VI Encontro Regional de Ensino de Biologia da Regional 2 RJ/ES CEFET/RJ, 2012 CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS DE ALUNOS SOBRE BACTERIOLOGIA Viviane Giacometti Lameirão UFFRJ [email protected] Lana Claudia de Souza Fonseca UFRRJ [email protected] Introdução A prática docente visa à transformação da realidade dos educandos. A capacidade de comunicação do ser humano o torna um ser permanentemente em construção. A educação é uma atividade política, visto a impossibilidade da neutralidade no processo de ensinoaprendizagem e a constante tomada de decisões de professores, seja ao selecionarem o conteúdo a ser lecionado em sala de aula, à escolha de sua metodologia de ensino e avaliação, na sua omissão ou diálogo com os alunos e postura frente aos debates em classe (SOUZA e FREITAS, 2004). A educação como ato político, portanto, deve levar em conta o universo vivencial do educando, a sua realidade social, buscando desta maneira a construção de conhecimentos de forma crítica (SOUZA e FREITAS, 2004). Souza e Freitas (2004) veem a proposta de trabalho com situações do cotidiano no ensino de Biologia como uma proposta de educação transformadora, que possibilita à formação da cidadania. Ricardo e Zylbersztajn (2002) citam que uma das abordagens metodológicas que tem oferecido mudanças significativas no ensino de ciências são as concepções alternativas. As concepções dos alunos, também denominadas concepções alternativas, intuitivas ou espontâneas, são “as concepções apresentadas pelos estudantes, que diferem das concepções aceitas pela comunidade científica” (GRAVINA, BUCHWEITZ, 1994). Caracterizam-se por serem compartilhadas por um grande número de alunos, resistentes à mudança (ibdem), e “são um corpo organizado de conhecimentos com uma certa coerência interna” (CUNHA, 2004) mesmo “após uma aparente aprendizagem [..] voltam a ressurgir como explicação credível e satisfatória” (ibdem). VI Encontro Regional de Ensino de Biologia da Regional 2 RJ/ES CEFET/RJ, 2012 Segundo a aprendizagem significativa, idealizada na década de 80 por David Paul Ausubel e complementada posteriormente por Joseph D. Novak a estrutura cognitiva influencia a aprendizagem (OLIVEIRA, 2007). Isto é, são a partir de conceitos e conteúdos existentes na estrutura cognitiva do aluno que a aprendizagem irá ocorrer. Se essas ideias não correspondem às concepções científicas adequadas, propõem-se uma mudança conceitual. Segundo Moreira (2003) o resultado de aprendizagem significativa é a complementação de novos significados às concepções já existentes, elaborando e aumentando os significados associados a ela. Com base neste conhecimento, pesquisas visando o levantamento e análise das concepções alternativas dos alunos têm sido realizadas em várias áreas do saber, desde o ensino básico ao ensino superior. Tais resultados auxiliam o professor no seu planejamento e metodologia das aulas, que fundamenta sua mediação entre a estrutura conceitual prévia dos alunos e as novas informações (DUARTE, 1999 apud CARLÉTTI, 2007), auxiliando a construção dos conhecimentos. Dentre os conteúdos do currículo da Biologia do Ensino Básico, a microbiologia ainda é um tema abordado de forma muito teórica e com pouca experimentação (LIMBERGER et al, 2009). Além disso, esta temática também é pouco explorada nos livros didáticos e paradidáticos (JACOBUCCI ; JACOBUCCI, 2009). Outro problema observado no ensino de microbiologia é que o mesmo é tratado com conotações negativas e, por isso em desacordo com a sua verdadeira dimensão (LIMBERGER et al, 2009). Alguns microrganismos podem causar doenças, porém há que se destacar que a maioria dos microrganismos não é prejudicial ao homem (MADIGAN et al, 2004 ). Segundo MADIGAN (op.cit.) a grande maioria é benéfica e é responsável por processos de grande valor para a sociedade. A Microbiologia compreende o estudo dos seres microscópicos: vírus, bactérias, fungos, algas e protozoários. Este trabalho se restringe à Bacteriologia, o estudo dos seres procarióticos. As bactérias têm grande importância na vida das pessoas, são decompositoras, há as fixadoras de nitrogênio, outras vivem simbioticamente no intestino dos animais, são usadas ainda na indústria alimentícia e em engenharia genética. Visando contribuir para mais estudos relativos ao tema, este trabalho faz o levantamento e análise das concepções alternativas de estudantes do Ensino Médio e Superior sobre o tema bacteriologia. Metodologia