. Para a questão número 3, apenas três pessoas (7,5%) disseram encontrar informações sobre bem estar animal nos supermercados e lojas, principalmente em produtos orgânicos, mas também em display nas lojas. 100,0% (40/40) dos entrevistados disseram nunca ter visto o selo de bem estar animal nos supermercados e lojas; uma pessoa (2,5%) declarou ter visto pela internet. Muitos alegaram falta de interesse e de atenção na hora da compra, além de desconfiança e relação às informações presentes nas embalagens. Para a questão número 4, 47,5% (19/40) escolheu a embalagem do frango caipira, 35,0% (14/40) a do frango convencional e 17,5% (07/40) a embalagem que continha selo de certificação do bem estar animal. O discurso do sujeito coletivo para cada pergunta constituiu-se dessa forma para cada questão: 1) “Acho que é como ele se comporta, se ele tá comendo, tá bebendo, se tá brincando, balançando o rabinho, alegre. Se ele fica num canto, mais quieto, amuado, ele não tá bem. Também pela aparência, se tiver com ferida, magrelinho, o pêlo. A gente acaba conhecendo, pelo convívio .” 2) “Eu nem gosto de pensar porque eu tenho dó de animal preso, eles sofrem muito, mas a gente acaba comprando porque precisa. Se eu fosse pensar mesmo eu nem comia. Mas eu comia muita carne, hoje não como tanto, mais frango e peixe, por questão de saúde também .” SIICUSP 2014 – 22º Simpósio Internacional de Iniciação Científica e Tecnológica da USP 4) “ A (embalagem) 2, acho mais bonita, mais colorida, tem o desenhinho da galinha, chama a atenção do que tem na embalagem. Dá pra ver a carne também, mais clarinha, parece mais saudável.” Conclusões Embalagens são elaboradas para chamar a atenção, e a cor é o primeiro signo que os consumidores notam, principalmente quando as cores são ditas quentes ou chamativas (GONÇALVES, 2008). Das dez cores encontradas nas embalagens brasileiras, as mais frequentes foram verde, laranja, amarelo, vermelho e branco. Enquanto vermelho estimula o apetite, o amarelo aumenta o apetite e incentiva o consumo (SINGH, 2006). Já o verde está mais associado à natureza e ao meio ambiente, um conceito de vida mais saudável e de baixo apelo emocional ao consumidor. As formas levemente arredondadas, principamente próximo da área de transparência, são mais femininas e suaves e apelam ao público feminino (GONÇALVES, 2008), maior responsável pelas compras. Essa análise justifica a escolha da embalagem do frango caipira, com cores predominantemenmte verde, amarelo e azul, e desenho infantilizado do frango com padrão quadriculado avermelhado no centro. Em relação às informações, porém, as embalagens européias apresentaram-se mais completas, com descrição do sistema de criação, uso de atmosfera protetora controlada e instruções específicas para controle da Salmonella, além de possuírem mais selos que atestavam para a qualidade do produto, como selo de inspeção, Food Contact Materials e Green Dot. Pelo questionário percebe-se que a população entende o conceito de bem estar animal e o associa principalmente com comportamentos típicos e aspectos físicos do animal, e consegue extrapolar este conceito para os animais de produção. Mas a polarização presente na segunda questão, em que muitos que disseram ingerir menos carne na realidade diminuíram o consumo de carne vermelha por questões de saúde, conjuntamente com as respostas da questão número 3, evidenciam que o bem estar animal não é prioridade na percepção do consumidor. O fato da embalagem do frango caipira, com forte apelo emocional e romântico de liberdade, ter sido a mais atraente para os entrevistados é justificada pelo mal estar e culpa que os consumidores sentem por não pensarem no bem estar daqueles que os servem de alimento. E a indústria, consciente dessa necessidade do consumidor, explora-a no marketing das embalagens e no preço. Referências Bibliográficas APPLEBY, M.C., WEARY, D.M., SANDOE, P. Dilemmas in animal welfare. CABI, p. 67-84, 1° edição, 2014. BROOM, D. M., MOLENTO, C.F.M. Bem estar animal: conceito e questões relacionadas – revisão. Archives of Veterinary Science, v.9, n.2, p. 1 -11, 2004. GONÇALVES, R. P. Consumer behavior: Product characteristics and quality perception. MPRA Paper, n. 11142, 2008. NORWOOD, F.B., LUSK, J.L. Compassion, by the pound: the economics of farm animal welfare. Oxford University Press, ed. 1, 2011. SINGH, S. Impact of color on marketing. Management Decision, v. 44, n. 6, p. 783-789, 2006. SIICUSP 2014 – 22º Simpósio Internacional de Iniciação Científica e Tecnológica da USP