a escola do acolhimento xa escola do conhecimento - Unifal-MG

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A ESCOLA DO ACOLHIMENTO X A ESCOLA DO CONHECIMENTO:
PROBLEMATIZANDO A FORMAÇÃO E ATUAÇÃO DOCENTE NA
PERSPECTIVA SOCIAL INCLUSIVA 1 2
Joyce Baldim Azevedo
Acadêmica do Curso de Pedagogia
Universidade Federal de Alfenas
Letícia Garcia de Oliveira
Acadêmica do Curso de Pedagogia
Universidade Federal de Alfenas
Cláudia Gomes
Profa. Dra. Instituto de Ciências Humanas e Letras – ICHL
Universidade Federal de Alfenas
Resumo
O presente trabalho apresenta uma análise que vincula a formação e atuação dos professores
compreendida em uma perspectiva social inclusiva, partindo do princípio da desigualdade
social e das afecções emotivas, com base no objetivo de explorar os desafios práticos e
teóricos da formação e atuação referentes aos paradigmas da inclusão e exclusão, nos âmbitos
social e escolar, destacando os direitos e oportunidades de todos os alunos indistintamente.
Com base nos aportes teóricos da Psicologia Histórico Cultural sobre afeto e a emoção como
base para a constituição, intensificou-se debates que vinculam a questão da formação docente
alinhadas aos pressupostos de humanização. Como metodologia qualitativa, foi realizado um
estudo de levantamento de informações que contou com a participação de cinco acadêmicas
do curso de Pedagogia, a partir da realização de grupos de discussões e diferentes
materialidades mediadoras. Como resultados, pôde-se evidenciar, a partir das informações que
as professoras em formação inicial concederam, certa dificuldade no trânsito teórico e
metodológico quanto a deflagração das desigualdades e exclusões na escola, com a tradução
muitas vezes de práticas que naturalizam a dicotomia existente entre a escola do
conhecimento e a escola do acolhimento ofertada aos alunos a partir de suas diferenciações
físicas, relacionais, sociais e econômicas.
Palavras-chave: Inclusão Social, formação docente, humanização.
INTRODUÇÃO
Ao abordar a educação inclusiva como objeto de investigação, muitos conceitos e
problemáticas se sobrepõem dependendo do tema que se pretende abordar; isso acontece em
decorrência da amplitude conceitual que cerca a temática, já que muitos fatores de ordem
social, política e educacional estão interligadas à inclusão. A educação inclusiva, como já
1
Agradecemos à FAPEMIG pelo apoio.
A pesquisa se originou do trabalho de conclusão de curso homônimo desenvolvido pelas acadêmicas do curso
de pedagogia da Universidade Federal de Alfenas, Joyce Baldim Azevedo e Letícia Garcia de Oliveira, sob
orientação da Profa. Dra. Cláudia Gomes.
2
defendido por Sanches (2005), pressupõe que as escolas sejam espaços abertos a todos, na s
quais os alunos teriam a oportunidade de aprender independente de suas dificuldades, uma
vez que o ato educativo se concentra na diferenciação curricular inclusiva.
Gomes (2012) chama atenção para o fato de que a necessidade de aprimoramento
constante no que se refere às relações sociais exige que atitudes discriminatórias diante das
desigualdades e diferenças entre as pessoas sejam aprimoradas. A necessidade de inclusão que
emerge a partir das condições de desigualdade de oportunidades, da inconsistência política e
curricular e da própria concepção popular que é produzida historicamente, impactam o âmbito
educacional e as instituições de ensino.
Atreladas a essas problemáticas, existe ainda uma preocupação com as constituições
emocionais e afetivas erigidas pelos diferentes sujeitos que vivenciam experiências
educacionais, em especial nos casos de necessidades de inclusão social. Não se pode ignorar a
manifestação da emoção e do afeto em investigações que culminam na exploração das
diferentes relações e, convergindo com Vygotsky (2001), os sentimentos não podem se
manter indiferentes ou impassíveis na expressão do comportamento humano, pois quando se é
afetado as conexões entre mente e corpo se alteram em decorrência das reações psicológicas
originadas a partir das transformações psíquicas e orgânicas da emoção.
Já no cenário histórico e legislativo ocidental, evidencia-se avanços importantes no
que diz respeito à educação inclusiva e às necessidades educacionais especiais, sobretudo a
partir da década de 1980. Progressivamente, as sociedades com organização democrática têm
inserido discussões e defesas que reputam a inclusão como direito de todos em relação aos
espaços sociais (MAZZOTA; D’ANTINO, 2011). Ainda assim, existe um desafio muito
grande para garantir a efetivação da educação de qualidade aos alunos com necessidades
educacionais especiais na perspectiva da educação inclusiva, assim como a inclusão social de
sujeitos desfavorecidos em detrimento de inconsistências ou conflitos sociais.
Para que não haja delimitações na educação e na escola inclusiva, as autoridades
precisam estar comprometidas e empenhadas no trabalho a ser feito para os alunos, partindo
também da realidade e necessidade dos excluídos. As escolas inclusivas, como modo mais
efetivo de atingir a educação para todos, deve ser reconhecida como uma política
governamental, privilegiando o desenvolvimento da nação. As mudanças irão acontecer se as
políticas forem modificadas, caso contrário as escolas serão desfavorecidas com a falta de
recursos, materiais e capacitação para os profissionais (GOMES; BARBOSA, 2006).
Destarte, a investigação apresentada neste estudo contou com a participação de
acadêmicas do curso de pedagogia da Universidade Federal de Alfenas de Minas Gerais, com
sessões de encontros que propuseram problematizações acerca da temática da educação
inclusiva e da inclusão social. O desenvolvimento do estudo está estruturado a partir de três
subcapítulos, sendo os dois primeiros constituídos por fundamentações que sustentam tópicos
que envolvem valores implícitos da exclusão nas propostas educacionais e a dimensão afetiva
da desigualdade na constituição humana.