VI Encontro Regional de Ensino de Biologia da Regional 2 RJ/ES CEFET/RJ, 2012 Este trabalho realizou-se durante o segundo semestre do ano de 2011, resultado de uma pesquisa da disciplina Prática de Ensino de Biologia. Para o levantamento das concepções foi utilizado um questionário semiaberto(ANEXO 1). A maioria, questões abertas e uma que consistia no desenho ou esquema de bactéria. O questionário foi aplicado em dois grupos de alunos do Ensino Médio e um grupo de discentes do Ensino Superior, respectivamente: (A) escola estadual do município de Seropédica, Rio de Janeiro; (B) escola estadual do município de São José dos Campos, São Paulo; (C) graduandos do 3º período do Curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEC). Após a aplicação dos questionários, os dados foram tabelados segundo um padrão de respostas. Os desenhos foram analisados da mesma forma. Todas as falas transcritas dos questionários preservam a grafia de seus autores. Resultados e discussão O levantamento das concepções envolveu 39 alunos, dentre estes 23 alunos do grupo A, 8 do grupo B e 8 discentes do grupo C. As questões 1 e 2 estavam relacionadas; a primeira perguntava aos alunos se eles já haviam ouvido falar de bactérias e a segunda questionava onde eles tinham escutado sobre o tema. A maioria dos alunos respondeu positivamente à questão 1; e 44,83% dos estudantes mencionaram a sala de aula como o ambiente em que eles tiveram contato com este tema, seguido por 22,41% por meio da televisão, a categoria casa e hospital tiveram a mesma frequência 5,17% cada. O restante das respostas foi bem variado e houve cerca de uma ou duas citações cada, como: revistas, palestras, médico, livros, entre outros. O grupo A e B apresentaram o maior padrão de respostas como a escola sendo o local de debate sobre o tema. O grupo C citou a televisão como o maior difusor do tema. Em relação à questão 3, que se referia ao possível local onde poderíamos encontrar bactérias a maioria dos alunos tem uma concepção coerente com a realidade; das 64 respostas, 17 citam “todos os locais” como respostas. Este padrão também preponderou em cada grupo analisado. Algumas das repostas dos alunos: “Em todos os lugares, estamos cercados por elas”. (C08) “Em alimentos, corpo humano e animais”. (C05) “Na cadeira da escola, em todos os lugares”. (A02) Contudo, alguns alunos pareceram enfatizar que os locais “sujos” são os locais onde se encontram bactérias: VI Encontro Regional de Ensino de Biologia da Regional 2 RJ/ES CEFET/RJ, 2012 “Em água parada, vala e bicheira”. (A18) “Nos banheiros, em locais sujos”. (A07) Outros locais também foram mencionados, em ordem de maior citação: alimentos (5), água (4), solo (4), corpo humano (3). O grupo de estudantes da escola estadual foi o que mais correlacionou bactérias a locais de baixa assepsia. Os locais foram: lugar sujo (2), vaso sanitário (3), vala (2), esgoto (1), bicheira (1), água parada (1), copo sujo (1), unhas (1), alimentos estragados (1). Estas concepções, não são erradas, porém os estudantes enfatizaram tais locais, esquecendo que em qualquer local pode ocorrer a presença de bactérias. Talvez essa concepção esteja ligada às veiculadas pela mídia, aos comerciais que mostram bactérias e desinfetantes para banheiros, à ideia de que as bactérias causam doenças e que locais sujos propiciem a maior ocorrência destas, por exemplo. Partindo destes resultados, é conveniente analisar a questão 6, que interroga os alunos sobre o fato de as bactérias fazerem bem ou mal aos seres humanos, pedindo justificativa e exemplos. Apesar de alguns alunos enfatizarem a existência de bactérias em locais sujos, a concepção de que esses organismos causassem bem ou mal foi diferente para cada indivíduo analisado. Comparemos estas falas com as anteriores: “Mal. Causa doenças. Quando você se machuca tem que cuidar para não inflamar (Obter bactéria)”. (A18) “Algumas sim outras não”. (A07) “Mal. Pode causar doenças”. (A13) “Mal, porque pode mata. Um caso passou na televisão uma enfermeira mata sem saber 18 crianças resenascida em uma maternidade”. (C06) Houve alunos que disseram que a grande maioria é prejudicial ao ser humano: “As bactérias usadas para estudo de capitação de enfermidades. Porém, na sua esmagadora maioria e prejudicial e danosa ao ser humano”. (C01). “Normalmente fazem mal, não sei explicar o porque” [...] (C08) Na análise geral, das 39 respostas, a maioria (16) considerou as bactérias como organismos