Instituto de Ciências Jurídicas DIREITO DE SUPERFÍCIE NO

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Instituto de Ciências Jurídicas
DIREITO DE SUPERFÍCIE
NO ESTATUTO DA CIDADE E NO NOVO CÓDIGO CIVIL
Uma Abordagem Comparativa
Leandro Mourão de Araújo
Rio de Janeiro
2009
1
LEANDRO MOURÃO DE ARAÚJO
DIREITO DE SUPERFÍCIE
NO ESTATUTO DA CIDADE E NO NOVO CÓDIGO CIVIL
Uma Abordagem Comparativa
Monografia de Conclusão de Curso apresentada ao
Curso de Direito da Universidade Veiga de Almeida,
como requisito para obtenção do título de Bacharel
em Direito.
Orientadora: Professora Francesca Cosenza
Rio de Janeiro
2009
2
LEANDRO MOURÃO DE ARAÚJO
DIREITO DE SUPERFÍCIE
NO ESTATUTO DA CIDADE E NO NOVO CÓDIGO CIVIL
Uma Abordagem Comparativa
Monografia de Conclusão de Curso apresentada ao
Curso de Direito da Universidade Veiga de Almeida,
como requisito para obtenção do título de Bacharel
em Direito.
Aprovada em:
__________________________________________________________________
(Nome: ___________________,______________, Universidade Veiga de Almeida)
__________________________________________________________________
(Nome: ___________________,______________, Universidade Veiga de Almeida)
__________________________________________________________________
(Nome: ___________________,______________, Universidade Veiga de Almeida)
3
Aos meus pais Sandra e Lodevaldo, aos meus
irmãos, Daniel e Luciana a minha noiva Danielle e a
minha vó Lindaura, meus alicerces.
4
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais pelo apoio e constantes incentivos
em direção a conclusão do curso, a minha noiva pela
sua dedicação e por toda compreensão durante esse
decurso de tempo, aos meus irmãos, pelos conselhos
sempre úteis e precisos com que me presenteavam e
a todos que, direta ou indiretamente, colaboraram na
execução deste trabalho.
5
“Se um homem não sabe a que porto se dirige,
nenhum vento lhe será favorável.”
- Provérbio Chinês –
6
RESUMO
ARAUJO, Leandro Mourão de. Direito de Superfície no Estatuto da Cidade e no Novo
Código Civil - Uma Abordagem Comparativa. Rio de Janeiro. 2009. Monografia (Graduação
de Direito). Universidade Veiga de Almeida – Tijuca, Rio de Janeiro.
Circunstâncias históricas levaram o direito de superfície a ser reintroduzido na legislação
brasileira em dois textos diversos, porém cronologicamente muito próximos. O Estatuto da
Cidade e o Novo Código Civil apresentam unidade estrutural próprias, contudo, possuem
campos de incidência distintos, além de normas conflitantes, fato este que acaba gerando
dificuldade na sua aplicação. Aduz que o direito real de superfície transparece relevância
social na medida em que o instituto, a muito pouco reconhecido pela nossa legislação,
desempenha um importante papel na busca pela função social da propriedade, bem como,
instrumento de mudança e valorização das terras, pois, atendendo as exigências
constitucionais da função social, poderá operar uma verdadeira inovação na política urbana e
agrária. O objetivo deste trabalho consiste em proceder com uma análise critica ao instituto do
direito de superfície, nos diplomas nos quais foram reconhecidos em nosso país, com o escopo
de fornecer subsídios para que tal instrumento técnico-jurídico, semeador do estímulo a
construção, seja, definitivamente efetivado. Os resultados desta pesquisa visam permitir aos
profissionais do direito um melhor entendimento sobre o assunto para o atendimento das
demandas com a qualidade que a sociedade necessita.
Palavras-chave: Função Social. Política Urbana e Agrária. Conflito de Normas. Direito Real.
Relevância Social.
7
RESUMÉ
ARAUJO, Leandro Mourão de. Direito de Superfície no Estatuto da Cidade e no Novo
Código Civil - Uma Abordagem Comparativa. Rio de Janeiro. 2009. Monografia (Graduação
de Direito). Universidade Veiga de Almeida – Tijuca, Rio de Janeiro.
Les circonstances historiques ont conduit à des droits de surface doit être retourné à la
législation brésilienne en deux textes différents, mais chronologiquement proche. Le Statut
de la Ville et le Nouveau Code civil ont l'unité de structure elle-même, cependant, ont des
champs d'incidence différents, et conlits des normes, un fait qui a généré des difficultés dans
son application. Elle précise que la surface de droite real se reflète la pertinence sociale réelle
en ce que l'institut, un peu reconnue par nos lois, joue un rôle important dans la quête de la
fonction sociale de la propriété, ainsi que l'instrument du changement et du développement de
la terre, en conséquence répondant aux exigences constitutionnelles propres à la fonction
sociale, vous pouvez opérer une véritable innovation dans la politique urbaine et agraire.
L'objectif de ce travail est de procéder à une analyse critique de l'Office des droits de surface,
dans laquelle les diplômes ont été reconnus dans notre pays, avec le champ d'application des
subventions à ces techniques et juridiques, le semeur de la construction de relance, c'est-à définitivement réalisée. Les résultats de cette recherche est de permettre aux praticiens une
meilleure compréhension du sujet pour répondre aux exigences de la qualité que les besoins
de la société.
Cosntitution-Citoyenne: Fonction Sociale. Politique Urbaine et Agraire. Conlits des Normes.
Droit Real. La Pertinence Sociale.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 09
CAPÍTULO 1 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE SOB A PERSPECTIVA
CIVIL-CONSTITUCIONAL ............................................................................................ 11
CAPÍTULO 2 PROJEÇÃO HISTÓRICA E OS SISTEMAS LEGISLATIVOS ....... 21
CAPÍTULO 3 TEORIA GERAL DO DIREITO DE SUPERFÍCIE ........................... 28
3.1 CONCEITO ................................................................................................................... 28
3.2 ESTRUTURA DO DIREITO SUPERFICIÁRIO ......................................................... 29
3.3 DIREITO DE SUPERFÍCIE COMO DIREITO REAL AUTONÔMO ........................ 30
3.4 FORMAS DE CONSTITUIÇÃO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE............................. 32
3.4.1 A polêmica do direito de superfície constituído por usucapião ............................ 33
3.5 NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO DE SUPERFÍCIE ......................................... 36
3.6 ESPÉCIES DO DIREITO DE SUPERFÍCIE ................................................................ 38
3.7 ELEMENTOS DO DIREITO DE SUPERFÍCIE .......................................................... 38
3.8 DIREITO E DEVERES DO CONCEDENTE E SUPERFICIÁRIO ............................ 39
3.9 FORMANS DE EXTINÇÃO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE E SEUS EFEITOS .... 41
3.9.1 A questão dos efeitos da extinção do direito de superfície no tocante aos ônus
reais que gravam o solo e a propriedade superficiária separada .................................. 43
3.9.2 A polêmica questão da expropriação de terrenos utlizados para o plantio
ilegal de plantas psicotrópicas, pelo proprietário suferficiário, sendo o proprietário
do solo terceiro de boa-fé................................................................................................... 44
CAPÍTULO 4 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO DIREITO DE SUPERFÍCIE
NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ...................................................... 45
CAPÍTULO 5 CONFLITOS DE LEIS NO TEMPO: O ESTATUTO DA CIDADE
E O NOVO CÓDIGO CIVIL COEXISTEM? ............................................................... 48
CAPÍTULO 6 ANÁLISE COMPARADA DO INSTITUTO NO ESTATUTO
DA CIDADE E NO NOVO CÓDIGO CIVIL ................................................................. 51
7 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 61
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 62
9
INTRODUÇÃO
Fotografando o contínuo e incessante pulsar do mundo atual, observa-se que as mudanças
sociais, políticas e jurídicas têm ocorrido em ritmo cada vez mais enlouquecedor. Mudanças
essas, no Brasil pós-88, realizadas sob a inspiração de novos paradigmas estabelecidos na
Constituição-Cidadã.
Graças ao reconhecimento de que o exercício da propriedade, através do seu direito, se
submete à função social, é que o legislador infraconstitucional preocupou-se em resgatar do
exílio a que estava confinado, desde 1864, o direito de superfície. Ele retornou através do
Estatuto da Cidade (Lei Federal n.o 10.257, de 10 de julho de 2001) como instrumento
jurídico de realização da política urbana, carregando a bagagem ideológica daquele diploma,
que convida, na esteira da Constituição, à releitura do papel do Estado, qual seja: densificar o
direito fundamental social à moradia, a partir de uma noção democrática e funcionalizada do
direito de propriedade.
Posteriormente, o direito de superfície foi reintroduzido no Novo Código Civil, cuja
vigência iniciou em janeiro de 2003. Infelizmente, esta última regulamentação lançou dúvidas
sobre a utilização do direito de superfície como instrumento de política urbana. Fala-se,
inclusive, na revogação do Estatuto da Cidade visando resolver o conflito de normas, a
despeito do prejuízo social que causaria tal revogação.
É objetivo do presente trabalho demonstrar que o retorno do instituto em comento ao
ordenamento jurídico pátrio não se deveu a obra de saudosistas, mas que é categoria jurídica
relevante, a ser utilizada tanto na racionalização do solo urbano como no âmbito das das
relações sob o manto do Código Civil, dado o interesse econômico que alberga. Assim,
propomo-nos a desenvolver análise comparativa do instituto em ambos os diplomas legais,
que acreditamos coexistirem no direito brasileiro.
Para tanto, dividimos o estudo em duas partes. Na primeira parte, depois de estabelecida a
premissa metodológica de análise do instituto sobre a perspectiva civil-constitucional e feita a
clivagem do processo histórico, analisamos os sistemas legislativos para, enfim,
aprofundarmos a teoria geral do direito de superfície com suas respectivas polêmicas. Na
segunda parte, merece destaque a análise comparada do instituto no Estatuto da Cidade e no
Novo Código Civil Brasileiro, levada a efeito depois de estudados os antecedentes históricos
do direito de superfície no ordenamento jurídico brasileiro e de desmistificada a questão do
conflito temporal de leis.
10
A pesquisa foi desenvolvida se baseando no método dedutivo, privilegiando-se a pesquisa
bibliográfica e documental, cuja remissão se encontra relacionada ao final do presente
trabalho, tendo em vista a necessidade de aprofundarmos a terioa geral do direito de
superfície, estudando os antecedentes históricos do instituto no ordenamento jurídico
brasileiro e desmistificando a questão do conflito temporal de leis.
11
1 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE SOB A PERSPECTIVA CIVILCONSTITUCIONAL.
Impossível compreender contemporaneamente a categoria do direito de superfície, fora do
paradigma do Estado Democrático de Direito que veio a lume com a Constituição de 1988,
vez que sob a perspectiva e a influência dos valores democráticos é que o conceito de
propriedade, dentro do qual se insere o estudo, sofreu alterações.1 Nesse contexto, “não há
mais lugar para um direito de propriedade absoluto e sagrado, tampouco individualista e de
gozo irrestrito.”2
Daí, iniciarmos a abordagem do direito de superfície pela análise do princípio jurídicoconstitucional vetor de sua disciplina, qual seja: o princípio da função social da propriedade,
já que a perspectiva de interpretação civil-constitucional é a premissa metodológica diretriz
deste trabalho.
A releitura do direito civil à luz da Constituição atualiza institutos defasados da realidade
contemporânea, repotencializando-os, de molde a torná-los compatíveis com as demandas
sociais e econômicas da sociedade atual.3 A dialética fato-norma tem dinâmica própria que
reconstitui, incessantemente, o Direito, de modo que tanto o dado normativo como o dado
fático são elementos indispensáveis ao processo interpretativo, sendo certo que o predomínio
de um em detrimento do outro representaria a perda de contato com a chamada norma viva.4
Nesse sentido, desponta a necessidade em buscar na Constituição o fundamento de
validade e o ponto de partida para a interpretação de todas as demais normas
infraconstitucionais, a fim de preservar o ordenamento jurídico como sistema dotado de
unidade, coerência, harmonia e completude.5
A interpretação civil-constitucional parte sempre da Constituição, aqui entendida como
norma fundamental. Essa atividade interpretativa, contudo, não é isenta de dificuldades.
Gustavo Tepedino6 enumera quatro preconceitos a serem debelados pelo intérprete. Vejamos:
Em primeiro lugar, diz ser preciso compreender que a Constituição não é uma carta de
intenções. Todas as suas normas (sejam regras e princípios) são cogentes, de molde que todas
1
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 48.
MATTOS, Liana Portilho. A efetividade da função social da propriedade urbana à luz do Estatuto da Cidade.
Rio de Janeiro: Temas & Idéias, 2003. p. 35 et seq.
3
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 21.
4
TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2001, p. 285.
5
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 5. ed.. Tradução. Maria Celeste Cordeiro Leito dos
Santos. Brasília: Universidade de Brasília, 1996, p. 78 et seq.
6
TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. Temas de direito
civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 17 et seq.
2
12
as categorias reguladas pela lei infraconstitucional são redimensionadas pela normativa
fundamental.
Sem o temor da redundância, há que ser sublinhada a aplicabilidade direta dos princípios
constitucionais. Eles não necessitam de regulamentação infraconstitucional para se fazerem
valer no ordenamento jurídico. No dizer de Vladimir da Rocha França,
Constituem os pontos de direção, sistematização e controle do processo de
concretização do texto constitucional, que tornam viáveis a determinação objetiva
dos conceitos, fundamentos e diretrizes diante do caso concreto posto à apreciação
do operador jurídico. [...] Os princípios não foram feitos para serem apenas
contemplados, mas sim aplicados e concretizados na realidade social, determinando
objetivamente as diretrizes e os fundamentos que devem ser efetivamente
obedecidos no processo de concretização do ordenamento jurídico posto. 7
Também não há que confundir os princípios constitucionais com os princípios gerais do
direito. Estes incidem quando há lacuna a ser integrada. Aqueles inspiram e guiam sempre a
atividade de interpretação e aplicação do Direito.
Sobre este ponto, Ricardo Pereira Lira esclarece que os “princípios fundamentais estão
acima dos próprios princípios gerais de direito de que cuida a Lei de Instrução ao Código
Civil, como processos de integração e suprimento das lacunas do ordenamento.” 8
O terceiro preconceito que merece superação diz respeito à técnica interpretativa. Após a
consagração da nova tábua axiológica na Constituição de 88, notam-se mudanças na técnica
legislativa. Somam-se os diplomas legais elaborados mediante a técnica das cláusulas gerais9,
inconfundíveis com meras cláusulas de intenção, porque rompem as amarras casuísticas
enclausurantes de inúmeras categorias do direito, além de permitir sua atualização constante
pelas demandas sociais.
O último preconceito a ser abandonado na releitura do direito civil à luz da Constituição
relaciona-se à summa divisio do direito público e do direito privado. A interpenetração das
esferas caracteriza a sociedade contemporânea, trazendo enorme significado hermenêutico,
vez que já não mais se opera com diferença qualitativa entre tais categorias, mas sim,
meramente quantitativa, conforme o critério da prevalência.
7
FRANÇA, Vladimir da Rocha. Perfil constitucional da função social da propriedade. Jus Navigandi, Teresina,
a. 3, n. 35, out. 1999. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=676>. Acesso em: 5 mar.
2008.
8
LIRA, Ricardo Pereira. A aplicação do direito e a lei injusta. Revista da Faculdade de Direito da UERJ, Rio de
Janeiro: Renovar, n. 5, 1997, p. 95.