OBJETIVOS
Pensando a partir dessas colocações, a presente pesquisa teve por objetivo explorar os
desafios práticos e teóricos da formação e atuação referentes aos paradigmas da inclusão e
exclusão, nos âmbitos social e escolar, destacando os direitos e oportunidades de todos os
alunos indistintamente.
MÉTODO
Considerando os objetivos pretendidos com este estudo, optou-se por realizar pesquisa
de campo com abordagem qualitativa. A pesquisa qualitativa possibilita ao estudo de um
fenômeno considerar as relações que se estabelecem dentro da realidade abordada, além de
viabilizar a contextualização para o qual se destina a investigação (GODOY, 1995).
Como explicitado por Gil (2008), o estudo de campo, por sua vez, demanda um
aprofundamento maior com relação às questões propostas, e sua flexibilidade permite a
reconsideração de novos objetivos ao decorrer da investigação. Esse método de pesquisa
concentra-se no estudo de uma comunidade, que não necessariamente tenha relação
geográfica, pois pode representar um conjunto de fatores que estão relacionados com um
fenômeno em comum (GIL, 2008).
O contato com as participantes3 foi realizado na Universidade Federal de Alfenas,
momento em que foram informados procedimentos e objetivos da pesquisa, bem como a
organização de encontros para coleta de dados. Para o desenvolvimento dos assuntos houve
uma preparação destes encontros, estruturados com temas, fotos, questões disparadoras e
discussões.
As discussões de cada encontro foram gravadas e transcritas para serem
analisadas, sendo que cada encontro teve duração média de 40 minutos.
Os procedimentos de análise foram admitidos a partir da proposta de análise de estudo
3
Todas as cinco acadêmicas participantes da pesquisa participaram como integrantes do Programa de Bolsa de
Iniciação à Docência (PIBID), da Universidade Federal de Alfenas.
de campo sintetizados por Gil (2008), que consiste em três momentos do processo de análise,
os quais se denominam como redução, categorização e interpretação dos dados. Aguiar e
Ozela (2006) mostram que utilizar categorias nos permite romper com dicotomias de internoexterno, objetivo-subjetivo, significado-sentido, deixando de lado as visões naturalizantes que
são baseadas numa concepção de homem constituída na existência de uma essência
metafísica.
Assim, os tópicos extraídos da redução dos dados foram categorizados com base em
cinco indicadores de análise, sendo eles: formação docente, educação e superação, estratégias
metodológicas, formas relacionais e enfrentamento social, que posteriormente foram
organizados em núcleos de significação propostos por Aguiar e Ozella (2006), que consistem
em uma instrumentalização baseada na perspectiva sócio-histórica sobre o processo de
apreensão de significados que os sujeitos constituem, numa proposta que parte de três
processos: levantamento dos pré-indicadores, sistematização dos indicadores e sistematização
dos núcleos de significação.
DESENVOLVIMENTO:
Partindo da concepção de que a formação docente representa uma esfera
composicional da própria formação humana, o condicionamento histórico-social do sujeito é
entendido como decisivo na atividade coletiva para a formação das funções superiores
individuais. Dessa forma, tanto a mediação cultural presente no processo de conhecimento,
como a perspectiva individual de aprendizagem no que diz respeito ao reconhecimento
sociocultural, se configuram como componentes básicos da formação (LIBÂNEO, 2004).
Assim posto, é necessário ainda delinear uma base teórica para sustentar a exploração do
material coletado, exatamente o que veremos nos dois capítulos a seguir.
Valores implícitos e necessários às propostas educacionais inclusivas: a inclusão pela
exclusão:
Não
é
possível
problematizar
a
inclusão
e
a
educação
inclusiva
sem,
concomitantemente, abordar questões paralelas ao tema, referentes à exclusão. Por sua vez, a
exclusão como conceito abre margens para outras discussões ainda mais amplas, que
alcançam esferas da sociedade interdependentes – como o capital econômico e a discrepância
entre a qualidade de vida das diferentes classes sociais. Sawaia (2001) põe em evidência a
cautela necessária para se explorar o conceito da exclusão, sendo este um tema cujas análises
existentes comumente apresentam inclinações que desconsideram uma ou mais características
em detrimento de outras, sendo que a centralidade analítica fundamental ao tema da exclusão
é a injustiça social.
Na exclusão, uma série de categorias e processos pode ser considerada para a
compreensão de diferentes situações que culminam no fenômeno exclusivo, mas se destaca
especialmente como uma ruptura do vínculo social (WANDERLEY, 2001). Se por um lado
não se deve minimizar a exclusão à sua dimensão socioeconômica, por outro não se deve
igualmente desconsiderar a desigualdade social e seu potencial gerador de exclusão.
A exclusão precisa, portanto, ser compreendida como expressão das contradições
impostas pelo sistema capitalista, como um fenômeno presente nos tramites das relações
sociais, e não apenas como uma fatalidade cuja normalização e minimização vem se
arrastando no senso comum (VÉRAS, 2001).
Wanderley (2001) também resgata a colocação histórica de que os menos favorecidos
– em suas múltiplas colocações – sempre povoaram os espaços sociais, mas apenas a partir da
década de 90 que a noção de exclusão social se enraizou nos debates acerca da desigualdade.
Sobre os mecanismos de manutenção que reforçam a exclusão, estes não poderiam
existir sem a interferência de um sujeito histórico – ao contrário do que propõem as reformas
educacionais –, pois a necessidade de pensar a inclusão como possibilidade social para os
desfavorecidos somente existe em decorrência de uma sociedade que exclui (MICHELS,
2006).