que podem trazer benefícios e malefícios para os seres humanos. Nenhum dos estudantes disse que a maioria das bactérias é inofensiva ao ser humano. O segundo maior resultado (13) mencionou somente que as bactérias fazem mal ao homem. Respostas que apresentavam “algumas fazem bem” e o padrão de “depende de como elas são usadas” foram colocadas em outros grupos de respostas. O grupo A foi a que apresentou o maior número de respostas que diziam somente que as bactérias faziam mal ao homem. Algumas falas: VI Encontro Regional de Ensino de Biologia da Regional 2 RJ/ES CEFET/RJ, 2012 “Cada tipo de bactéria tem uma função, então existem que fazem bem e que fazem mal”. (B06) “Depende da bactéria”. (B05) “Algumas são inofensivas como as que produzem derivados do leite ou que estão dentro do nosso corpo. E outros causam doenças”. (A10) “Algumas causam doenças e outras vivem no intestino humano e fabricam vitaminas do complexo B, decompõe cadáveres e os resíduos orgânicos e que, por isso, são fundamentais para a reciclagem da matéria da natureza.” (A05) “Algumas fazem bem, como os lactobacilos.” (B03) “Fazem mal, algumas bactérias são uma praga para a nossa vida”. (B04) “Mal”. (A09) Dentro da fala dos alunos, muitos citaram as bactérias como um risco à saúde (11/35), mencionaram os lactobacilos (4/35) e o uso de bactérias na fabricação de iogurte e queijos (3/35). Sobre nomes de doenças provocadas por bactérias somente uma aluna do 2º ano, (A03) fez referência a isso, citando a cólera. Outra estudante erroneamente citou a gripe como consequência da ação de bactérias (C05). Em relação à pergunta 4, a maioria respondeu que não (53,86%) haviam visto uma bactéria. Os que responderam sim, disseram ter visto ao microscópio ou em laboratório escolar (35%), em livros (25%) e televisão (20%). Ainda na questão 4 houve uma aluna que respondeu: “Água parada e bicheira”. (A18) Em seguida, na pergunta 5, onde é questionada como seria uma bactéria: “É uma larva (minhoquinha)”. (idem) Pode-se perceber que a aluna construiu ao longo das aulas (pois ela menciona que ouviu falar em bactérias em sala de aula com o professor) uma concepção errônea do que seria uma bactéria, correlacionando-a com larvas de moscas. A principal característica referida às bactérias foi “microscópica ou pequena” (25,42%), o que normalmente é muito citado nos livros didáticos. Santos (2007) analisando livros didáticos de ensino médio sobre o tema observou que características como “micro” e ser procariótico são muito citados. Nesta pesquisa, as respostas foram bem variadas. A porcentagem de não preenchimento e “Não sei” foram significativas, respectivamente: 11,86% e 8,47%. Apenas 3,39% citaram características referentes à sua natureza procarionte: “São organismos unicelulares, procariontes”. (a02) VI Encontro Regional de Ensino de Biologia da Regional 2 RJ/ES CEFET/RJ, 2012 “[...] são constituídas por núcleo não delimitado por membrana plasmática (é disperso no citoplasma)”. (B01) Na última fala pode-se notar um erro conceitual: a aluna trocou o nome do envoltório nuclear por membrana plasmática. A característica unicelular também foi comentada, porém somente em 6,78% dos casos. Características como “verme”, “parecido com fungos”, “animal” e “peçonhenta” também foram citados, porém individualmente, mas o que demanda atenção, visto que não são condizentes com a realidade. As respostas demonstram que os estudantes não possuem uma concepção muito clara de como seriam estes organismos minúsculos. A questão 9 aborda novamente este assunto, ao pedir que os estudantes desenhem uma bactéria. Nesta questão, 26,19% dos estudantes deixaram a resposta em branco. Apenas 4,76% (C03 e B01) dos alunos apresentaram um esquema correspondente com o que realmente se tem conhecimento: seres procariontes, com material genético disperso no citoplasma. Além destes esquemas, outra aluna, (A15) esboçou uma forma elíptica com flagelo, o que lembra uma bactéria flagelada, um esquema característico de livros didáticos e que também condiz com os dados de morfologia bacteriana. Porém, dentre as outras tentativas mais próximas de um ser unicelular, demonstraram-se seres eucariontes, com núcleos bem delimitados. Os outros esquemas representam pontos, formas ovoides ciliadas e formas amorfas pequenas. Os resultados apontam que os estudantes não estão familiarizados com os esquemas, representações ou imagens das bactérias. Em um estudo de análise sobre como as imagens são