9
PERLINGIERI, Pietro. Normas constitucionais nas relações privadas. Revista da Faculdade de Direito da
UERJ, Rio de Janeiro: Renovar, v. 6 e 7, 1999, p. 69.
13
Michele Giorgianni10, em valioso estudo sobre os atuais confins do direito privado, no
qual aprofunda as razões da “socialização do Direito Privado, que tem sido atraído para o
Direito Público”, registra que foi inserida, “na disciplina da atividade privada, a consideração
do interesse coletivo. Mas a evolução – já não mais recente – que se operou no significado da
summa divisio do direito afasta certamente a consideração que o interesse coletivo constitua
uma nota exclusiva do Direito Público”.
Norberto Bobbio, apesar de sustentar a importância da dicotomia público-privado, que é
composta por “categorias fundamentais e tradicionais”11, reconhece a interpenetração das
esferas e a mudança de significado operada.
Os dois processos, de publicização do privado e de privatização do público,
não são de fato incompatíveis, e realmente compenetram-se um no outro. O primeiro
reflete o processo de subordinação dos interesses do privado aos interesses da
coletividade representada pelo Estado que invade e engloba progressivamente a
sociedade civil; o segundo representa a revanche dos interesses privados através da
formação dos grandes grupos que se servem dos aparatos públicos para o alcance
dos próprios objetivos. O Estado pode ser corretamente representado como o lugar
onde se desenvolvem e se compõem, para novamente decompor-se e recompor-se,
estes conflitos, através do instrumento jurídico de um acordo continuamente
renovado, representação moderna da tradicional figura do contrato social. 12
Maria Celina Bodin de Moraes Tepedino, ao enfrentar o tema, sublinha que não se trata de
mera invasão da esfera pública sobre a privada13. O fenômeno não é simplesmente uma
“publicização do direito privado14”, mas sim estrutural transformação do conteúdo do direito
civil15, que impõe a aplicação direta das normas constitucionais às relações de caráter
privatístico.
Se a Constituição permite a construção de unidade do sistema escalonadamente
estruturado, através dos valores albergados em princípios superiores e cogentes, que
permeiam todo o tecido normativo, a rígida contraposição direito público-direito privado é
inaceitável.16 Assim, aumentam os pontos de confluência entre o público e o privado, em
relação aos quais não há uma delimitação precisa fundindo-se, ao contrário, o interesse
10
GIORGIANNI, Michele. O direito privado e suas atuais fronteiras. Revista dos Tribunais, Separata, ano 87,
v. 747, jan. 1998, p. 50 et seq.
11
BOBBIO, Norberto. A grande dicotomia: público/privado. Estado, Governo, Sociedade – para uma teoria
geral da política. Tradução. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 31.
12
BOBBIO, Norberto. A grande dicotomia: público/privado. Estado, Governo, Sociedade – para uma teoria
geral da política. Tradução. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 27.
13
TEPEDINO, Maria Celina Bodin de Moraes. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito
Civil – Imobiliário, Agrário e Empresarial ano 17, n. 65, jul./set. 1993, p. 21 et seq.
14
GIORGIANNI, Michele. O direito privado e suas atuais fronteiras. Revista dos Tribunais, Separata, ano 87,
v. 747, jan. 1998, p. 35 et seq.
15
TEPEDINO, Maria Celina Bodin de Moraes. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito
Civil – Imobiliário, Agrário e Empresarial, ano 17, n. 65, jul./set. 1993, p. 23.
16
TEPEDINO, Maria Celina Bodin de Moraes. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito
Civil – Imobiliário, Agrário e Empresarial, ano. 17, n. 65, jul./set. 1993, p. 24.
14
público e o interesse privado. Tal convergência se faz notar em todos os campos do
ordenamento como, por exemplo, “na atribuição de função social à propriedade.”17
Gustavo Tepedino, na mesma linha, assevera que:
A propriedade com a sua função social, as limitações do solo urbano e as
restrições ao domínio dão um novo conteúdo à senhoria, limitando internamente o
conteúdo do direito de propriedade. Não se trata, à evidência, de deslocamento para
o direito público de certos tipos de propriedade, como se ao direito civil coubesse a
disciplina de uma propriedade sem limites, no espaço que lhe restou, onde fosse
possível expandir o mesmo individualismo pré-constitucional, podendo, então,
finalmente, o titular, exercer a senhoria livremente, sem intervenção estatal. Ao
contrário, todo o conteúdo do direito subjetivo de propriedade encontra-se
redesenhado. 18
Portanto, a proteção da propriedade como bem em si não está conforme os ditames
constitucionais. Ela é tutelada somente enquanto “destinada a efetivar os valores existenciais,
realizadores da justiça social.”19
Desde os primórdios da humanidade, a propriedade tem sido foco de constantes tensões
sociais e econômicas, instabilizadora de relações jurídicas e provocadora de acirrados
conflitos com repercussão em todas as esferas sociais.20
Ao passear pelas raízes históricas do direito de propriedade, Liana Portilho Mattos
enuncia que:
[...] a noção de uma propriedade funcionalizada, que atendesse não somente
o interesse de seu detentor, mas cujo exercício se desse também em benefício da
coletividade, evoluiu com o passar do tempo. [...] A evolução da propriedade deu-se,
portanto, no sentido de uma propriedade-direito para uma propriedade-função. 21
No Brasil pós-88, a noção de propriedade impregnada de função social está enunciada
como fundamento de nossa ordem econômica, assim como, ineditamente, passou a integrar
também o rol dos direitos fundamentais, de modo que o princípio da função social da
propriedade deve instrumentalizar todo o tecido constitucional, criando um parâmetro
interpretativo do ordenamento jurídico.22
17
TEPEDINO, Maria Celina Bodin de Moraes. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito
Civil – Imobiliário, Agrário e Empresarial, ano 17, n. 65, jul./set. 1993, p. 24-25.
18
TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. Temas de Direito
Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 20.
19
TEPEDINO, Maria Celina Bodin de Moraes. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito
Civil – Imobiliário, Agrário e Empresarial, ano 17, n. 65, jul./set. 1993, p. 28.
20
BOBBIO, Norberto. A grande dicotomia: público/privado. Estado, Governo, Sociedade – para uma teoria
geral da política. Tradução Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 23.
21
MATTOS, Liana Portilho. A efetividade da função social da propriedade urbana. Rio de Janeiro: Temas &
Idéias, 2003, p. 37.
22
GONDINHO, André Osório. Função social da propriedade. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Problemas de
direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 414.
15
Apenas é garantido o direito de propriedade, que estiver vinculado ao exercício de sua
função social. Trata-se da “razão de ser do direito”, no sentir de Pietro Perlingieri.23 Registra
o professor italiano que, em um sistema inspirado na solidariedade política, econômica e
social e ao pleno desenvolvimento da pessoa, tal qual o brasileiro,
[...] o conteúdo da função social assume um papel de tipo promocional, no
sentido de que a disciplina das formas de propriedade e as suas interpretações
deveriam ser atuadas para garantir e para promover os valores sobre os quais se
funda o ordenamento. E isso não se realiza somente finalizando a disciplina dos
limites à função social. Esta deve ser entendida não como uma intervenção “em
ódio” à propriedade privada, mas torna-se “a própria razão pela qual o direito de
propriedade foi atribuído a um determinado sujeito”, um critério de ação para o
legislador, e um critério de individuação da normativa a ser aplicada pelo intérprete
chamado a avaliar as situações conexas à realização de atos e de atividades do
titular.
Na sistemática adotada na Constituição de 1988, a função social da propriedade é
princípio normativo de conteúdo certo e determinado pela Constituição Federal24, parte
integrante e inseparável da estrutura do direito de propriedade.25
A função social da propriedade passa a integrar o conceito jurídico-positivo de
propriedade26, de modo a determinar profundas alterações estruturais na sua interioridade.
Não pode ser confundida com mera limitação administrativa, já que não é condição para o
exercício de direito, tratando-se do próprio dever de exercitar o direito de propriedade. Tem
que ver com seu conteúdo, sendo intrínseca à propriedade privada.27
Há ainda que se analisar o espectro de incidência do princípio da função social da
propriedade. Na doutrina, não há harmonia sobre este aspecto.
Eros Roberto Grau28 distingue uma propriedade dotada de função individual, que seria a
dos bens de consumo e entende que o princípio da função social da propriedade incidiria
apenas sobre os bens de produção. Contudo, melhor entendimento é o de Pietro Perlingieri29,
23
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Introdução ao direito civil constitucional. Tradução. Maria
Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 226.
24
TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada. Temas de direito civil. 2. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001, p. 280.
25
GONDINHO, André Osório. Função social da propriedade. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Problemas de
direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 398. No mesmo sentido, FRANÇA, Vladimir da
Rocha. Perfil constitucional da função social da propriedade. Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 35, out. 1999.
Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=676>. Acesso em: 27 abr. 2008.
26
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 207 et seq.
27
FRANÇA, Vladimir da Rocha. Perfil constitucional da função social da propriedade. Jus Navigandi,
Teresina, ano 3, n. 35, out. 1999. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=676>. Acesso
em: 7 nov. 2008.
28
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 207 et seq.
29
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Introdução ao direito civil constitucional. Tradução. Maria
Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 230.
16
também esposado por André Osório Gondinho30 e por Vladimir da Rocha França.31 Pregam
que a função social da propriedade não está adstrita aos bens de produção, vez que contamina
os estatutos jurídicos de todas as situações proprietárias.
Gondinho, ao criticar a posição adotada por Eros Grau, é muito feliz ao conectar a função
social da propriedade como reação do ordenamento contra os desperdícios de potencialidade
da coisa, para satisfazer as necessidades humanas, sejam materiais sejam pessoais. Salienta:
Em que pese à autoridade dos ilustres doutrinadores, não podemos concordar
com a restrição imposta à incidência do princípio da função social da propriedade
nos bens de consumo. O fato de um bem ser utilizado para a subsistência individual
não lhe exclui do campo de incidência do princípio da função social. Isso porque a
função social da propriedade não se justifica apenas pela destinação econômica de
determinado bem. Assim, se determinado bem, dada a sua natureza, se destina
apenas a utilização individual ou familiar, mas é efetivamente assim utilizado, este
bem não representa um desperdício de potencialidade para a sociedade. Desta
forma, esse bem cumpre a sua função social, pois torna a sociedade mais rica, apesar
de, quantitativamente, a sua contribuição para a riqueza nacional ser pequena ou
mesmo insignificante. 32 (grifos no original).
Nesse diapasão, será socialmente funcional a propriedade que, respeitando a dignidade da
pessoa humana, contribuir para o desenvolvimento nacional e para a diminuição da pobreza e
da desigualdade social, sendo instrumento de realização dos valores existenciais, em
superação do individualismo tão marcante em nosso ordenamento anterior. Os direitos
patrimoniais devem se adequar à nova realidade, pois a pessoa prevalece sobre qualquer
valor.33
A dignidade da pessoa humana é norma-princípio chave do ordenamento jurídico
brasileiro34 que orienta e dá fundamento a todas as suas demais normas. Nos termos da lição
de Liana Portilho Mattos, o princípio da dignidade da pessoa humana é considerado como o
fundamento do princípio da função social da propriedade em razão de sua profunda
vinculação com o direito humano de moradia e outros direitos fundamentais.
O direito social fundamental à moradia digna foi expressamente consagrado pelo texto
constitucional por intermédio da Emenda Constitucional nº. 26/2000.
30
GONDINHO, André Osório. Função social da propriedade. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Problemas de
direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 397 et seq.
31
FRANÇA, Vladimir da Rocha. Perfil constitucional da função social da propriedade. Jus Navigandi,
Teresina, ano 3, n. 35, out. 1999. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=676>. Acesso
em: 7 nov. 2008.
32
GONDINHO, André Osório. Função social da propriedade. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Problemas de
direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 429.
33
GONDINHO, André Osório. Função social da propriedade. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Problemas de
direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 430.
34
MATTOS, Liana Portilho. A efetividade da função social da propriedade urbana à luz do Estatuto da Cidade.
Rio de Janeiro: Temas & Idéias, 2003, p. 47.
17
Antes da alteração provocada pelo poder constituinte derivado, a doutrina já proclamava
que o direito à moradia digna era direito fundamental individual. Nesse sentido, é a lição de
Ricardo Pereira Lira, em estudo sobre o direito à habitação e o direito de propriedade
apresentado em Macerata, na Itália, em 1991:
O direito de habitação, o direito à moradia, o direito ao mínimo de abrigo, o
‘shelter’ (como dizem os anglo-saxônicos) é um direito individual assegurado na
Constituição da nossa República, por isso que é instrumento indispensável à
formação elementar da consciência de cidadania, instrumento indescartável na
realização dos fundamentos da República, pois só com essa salvaguarda mínima se
pode preservar a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, inciso III, da Constituição da
República de 1988), se pode erradicar a pobreza e a marginalização, bem como
reduzir as desigualdades sociais (Art. 3º, inciso III, da Constituição da República).
Se todos são iguais perante a lei (Art. 5º, caput, da Constituição), se a casa é asilo
inviolável do indivíduo (Art. 5º, inciso XI, da Constituição), é evidente que todos
têm direito a esse asilo e a essa inviolabilidade.35
A EC 26/2000 apenas consagrou o que a doutrina já proclamava, mas provocou profundas
mudanças na relação entre o poder público e os administrados. Historicamente, a moradia no
Brasil era encarada como problema social a ser solucionado através de programas estatais de
financiamento e construção.36 Com a emenda constitucional, um novo paradigma foi fixado.
A moradia é direito humano, cuja aplicabilidade e eficácia pressupõe a ação positiva do
Estado.
A obrigação de fazer estatal abraça dois aspectos distintos. Um de caráter imediato de
impedir a regressividade do direito à moradia37, isto é, medidas e ações que dificultem ou
impossibilitem seu exercício, tais como, um sistema e uma política habitacional que acarrete a
exclusão e medidas discriminatórias de impedimento de acesso ao direito à moradia para uma
grande parcela da população.
O outro aspecto diz respeito à reformulação da intervenção estatal nas atividades privadas,
a fim de reformular a política habitacional. Nelson Saule Júnior e Maria Elena Rodriguez38
enumeram ações indispensáveis para a efetividade do direito humano à moradia, tais como:
aprimoramento da regulamentação do uso e acesso à propriedade imobiliária urbana e rural,
regulamentação do mercado de terra, previsão de sistemas de financiamento habitacional de
interesse social, promoção de programas de urbanização e regularização fundiária nos
35
LIRA, Ricardo Pereira. Direito à habitação e direito de propriedade. Revista da Faculdade de Direito da
UERJ. Rio de Janeiro: Renovar, 1991, p. 81.
36
SAULE JÚNIOR, Nelson. RODRIGUEZ, Maria Elena. O Direito à moradia. Disponível em:
<http://www.gajop.org.br/portugueses/mora>. Acesso em: 15 jun. 2008.
37
SAULE JÚNIOR, Nelson. RODRIGUEZ, Maria Elena. O Direito à moradia. Disponível em:
<http://www.gajop.org.br/portugueses/mora>. Acesso em: 15 jun. 2008.
38
SAULE JÚNIOR, Nelson. RODRIGUEZ, Maria Elena. O Direito à moradia. Disponível em:
<http://www.gajop.org.br/portugueses/mora>. Acesso em: 15 jun. 2008.
18
assentamentos informais de modo a proporcionar a integração social e territorial das
comunidades carentes que vivem nestes assentamentos.