Existe uma dualidade contraditória ao se problematizar os processos de inclusão e
exclusão social. Por um lado, a compreensão de exclusão deflagrada nos espaços sociais
parece ter adquirido um significado substancial à categorização das possibilidades de
concentração do fenômeno, ou seja, à exclusão designa-se um caráter de justificação para
qualquer resultado de ação excludente. Sob outra perspectiva, a exclusão se torna parte de um
decurso social momentâneo, como se a situação política e econômica de uma sociedade
fossem tão temporárias quanto os efeitos da exclusão que dela derivam (CORREIA, 2004).
Às margens da exclusão e das tentativas de revertê-la, a educação tenta atingir um
nível de intervenção que decorra aos princípios da escolarização atrelados à humanização.
Michels (2006) chama a atenção para o quanto a instituição escolar se demonstra como
espaço privilegiado, uma vez que possibilita a socialização de saberes e valores que por ela se
legitimam.
Concomitante com Libâneo (2012), a forma como a escola se posiciona frente à
inserção do aluno não deveria fazer distinções. A desigualdade social que limita o
desenvolvimento igualitário dos alunos em decorrência de não incluir a diversidade, gera uma
dissonância de oportunidades quando inclui no ambiente escolar o sujeito que vive em
condições sociais favorecidas, e "aceita o pobre" como uma forma retórica de manter uma
falsa igualdade – uma discrepância que distingue o acesso à escola do acesso à qualidade de
ensino e de oportunidades, a dualidade característica da escola brasileira.
A escola é parte constituinte da sociedade, uma dimensão interdependente, mas que
acaba por assumir alguma responsabilidade na consolidação e construção de “traços” que
serão introduzidos dentro e fora do ambiente escolar – na sociedade como um todo – e se
apropria do objetivo de transformação social, tornando-se produto das relações sociais tanto
quanto produtora (MICHELS, 2006).
Entretanto, existem muitos desafios ao centralizar a escola em seu potencial
transformador (GOMES, 2010). As reformas nas políticas públicas da educação
desencadearam a aproximação de uma perspectiva propositiva, porém, acompanhada da
exclusão social. Essa
exclusão (MICHELS, 2006) não se concretiza
por uma
representatividade objetiva – os mecanismos que inferem a exclusão não são mais de ordem
operacional, como era no caso da evasão escolar; agora a exclusão enfrentada tem uma
dimensão subjetiva mais perversa, pois direciona para o aluno a responsabilidade de sua
condição de excluído em detrimento das próprias diferenças.
Nos trâmites da inclusão social e da educação inclusiva, os educadores, professores e
todos profissionais envolvidos nas ações educativas precisam que a formação especifica para
suas respectivas profissões possibilite que sejam capazes de perceber, intervir e construir
concepções acerca da inclusão e da exclusão, bem como das problemáticas apresentadas por
seus alunos (CORREIA, 2004). Em decorrência desse fator, o capítulo seguinte abordará
exatamente pontuações que demarcam a formação decente, incluindo a dimensão da formação
do desenvolvimento humano e das construções relacionais dos sujeitos que compõem o
cenário educacional brasileiro.
Afetar-se
com
a
desigualdade
na/pela
escola:
condições
subjetivas
para
o
desenvolvimento humano e humanização docente.
A atividade profissional docente permeia todo o processo de formação, uma vez que a
apropriação do conhecimento se caracteriza como histórica e relacionada com uma cultura
crítica. Libâneo (2004) aponta a importância do pensamento crítico na realidade profissional
em sua dimensão formativa:
Pensar é mais do que explicar e para isso, as instituições precisam formar
sujeitos pensantes, capazes de um pensar epistêmico, ou seja, sujeitos que
desenvolvam capacidades básicas em instrumentação conceitual que lhes
permitam, mais do que saber coisas, mais do que receber uma informação,
colocar-se frente à realidade, apropriar-se do momento histórico de modo a
pensar historicamente essa realidade e reagir a ela (LIBÂNEO, 2004, p.141).
O professor, como sujeito histórico, está condicionado como sujeito em seu
desenvolvimento e mediador do desenvolvimento do aluno. Saviani (2008) propõe que o
professor consiga, a partir de uma análise da realidade do contexto ao qual pertence, intervir
com seu trabalho na tentativa de romper com a noção ilusória de igualdade e da divisão social
do trabalho. Essa proposta de oportunidades educativas designadas a todos os indivíduos já
era defendida por Vygotky (1993) no início do século XX, independente de apresentarem ou
não alguma deficiência, e destaca o papel revolucionário da educação para a vida das pessoas.
De acordo com Severino (2002), os sujeitos devem ser compreendidos em sua
totalidade, a qual se subdivide em campos nomeados como tríplice universo das práticas que
tecem a existência histórica de um indivíduo, sendo o universo do trabalho; o universo da
sociabilidade; e o universo da cultura simbólica, que diz respeito à consciência pessoal,
subjetividade e relações intencionais.
Tratar de todos os subcampos que fazem parte desse complexo sistema que é a
formação docente é um movimento delicado, pois o trabalho educativo tem, sobretudo, como
plano de fundo, a intencionalidade de se produzir em cada individuo, direta e
intencionalmente, uma humanidade que, por sua vez, também é produzida por um coletivo
que é histórico. Dessa forma, a prática educativa tem por objetivo, de um lado, a percepção
dos elementos culturais que os indivíduos precisam assimilar para que se tornem humanos e,
por outro lado, a investigação de formas adequadas para que este objetivo seja alcançado
(SAVIANI, 2008).