trabalhadas em aulas de Ciências, Martins, Gouvêa e Piccinini (2005) apontam que as imagens podem ser facilitadoras do aprendizado, ao possibilitar aos alunos acesso a um universo invisível, influenciando na criação de analogias visuais e na construção de representações. Com base nisto, é importante que os professores, ao debaterem sobre o tema bacteriologia trabalhem com imagens ou esquemas de morfologia externa e interna e as imagens de microscopia eletrônica. Em relação à questão 7, quase todos os alunos responderam positivamente quanto as bactérias serem seres vivos. Apenas 3 alunos não responderam a questão, que não teve respostas negativas. Na justificativa, uma percentagem de 20,45% dos estudantes não respondeu à questão, enquanto 11,36% afirmaram não saber responder. A segunda maior resposta (18,18%) foi a afirmação de que estes organismos nascem e se reproduzem. Dois alunos lembraram que as VI Encontro Regional de Ensino de Biologia da Regional 2 RJ/ES CEFET/RJ, 2012 bactérias foram os primeiros organismos a habitarem a Terra e usaram esta afirmativa como justificativa: “Porque foram os primeiros seres vivos da terra.” (A08) “Foram os primeiros seres vivos”. (A04) As respostas “Por que respiram” e “porque são possuem células” tiveram a mesma percentagem de repetições 9,09% cada. “Porque se alimentam” e “porque morrem” e “porque têm vida” tiveram 4,54% cada. A maioria dos alunos avaliados não sabia os pressupostos que se atribuem a todo ser vivo. Quanto à existência de bactérias no corpo humano, 84,61% dos discentes responderam positivamente à questão. Quanto ao local exato, das 44 respostas, 12 mencionaram “corpo” como o local onde elas se localizam, dando uma dimensão de que elas estão em todos locais de nosso corpo: “Existem bactérias por fora e por dentro do corpo”. (C07) “No corpo inteiro, é ela que faz ficarmos doentes”. (B02) Dos que responderam não, apenas um se justificou: “Não, porque tomamos remédios para combate-los”. (B04) As repostas com percentual abaixo deste foram: “boca”, “mãos”, “pés”, “intestino”, “unhas”, “estômago”, todos com 6,82% de repetição cada. Incluem-se nestas citações os alunos que mencionaram também “corpo”. Considerações finais Os resultados demonstram que a maioria dos alunos tem algumas noções sobre as bactérias e apontaram os pontos positivos e negativos relacionados a estes organismos. Porém houve diferenças entre os grupos analisados quanto a esta última concepção. Como esperado, a grande parte parece desconhecer que diante da grande diversidade de bactérias existentes, apenas uma pequena parcela oferece riscos à saúde humana e a maioria é inofensiva aos organismos viventes. Ainda há uma pequena parcela de estudantes que acreditam que as bactérias apenas causem prejuízos aos seres humanos. Apesar de os livros didáticos abordarem habitualmente as doenças causadas por bactérias, quase nenhum aluno utilizou-se destes conhecimentos para exemplificar ou explicar as questões que se referiam à relação destes organismos com os seres humanos. Conhecimentos relacionados aos lactobacilos e produção de alimentos a partir do leite, com a utilização de bactérias parecem ser concepções comuns entre uma parte dos estudantes. VI Encontro Regional de Ensino de Biologia da Regional 2 RJ/ES CEFET/RJ, 2012 Poucos citaram a importância das bactérias nos processos ecológicos e nas novas tecnologias da engenharia genética. Os alunos frequentemente não revelaram o uso de certos conceitos científicos extremamente relacionados a estes organismos como “seres unicelulares”, “procariontes”, “parede celular”. Este último não foi citado em nenhum dos questionários analisados. A maior parte dos estudantes não descreveu de modo satisfatório as características destes organismos e consequentemente, denotaram não dominar representações ou esquemas mentais da organização estrutural destes seres vivos. Os resultados deste levantamento mostraram-se passíveis de serem utilizados na sala de Biologia, a partir destes dados os professores podem organizar atividades e aulas que levem a melhor elaboração destas concepções dos estudantes, visando um entendimento comum entre saberes populares e conhecimentos científicos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENETI, J. S.; PEREIRA, S. I. R.; GIOPPO, C.. Reino Monera: uma análise comparativa de quatro livros didáticos de Ciências da 6ª série (7º ano) do Ensino Fundamental. 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