Para Pietro Perlingieri, o direito à moradia tem duas acepções diferentes. Uma conotação
quando se tem em foco as relações econômicas e outra ao ser evidenciado o aspecto da tutela
da pessoa:
O direito à moradia é da pessoa e da família; isso tem conseqüências
notáveis no plano das relações mesmo civilísticas, por exemplo, em tema de locação,
de equo canone, e, nas de construção civil, de subingresso ao sócio defunto. O
direito à moradia como direito ao acesso à propriedade da moradia é um dos
instrumentos, mas não o único, para realizar o gozo e a utilização da casa. Como
direito existencial pode-se satisfazer também prescindindo da propriedade da
moradia; por isso incide, em maneira decisiva, sobre as relações de uso, de moradia
e de aluguel.39
No sentido de densificar o direito social à moradia, sob seu aspecto de instrumento de
tutela da personalidade, veio a lume a Lei Federal nº. 10.257/2001, auto-nominada Estatuto da
Cidade, que trouxe, dentre os instrumentos de política urbana, o direito de superfície. Naquele
diploma, o objeto direto do nosso estudo, ganha contornos inegavelmente urbanísticos,
destinando-se a contribuir para o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da
propriedade urbana.
Pouco depois, foi promulgada a Lei Federal n.º 10.406/2002, o Novo Código Civil
Brasileiro, que repristinou o direito de superfície, tratando-o dentro do Direito das Coisas.
Nesse diploma, a finalidade do instituto, que constitui uma maior possibilidade de
aproveitamento do solo urbano, está contaminada por interesse predominantemente privado,
sem – por óbvio – perder-se do fundamento constitucional da propriedade.
Antonio Ventura-Travesset y González assegura que:
[...] o direito de superfície adquire importância como regulador das relações
que se estabelecem entre os diferentes agentes que aportam os diferentes insumos da
habitação, estabelecendo-se entre particulares como forma de dividir os custos de
uma construção. 40
Letícia Marques Osório acrescenta que:
[...] este instrumento é também um aliado aos esforços para efetivar o
cumprimento da função social da propriedade, já que, da ótica dos que atuam no
mercado imobiliário, o proprietário manterá a reserva do aumento do valor do solo
para si após a transferência do direito de superfície para terceiro. O poder público,
39
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Introdução ao direito civil constitucional. Tradução Maria
Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 198.
40
OSORIO, Letícia Marques. Direito de superfície. In: OSÓRIO, Letícia Marques (Org.). Estatuto da Cidade e
Reforma Urbana: Novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003, p.
174.
19
por sua vez, poderá, por meio de regras disciplinadoras do uso e da ocupação do
território das cidades, definir as áreas consideradas subutilizadas ou não utilizadas,
que deverão atender às exigências do desenvolvimento urbano, sob pena de ficarem
sujeitas à aplicação de sanções para que a propriedade urbana cumpra uma função
social. No caso da função social do imóvel ser a edificação, os respectivos
proprietários privados poderão alienar o direito de superfície de seus terrenos para
que outra pessoa ou empresa construa, contribuindo, inclusive, para a diminuição
dos custos da produção das unidades habitacionais ou comerciais. 41
Portanto é grande o desafio dos estudiosos do Direito, eternos conciliadores de forças
antagônicas, que devem primar por construir um sistema viabilizador da efetividade do
princípio da função social da propriedade, princípio densificador de direitos humanos
elementares, dentre os quais, destaca-se o direito social à moradia, que é um dos fundamentos
constitucionais inspiradores da reintrodução do direito de superfície no direito brasileiro.
CONCEITOS IMPORTANTES: SOLO – SUPERFÍCIE – ACESSÂO
A guisa de instrumentalizar o estudo do direito de superfície, mister se faz estabelecer o
sentido e alcance das seguintes categorias: solo, superfície e acessão.
Solo e superfície são noções juridicamente relevantes, uma vez que sofrem a incidência da
ação humana. Assim, fixemos o alcance de seu conteúdo.
Solo abrange a coluna aérea sobrejacente, a coluna subjacente e o plano que as separa42.
Sem ser confundida com o direito de superfície, nem tomada por acessório do solo
(porque dele é parte integrante), superficie é o plano que idealmente separa as colunas que,
relativamente a ele, se colocam em posição superior e inferior ao longo de toda a sua extensão
e largura43.
Finalmente, há que se aduzir que a noção de direito de superfície é construída
conexamente à de acessão. No dizer da mais balizada doutrina sobre o assunto, “o direito de
superfície é substancialmente uma suspensão ou interrupção da eficácia do princípio da
acessão”44.
41
OSORIO, Letícia Marques. Direito de superfície. In: OSÓRIO, Letícia Marques (Org.). Estatuto da Cidade e
Reforma Urbana: Novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003, p.
174-175.
42
LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. (Coord.). Elementos de
direito urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 2.
43
LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. (Coord.). Elementos de
direito urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 12.
44
LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. (Coord.). Elementos de
direito urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 9.
20
Da importância que se atribuía ao solo surgiu a doutrina romana da acessão enunciada no
princípio superficies solo cedit, segundo o qual acede ao solo tudo o que sobre ele ou sob ele
se construa, ou, em princípio, se plante.
Seja a natureza jurídica da acessão, modo de aquisição da propriedade ou fenômeno de
expansão do direito de propriedade à coisa acedida, Ricardo Pereira Lira45 define-a como
“união física entre duas coisas, formando, de maneira indissolúvel, um conjunto, em que uma
das partes, embora possa ser reconhecível, não guarda autonomia, sendo subordinada,
dependente do todo, seguindo-lhe o destino jurídico”.
A idéia da acessão sempre foi tão enraizada como a idéia do direito de propriedade46, de
modo que compreender o alcance do princípio superficies solo cedit é a chave para dissecar o
direito de superfície, uma vez que este tem aquele como pressuposto, real ou virtualmente.
45
LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. (Coord.). Elementos de
direito urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 3.
46
TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de superfície. Disponível em:
<http://www2.uerj.br/~direito/publicações/diversos/malcino.html>. Acesso em: 18 set. 2008.
21
2 PROJEÇÃO HISTÓRICA E OS SISTEMAS LEGISLATIVOS
O longo percurso histórico do direito de superfície, cujo itinerário não se poderia aqui
palmilhar, teve início no Direito Romano, no período romano-helênico, quando passou a ser
admitida a possibilidade da separação do solo da propriedade superficiária como exceção ao
princípio da acessão, até então vigente.
Vigorou, portanto, no direito clássico, bem como no direito pré-clássico romano47; a regra
superfícies solo cedit, conseqüência natural e necessária do direito de propriedade, por força
da qual o proprietário adquiria o domínio de tudo que viesse a integrar o solo, englobando-se,
assim, tanto as plantações quanto as construções. Por conseguinte, dado o conceito
rigidamente individualista de propriedade em Roma, imperava o critério da absoluta senhoria
sobre a coisa, segundo o qual a edificação erigida sobre o solo não poderia ser de outrem que
não o seu dono.
Vale destacar que, em época mais remota, os romanos sequer discerniam as coisas
corpóreas, não distinguindo a coisa do direito existente sobre ela48. Assim sendo, somente a
partir do momento em que os romanos admitiram a existência de coisas incorpóreas é que o
domínio passou a sofrer certas limitações.
A despeito da evolução do pensamento sobre a propriedade, Roma resistiu em não admitir
a existência, em separado, da propriedade do solo da propriedade da construção ou da
plantação.
Contudo, registra Ricardo Pereira Lira49, o nascimento do direito de superfície adveio da
“necessidade de adaptação às condições sociais dos novos tempos, dando-se paliativo às
conseqüências antieconômicas do conceito romano de domínio”.
Ora, à medida que surgiam as cidades e se desenvolviam as obras públicas, a rigidez do
direito de acessão tornou-se inconveniente; a deterioração das condições sociais no Império
Romano influenciou a atenuação do rigor dos princípios reguladores do direito de
propriedade50.
Efetivamente o direito de superfície só passou a ter aplicação no período pós-clássico e
principalmente durante a fase justinianéia. Em um primeiro momento, assim como a
47
MOTA, Mauricio Jorge Pereira da. O Direito de Superfície no Direito Romano. Revista da Faculdade de
Direito da UERJ, Rio de Janeiro: Renovar, n. 5, 1997. p. 284.
48
DERBLY, Rogério José Pereira. Direito de Superfície. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 53, jan. 2002.
Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2543>. Acesso em 03 jun. 2008.
49
LIRA, Ricardo Pereira. O Moderno Direito de Superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito
Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 20.
50
LIRA, Ricardo Pereira. O Moderno Direito de Superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito
Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 26.
22
enfiteuse, surgiu como forma de concessão de terrenos públicos, para só posteriormente ser
utilizado para a concessão de terrenos privados51.
Posteriormente, portanto, em época que não se pode precisar com absoluta certeza,
tornou-se comum a concessão inclusive entre particulares, fato que demonstra a migração
desse instituto do direito público para o direito privado52. Assim, cedeu-se, lugar aos direitos
de quem produzia sobre o solo de outrem com os seus esforços e trabalho.
Mister se faz destacar que, no Direito Romano, a natureza da relação entre o concedente e
o concessionário nasceu obrigacional, porque o primeiro pagava ao segundo um solarium.
Apenas com o trabalho dos pretores é que a natureza jurídica da relação passou a ser real.
Bruno Albuquerque Baptista explica que, em relação ao direito de superfície no Direito
Romano a natureza jurídica do instituto não era, inicialmente, real e sim obrigacional. “Foi
somente a ação dos pretores que permitiu o uso da superfície como direito real, conferindolhes defesa possessória por intermédio de um instituto próprio denominado interditum de
superficiebus”. 53
Nesse sentido, esse direito era inicialmente de natureza obrigacional, já que assegurava ao
arrendatário apenas o direito de usar e fruir. Marcos Alcino Azevedo Torres54 afirma que
somente no período pós-clássico é que foi conferida ao superficiário uma ação real contra o
dono do solo, “transformando então o direito de superfície em um direito real, alienável e
transmissível aos herdeiros”. Destaca, inclusive que, posteriormente, com Justiniano, o direito
de superfície é quase absoluto, não tendo o superficiário obrigações perante o proprietário e, o
pagamento do solarium deixa de integrar a essência do direito.
O direito bárbaro, por sua vez, não prestigiava o princípio superfícies solo cedit; ao revés:
foi por sua influência que se começou a admitir a separação entre a propriedade do solo e a da
plantação ou construção, como regra geral.
51
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito de Superfície. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio
(Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 174.
52
LIRA, Ricardo Pereira. O Moderno Direito de Superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito
Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 25.
53
BAPTISTA, Bruno de Albuquerque. Direito Real de Superfície. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2360>. Acesso em: 15 jun. 2009.
54
TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em:
<http://www2.uerj.br/~direito/publicações/diversos/malcino.html>. Acesso em: 03 jun. 2008.
23
Como bem ressalta Maria Sylvia Zanella Di Pietro55, os povos bárbaros, “sendo nômades
e desconhecendo o princípio superficies solo cedit, valorizavam mais as construções e
plantações do que o direito do proprietário do solo” .
No mesmo diapasão, o direito germânico não acolhia o princípio da acessão,
excepcionando-se os casos em que havia má-fé por parte de quem plantava ou construía em
solo alheio.
Já o Direito Intermédio, conforme citado por Rogério José Pereira Derbly56, sofreu
influência do direito germânico, “que atribuía maior valor ao trabalho do construtor do que o
direito de propriedade do solo, aliada ao interesse da igreja em legitimar as construções feitas
sobre os terrenos de propriedade eclesiástica”, prevalecendo, assim, o direito do superficiário
sobre o princípio da acessão.
Houve, naquela época, a bifurcação da propriedade em domínio direto, que cabia ao
senhor feudal, e em domínio útil, que, uma vez reconhecido ao possuidor ou cultivador da
terra, definia sua posição de vassalo na hierarquia social57.
Na era medieval, havia, inclusive, várias cidades italianas cujos estatutos isolavam a
propriedade do que estava sobre o solo de outrem, concebida como propriedade separada do
solo.
Assim, pode-se apontar dois aspectos inovadores em relação ao direito de superfície no
período intermédio, quais sejam: o reconhecimento da propriedade das construções e
plantações separada da propriedade do solo, não sendo mais considerado o instituto como
direito real sobre coisa alheia, e a utilização da superfície tanto para construções como
plantações58.
A constatação dos abusos sofridos durante a era medieval, por ocasião da instituição de
verdadeira escravidão dos servos que exploravam a terra, abriu caminho para o retorno da
concepção romana do direito de propriedade no século XVIII.
Após a Revolução Francesa, a propriedade aparece, na Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, como direito inviolável e sagrado; no Código Civil Francês, e
posteriormente em muitos outros do século XIX, o direito de propriedade é definido como o
55
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito de Superfície. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio
(Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 176.
56
DERBLY, Rogério José Pereira. Direito de Superfície. Jus Navigandi, Teresina, a .6, n .53, jan. 2002.
Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2543>. Acesso em: 10 fev. 2008.
57
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito de Superfície. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio
(Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 175.
58
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito de Superfície. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio
(Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 176.
24
direito de gozar e de dispor das coisas de modo absoluto, contanto que isso não se torne uso
proibido pela lei ou pelos regulamentos59.
Feita uma clivagem do processo histórico, analisaremos as grandes codificações do século
XIX, agrupando-as em três tipos de sistemas legislativos, conforme o tratamento dispensado
ao direito de superfície.
OS SISTEMAS LEGISLATIVOS
São divididos, didaticamente, em três grupos. O primeiro abrange os sistemas legislativos
que disciplinam expressamente o direito de superfície. Há os sistemas construídos sem o
princípio da taxatividade dos direitos reais, de modo que admitem o instituto em razão de
construção doutrinária. Por fim, podemos elencar os sistemas alicerçados no princípio da
taxatividade dos direitos reais e que, por deixarem de prever o direito real de superfície, o
excluem do ordenamento jurídico.
Comecemos pelo último grupo de sistemas, dentro do qual, até pouco tempo incluíam-se
o ordenamento jurídico brasileiro, bem como o argentino. Ambos não admitiam a existência
do direito de superfície, passando a fazê-lo posteriormente. O primeiro deixou de pertencer ao
grupo em virtude da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) e o segundo, passou a admitir “el
derecho real de superfície forestal”60, com o advento da Lei 25.509, promulgada em 11 de
dezembro de 2001.
Luis O. Andorno61 salienta que a referida lei, no seu art. 14, ao complementar o Código
Civil argentino, incorpora na legislação civil uma variante do direito real de superfície, que é
o direito real de superfície florestal. Assim, não somente se tende à promoção de uma
atividade econômica singular, como também se cria a possibilidade de melhorar as condições
ambientais das regiões em que este regime pode se desenvolver.
Dentre os sistemas legislativos que admitem a superfície por força da doutrina e
interpretação dos tribunais, alinham-se: o francês, o inglês e o italiano até 1942.
59
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito de Superfície. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio
(Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 176.
60
ANDORNO, Luis O. El derecho real de superficie forestal en el ordenamiento juridico positivo Argentino.
Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito- PPGDir/UFRGS. Coleção Direito Comparado.
Homenagem a Clóvis do Couto e Silva - Argentina e a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. v. 1, set. 2003. p.161.
61
ANDORNO, Luis O. El derecho real de superficie forestal en el ordenamiento juridico positivo Argentino.
Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito- PPGDir/UFRGS. Coleção Direito Comparado.
Homenagem a Clóvis do Couto e Silva - Argentina e a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. v. 1, set. 2003. p. 162.