Promover o desenvolvimento dos alunos enquanto produz o seu próprio
desenvolvimento é um processo complexo, vinculado com uma necessidade intermitente de
romper com representações sociais e individuais que permeiam a própria concepção do ato de
ensinar, da aprendizagem, do conhecimento sobre o desenvolvimento humano. As ações
relacionadas à como o profissional docente se posiciona com relação às regras, valores e
costumes do seu local de trabalho podem representar seu posicionamento histórico, sendo
exatamente isso que o define como sujeito docente, independe das condições as quais estão
postas a sua atuação (GOMES; SOUZA, 2011).
O desenvolvimento de um indivíduo ocorre em um processo que é construído a partir
das interações sociais por ele vivenciadas, considerando seu contexto social e cultural
(VYGOTSKI, 1998, 2001, 2004). É pertinente afirmar, portanto, que por meio das interações
sociais estabelecidas ao longo da história de vida, a inserção cultural e social é possível e
permite que o sujeito explore as vertentes afetivas e emotivas do seu desenvolvimento.
O afeto, esclarecendo, pode então ser entendido como as inclinações ou afecções
corporais que se potencializam para mais ou menos intensas, e influencia o modo de agir e se
posicionar mediante situações diversas (ESPINOSA, 1957 apud SAWAIA, 2009).
Compreender como as emoções se vinculam com a exclusão, a partir do sujeito excluído,
acarreta uma reflexão sobre como a sociedade cuida e promove qualidade de vida a esses
cidadãos.
As emoções são componentes sociais e, portanto, históricos; seus níveis de intensidade
e manifestação estão em constante modificação e cada momento histórico prioriza uma ou
outra emoção como ferramenta de coerção social. Considerar as emoções como componentes
éticos-políticos impulsiona que se considere o corpo do sujeito nas discussões das ciências
humanas e sociais (SAWAIA, 2001). Dessa forma, pode-se concluir que as emoções
consideradas positivas têm uma influência significativa nas escolhas das ações estabelecidas
pelo sujeito:
Se fazemos alguma coisa com alegria as reações emocionais de alegria não
significam nada senão que vamos continuar tentando fazer a mesma coisa.
Se fazemos algo com repulsa isso significa que no futuro procuraremos por
todos os meios interromper essas ocupações. Por outras palavras, o novo
momento que as emoções inserem no comportamento consiste inteiramente
na regulagem das reações pelo organismo (VIGOTSKI, 2001, p. 139).
No contexto escolar, Vigotski (1998) afirma que é preciso organização por parte dos
educadores, pois todas as ações empreendidas pelos educadores fazem parte de um processo
amplo, no qual não apenas o conteúdo é importante, mas também – e principalmente – a fala,
e mais em especial, a intencionalidade da fala. O professor, portanto, é parte indispensável da
construção afetiva e das relações emocionais que o aluno constrói com o próprio
desenvolvimento.
Compreender o desenvolvimento no âmbito da desigualdade é considerar o fato de que
há ainda o sofrimento, o medo e a humilhação interdependentes da desigualdade na
construção de vida do sujeito, mas que, ao mesmo tempo, outras emoções se apresenta m,
como a vontade de ser feliz. Um dos desafios centrais que se apresenta ao combate contra a
desigualdade social é o de clarificar os sistemas afetivo-criativo que sustentam os planos de
servidão subjetivos e macropolíticos, para o planejamento de uma práxis de transformação
social (SAWAIA, 2009).
Espinosa (1957, apud SAWAIA, 2009) defendia que as emoções não devem ser
criticadas ou até mesmo combatidas e suprimidas, nem mesmo serem entendidas como um
vício da natureza humana, mas sim uma propriedade tão substancial como o calor e o frio.
Dessa forma, movimentos de ações revolucionárias contra o que aqui podemos definir como a
desigualdade social, são ineficazes, uma vez que não se direcione a subjetividade reprimida
para emoções positivas. Assim, no que se refere às relações de servidão, “não se destrói uma
tirania eliminando o tirano, pois outros o substituirão caso as relações servis não sejam
destruídas. É preciso destruir as relações que sustentam a servidão” (SAWAIA, 2009, p. 366).
Superar a concepção de liberdade como algo de pouco valor para o sujeito que vive
em situação socioeconômica frágil não é um processo fácil, porém extremamente necessário.
A concepção espinosiana acerca da emoção contribui para que essa superação possa ser
explorada e, mais ainda, que a dimensão biológica a qual os sujeitos estão dispostos não
justifica a privação de sutilezas psicológicas (SAWAIA, 2007).
Vigotski (1997) converge nesse sentido em suas propostas sobre as emoções e as
dimensões intelectual e afetiva dos sujeitos, tendo em vista que esses processos influenciam
determinadas funções psicológicas.
(...) toda emoção é um chamamento à ação ou uma renúncia a ela. Nenhum
sentimento pode permanecer indiferente e infrutífero no comportamento. Ao
sermos afetados, se alteram as conexões iniciais entre mente e corpo, pois os
componentes psíquicos e orgânicos da reação emocional se estendem a todas
as funções psicológicas superiores iniciais em que se produziram, surgindo
uma nova ordem e novas conexões. (VIGOTSKI, 2001, p. 139).
Em uma sociedade que segrega a população e sustenta uma cultura em que a
desigualdade é fator intransponível, então as inclinações que constituem os indivíduos irão se
valer desse posicionamento (MICHELS, 2006). É importante romper com esse ciclo e propor
uma forma de esclarecimento das possibilidades de vida. A ambivalência da liberdade do
sujeito e sua condição afetiva, então, se configuram como cernes da transformação social e do
pensamento individual.
Neste sentido, a escola pública vem sendo defendida e reformulada por educadores na
tentativa de se alcançar um nível de qualidade que vá de encontro com o direito do alunado.