25
No Direito Francês, o instituto é admitido por interpretação do art. 553 do seu Código
Civil, em decorrência, portanto, de elaboração doutrinária. Tal dispositivo estabelece que
todas as construções, plantações e obras realizadas em um terreno presumem-se feitas pelo
proprietário, às suas custas, e lhe pertencem, se o contrário não for comprovado. Assim, a
ressalva feita no referido artigo representaria o direito de superfície, que é exceção à regra da
acessão.
No Direito Inglês há um conjunto de contratos superficiários, denominados de buildinglease, criados pela prática, que continuam existindo. O building-lease pode assumir duas
formas: a mais comum é a consistente na entrega do terreno a um empresário, que realiza as
obras de infra-estrutura, e os contratos, próximos do tipo superficiário, assumem forma
diversificada; já a forma mais rara implica no parcelamento, arruamento, canalização feita
pelo proprietário do terreno, para em seguida construir e alienar as casas62.
Com o advento do Código Civil de 1942, o Direito Italiano passou a prever
expressamente o instituto; anteriormente, assim como no Direito Francês, era resultado da
interpretação doutrinária (art. 448 do Código Civil de 1865). Da mesma forma que o Direito
Alemão, só é possível no que tange às construções, excluindo-se as plantações.
Dentre os ordenamentos jurídicos que expressamente disciplinam o direito de superfície,
pode-se citar: o alemão, o austríaco, o italiano pós-1942, o espanhol, o holandês, o belga, o
português e o suíço.
O B.G.B, Código Civil alemão promulgado em 1896, foi um dos primeiros a disciplinar o
instituto, tendo sido introduzidas algumas alterações por lei de 1919. Dentre suas várias
características, destaca-se a admissibilidade do direito de superfície somente para fins de
construção e não de plantação.
Já o Direito austríaco reconhecia a divisão entre a propriedade do solo e a da superfície,
havendo expressa menção nos artigos 1.125, 1.147 e 1.150 do Código Civil austríaco.
Entretanto, tendo o instituto caído em desuso, somente com o advento da Lei de 26 de abril de
1912 é que uma nova modalidade de direito de superfície, de interesse maior, foi oferecida:
trata-se de um direito real, alienável e hereditário, de ter acima ou abaixo da superfície de um
62
LIRA, Ricardo Pereira. O Moderno Direito de Superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito
Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 44.
26
terreno de outrem uma construção, que pode constituir em uma casa de moradia ou outra
obra63.
Com o advento do Código Civil de 1942, o Direito Italiano passou a prever
expressamente o instituto; anteriormente, assim como no Direito Francês, era resultado da
interpretação doutrinária (art. 448 do Código Civil de 1865). Da mesma forma que o Direito
Alemão, só é possível no que tange às construções, excluindo-se as plantações.
Através da Lei do Solo de 1956, complementada pelo Decreto de 17 de março de 1959,
criou-se no Direito Espanhol, uma modalidade urbanística de direito de superfície, permitindo
seu art. 157, n.° 1, que o Estado, as entidades locais e demais pessoas públicas, dentro do
âmbito de sua competência, assim como os particulares, podem constituir o direito de
superfície em solo de sua propriedade com destino a construção de casas e outras edificações
determinadas pelos Planos de Ordenação, pertencendo o domínio ao superficiário64.
Tanto a legislação belga quanto a holandesa disciplinam a superfície expressamente,
sendo que em ambos países os doutrinadores discutem se compõe direito real sobre coisa
alheia ou propriedade superficiária, já que a natureza do instituto não é tratada de forma
expressa65.
Já no Direito Português, o direito de superfície é tratado por uma lei de 1948, que só
admite a superfície em terrenos privados do Estado, autarquias locais e pessoas coletivas de
utilidade pública administrativa.
O Código Civil Suíço de 1907, não obstante discipline o instituto, possui a peculiaridade
de considerá-lo como servidão.
Maria Sylvia Di Pietro destaca que:
[...] o direito de superfície é sempre tratado como direito real; porém não há uniformidade de
tratamento quanto à sua natureza; alguns o consideram apenas um direito real sobre coisa alheia
(como ocorre na Bélgica e na Holanda, com divergências doutrinárias em relação aos que o
consideram como propriedade autônoma); outros o tratam expressamente como propriedade
66
autônoma distinta da propriedade do dono do solo, como ocorre na Alemanha e Suíça (...).
63
LIRA, Ricardo Pereira. O Moderno Direito de Superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito
Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 46.
64
TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em:
<http://www2.uerj.br/~direito/publicações/diversos/malcino.html>. Acesso em: 22 nov. 2007. p. 11.
65
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito de Superfície. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio
(Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 178.
66
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito de Superfície. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio
(Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 179.
27
Sem a intenção de fazer um estudo de direito comparado, o que não é a finalidade deste
trabalho, foi simplificadamente examinado o direito de superfície em alguns sistemas
alienígenas, a fim de ser fixada a base na qual assentaremos a teoria geral do direito de
superfície.
28
3 TEORIA GERAL DO DIREITO DE SUPERFÍCIE
3.1 CONCEITO
Ricardo Pereira Lira67 define direito de superfície como “o direito real autônomo,
temporário ou perpétuo, de fazer e manter construção ou plantação sobre ou sob terreno
alheio; é a propriedade – separada do solo – dessa construção ou plantação, bem como é a
propriedade decorrente da aquisição feita ao dono do solo de construção ou plantação nele já
existente.”. Essa definição tem em mira sublinhar o aspecto dinâmico da relação superficiária,
assim como evidenciar as características mais fortes do instituto, sem se preocupar com os
sistemas jurídicos que o consagram, face à variação decorrente de cada um, como é natural.
Neste conceito são evidenciadas as características mais importantes do direito de
superfície, quais sejam: sua autonomia diante dos outros direitos reais limitados, a concessão
para construir ou plantar em solo alheio como causa da propriedade separada superficiária e a
propriedade separada superficiária gerada por cisão, derivada de negócio jurídico.
A doutrina é farta de definições. Em que pese à autoridade de Marco Aurélio Bezerra de
Melo, o conceito que adota para direito de superfície confunde a categoria objeto de nosso
estudo, que é direito real plasticamente transformável em propriedade separada do solo, com
mero desdobramento dos poderes inerentes à propriedade. Não exerce o superficiário apenas
alguns dos poderes inerentes à propriedade. Exerce-os todos. Ipis literis:
A superfície é um direito real sobre a coisa alheia que permite o desdobramento dos poderes
inerentes à propriedade, na medida em que uma pessoa, chamada de superficiário ou concessionário
exerce os poderes de uso e fruição no tocante à edificação ou plantação em terreno alheio e ainda a
propriedade plena sobre a coisa incorporada em solo de outrem que se chama fundieiro ou
concedente.68
Há que se ressaltar a possibilidade de duas propriedades coexistirem: uma dentro da outra.
Essa é a nota distintiva do direito de superfície e a razão da confusão do autor.
67
LIRA, Ricardo Pereira. O Moderno Direito de Superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito
Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 14.
68
MELO, Marco Aurélio Bezerra de. O Direito Real de Superfície como Instrumento de Reforma Urbana e
Agrária – análise do Projeto de Código Civil. Temas de Direito Privado. p. 139.
29
3.2 ESTRUTURA DO DIREITO SUPERFICIÁRIO: PLÁSTICA
A estrutura da relação superficiária é plástica, porque pode sofrer mutações. A
propriedade pode partir de uma relação simples, evoluindo para uma relação complexa. Ou,
pode já nascer complexa, no caso de propriedade separada superficiária gerada por cisão.
Lançando luzes sobre a plasticidade do direito de superfície, Ricardo Pereira Lira69 aponta
que existem três momentos possíveis na relação superficiária, quais sejam:
(a) o direito real de construir ou plantar em solo alheio, nascido de concessão ad
aedificandum ou ad plantandum;
(b) a propriedade separada superficiária, efeito da concreção do direito real de construir ou
plantar em solo alheio;
(c) a propriedade separada superficiária, gerada por cisão, quando é efeito da alienação que o
dominus soli separadamente faz:
(c.1) a outrem de construção já existente, reservando-se o solo;
(c.2) a outrem do solo, reservando-se a construção;
(c.3) a duas pessoas, transferindo a uma o solo, a outra a construção já existente.
Portanto, o direito de superfície pode nascer simples e continuar simples até sua extinção,
quando o único direito que se visualiza é o direito real de construir ou plantar em solo alheio,
decorrente de concessão para plantar ou edificar que permaneceu latente, sem realizar-se na
coisa superficiária. A hipótese de não-exercício do direito real de construir ou plantar em solo
alheio é admissível sob o ponto de vista didático, mas de efetividade questionável, à luz do
princípio constitucional da função social da propriedade, cujo conteúdo veda o desperdício da
potencialidade da coisa70.
Pode, também, nascer simples, tornando-se relação jurídica complexa, na hipótese de
concreção do direito real de construir ou plantar em solo alheio em coisa superficiária. Isto é,
o exercício da concessão (direito real) gera o aparecimento da propriedade separada
superficiária, dentro da propriedade do solo.
A concessão para construir ou plantar em solo alheio é direito real sobre coisa alheia, de
aquisição derivada, que contém um poder de transformação71. O exercício desse poder cria
69
LIRA, Ricardo Pereira. O Moderno Direito de Superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito
Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 56-61.
70
GONDINHO, André Osório. Função Social da Propriedade. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Problemas de
Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 397-433.
71
LIRA, Ricardo Pereira. O Moderno Direito de Superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito
Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 60.
30
um direito de propriedade, qual seja: a propriedade separada superficiária, que estará
embutida em outro direito de propriedade (a propriedade sobre o solo).
Quando a propriedade separada superficiária, que tem a natureza jurídica de propriedade
imobiliária, for adquirida pelo exercício do direito de construir ou plantar, a hipótese é de
aquisição originária72.
É, ainda, possível, que o direito de superfície nasça complexo e permaneça complexo, na
hipótese de propriedade superficiária separada gerada por cisão. Neste caso, aquisição da
propriedade separada superficiária também é derivada, tendo como causa o negócio jurídico
em que o proprietário do solo deu em superfície plantação ou edificação já existente.
3.3 DIREITO DE SUPERFÍCIE COMO DIREITO REAL AUTÔNOMO
A fim de evidenciar a autonomia do direito real de superfície, trataremos – sem o
compromisso de sermos exaustivos – dos direitos reais limitados e institutos afins, cujos
contornos aproximam-se do direito de superfície sem com ele confundirem-se.
O direito de superfície se afasta da enfiteuse porque pode ser ou não perpétuo (enquanto a
enfiteuse é perpétua), porque pode ser objeto de alienação, independentemente de consulta
prévia ao concedente (ao passo que a enfiteuse não pode ser alienada sem anuência do
dominus), porque é em regra gratuita, não sendo essencial a cobrança do solarium (já na
enfiteuse, que é essencialmente onerosa, cobra-se o laudêmio), finalmente, porque a
finalidade do direito de superfície pode consistir em plantio, construção ou moradia (e a
finalidade da enfiteuse, historicamente, resumia-se à exploração para cultivo).73
Afasta-se o direito de superfície do usufruto, tanto no tocante ao objeto de incidência (o
direito de superfície recai sobre imóveis, enquanto o usufruto pode recair também sobre
móveis), quanto no que diz respeito à transmissibilidade (o direito de superfície é
transmissível por ato inter vivos ou causa mortis, enquanto o usufruto é personalíssimo, não
podendo ser transferido sequer hereditariamente) e ainda no que refere ao prazo de duração
(se o usufruto é, no máximo, vitalício, o direito de superfície pode ser temporário ou
perpétuo).
No que toca às servidões, não há confusão. O direito de superfície é, em regra, gratuito; ao
passo que a constituição de servidões implica em indenização. Além disso, no direito de
72
LIRA, Ricardo Pereira. O Moderno Direito de Superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito
Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 61.
73
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito de Superfície. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio
(Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 185.
31
superfície não é possível identificar dois imóveis em que um deles seja dominante e o outro
serviente74.
Salientando o aspecto real do direito de superfície, não encontramos dificuldade em
distingui-lo de outros institutos afins, mas de natureza jurídica obrigacional, como a locação,
o arrendamento e a parceria.
Interessante os efeitos da diferença entre o direito de superfície e a concessão de direito
real de uso, que é decorrente do princípio superfícies solo cedit. Enquanto o direito de
superfície implica em quebra ou suspensão do princípio superfícies solo cedit, na concessão
de direito real de uso há incidência daquele princípio. Daqui se infere que no caso de
desapropriação, a indenização será dividida entre o proprietário superficiário ou titular do
direito real de construir ou plantar em solo alheio e o proprietário do solo, enquanto que na
hipótese de concessão de direito real de uso, a indenização caberá apenas ao dominusconcedente.
A despeito da inconteste autonomia entre direito de superfície e concessão de direito real
de uso, a confusão entre os institutos não é nova. Na Mensagem n.o 160, de 10 de junho de
1975 que encaminhou o Projeto de Código Civil, hoje convertido na Lei n.o 10.406, o relator
da Comissão Revisora, Miguel Reale, sustenta a repristinação do direito de superfície, porque
ele seria a versão privada da concessão de direito real de uso do Decreto-lei 271/67.
Bruno de Albuquerque Baptista75 noticia que a 2ª Turma do Egrégio Tribunal Regional
Federal da 1ª Região, no julgamento de Apelação em Mandado de segurança n.º 103.161, de
relatoria de Carlos Fernando Mathias, publicado no D.O no dia 06.05.1997, sobre a concessão
de direito real de uso, entende que ela se consistiria em moderna concepção do direito de
superfície. O trecho seguinte foi extraído da ementa do acórdão: “II- A concessão de uso, em
epígrafe, traduz uma concepção moderna do direito de superfície, onde o domínio da acessão
se destaca da propriedade do solo.”
Vale salientar que a concessão de direito real de uso não tem a plasticidade do direito de
superfície, de modo que não gera uma propriedade imobiliária separada. Além disso, a lei a
trata como direito resolúvel, enquanto o direito de superfície é direito real.
74
TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em:
<http://www2.uerj.br/~direito/publicações/diversos/malcino.html>. Acesso em: 08 mar. 2008.
75
BAPTISTA, Bruno de Albuquerque. Direito Real de Superfície. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2360>. Acesso em: 15 mar. 2008
32
Distingue-se do direito de superfície, inclusive, pelo fato de, na concessão de direito real
de uso, o direito do concessionário não poder ser hipotecado.76
Sem nos alongarmos mais neste ponto, posto que já restou inconteste a autonomia do
direito de superfície, caminhemos na análise de sua teoria geral.
3.4 FORMAS DE CONSTITUIÇÃO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE
O direito de superfície constitui-se (a) mediante registro no Registro de Imóveis de
contrato que consubstancia negócio jurídico solene, de conteúdo relevante, que pode ser puro,
condicional, a termo ou modal, oneroso – com previsão de solarium – ou gratuito, temporário
ou perpétuo; (b) por disposição de última vontade, que institua legado ad hoc. Há polêmica
sobre a constituição do direito de superfície (c) por usucapião; (d) por expropriação
(desapropriação) mediante justa indenização ao proprietário superficiário, como também (e)
através de lei.
Para Ricardo Pereira Lira77 apenas o titular do direito de propriedade pode constituir o
direito de superfície, porque a ninguém é lícito transferir mais do que seu patrimônio. Já
Marcos Alcino Azevedo Torres78 ressalva a hipótese de admissão de sobrelevação, que seria o
direito de superfície constituído sobre a propriedade superficiária pelo titular do direito de
superfície, ou até mesmo pelo proprietário sobre o edifício.