Temas como acesso e permanência, ensino e qualidade, diferenças sociais e culturais, entre
outros, permeiam alguns dos debates em nível formativo e legislativo no que se refere à
escola pública. No entanto, o que se percebe é um equívoco ao não diferenciar-se
apontamentos referentes à qualidade de ensino e a qualidade ao acesso, como se os avanços
no acesso populacional à educação básica fossem sinônimos de qualidade de ensino ofertada
nas escolas (LIBÂNEO, 2012).
O próprio debate da qualidade de ensino aparece com significados difusos. Não existe,
de fato, uma expressão sólida que determine as características do que definiria a intensidade
da qualidade, em detrimento de fatores ideológicos ou pela disseminação do termo no senso
comum (LIBÂNEO, 2012).
Um fator importante precisa ser levado em consideração nas críticas à dualidade
acesso/qualidade: as condições igualitárias de acesso não significam que, em termo de avanço
educacional, não tenha havido resultados positivos para os alunos. Pelo contrário, a igualdade
de acesso – mesmo que ainda em aperfeiçoamento – gerou possibilidades de escolha e
concorrência – ainda que injustas – em que alguns alunos em situação de desfavorecimento
social puderam ser inseridos, e seria discriminatório não reconhecer que a desigualdade não
parte necessariamente da destinação social escolar prévia (CURY, 2006). Porém, mais do que
exclusão social, as vítimas desse sistema político educacional estão sujeitas a uma exclusão de
conteúdos educacionais em detrimento da caracterização da escola como espaço acolhedor
(LIBÂNEO, 2012).
Dessa forma, antes de adentrarmos nas análises e explorações dos dados coletados, é
preciso reforçar que o interior escolar, em suas dimensões institucionais, políticas e
curriculares, não deve expandir as possibilidades da exclusão. Qualidade de acesso e
qualidade de ensino devem ser encarados concomitantemente, sem que um termo consuma a
importância do outro, pois os mecanismos internos de exclusão no processo de escolarização
são os antecipadores da exclusão social (LIBÂNEO, 2012).
Analisando os dados: O social como aporte para a compreensão do desenvolvimento
escolar e a representação de si e do outro como constituintes das relações de
humanização.
A ruptura do vínculo social é entendida por Wanderley (2001) como o principal
processo que compreende o fenômeno exclusivo. Na fala das participantes, uma discussão
bastante evidente se direciona para as formas relacionais segregadas a partir de proposições
sociais. O professor, sendo uma figura social, está sujeito a posicionamentos que não
convergem para uma prática pedagógica de qualidade e que atenda todos os alunos – mesmo
que seja preciso buscar informações para compreender e transformar essas constituições –
como, por exemplo, deflagrado no seguinte relato de uma das participantes:
I_ Eu acho que o aluno de classe média, por ter mais acesso, o professor
fica mais disposto; porque, querendo ou não, a gente passa por muita coisa.
Você vai para a sala com um certo preconceito na cabeça. Então, às vezes,
você vê uma criança assim, é... Eu vejo assim no PIBID também, têm
professores que tratam alguns alunos melhores, diferente daquele aluno que
é pobrezinho, que chega sujo, de pé no chão, o tratamento é diferente. Então
eu acho que o aluno dos sonhos é esse que a M falou, que tem acesso, que
facilita o nosso trabalho, que é educado, que não responde mal para a
gente, que trata a gente com respeito; esse é o aluno dos sonhos (Registro de
Transcrição).
O professor, assim como qualquer outra pessoa, está sujeito às concepções referentes à
interação coletiva que são construídas historicamente. Na fala da participante, evidencia-se
como a percepção do comportamento do aluno depreende uma reflexão a respeito do próprio
comportamento. É um equívoco acreditar que o professor não tenha incorporado ao longo da
vida preconceitos e estereotipias que se refletem na prática pedagógica caso a formação
docente não tenha permitido uma reconfiguração crítico-reflexiva das suas experiências
sociais.
Aquilo que afeta o sujeito – e, no caso, o professor – é exatamente o influenciador de
como este age e se posiciona frente situações que constituem o seu contexto social
(ESPINOSA, 1957 apud SAWAIA, 2009). Para que o professor consiga estabelecer uma
metodologia pedagógica que não reproduza a exclusão centrada na injustiça social (SAWAIA,
2001), é necessário estar ciente da diversidade de alunos que são encontrados na sala de aula,
e superar estereótipos entre eles para que a relação e afinidade sejam feitas de maneira
harmoniosa e enriquecedora para ambos. Entretanto, para alcançar essa emancipação
pedagógica, é necessário que os professores se formem com o respaldo de uma proposta
crítico-reflexiva (NÓVOA, 1997), que promova o hábito de refletir as próprias práticas e
construir um parecer crítico que as justifiquem.
O professor se constitui e é constituído como qualquer outro sujeito, porém, este
colabora mais intencionalmente com a constituição do aluno. O desenvolvimento que emerge
da relação entre aluno e professor é uma representação de como os sujeitos se constituem por
meio da interação social em concomitância com o cenário histórico, social e cultural
(VIGOTSKI, 1998, 2001, 2004). É preciso uma formação docente que permita ao professor
buscar estratégias adequadas às especificidades de cada aluno, pois corre-se o risco de que a
prática docente seja comprometida em detrimento de características sociais que facilitam ou
dificultam o trabalho do professor. A fala a seguir ilustra parcialmente a instabilidade social
que sobrepõe os limites da escola:
R_ Acho que aquele lá do aluno esforçado, tá muito ligado à questão de
meritocracia... Tá vendo, ele não tem a mesma condição daquele que tem
um quarto, por exemplo, uma mesinha para estudar; a criança está
amontoada em um monte de sacolas parece; num quarto pequenininho, todo
bagunçado (Registro de Transcrição).