Ricardo Pereira Lira79 critica a eficácia da expropriação da superfície, uma vez que a
indenização deverá abranger também o valor do solo em que assente a coisa superficiária,
tornando despropositado o ato administrativo, que – em tese – seria possível. Tal
possibilidade, porém, no Estado Democrático de Direito precisa enfrentar o crivo do princípio
da moralidade administrativa, inserido no caput, do art. 37, da CRFB.
Quanto à constituição do direito de superfície através de lei de efeitos concretos (que é
uma excrescência dentro do sistema de pesos e contrapesos típico das repúblicas federativas),
Ricardo Pereira Lira80 admite a hipótese no caso de concessão pelo poder público do direito
76
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito de Superfície. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio
(Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 184.
77
LIRA, Ricardo Pereira. O Moderno Direito de Superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito
Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 71.
78
TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em:
<http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/diversos/malcino.html>. Acesso em: 25 mar. 2009.
79
LIRA, Ricardo Pereira. O Moderno Direito de Superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito
Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 71.
80
LIRA, Ricardo Pereira. O Moderno Direito de Superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito
Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 71-72.
33
real de construir ou plantar, isto é, quando o poder público é o dominus soli e o dá em
superfície.
Trataremos no item seguinte da constituição por usucapião.
3.4.1 A Polêmica do Direito de Superfície Constituído por Usucapião
Este é delicado tópico dentro do estudo da superfície. Alguns sistemas alienígenas o
consagram expressamente, como o português e o alemão, enquanto a doutrina oscila entre sua
admissibilidade ou não, prevalecendo à primeira hipótese81.
Para compreendermos as razões da polêmica, se faz necessário retomar as observações
concernentes à estrutura plástica do direito de superfície, que pode estar representado em (a)
direito real de construir ou plantar sobre coisa alheia; em (b) propriedade superficiária
separada (seja gerada pelo exercício da concessão, seja gerada por cisão): (b.1.) construída
sobre solo de particular ou (b.2.) construída sobre solo público.
Importante, também, sublinhar que a análise da questão está intimamente conectada aos
requisitos do usucapião, que são diversos em cada espécie de usucapião (ordinário e
extraordinário).
Fixadas essas premissas iniciais, percebe-se que o exame do assunto reclama do
observador o enfoque de dois aspectos, a saber:
(1º.) o usucapião – ordinário ou extraordinário – do direito de construir ou plantar e
(2º.) o usucapião – ordinário ou extraordinário – da propriedade separada superficiária.
Ricardo Pereira Lira82 não admite a constituição do direito de superfície por usucapião
ordinário do direito real de construir ou plantar sobre coisa alheia, visto que não seria possível
a posse exercida sobre direito real incorpóreo. Quanto à constituição do direito de superfície
por usucapião (ordinário ou extraordinário) da propriedade superficiária separada construída
em terreno particular, o Professor supõe impossível a posse exercida apenas sobre o direito de
superfície, sem abranger o solo. Apenas admite a constituição da superfície por usucapião (em
qualquer das modalidades) da propriedade superficiária separada construída em terra pública,
dada a impossibilidade jurídica da usucapião operar-se também sobre o solo, tornando inócua
a projeção da posse sobre esse solo.
81
TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em:
<http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/diversos/malcino.html>. Acesso em: 16 jan. 2009.
82
LIRA, Ricardo Pereira. O Moderno Direito de Superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito
Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 70-71.
34
Os obstáculos pragmáticos para admitir-se a constituição da usucapião não afastam a
possibilidade de sua ocorrência. Apesar da dificuldade de ser configurada a posse (entendida,
nos moldes do art. 1196, do NCCB, como o exercício de fato, pleno ou não, de algum dos
poderes inerentes à propriedade) sobre direito real incorpóreo, sendo rara alguma hipótese de
usucapião do direito real de construir ou plantar sobre coisa alheia, sua ocorrência não é
impossível.
A guisa de ilustração, podemos trazer à colação entendimento do STJ sobre a
admissibilidade de usucapião de direito real incorpóreo, que, no caso sob comento, está
sumulado no enunciado n.o 193, conforme o qual, o direito real de uso de linha telefônica
pode ser adquirido por usucapião ordinário. Dentre os acórdãos precedentes da súmula,
destaca-se, no voto do relator Min. Dias Trindade, no RESP 24410-SP, 3ª. Turma STJ, j.
04/05/1993, o seguinte trecho:
É sabido que os direitos reais podem ser objeto de usucapião como o direito de utilização de
linha telefônica, que se exerce sobre a coisa, cuja tradição se efetivou, como acima indicado, se
apresenta como daqueles que ensejam extinção por desuso e, em conseqüência, sua aquisição pela
posse durante o tempo que a lei prevê como suficiente para usucapir .
Exemplificando o caso, temos o sistema alemão, no qual se admite o usucapião ordinário
do direito de superfície, tanto no aspecto de direito real de construir ou plantar sobre coisa
alheia, como no aspecto de propriedade imobiliária separada.
Temos, ainda, que abordar a posse exercida sobre a propriedade separada superficiária
sem animus de aquisição da propriedade do solo. Nesse caso, temos tanto a possibilidade de
vislumbrar o usucapião ordinário, como o extraordinário.
Alerta Marcos Alcino Azevedo Torres que
[...] o exame do caso concreto dirá se a hipótese cuida-se de usucapião que representa
aquisição do direito de superfície, em qualquer de suas possibilidades ou, se de usucapião de todo
bem (do solo e da propriedade superficiária). A intenção do possuidor será de fundamental
relevância, embora se saiba de todos os aspectos que envolvem a produção de tal prova). 83
A doutrina admite84, quando a propriedade superficiária separada for construída sobre
terreno particular, apenas a prescrição aquisitiva ordinária, porque os efeitos aquisitivos da
acessão fariam com que a posse da superfície operasse os mesmos efeitos também sobre o
solo, subsolo e espaço aéreo.
83
TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em:
<http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/diversos/malcino.html>. Acesso em: 03 jun. 2008.
84
TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em:
<http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/diversos/malcino.html>. Acesso em 05 jul. 2008.
35
Apenas é admitido o usucapião na modalidade extraordinária, quando se tratar de
propriedade separada superficiária sobre terreno público, a despeito do entendimento de que
esta hipótese configuraria fraude à vedação constitucional de usucapião de bens públicos.
Marcos Alcino Azevedo Torres registra que:
[...] em havendo possibilidade de aquisição do direito de superfície, seja por força de lei, seja
por posição doutrinária, poder-se-ia admiti-lo para os terrenos públicos, ciente de sua
inusucapibilidade, diante da constante invasão e posse por pessoas, que terminam por construir sua
moradia no local, isto, se a administração pública deixá-lo ocioso, ao invés de ceder por contrato às
populações carentes. 85
Roseane Gonzáles, que não trata da hipótese de usucapião extraordinário de propriedade
separada superficiária construída sobre bem público, também não a exclui e assevera que,
[...] a superfície pode ser adquirida via usucapião, sendo essa modalidade rara e difícil de
ocorrer. Principalmente o usucapião extraordinário, em razão do efeito aquisitivo da acessão, por
força do qual a plantação ou construção feita no solo pertence ao proprietário deste, o que só a
superfície concedida pelo proprietário do solo poderia impedir. Por outro lado, pelo mesmo prazo, o
superficiário adquiriria a propriedade do imóvel. Já via usucapião ordinário, em razão da concessão
anterior a non domino, pode o concessionário adquirir o direito de superfície, contra o proprietário do
solo, se permanecer na posse pelo decurso do prazo, desde que não careça de boa-fé. 86
José Guilherme Braga Teixeira87 sustenta a possibilidade de aquisição da superfície por
usucapião ordinário, em razão de concessão anterior a non domino, visto que “nesta hipótese,
o concessionário adquire o direito de superfície contra o senhor do solo, se conserva a posse
pelo tempo necessário, na qualidade de superficiário, desde que não careça de boa-fé”.
Forçoso é observar que a aquisição não se opera “contra o senhor do solo”. Ela se dá em
face de quem alienou por meio de justo título que carecia de algum elemento. Se o alienante
for o dominus soli, a prescrição corre contra ele. Mas se o alienante for o cessionário do
direito de superfície, que nunca foi o senhor da terra, será contra este que correrá a prescrição
aquisitiva. Assim, a título de regra geral, não é possível admitir que o usucapião se dê contra o
senhor do solo, mas contra o alienante, que constituiu o justo título.
85
TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em:
<http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/diversos/malcino.html>. Acesso em: 05 jun. 2008.
86
Apud DERBLY, Rogério José Pereira. Direito de Superfície. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2543>. Acesso em: 10 jul. 2008.
87
Apud DERBLY, Rogério José Pereira. Direito de Superfície. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2543>. Acesso em 10 jul. 2008. e também apud TORRES,
Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em:
<http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/diversos/malcino.html>. Acesso em: 10 jul. 2008., igualmente apud
BAPTISTA, Bruno de Albuquerque. Direito Real de Superfície. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2360>. Acesso em: 10 jul. 2008, por fim, apud CASTRO,
Mônica. Direito de superfície na Lei 10.257/01 (uma primeira leitura). Jus Navigandi. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2244>. 10 jul. 2008.
36
Marcos Alcino Azevedo Torres elaborou excelentes exemplos de usucapião ordinário da
propriedade separada superficiária:
Pode-se imaginar, e.g., que alguém conheça que outrem tenha a propriedade superficiária,
reconhecendo que a propriedade do solo pertença outrem, e se aposse, por ausência do proprietário
superficiário do bem objeto de propriedade superficiária, sem que tenha a intenção de adquirir a
propriedade do solo. Ou ainda, se a propriedade é superficiária e alguém dela toma posse, ciente o
proprietário do solo, pode ele notificar o intruso, dando-lhe ciência de que a propriedade do solo é
sua, interrompendo eventual prescrição, embora seja fácil imaginar que ele teria legitimidade para
notificar o intruso, interrompendo a prescrição, de propriedade superficiária, porque teria ele, um
direito eventual (art. 121 do C. Civil)88, à construção ou a plantação, com a extinção da relação
superficiária em qualquer de suas modalidades. 89
Portanto, temos o seguinte quadro:
(a) os que inadmitem qualquer modalidade de usucapião sobre qualquer das manifestações do
direito de superfície;
(b) dentre os que admitem o usucapião, temos:
(b.1.) usucapião extraordinário, só da propriedade superficiária separada construída ou
plantada sobre solo público;
(b.2.) usucapião ordinário da propriedade superficiária separada construída ou plantada
sobre solo particular e;
(b.3.) usucapião ordinário do direito real de construir ou plantar sobre coisa alheia.
Está com a razão aqueles que admitem o usucapião – ordinário e extraordinário – em
todas as três hipóteses.
3.5 NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO DE SUPERFÍCIE
Trata-se de direito real. Contudo, aponta Marcos Alcino Azevedo Torres 90, a identificação
da natureza jurídica do direito de superfície não se resume em qualificá-lo como real ou
pessoal. Do exame do instituto, em razão de sua plasticidade, percebe-se que carece de
identificação a natureza da relação superficiária, tendo como ângulo de visão, (a) a relação do
superficiário com a coisa, resultante do exercício de direito de superfície; (b) a relação entre o
direito concedido ao superficiário e o proprietário e (c) a relação decorrente da edificação ou
plantação assentada em solo de outrem.
88
Esta referência é feita ao artigo 121, do Código Civil de 1916. O dispositivo correspondente no NCCB é o
artigo 130, cuja redação é a seguinte: “Ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou
resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo”.
89
TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em:
<http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/diversos/malcino.html>. Acesso em: 15 ago. 2008.
90
TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em:
<http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/diversos/malcino.html>. Acesso em: 15 ago. 2008.
37
Há inúmeras teorias destinadas a explicar a natureza jurídica do direito de superfície.
Ricardo Pereira Lira91 as organizou em dois grupos92.
O primeiro grupo reúne as teorias que prestigiam a concepção unitária da relação
superficiária (projeção concessionário-bem superficiário e vínculo concessionário-dono do
solo) e vêem no direito de superfície uma relação simples. Seus defensores conferem à
superfície natureza idêntica a de outros direitos reais limitados como o arrendamento, o
usufruto, a enfiteuse e a servidão predial93.
Já o segundo grupo evidencia a concepção binária da relação superficiária
(concessionário-bem superficiário e concessionário-dono do solo) e enxerga o direito de
superfície de modo analítico.
A tese dualista atribui ao superficiário a qualidade de titular do domínio útil, assumindo o
proprietário do solo a condição de titular do domínio direto ou eminente. Esta posição sofreu críticas
por se entender que a propriedade do superficiário não sofre limitações que procedam dos direitos do
dono do solo.94
Ricardo Pereira Lira95 posiciona-se, dentro das concepções binárias, que divide as
propriedades, a favor de uma visão diferente do direito de superfície, a partir da idéia de
autonomia da relação superficiária, enquanto direito real de construir acima ou abaixo do solo
de outrem, ou nele plantar, dando plasticidade à estrutura do direito de superfície.
Rogério José Pereira Derbly96 anota a distonia doutrinária quanto à natureza jurídica do
direito de superfície. Ainda que os autores não se mostrem concordes, apresentando diversas
teorias que pretendem explicá-lo, o mais importante é o seu aspecto de direito real autônomo.
91
LIRA, Ricardo Pereira. O Moderno Direito de Superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito
Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 53-68.
92
BAPTISTA, Bruno de Albuquerque. Direito Real de Superfície. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2360>. Acesso em: 22 ago. 2008.
93
BAPTISTA, Bruno de Albuquerque. Direito Real de Superfície. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2360>. Acesso em: 22 ago. 2008.
94
BAPTISTA, Bruno de Albuquerque. Direito Real de Superfície. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2360>. Acesso em: 22 ago. 2008.
95
LIRA, Ricardo Pereira. O Moderno Direito de Superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito
Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 53-68.
96
DERBLY, Rogério José Pereira. Direito de Superfície. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 53, jan. 2002.
Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2543>. Acesso em 15 jul. 2008.
38
3.6 ESPÉCIES DO DIREITO DE SUPERFÍCIE
Pode referir-se a: (1) construções e (2) plantações. No primeiro caso, admitiria tanto
construções não-residenciais (como por exemplo, um galpão) quanto edifícios com finalidade
de moradia, nitidamente, urbanística.
O direito de superfície pode abranger a concessão para construir ou plantar tanto em (i)
solo, como em (ii) subsolo alheios. Neste último caso, haveria uma espécie de direito de
“subfície” e não de superfície.
Também poderíamos ter uma classificação quanto à abrangência do direito, de molde a
vislumbrar um direito de superfície (a) total, de modo a abranger todas as coisas que se
encontrem na superfície e outro (b) parcial, que abrangeria apenas algumas delas.
Marcos Alcino Azevedo Torres
97
destaca, ainda, outras três espécies do direito de
superfície, quais sejam: (a) simples, que seria aquele desprovido de qualquer peculiaridade
que o especialize; (b) social, que seria aquele destinado a solucionar problemas de escassez de
moradia das classes menos favorecidas; e (c) por cisão, que é o direito de superfície
constituído sobre terreno já edificado ou plantado, quando o proprietário cede a edificação ou
plantação a outrem, que se torna o proprietário da coisa superficiária.
3.7 ELEMENTOS DO DIREITO DE SUPERFÍCIE
Há duas ordens de elementos do direito de superfície. Uma, subjetiva e outra, objetiva.
Vislumbram-se dois sujeitos certos na relação superficiária: o concedente e o
concessionário do direito real de construir ou plantar em solo alheio, mas também o
proprietário do solo e o proprietário separado superficiário.
Como regra geral, pode-se dizer que será objeto do direito de superfície tudo o que for
suscetível de acessão98, porque a propriedade superficiária pressupõe a suspensão ou
interrupção da eficácia do princípio superficies solo cedit. Enfim, qualquer construção (direito
de superfície ad aedificandum) ou plantação (direito de superfície ad plantandum)99.
No tocante ao direito de superfície agrícola, Bruno de Albuquerque Baptista reporta-se a:
97
TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em:
<http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/diversos/malcino.html>. Acesso em: 06 out. 2008.
98
LIRA, Ricardo Pereira. O Moderno Direito de Superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito
Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 74
99
Alguns sistemas legislativos limitam o objeto do direito de superfície, a uma ou outra espécie. Já foi, no item 3
desta monografia, analisado o sistema argentino que, recentemente, repristinou o direito de superfície agrícola,
ou seja, admite-se tão só a concessão ad plantandum. A limitação também pode se dar quanto ao subsolo e
espaço aéreo, como é exemplo o nosso Novo Código Civil.
39
grande discussão doutrinária para estabelecer se a plantação a que se refere significa qualquer cobertura
vegetal sobre o terreno ou somente árvores. José de Oliveira Ascensão, em artigo específico sobre o
tema, se posiciona no sentido de que o direito de superfície agrícola só poderá ser concedido se seu
objeto não for culturas efêmeras, como o milho, por exemplo. Além disso, ensina o professor português
que a superfície também pode ser concedida quando o objeto for árvore isoladamente considerada. 100
3.8 DIREITOS E DEVERES DO CONCEDENTE E SUPERFICIÁRIO
Os direitos e deveres do concedente e do concessionário decorrentes da relação
superficiária devem ser exercidos conforme o ajustado no contrato, a par da liberdade no
estabelecimento de obrigações entre os sujeitos da relação, decorrência natural do princípio da
autonomia da vontade, ou estabelecido em testamento, desde que não atentem contra a ordem
pública, os bons costumes e os princípios da relação superficiária101. Há, portanto, direitos e
deveres explicitados no documento que constituir o direito de superfície, assim como há
direitos e deveres implícitos, defluentes da teoria geral do direito de superfície, a terem
incidência na omissão contratual ou testamentária, sempre sob os auspícios do princípio da
função social da propriedade (seja no seu aspecto de função social do contrato, seja na sua
faceta densificadora do direito social à moradia).
Seguiremos à análise, num primeiro momento, dos direitos e obrigações do proprietário,
passando, em seguida, aos do superficiário.
Ainda que constituído o direito de superfície, é importante destacar a possibilidade de o
concedente exercer os seus direitos de proprietário no subsolo, no espaço aéreo e na parte
remanescente do solo de sua propriedade. Desde que não pratique atos impeditivos ou
prejudiciais à concretização, seja do exercício, seja do objeto do direito de superfície do
concessionário-superficiário.
Ademais, ainda que não seja da essência do negócio superficiário, é possível que a
concessão se dê a título oneroso. Nesse caso, as partes devem ajustar o pagamento de um
solarium (renda ânua) ou pensão superficiária, que deverá ser entregue ao concedente.
Vale dizer que no direito de superfície temporária, o proprietário tem o direito à reversão,
isto é, ver a coisa superficiária ingressar no seu patrimônio, com ou sem indenização, por
força do princípio da acessão, afastado em razão da constituição do direito de superfície e que,
no momento da extinção do direito, recupera todo seu potencial.
100
BAPTISTA, Bruno de Albuquerque. Direito Real de Superfície. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2360>. Acesso em: 22 ago. 2008.
101
TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em:
<http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/diversos/malcino.html>. Acesso em: 15 set. 2008.
40
De extrema relevância é, ainda, a existência de um direito de preferência do proprietário
(dominus solis), em igualdade de condições com terceiros, no caso de venda ou dação em
pagamento do direito de superfície, que deve ser entendido nas suas duas acepções: como
direito de construir ou plantar ou, ainda, como propriedade superficiária102.
Há casos em que o concedente tem o direito de promover a resolução do direito de
superfície antes do advento do termo, se temporária a superfície, quais sejam: quando o
superficiário der ao solo destinação diversa da prevista no título, bem como quando edificar
ou plantar em desacordo com o convencionado ou, ainda, se não edificar ou plantar no tempo
aprazado103.
Já no que concerne aos direitos e deveres do superficiário, deve-se destacar o seu direito
de gozo do solo alheio e a propriedade da coisa superficiária, sendo o primeiro relativo ao
direito de superfície de construir ou plantar em solo alheio.
Além disso, respeitadas as estipulações da relação superficiária, o concessionário tem a
prerrogativa de transferir o seu direito de superfície inter vivos ou causa mortis, seja a
propriedade sobre a coisa superficiária, seja a concessão para realizar construção ou
plantação.
Outra faculdade do concessionário é a de hipotecar o direito de superfície de maneira
ampla, isto é, nas suas duas acepções (superfície temporária e perpétua). Assim, quando for o
direito superficiário temporário, pode o concessionário constituir, sobre a propriedade
superficiária, ônus reais que se extinguirão com o termo da superfície. Pode, portanto,
constituir direitos reais de gozo dando a coisa em usufruto, em uso ou habitação. Também
pode constituir direitos reais de garantia, como a hipoteca e a anticrese104.
No caso de concessão a título oneroso, estará o superficiário obrigado a pagar o
solarium105 ou a pensão superficiária nos prazos e formas acordada. Contudo, nada impede
que a contraprestação seja diversa do dinheiro, como, por exemplo, frutos, na plantação e
cessão de espaço, na construção106.
102
TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em:
<http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/diversos/malcino.html>. Acesso em: 15 set. 2008.
103
DERBLY, Rogério José Pereira. Direito de Superfície. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 53, jan. 2002.
Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2543>. Acesso em 03 jun. 2008.
104
TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em:
<http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/diversos/malcino.html>. Acesso em: 03 jun. 2008.
105
LIRA, Ricardo Pereira. O Direito de Superfície e o Novo Código Civil. Revista Forense, Separata, v. 364.
106
TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em:
<http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/diversos/malcino.html>. Acesso em: 03 jun. 2008.
41
Outra obrigação que, se não cumprida, dá ensejo à resolução do direito de superfície é a
de construir ou plantar ou ainda exercer o direito sobre a propriedade superficiária,
exatamente conforme o acordado, hipótese já abordada anteriormente.
Ademais, quando constituir a contraprestação do concessionário o ingresso gratuito da
coisa superficiária no patrimônio do concedente, terá ele, em princípio, a obrigação de
conservá-la. Sendo assim, não haverá o direito de demoli-la, salvo se houver expressa
pactuação em contrário.
Nesse ponto, vale abrir um parêntesis. Após o advento da Constituição de 1988, o direito
de demolição da coisa deve ser confrontado com o princípio da função social da propriedade.
Caso constitua desperdício da potencialidade da coisa superficiária, a cláusula que preveja a
demolição será inconstitucional.
No caso de perecimento da coisa superficiária, poderá ele reconstruí-la, enquanto viger o
direito de superfície.
O superficiário responde, inclusive, pelos encargos e tributos que incidirem tanto sobre a
obra superficiária como sobre o solo, enquanto durar o direito de superfície107.
Vale ressaltar que, na hipótese de alienação do solo, seja através de venda ou dação em
pagamento do solo, o dominus solis deve dar preferência ao superficiário em igualdade de
condições com terceiros108.
Este é, via de regra, o quadro de direitos e deveres decorrentes do direito de superfície
plasticamente entendido.
3.9 FORMAS DE EXTINÇÃO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE E SEUS EFEITOS
Considerando que o direito de superfície pode ser temporário, ele extinguir-se-á, nesta
hipótese, pelo advento do termo, que põe fim à suspensão da eficácia do princípio superficies
solo cedit, operando a reversão da coisa superficiária para o dominus soli, ou – simplesmente
– cessando a eficácia do direito real limitado de construir ou plantar sobre coisa alheia. Para
Ricardo Pereira Lira109 a coisa superficiária não reverteria para o patrimônio do dono do solo,
mas nele ingressa ex novo, pois lá nunca estivera antes. Há que se acrescentar a esta crítica
107
BAPTISTA, Bruno de Albuquerque. Direito Real de Superfície. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2360>. Acesso em: 03 jun. 2008.
108
TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em:
<http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/publicacoes/diversos/malcino.html>. Acesso em: 03 jun. 2008.
109
LIRA, Ricardo Pereira. O Moderno Direito de Superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito
Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 82.
42
nominativa, que a expressão é fidedigna quando se trata de direito de superfície gerado por
cisão e o dono do solo já foi o dono da coisa superficiária. Neste caso, há verdadeira reversão.
Alinha-se o abandono da coisa superficiária, à qual se aplicam os princípios de
propriedade imobiliária, e o não-uso/não-exercício dentro do prazo decadencial assinalado
pelas partes, do direito real de construir ou plantar sobre coisa alheia como causas de extinção
do direito de superfície. Mas, neste ponto, há que se questionar se a causa extintiva não
residiria no desrespeito ao princípio da função social da propriedade, que veda o desperdício
de utilidade da coisa. Assim, o não-uso, após a Constituição de 1988, não é mais uma das
faculdades do dono. Pelo contrário, tem como efeito retirar o conteúdo do direito de
propriedade, que só merece tutela do ordenamento jurídico, desde que exercida conforme sua
função social.
A destruição da coisa é causa extintiva do direito de superfície a ser cuidadosamente
analisada. Se tiver sido pactuada, em tese, não ensejaria nenhuma dúvida. Contudo, se o
contrato for omisso, como resolver a questão? Devemos, para ambas as hipóteses, tomar o
princípio constitucional da função social da propriedade como parâmetro para a solução do
caso, pois o critério da absoluta senhoria sobre a coisa não coaduna com os valores
democráticos preconizados na Constituição de 1988. Desse modo, se a destruição da coisa
implicar em desperdício de sua utilidade, ela será cláusula nula, caso prevista
contratualmente, ou, na omissão do contrato, conduta juridicamente reprovável.
Marcos Alcino de Azevedo Torres, sobre a possibilidade de previsão contratual de
levantamento da coisa superficiária, pelo superficiário, para entregar o solo no estado que
recebera, entende que a previsão deve ser clara, pois não é econômico-social destruir-se uma
riqueza.110
Como causa extintiva do direito de superfície, pode, ainda, ser enumerada a renúncia da
propriedade separada superficiária ou do direito de construir ou plantar, quando o direito de
superfície consistir em legado (deixado em declaração de última vontade). Na mesma linha,
teríamos o distrato, quando a superfície tiver sido constituída por contrato.
Uma vez que no negócio jurídico bilateral ou na declaração unilateral de vontade mortis
causa instituidores do direito de superfície pode ser previsto o dever de pagamento de
solarium pelo superficiário, o descumprimento dessa obrigação dá ensejo ao comisso,
podendo impor a extinção da superfície.
110
TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em:
<http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/diversos/malcino.html>. Acesso em: 03 jun. 2008.
43
Há que se perfilar outras causas extintivas da superfície, como a expropriação, hipótese
em que a extinção opera não só em face da propriedade do solo, mas também do direito de
superfície111 e a confusão dos titulares112 (que pode ocorrer em três hipóteses distintas, quais
sejam: a aquisição da superfície pelo senhor do solo, aquisição do solo pelo superficiário e a
aquisição do solo e da superfície por terceira pessoa). Quanto à confusão, Marcos Alcino
Azevedo Torres113 alerta que pode haver declaração formal do adquirente no sentido da
manutenção do direito de superfície em estado de quiescência para possibilidade de posterior
restabelecimento da relação superficiária.
Ainda, a usucapião, desde que se a admita como forma de constituição do direito de
superfície.
3.9.1 A questão dos efeitos da extinção do Direito de Superfície no tocante ao Ônus Reais
que gravam o solo e a propriedade superficiária separada.
A hipotecabilidade do direito de superfície é uma das grandes vantagens econômicas que
o instituto apresenta. Mas, é da natureza do direito de superfície sua transitoriedade (a
despeito de também poder ser estabelecido por prazo indeterminado), porque, sob certo ponto
de vista, a perpetuidade implicaria na transferência da propriedade.
Uma vez que os direitos reais são hipotecáveis, inclusive o direito real de construir ou
plantar sobre solo alheio, em termos de teoria geral114, pode-se registrar que os direitos reais
incidentes sobre o direito de superfície extinguem-se com o advento do termo, subrogando-se
a garantia na indenização – se houver. Se a extinção do direito de superfície for por outra
causa, continua a gravar o solo ou a propriedade superficiária, desde que especificamente
constituída sobre cada uma dessas propriedades.
111
DERBLY, Rogério José Pereira. Direito de Superfície. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 53, jan. 2002.
Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2543>. Acesso em 03 jun. 2008.
112
DERBLY, Rogério José Pereira. Direito de Superfície. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 53, jan. 2002.
Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2543>. Acesso em 03 jun. 2008.
113
TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em:
<http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/diversos/malcino.html>. Acesso em: 03 jun. 2008.
114
LIRA, Ricardo Pereira. O Moderno Direito de Superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito
Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 82 e O Direito de Superfície e o Novo Código Civil. Revista
Forense, Separata, v. 364. p. 251-266.
44
3.9.2 A polêmica questão da expropriação de glebas utilizadas para o plantio ilegal de
plantas psicotrópicas, pelo proprietário superficiário, sendo o proprietário do solo
terceiro de boa-fé.
O artigo 243, da Constituição brasileira, tem a seguinte redação:
As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas
psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de
colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao
proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Na hipótese sob comento, há dois proprietários: um dominus soli e outro proprietário
superficiário, sendo certo que o proprietário do solo é terceiro de boa-fé, enquanto o
proprietário superficiário explora o terreno dado em superfície para o plantio ilegal de plantas
psicotrópicas.
Como solucionar a questão, se a expropriação da gleba face o dono implicaria em ofensa
ao postulado de Justiça que determina a proteção do terceiro de boa-fé.
Se se admite, a fim de proteger o dominus soli (terceiro de boa-fé), a possibilidade da
expropriação apenas da propriedade superficiária prevista contratualmente como temporária,
qual a conseqüência do advento do termo? A propriedade sofreria reversão para o patrimônio
do proprietário do solo independente de anterior procedimento de desafetação?
O artigo 5º, XXII e XXIII, da Constituição protege o proprietário que dê função social ao
seu domínio. Enquanto isso, o artigo 243, daquele mesmo diploma, vincula o destino da terra
expropriada, qual seja: o assentamento de colonos para cultivo de produtos alimentícios e
medicamentosos.
Se a Constituição deve ser interpretada sistematica e axiologicamente, de molde a não
admitir contradições, entendemos que o interesse público tem primazia, mas o dono do solo
de boa-fé deve ser protegido. A propriedade superficiária utilizada ilicitamente sofrerá
expropriação, sem nenhuma indenização para o dono da plantação. A gleba será afetada ao
assentamento de colonos que cultivarão produtos alimentícios e medicamentosos. Assim, não
poderá a propriedade superficiária sofrer reversão após o advento do termo. Mas, caberá ao
dono do solo pleitear indenização, no bojo do processo expropriatório, já que nos moldes do
artigo 17, da Lei 8.257, de 26 de novembro de 1991 (que regulamenta o artigo 243, da
CRFB), só não cabem embargos de terceiro fundados em dívida hipotecária, pignoratícias ou
anticrética.