Podemos ressaltar, a partir dos relatos, que a preocupação do professor ultrapassa o
espaço escolar – objetiva e subjetivamente. As dificuldades de atuar com os alunos não se
limitam às questões curriculares, educacionais e materiais; elas estão sempre relacionadas
com problemáticas sociais. O aluno, inserido em uma realidade social, apresenta
características dessa realidade, e suas dificuldades estarão relacionadas também com essa
realidade.
Não basta perceber a escola como espaço independente; ela está inserida em um
contexto, em uma realidade que influi direta e indiretamente no currículo escolar (MICHELS,
2006). A partir do momento em que a escola não mais se fechar com uma cerca alta
(VYGOTSKY, 2001), melhor e mais significativo será o processo educativo.
A formação docente não caracteriza qualitativamente um sujeito, ela é apenas uma
parcela da própria formação humana. Não é a acumulação de cursos que vai determinar e
representar a eficiência do trabalho pedagógico (NÓVOA, 1997), mas sim a reflexão acerca
da identidade pessoal, caso contrário, as condições de expressão interpessoal serão também
prejudicadas no interior do trabalho educativo, como podemos perceber adiante:
A gente precisa mostrar mesmo. O que falta muito na formação do professor
é isso, ser mais humano com as crianças, que estamos sujeitos a tudo, não é
só nas escolas que vamos encontrar isso, é na vida. Esse tema é muito legal,
tipo, tem professor que não gosta de reler, a gente vê muito isso. Tive uma
experiência no PIBID por agora: o aluno estava com a roupa cheirando a
guardado, blusa de frio; e a professora falou: “ai que cheiro de guardado”.
O aluno chegava perto e ela falava: “não chega perto de mim”. Sabe, umas
coisas assim. A gente estuda quatro anos e não aprende a chegar e falar.
Não precisa expor a criança ao ridículo, chegar e falar que ela está
cheirando mal (Registro de Transcrição).
Duas análises irrompem do trecho acima. A primeira diz respeito ao fato de a
participante exteriorizar uma reflexão crítica com base na experiência vivida, o que reitera a
afirmativa de perceber as situações – sejam elas objetivas ou não, e submetê-las à revisão,
proporciona uma reconstrução de práticas inovadoras, impedindo métodos de ensino
reprodutivistas que culpabilizam o aluno pelo próprio fracasso. E a segunda se refere à
propensão que a fala do professor têm na construção da identidade humana do aluno, ou seja,
toda forma de exteriorização que os professores manifestam acarreta infinitas consequências
positivas ou negativas que serão apropriadas pelos estudantes.
A formação docente aparece como possibilidade para que os novos educadores
consigam desestimular nas escolas os comportamentos de exclusão, e adotem compreensões
dinâmicas e flexíveis sobre a própria profissão. Dentre as percepções necessárias aos
processos educacionais, a fala do professor não pode destacar-se da ação educativa, deve
existir uma cautela, pois a fala também necessita de uma intencionalidade (VYGOTSKY,
1998) e, especificamente, uma intencionalidade educacional como parte das estratégias
metodológicas.
O professor necessita de uma formação que permita construir uma análise da realidade
do contexto ao qual está inserido, para intervir e tentar romper com a igualdade ilusória
(SAVIANI, 2008), caso contrário, a repercussão da injustiça social e da desigualdade
discriminatória que já compõem os espaços sociais se apresenta ao aluno na lógica opressora,
como podemos conferir a seguir:
E tem aquele negócio também do Bolsa família, que é obrigado a dar
presença, né? Então, estas coisas, geralmente. E tem a criança isolada. Ela
se isola mesmo de tudo, porque tudo isto acontece, né? E eu falo assim, tipo
tanto a criança pobre quanto a criança negra, a criança com déficit
intelectual, elas tendem a se excluir, porque o próprio professor faz isto com
elas, né? Tipo, deixa de lado mesmo e isto dificulta muito mais ainda na
aprendizagem. Às vezes a criança não tem nada, é normal. Por ela ser pobre
e o professor não dedicar tanto tempo à ela, não acreditar tanto nela, ela
passa a ter dificuldades normalmente. Ela não consegue desenvolver o
conteúdo. Não consegue acompanhar a turma, e isto acontece pelo
preconceito mesmo, tipo a criança não é incluída em sala de aula. A criança
fica excluída e ela se isola, e ela se isolando é o que acontece no caso de
não conseguir desenvolver corretamente. Não alcançar os objetivos que a
gente espera (Registro de Transcrição).
Existe, como demonstra a fala da participante, sem sombra de dúvidas, uma
interferência constante da mecânica capitalista que permanece intrincada no interior da escola.
A desigualdade social, na qual está estabelecida a desigualdade de oportunidades e de
condições econômicas, torna discrepante a desigualdade educacional, pois, apesar de serem
derivados de temas diferentes, são processos que influenciam a intensidade com que cada um
se apresenta na vida das pessoas. O aluno vivencia esses processos, os percebe, é afetado por
eles, tais afecções propulsionam padrões de comportamento que serão refletidos ao longo de
toda a vida desse sujeito, e por isso é tão importante repensar como a escola e o professor
podem contribuir para a transformação social.
É tão injusto quanto triste que a exclusão social, apesar de evidente, tenha alcançado
uma extensão tão improvável que os próprios excluídos se submetam ainda mais à condição
de exclusão. A formação docente deveria contribuir para que os professores e outros agentes
educacionais percebessem em quais tipos de dilemas sociais os alunos estão inseridos
(CORREIA, 2004) para construir pensamentos que colaborem com a consolidação de uma
intervenção social inclusiva; pois a exclusão é, de fato, um reflexo das contradições
impregnadas pelo sistema capitalista (VÉRAS, 2001).