45
4 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
DIREITO
DE
SUPERFÍCIE
NO
No período colonial, admitia-se no ordenamento jurídico brasileiro o direito de superfície
pela aplicação das Ordenações do Reino. O instituto deixou de ser adotado somente com o
advento da Lei n.° 1.237, de 24 de setembro de 1864, que, ao enumerar os direitos reais,
deixou de mencioná-lo enquanto modalidade de direito real115.
Cabe destacar que, desde aqueles tempos, vigia no direito brasileiro a teoria numerus
clausus em matéria de enunciação legal dos direitos reais, em outras palavras, o direito real só
poderia existir ministerio legis, não sendo possível convenção das partes para a configuração
de outras espécies.
Ora, se o direito de superfície não mais constava no rol dos direitos reais é porque não
podia mais ser caracterizado como tal. Daí concluir-se pela abolição do instituto, uma vez que
é da sua essência a qualidade de direito real.
O Código Civil de 1916, por sua vez, não enumerou o de superfície como direito real,
sendo então inadmissível a utilização do instituto.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro116 faz alusão às tentativas de reinclusão do direito de
superfície no direito brasileiro: a primeira, sem sucesso, foi o Anteprojeto de Código Civil
elaborado por Orlando Gomes, que inseria o instituto no rol dos direitos reais. Esse
movimento de reforma do Código Civil foi abandonado.
O segundo movimento de reforma do Código Civil, conforme noticia Ricardo Pereira
Lira117, foi iniciado por ato ministerial de 1969, que instituiu Comissão Elaboradora e
Revisora do Código Civil. No anteprojeto inicial do relator Erbert Vianna Chamoun, não era
previsto o direito de superfície. Mas, na versão da Comissão, o direito de superfície estava
previsto no anteprojeto inicial, que, sob a supervisão de Miguel Reale, foi transformado em
Projeto de Código Civil, sob n.° 634/1975, na ocasião em que foi enviado ao Congresso, junto
com a Mensagem n.o 160, de 10 de junho de 1975 (sua Exposição de Motivos).
No item 27, letra “h”, do Livro III (Do Direito das Coisas), da Exposição de Motivos do
Projeto 634/75, o Supervisor da Comissão Elaboradora e Revisora do Código Civil, o jurista
Miguel Reale, consigna que:
115
LIRA, Ricardo Pereira. O Moderno Direito de Superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito
Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 87.
116
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito de Superfície. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio
(Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 179-180
117
LIRA, Ricardo Pereira. O Direito de Superfície e o Novo Código Civil. Revista Forense, Separata, v. 364. p.
260-261.
46
h) Tendo sido firmado o princípio da enumeração taxativa dos direitos reais foi mister atender
à chamada “concessão de uso”, tal como já se acha em vigor, ‘ex vi’ do Decreto-lei n.o 271, de 28 de
fevereiro de 1967, que dispõe sobre loteamento urbano. Trata-se de inovação recente de legislação
pátria, mas com larga e benéfica aplicação. Como a lei estende a “concessão de uso” às relações entre
particulares, não pode o Projeto deixar de contemplar a espécie. Consoante justa ponderação de JOSÉ
CARLOS DE MOREIRA ALVES, a ‘migração’ desse modelo jurídico, que passou da esfera do Direito
Administrativo para a do Direito Privado, veio restabelecer, sob novo enfoque, o antigo instituto da
superficie.
Ricardo Pereira Lira118 sustentou, na defesa da tese para titularidade da cadeira de Direito
Civil da Faculdade de Direito da UERJ, em junho de 1979, a conveniência da repristinação do
direito de superfície, no direito positivo brasileiro, através de lei extravagante, sem aguardar
a conclusão da revisão do Código Civil.
Todavia, antes mesmo de o novo Código Civil ser sancionado, o Estatuto da Cidade (Lei
Federal n.o 10.257, de 10 de julho de 2001), antecipando-se, incluiu o instituto entre os
instrumentos de realização da política urbana, regulamentando-os nos artigos 21 a 24.
Posteriormente, veio a lume nova regulamentação da categoria jurídica sob análise, no Novo
Código Civil (Lei Federal n.o 10.406, de 10 de janeiro de 2002), nos artigos 1.369 a 1.377.
Letícia Marques Osório119 noticia que, no âmbito do direito urbanístico, “o instituto
constou apenas na primeira Lei de Terras de 1850, tendo constado no projeto de Lei do Solo
n.o 775/83 e, atualmente, no Estatuto da Cidade”.
Sobre o Projeto de Lei do Solo n.o 775/83, de iniciativa do Poder Executivo, Ricardo
Pereira Lira120 aponta que ele foi a primeira tentativa para o estabelecimento de princípios
federais regulando o desenvolvimento urbano e prevendo instrumentos vários, inclusive
jurídicos, que procuravam organizar de maneira justa e regular os assentamentos urbanos. Isso
em época em que a Constituição de 69 não previa expressamente competência da União para
estabelecer diretrizes federais sobre o desenvolvimento urbano.
Alguns autores121 – equivocadamente – sustentam que o direito de superfície já teria sido
reintroduzido em nosso ordenamento jurídico sob a forma de concessão de direito real de uso,
instituída pelo Decreto-lei 271, de 28 de fevereiro de 1967, contudo, tratam-se de categorias
autônomas.
118
LIRA, Ricardo Pereira. O Moderno Direito de Superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito
Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 100.
119
OSORIO, Letícia Marques. Direito de Superfície .In: OSÓRIO, Letícia Marques (Org.). Estatuto da Cidade e
Reforma Urbana: Novas Perspectivas para as Cidades Brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
2003. p. 176.
120
LIRA, Ricardo Pereira. O Direito de Superfície e o Novo Código Civil. Revista Forense, Separata, v. 364. p.
262.
121
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito de Superfície. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio
(Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 180
47
Outros autores122 têm criticado a adoção do novo instituto, acusando-o de obsoleto e de
sementeira de litígios. Porém, é inegável a importância jurídica e social do direito de
superfície, cuja finalidade visa a densificar o princípio da função social da propriedade.
As palavras de Ricardo Pereira Lira, ditas 1979, ao concluir sua tese O Moderno Direito
de Superfície, nunca foram tão atuais:
[...] o direito de superfície não é uma categoria morta, condenável ou supérflua, que se estaria
pretendendo renascida, para construir sementeira de litígios; o direito de superfície é categoria
jurídica relevante do ponto de vista jurídico e social, a ser reentronizada em nosso direito positivo,
como indispensável instrumento a ser adotado na implantação de uma política racional de utilização
do solo urbano e de uma reforma agrária efetivamente estrutural.
Se foram proféticas essas concludentes palavras, apenas a aplicabilidade, sem temor do
direito de superfície, seja como instrumento de política urbana, seja como categoria do direito
civil, de finalidade não-urbanística, poderá demonstrar.
122
LEITE, Carlos Kennedy da Costa. Direito real de superfície: a ressurreição. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3616>. Acesso em 03 nov.. 2009.
48
5 CONFLITOS DE LEIS NO TEMPO: O ESTATUTO DA CIDADE E NOVO
CÓDIGO CIVIL COEXISTEM?
No Brasil, o direito de superfície ressurge tanto no âmbito do direito civil como do direito
urbanístico, deixando de ser considerado como simples figura do direito romano. Dentre seus
principais objetivos, ensina Letícia Marques Osório:
[...] está o de democratizar o acesso à terra urbana e o de dinamizar o mercado imobiliário,
permitindo a separação do direito de construir do direito de propriedade, barateando o processo de
123
construção civil e fomentando a produção habitacional.
O conflito temporal se dá, especificamente, entre os arts. 21 a 24, da Lei Federal n.o.
10.257, de 10 de julho de 2001 e os arts. 1.369 a 1.377, da Lei Federal n.o. 10.406, de 10 de
janeiro de 2002, uma vez que ambos os diplomas legais regularam de forma completa o
instituto do direito de superfície.
Na Lei de Introdução ao Código Civil, a regra defluente do art. 2º, § 1º124, prega a
revogação da lei anterior quando lei posterior regular integralmente a mesma matéria de que
tratava a lei anterior.
Daí, a razão de alguns autores sustentarem a revogação da disciplina do direito de
superfície no Estatuto da Cidade, pelo Novo Código Civil.
Carlos Kennedy da Costa Leite, comentando a situação antes do Novo Código Civil entrar
em vigor, tece severas críticas contra a regulamentação no Estatuto da Cidade. Assevera que:
[...] sendo o Direito de Superfície um instituto de feição eminentemente civil, só deveria ele ser
instituído por legislação de natureza civil, como o fez o Código Civil prestes a entrar em vigor. É um
atentado ao senso jurídico de qualquer pessoa que tenha um mínimo envolvimento com o direito,
vislumbrar o ‘Estatuto da Cidade’, lei de cunho estritamente administrativo, instituindo e
125
disciplinando – porque o texto legal realmente institui e disciplina – o Direito Real de Superfície.
Em sentido diverso alinham-se os que entendem que o Estatuto da Cidade não é uma
legislação de cunho estritamente administrativo. Trata-se de lei que incorporou o direito
constitucional à moradia126, porque, ao regulamentar os arts. 182 e 183 da CRFB, densificou
123
OSORIO, Letícia Marques. Direito de Superfície. In: OSÓRIO, Letícia Marques (Org.). Estatuto da Cidade e
Reforma Urbana: Novas Perspectivas para as Cidades Brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
2003. p. 176.
124
“Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou
quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.
125
LEITE, Carlos Kennedy da Costa. Direito Real de Superfície: a ressureição. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3616>. Acesso em: 03 jul.2008.
126
WOLFF, Simone. Estatuto da Cidade: A Construção da Sustentabilidade. Revista Jurídica, n. 45, v. 4, fev.
2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_45>. Acesso em: 13 dez. 2008.
49
o princípio da função social da propriedade, não merecendo ter seu espectro de abrangência
tão limitado.
O Estatuto da Cidade, instrumento de excelência, assinala Simone Wolff127, tem a inédita
proposta de agregar valores impregnados de justiça, democracia e solidariedade, inserindose
[...] em um contexto de barreira à imobilidade e à inércia, representando um marco
fundamental de conscientização e mudanças de comportamento a médio e a longo prazos à disposição
de todo cidadão brasileiro. Aliando a busca permanente do desenvolvimento urbano em bases
sustentáveis ao esforço contínuo de instauração da justiça social e ambiental nas cidades, o Estatuto
opõe-se à destruição do ambiente e ao aviltamento do homem, o que representa um imenso desafio
para o País e suas instituições.
No mesmo diapasão é a lição de Ricardo Pereira Lira128, para quem a entrada em vigor do
Novo Código Civil em janeiro de 2003 não revogou as disposições relativas ao direito de
superfície editadas com o Estatuto da Cidade. Apesar de ser o mesmo instituto, ele tem
vocações diversas em cada um dos diplomas legais. O Estatuto da Cidade:
[...] está voltado para as necessidades do desenvolvimento urbano, editado como categoria
necessária à organização regular e equânime dos assentamentos urbanos, como fator de
institucionalização eventual da função social da cidade. No novo Código Civil, o direito de superfície
será um instrumento destinado a atender interesses e necessidades privados
Ricardo Pereira Lira129 exemplifica a coexistência de ambas as regulamentações:
Se uma municipalidade, por exemplo, desqualifica o espaço público correspondente a uma
praça, convolando-o em bem patrimonial, e concede a terceiro, a título de superfície, o subsolo, para
instituição de um estacionamento, concedendo o solo a outrem, também a título de superfície, para
construção e exploração de um estádio poliesportivo, estará utilizando o direito de superfície
urbanístico, previsto no Estatuto da Cidade.
Se um particular, dono de um imóvel residencial, pretende estabelecer no lote contíguo, de
propriedade de outrem, um campo de futebol, nele construindo uma pequena sede desportiva, com
vestiário, sauna, etc..., para tanto contratando com seu vizinho o direito de construir, a título de
superfície, sobre o lote dele, estará constituindo um direito de superfície que será regulado pelo novo
Código Civil, pois o negócio jurídico em tela estará penetrado inteiramente pelo interesse particular,
sem qualquer viés urbanístico.
Por fim, elegemos como derradeiro argumento o fato do art. 1.377130, do Novo Código
Civil, referir-se a lei especial. O dispositivo sob comento trata da constituição do direito de
127
WOLFF, Simone. Estatuto da Cidade: A Construção da Sustentabilidade. Revista Jurídica, n. 45, v. 4, fev.
2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_45>. Acesso em: 13 dez. 2008.
128
LIRA, Ricardo Pereira. O Direito de Superfície e o Novo Código Civil. Revista Forense, Separata, v. 364. p.
263-264.
129
LIRA, Ricardo Pereira. O Direito de Superfície e o Novo Código Civil. Revista Forense, Separata, v. 364. p.
264.
130
NCCB, “Art. 1.377. O direito de superfície, constituído por pessoa jurídica de direito público interno, rege-se
por este Código, no que não for diversamente disciplinado em lei especial”.
50
superfície por pessoa de direito público interno. Enuncia que a hipótese será regida pelo
diploma privatístico, apenas se não houver disciplina diversa em outro estatuto.
Ora, se o Novo Código Civil, lei posterior, remete a disciplina do direito de superfície
para outro diploma que contenha regras sobre a mesma matéria; e se esse outro diploma só
pode ser o Estatuto da Cidade, vez que foi através dele que o instituto foi reintroduzido no
ordenamento jurídico pátrio; isso já constitui fundamento razoável para sustentar-se que o
direito de superfície civil coexiste com o direito de superfície urbanístico. A utilização de um
ou de outro diploma, portanto, será definida pela finalidade almejada com o direito de
superfície.
Não é outra a conclusão a que chegaram os juristas reunidos na Jornada de Direito Civil
promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal no período de
11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado, do STJ.
O enunciado aprovado sob o n.. º 93 refere-se ao art. 1.369 do NCCB e professa o seguinte:
93 – Art. 1.369: As normas previstas no Código Civil sobre direito de superfície não revogam
as relativas a direito de superfície constantes no Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001) por
ser instrumento de política de desenvolvimento urbano.
51
6 ANÁLISE COMPARADA DO INSTITUTO NO ESTATUTO DA CIDADE E NO
NOVO CÓDIGO CIVIL
Uma vez estabelecida à coexistência de regulamentação do direito de superfície no
Estatuto da Cidade e no Novo Código Civil Brasileiro, visto que têm objetos distintos,
passemos à análise comparada do direito de superfície no ordenamento jurídico brasileiro.
Cuidando para que o estudo ganhasse em acurácia, elaboramos dois quadros que
auxiliarão nossas observações. O primeiro quadro perfila as normas do Estatuto da Cidade e
suas correspondentes previsões no Novo Código Civil. O segundo quadro expressa
metodologia de análise dos aspectos relevantes e dos divergentes no Estatuto da Cidade e no
NCCB.
ANÁLISE COMPARATIVA DA LEGISLAÇÃO SOBRE DIREITO DE SUPERFÍCIE
ESTATUTO DA CIDADE
Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito
de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou
indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório
de registro de imóveis.
NCCB
Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o
direito de construir ou de plantar em seu terreno, por
tempo determinado, mediante escritura pública
devidamente registrada no Cartório de Registro de
Imóveis.
Art. 21. (...)
§ 1o O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o
subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma
estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação
urbanística.
Art. 1.369. (...) Parágrafo único. O direito de
superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for
inerente ao objeto da concessão.