Um processo interpessoal corrobora com o desenvolvimento de um processo
intrapessoal. As funções no desenvolvimento de uma pessoa, em especial nas crianças, ocorre
em dois momentos, sendo o primeiro em nível interpsicológico e, posteriormente, em nível
intrapsicológico, e todas as chamadas funções psicológicas superiores se originam a partir das
relações reais entre indivíduos (VYGOTSKY, 1998). Nas falas das participantes, percebe-se
uma preocupação com a forma como representam e compreendem o público estudantil a partir
das interações que tiveram em suas experiências como docentes:
R_ Eu não tenho aluno dos sonhos.
R_ Eu acho normal. Porque nós estamos sujeitos a encontrar todo
tipo de criança e aluno em sala de aula. Eu não idealizo, eu sei que
isso é quase que impossível, falar de uma sala uniforme, do jeito que
a gente quer; isso nunca vai existir! Eu acho que a sala de aula que
tenta mesmo padronizar, e por isso dá tão errado; porque não tem
como todo mundo ser igual, a formação dos professores que precisa
ser mudada.
MA_ Aluno dos sonhos é aquele que aprende, né?
(Registro de Transcrição).
Na fala da voluntária, não apenas fica evidente a apropriação da realidade na qual
existe uma idealização para a relação entre professor e aluno, como também a rejeição em se
formar a partir dessa expectativa. A relevância da formação de professores se sobressai na
contradição da ação educativa: a dimensão afetiva das relações humanas colide com a
dimensão profissional construída com base nas experiências formativas, e é nesse processo
que ocorrem as transformações sociais.
Sawaia (2009) explica esse fenômeno a partir das implicações espinosianas a respeito
da razão, como o alcance de uma afecção que rompe os paradigmas discursivos e encaminha
para uma visão esclarecida que não se inclina para as paixões – ou seja, é possível perceber,
pelas falas das participantes a presença de uma compreensão a respeito das preferências ideais
de atuação, mas se sobressai a fruição de um objetivo mais realista à social dos alunos.
Libâneo (2001) explicita que a realidade escolar pode ser distinguida em duas
diferentes instâncias, sendo a primeira como instituição objetiva e neutra e a segunda como
uma instituição social que agrega pessoas, mas que as duas instâncias não deveriam ser
percebidas dessa forma, pois tanto os processos sistemáticos quanto curriculares da realidade
escolar estão subjetivamente relacionados com processos movidos por ações humanas. A
segregação das duas instâncias provoca, aos professores, uma sensação de incompletude que
compele reajustes metodológicos impostos, como se as atividades debilitadas em virtude da
inconsistência material e objetiva da escola fossem justificativas para práticas improdutivas,
assim como expresso no segmento seguinte:
MA_ Tem escola que é equipada, mais ai tem o medo de usar as coisas
também; tá, não tem tudo, mais tem alguma coisa, vamos usar essa “alguma
coisa” também. Mais ai gente para saber mexer também... eu, por exemplo,
não sei mexer naqueles materiais mais modernos, tenho que aprender
(Registro de Transcrição).
Evidencia-se, na fala acima, para além das relações diretas, a proposição de como
elementos externos influenciam na atuação docente. Não é possível debater a respeito da
realidade do aluno sem incorporar uma discussão que aborde também a realidade sob a
perspectiva do professor, principalmente sendo o professor o sujeito responsável por elaborar
metodologias de ensino dentro das possibilidades materiais e didáticas. Há uma preocupação
com a oferta de materiais e recursos didáticos, mas existe outra inclinação opinativa que
considera as problemáticas pedagógicas e metodológicas processos que viabilizam as práticas
educativas a se ajustarem da melhor forma possível dentro da realidade imposta.
É exatamente nesse sentido que Libâneo (2001) subdivide a realidade escolar em duas
dimensões, a institucional e humanística, realçando a interdependência dessas esferas. Além
do mais, a inserção de novas tecnologias nas camadas educativas demanda uma
reconfiguração dos currículos escolares, que acompanhem também o desenvolvimento da
sociedade e reflitam reformas na formação docente.
Olha, eu já tive esta experiência e não sei se ela estava certa, mas o
aprendizado dele era mais devagar do que o dos outros alunos. Ela tinha
mais cuidado em lidar com ele, mas cuidado, assim, no sentido do que dar
para ela para o aprendizado ter significado, entendeu? (Registro de
Transcrição).
A transformação no plano social coletivo requer medidas individuais mais vinculadas
com o aluno superando as próprias capacidades, do que necessariamente por meio da
comparação de outros que apresentam a mesma faixa etária. Durante os encontros, ficou claro
que a educação inclusiva se apresenta como campo de exploração ainda incompreendido, em
partes, por grande parte dos professores. Existe uma propensão humana no trabalho docente
que induz o profissional a extrair resultados gradativos do aluno e isso se intensifica na
atuação com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais; espera-se um
resultado que atenda aos padrões impostos a um grupo social. Ao mesmo tempo, no entanto,
esta predisposição se mostrou alterada pelo profissionalismo e pela capacidade que o
professor tem de colaborar para que o aluno desenvolva interesse pelas atividades escolares e
sociais.
Criar mecanismos para propiciar aos alunos que interajam uns com os outros e
desenvolvam as próprias habilidades a partir do envolvimento com o outro é primordial no
que se refere ao coletivo social. O conceito de zona de desenvolvimento proximal
(VYGOTSKY, 1998) se refere justamente ao processo de aprendizagem de um sujeito a partir
do que este é capaz de realizar com a ajuda de outrem.
A experiência docente durante o processo formativo mostrou que ainda tem-se muito a
consolidar nas práticas pedagógicas. De acordo com os relatos, a caracterização da figura
docente pode ser minimizada no âmbito das atuações como justificativas para o despreparo
profissional.
Eu fiz PIBID e estágios. O ano passado no PIBID, por exemplo, eu estava
na minha sala, que tinha 13 alunos, esse ano, numa sala de 21, já era
totalmente diferente. Com essa diferença de alunos, já dá uma diferença
muito grande. Que na sala de 13 alunos, a gente tinha uns 2 alunos que
tinha dificuldade assim e uma era questão de eu intervir por que ela não
enxergava direito. Pra mim ela não enxergava. Isso era uma coisa muito
óbvia. “Ah, por que a Tainá não aprende a ler, a menina já tá no terceiro
ano, não ta aprendendo e não sabe nem ler, não esta aprendendo a ler”. Só
que ela não enxerga, vocês nunca perceberam isso? Que a menina
realmente não enxergava, sabe? Aí a menina foi lá no oftalmo, e começou a
usar óculos e foi outra coisa. Ai ela começou a pegar as coisas rapidinho,
por que ela não enxergava, não enxergava mesmo. Mas isso eu observei
mesmo era por que tinha poucos alunos, e eu era PIBIDIANA, não era
professora. Então eu me atentava mais a detalhes (Registro de Transcrição).
Fica evidente aqui que não se discute a capacidade dos profissionais da instituição
para identificar uma possível causa para a dificuldade apresentada pelas crianças. As
motivações se direcionam para as condições de atuação – não para a atuação em si.
Obviamente, tal colocação não pode ser ignorada – das condições, da existência de materiais
de trabalho, do número de crianças atendidas – mas, em contrapartida, não se pode direcionar
as falhas no sistema de ensino unicamente a esses fatores.
Gatti (2010) chama atenção justamente para a formação inicial ao problematizar o
desacerto educacional, pois nesse processo que é possível expandir as possibilidades de
atuação e de contribuição no que se refere à transformação educacional.
Para finalizar, a escola assume um importante papel nos tramites da transformação
social por possibilitar a inserção de condutas em diferentes instâncias da sociedade
(MICHELS, 2006), mas não deve ser responsabilizada como parte única desse processo. Do
ponto de vista formativo, o professor também desempenha influência para a inclusão social e
educativa, mas se agregam ao comportamento profissional docente componentes emotivos e
afetivos (SAWAIA, 2001) que não podem ser desconsiderados no que se refere à efetivação
de políticas públicas e das condições humanizantes e humanizadoras da ação pedagógica.
CONCLUSÕES:
De modo geral, conclui-se que é necessário considerar que as escolas públicas, as mais
citadas e trabalhadas em nossas análises, ainda têm muito o que avançar quando o assunto é
inclusão, seja esta qual for. O estudo parte da premissa que a formação continuada que
possibilita o desenvolvimento humano do professor é uma das demandas centrais para a
qualificação da atuação docente, levando em conta a variedade e diversidade de alunos que
encontra-se nas diferentes escolas.
O objetivo da pesquisa, de explorar os desafios práticos e teóricos da formação e
atuação referentes aos paradigmas da inclusão e exclusão, nos âmbitos social e escolar,
destacando os direitos e oportunidades de todos os alunos indistintamente, a partir das
compreensões concedidas por professoras em formação inicial, possibilitou que muitos
aspectos possibilitadores ou impeditivos no tocante à inclusão fossem aprofundados.
Um deles se refere à exclusão e suas múltiplas demandas conceituais. Ao fenômeno
exclusivo, sobrepõem-se os paradigmas da formação docente, da transformação social, do
capitalismo, das políticas públicas e das formas relacionais. A exclusão foi construída
historicamente e é veiculada por sujeitos que são históricos; para extinguir a exclusão uma
reforma social é necessária, não apenas educativa ou educacional.
Ficou deflagrado como as políticas públicas de formação e as políticas da educação
estão sempre vinculadas aos processos debilitados do sistema educativo. Apesar de a presente
pesquisa não ter se aprofundado tanto nos sistemas políticos e as falhas que os compõem,
resaltamos a necessidade de explorar profundamente os complexos sistemas que relacionam a
política à organização humana. Mas ressaltamos como resultado relevante que as políticas
tanto demonstraram contribuições para a superação de paradigmas educativos, como
demonstrado na questão do acesso, quanto impedimentos em decorrência das imposições e
inflexões das demandas formativas. A atuação pedagógica se relaciona diretamente com as
afecções sociais, sendo que o professor é também histórico e social. No entanto, a formação
docente deve possibilitar a reconstrução de conceitos que são espelhados nas metodologias de
ensino, como a estereotipação ou as maneiras de conversação intencionais que os professores
manifestam.
Outra questão importante construída ao decorrer da pesquisa diz respeito ao professor
e a construção de si mesmo enquanto sujeito. É inviável perceber o professor a partir da sua
formação, ser professor é apenas uma dimensão que o constituí. Dessa forma, não adianta
despejar sobre a formação docente a culpa pelas práticas docentes desqualificadas do ponto de
vista curricular. Existe toda uma composição social com a qual o professor se forma ao longo
da vida. Entretanto, obviamente, é da formação que se iniciam as transformações na
concepção interativa entre as pessoas, quando o professor reavalia as próprias condutas e,
assim, modifica suas práticas.
Por fim, como contribuição mais relevante, destacamos a proposta de teorizar as
condições afetivas do sujeito docente à sua constituição como agente social e político. O que
afeta o professor e como ele afeta o aluno precisam ser considerados nas construções
curriculares e nos cursos de formação docente, especialmente sob a ótica de se instaurar nas
escolas a dinâmica de inclusão.
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