Art. 21. (...)
§ 2o A concessão do direito de superfície poderá ser gratuita ou
onerosa.
Art. 1.370. A concessão da superfície será gratuita
ou onerosa; se onerosa, estipularão as partes se o
pagamento será feito de uma só vez, ou
parceladamente.
Art. 21. (...)
§ 3o O superficiário responderá integralmente pelos encargos e
tributos que incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando,
ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com
os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito
de superfície, salvo disposição em contrário do contrato
respectivo.
Art. 21. (...)
§ 4o O direito de superfície pode ser transferido a terceiros,
obedecidos os termos do contrato respectivo.
Art. 21. (...)
§ 5o Por morte do superficiário, os seus direitos transmitem-se a
seus herdeiros.
Art. 22. Em caso de alienação do terreno, ou do direito de
superfície, o superficiário e o proprietário, respectivamente, terão
direito de preferência, em igualdade de condições à oferta de
terceiros.
Art. 23. Extingue-se o direito de superfície:
I – pelo advento do termo;
II – pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas
pelo superficiário.
Art. 24. Extinto o direito de superfície, o proprietário recuperará
o pleno domínio do terreno, bem como das acessões e benfeitorias
introduzidas no imóvel, independentemente de indenização, se as
partes não houverem estipulado o contrário no respectivo
contrato.
Art. 24. (...)
Art. 1.371. O superficiário responderá pelos
encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel.
Art. 1.372. O direito de superfície pode transferir-se
a terceiros e, por morte do superficiário, aos seus
herdeiros.
Parágrafo único. Não poderá ser estipulado pelo
concedente, a nenhum título, qualquer pagamento
pela transferência.
Art. 1.373. Em caso de alienação do imóvel ou do
direito de superfície, o superficiário ou o
proprietário tem direito de preferência, em
igualdade de condições.
Sem correspondente
Art. 1.375. Extinta a concessão, o proprietário
passará a ter a propriedade plena sobre o terreno,
construção ou plantação, independentemente de
indenização, se as partes não houverem estipulado o
contrário.
Art. 1.374. Antes do termo final, resolver-se-á a
52
§ 1o Antes do termo final do contrato, extinguir-se-á o direito de
superfície se o superficiário der ao terreno destinação diversa
daquela para a qual for concedida.
Art. 24. (...)
§ 2o A extinção do direito de superfície será averbada no cartório
de registro de imóveis.
Sem correspondente
Sem correspondente\
PONTUANDO AS DIFERENÇAS...
Natureza
Jurídica
Sem correspondente
Art. 1.376. No caso de extinção do direito de
superfície em conseqüência de desapropriação, a
indenização cabe ao proprietário e ao superficiário,
no valor correspondente ao direito real de cada um.
Art. 1.377. O direito de superfície, constituído por
pessoa jurídica de direito público interno, rege-se
por este Código, no que não for diversamente
disciplinado em lei especial.
ESTATUTO DA
CIDADE
NCCB
Direito real (NCCB, 1.225, II)
Aplicação
Formas de constituição
Prazo
Objeto
Concessão
Tributos
Modos de transmissão
Na transferência
Formas de extinção
Efeitos da extinção
Hipoteca
concessão se o superficiário der ao terreno
destinação diversa daquela para que foi concedida.
Finalidade urbanística =
Finalidade lícita nãoinstrumento de política
urbanística.
o
urbana (E.C.art. 4 .,V,“l”)
Contrato solene + RGI; não veda disposição de
última vontade; não veda usucapião, nem
expropriação pelo poder público
Por tempo indeterminado
Por tempo determinado
ou determinado
Solo; polêmica do
Solo, subsolo e espaço
espaço aéreo; não
aéreo; não havendo direito
havendo superfície por
de superfície por cisão;
cisão; polêmica da
polêmica da sobrelevação.
sobrelevação.
Gratuita ou onerosa
Há expressa previsão de
Não há previsão
que as partes podem
expressa, o que não
pactuar sobre o pagamento
inviabiliza eventual
de tributos sobre o imóvel.
acerto.
Inter vivos ou causa mortis
Pode ser estipulado um
Não pode ser estipulado
quantum, porque a lei é
nenhum valor em razão
omissa.
da transferência.
Advento do termo; pelo
descumprimento das
Prevê expressamente o
obrigações assumidas no
advento do termo e o
contrato; pelo desvio de
desvio de finalidade.
finalidade.
Reversão, em regra, independente de indenização
O Estatuto da Cidade não
O NCCB não é
se refere a ela, que é –
expresso, mas se a
contudo – da essência do
admite.
instituto.
Proprietário urbano x proprietário
Quanto ao elemento subjetivo do direito de superfície, há questão que merece
enfrentamento. Se o art. 21, do Estatuto da Cidade refere-se a proprietário urbano, o art.
1.369, do NCCB não o faz, limitando-se a enunciar que o proprietário do solo pode constituir
o direito de superfície.
53
A interpretação que a doutrina131 faz é no sentido de que o direito de superfície urbanístico
não abrange os imóveis rurais, ao passo que o direito de superfície do Código Civil pode ser
indistintamente utilizado pelo proprietário rural e urbano.
Em que pese a autoridade da argumentação, está com razão Simone Wolff132 que não
afasta a incidência do Estatuto da Cidade do campo. Para ela, deve ser, a lei que incorporou o
direito constitucional à moradia, efetivamente implementada, no campo ou na cidade.
Sublinha que o ambiente rural não foi desprezado pelo instrumento normativo urbanístico que
é a Lei 10257/01.
Não se pode confundir área urbana com cidade. Há cidades nas zonas rurais, assim como
são encontradas economias tipicamente rurais no perímetro urbano. O dinamismo do contexto
urbano e as imbricadas relações que alberga afastam a idéia de que a cidade seja apenas a
soma de propriedades individuais. Todos têm direito à cidade e não só aqueles que são
proprietários.
Simone Wolff fala em direito a cidades sustentáveis, cujo comando remete à eqüidade
intergeracional, garantido-se a terra urbana, a moradia, o saneamento ambiental, a infraestrutura urbana, o transporte e serviços públicos, bem como o trabalho e o lazer para todos os
que habitam – e deverão habitar – as cidades brasileiras. 133
Sustenta-se, portanto, a possibilidade de incidência do Estatuto da Cidade tanto nas
cidades localizadas no campo, como naquelas que estão no perímetro urbano. Não se pode
limitar a incidência do direito de superfície urbanístico apenas à zona urbana, porque a lei
deve ser sistematicamente interpretada e os arts. 1º. e 2º., do Estatuto da Cidade, que
desenham o conteúdo do princípio da função social da propriedade urbana134, têm a missão
densificadora do direito social à moradia, que não pode ser excluído dos habitantes de zonas
rurais. O fato de a lei referir-se a proprietário urbano deve ser entendido conforme o fim
urbanístico do direito de superfície disciplinado no Estatuto da Cidade, como instrumento de
política urbana.
131
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito de Superfície. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio
(Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 180.
132
WOLFF, Simone. Estatuto da Cidade: A Construção da Sustentabilidade. Revista Jurídica, n. 45, v. 4, fev.
2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_45>. Acesso em: 13 dez. 2008
133
WOLFF, Simone. Estatuto da Cidade: A Construção da Sustentabilidade. Revista Jurídica, n. 45, v. 4, fev.
2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_45>. Acesso em: 13 dez. 2008
134
MATTOS, Liana Portilho. A Efetividade da Função Social da Propriedade Urbana à Luz do Estatuto da
Cidade. Rio de Janeiro: Temas & Idéias Editora, 2003.
54
Aplicabilidade: delimitação segundo o critério da finalidade
Conforme desenvolvido no item 5 desta monografia, coexistem duas regulamentações
diferentes para o direito de superfície, devendo uma ou outra ser aplicada conforme a
finalidade da constituição daquele direito real.
Se o direito de superfície for instituído como instrumento de política urbana, incide o
Estatuto da Cidade.
Se for constituído para fim não-urbanístico, aplica-se o Novo Código Civil.
Interessante questão é trabalhada na doutrina, quando se enfoca o direito de superfície
urbanístico como instrumento de política urbana (art. 4º, V, “l”), que visa a garantir o direito
constitucional à moradia digna, funcionalizador da propriedade urbana. Marise Pessôa
Cavalcanti135 preconiza a possível constituição do direito de superfície compulsoriamente,
mediante oponibilidade do direito de superfície a particular, a fim de garantir o direito à
moradia.
A autora sustenta136 a “possibilidade de se estabelecer a superfície de forma compulsória,
como ‘obrigação de contratar’, decorrente da não-utilização ou subutilização do solo urbano
ou rural, que deixar de cumprir a função social intrínseca ao direito de propriedade.” Seria
uma espécie de ‘superfície-sanção’, vez que determinaria o uso a ser dado ao solo,
independente de indenização ao dominus soli137. Defende que a superfície compulsória seria
instrumento mais eficaz que a edificação compulsória. Mas para sua aplicabilidade, seria
necessária Emenda Constitucional.
Letícia Marques Osório138, apesar de reconhecer a autonomia do direito de superfície,
prega que um de seus empregos “mais propício ao interesse urbanístico consiste na
possibilidade de utilização de terrenos públicos por particulares”. Para fundamentar essa outra
forma de ‘superfície compulsória’, oponível ao poder público, busca inspiração na concessão
de direito real de uso tratada no Decreto-Lei n.o 271/67 e depois, no Estatuto da Cidade
vetado e finalmente na Medida Provisória 2.220/02, como concessão de direito real de uso
para fins de moradia. A autora assevera que:
135
CAVALCANTI, Marise Pessôa. Superfície Compulsória: instrumento de efetivação da função social da
propriedade. Biblioteca de Teses. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 72-81.
136
CAVALCANTI, Marise Pessôa. Superfície Compulsória: instrumento de efetivação da função social da
propriedade. Biblioteca de Teses. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 77.
137
CAVALCANTI, Marise Pessôa. Superfície Compulsória: instrumento de efetivação da função social da
propriedade. Biblioteca de Teses. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 79-80.
138
OSORIO, Letícia Marques. Direito de Superfície.In: OSÓRIO, Letícia Marques (Org.). Estatuto da Cidade e
Reforma Urbana: Novas Perspectivas para as Cidades Brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
2003. p. 184-186.
55
[...] a nova legislação federal prevê um direito subjetivo público ao direito de superfície de
áreas de propriedade pública. É direito subjetivo público porque tutelada constitucionalmente, sendo
passível de obtenção inclusive contra a vontade do Poder Público proprietário, desde que o beneficiário
atenda aos requisitos de tamanho de terreno, tempo e finalidade de ocupação previstos em lei. O
exercício do direito de superfície em área de domínio público é previsto no novo Código Civil, artigo
139
1.376.
Assim, elencam-se dois tipos de ‘superfície compulsória’:
(a) oponível pelo Poder Público ao particular, como superfície-sanção, independente de
indenização, desde que efetivada por Emenda à Constituição;
(b) oponível pelo particular ao Poder Público, utilizando por empréstimo os requisitos da
concessão de uso especial para fins de moradia, regrada na Medida Provisória
2.220/02, vez que se trata de direito subjetivo público ao direito de superfície de áreas
de propriedade pública.
Objeto do Direito de Superfície
A superfície urbanística abrange o direito de utilizar o solo, subsolo e espaço aéreo
correspondente, nos moldes do art. 21, § 1º, do Estatuto da Cidade. A superfície civil (art.
1.369, parágrafo único, NCCB) só abrange o solo, podendo ser utilizado o subsolo, no caso
em que a obra nele seja inerente ao objeto da concessão, como por exemplo, uma piscina ou
garagem subterrânea de casa construídas em solo dado em superfície para particular construir
sua casa de veraneio.
Na superfície urbanística, a despeito da omissão legislativa, a utilização do solo, subsolo e
espaço aéreo, ‘pode abranger qualquer construção, obra ou plantação’. Como o direito de
superfície no Estatuto da Cidade é previsto apenas como instrumento de política urbana, alerta
Maria Sylvia Zanella Di Pietro140, “fica evidente que sua utilização se dará mais
especificamente para construção. Nada veda, no entanto, o uso para plantações, ainda que
estas não sejam muito usuais na área urbana”.
O NCCB, art. 1.369 refere-se expressamente ao “direito de construir ou plantar em seu
terreno”, de modo que não pairam dúvidas sobre a incidência do direito de superfície.
139
OSORIO, Letícia Marques. Direito de Superfície. In: OSÓRIO, Letícia Marques (Org.). Estatuto da Cidade e
Reforma Urbana: Novas Perspectivas para as Cidades Brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
2003. p. 185 (original grifado).
140
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito de Superfície. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio
(Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 171-190.
56
Em nenhum dos dois diplomas está prevista a possibilidade do direito de superfície incidir
sobre construções já existentes na data da concessão, configurando a chamada superfície por
cisão.
A despeito de a doutrina preconizar que sua possibilidade há de vir expressa em lei,
entendemos que o direito de sobrelevação não pode mais tardar para ser admitido no nosso
ordenamento jurídico. Assim, há que ser interpretada extensivamente a expressão ‘terreno’
constante nos artigos 21, caput, do Estatuto da Cidade e 1.369, caput, do NCCB, para tanto o
terreno construído como o terreno sem construções, de molde a admitir-se a superfície por
sobrelevação.
Eficácia Temporal
No Estatuto da Cidade (art. 21, caput), o direito de superfície pode ser previsto por prazo
determinado ou por prazo indeterminado.
No Novo Código Civil (art. 1.369, caput), o direito de superfície só admite previsão por
tempo determinado. A lei, contudo, não estabeleceu teto máximo. Assim, podem as partes
constituir o direito de superfície por qualquer tempo.
Ainda sobre o tempo, uma observação importante há de ser feita. Questiona-se se seria
possível a instituição de superfície perpétua. Ricardo Pereira Lira já enfrentou a problemática
ao proferir parecer nos autos de processo administrativo municipal n.o. 02/335789/00. Para o
professor,
[...] a perpetuidade não deixa de ser uma assinação de prazo determinado, certus an incertus
quando. Como dicionariza Aurélio determinado é o que é fixo, definido, estabelecido. E para Caldas
Aulete determinado é o que é demarcado, definido, decidido, certo, estabelecido. Ora, nada mais
141
certo, definido, demarcado, decidido e estabelecido que a perpetuidade.
Portanto, tanto o direito de superfície civil, como o urbanístico poderão ser instituídos
perpetuamente, porque admitem a forma do prazo determinado.
Pontos de coincidência
Os perfis do direito de superfície urbanístico e do direito de superfície civil coincidem em
alguns pontos. Ambos têm a natureza jurídica de direito real (nos moldes do art. 1.225, II, do
141
LIRA, Ricardo Pereira. Parecer. Disponível para xerox na pasta do Professor no Mestrado em Direito Civil
da Faculdade de Direito da UERJ. p. 15.
57
NCCB), submetendo-se aos mesmos modos de constituição, quais sejam: contrato solene
inscrito no Registro Geral de Imóveis, por declaração de última vontade, por expropriação
pelo poder público. Na doutrina, nos moldes da teoria geral do direito de superfície, admite-se
a constituição por usucapião.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro142, contudo, só admite a constituição do direito de
superfície através de contrato celebrado por escritura pública registrada no Cartório de
Registro de Imóveis. Para a autora, “está afastada, implicitamente, a aquisição por testamento
ou por usucapião”.
A omissão legislativa – entretanto – não pode ser compreendida como silêncio eloqüente.
Se o direito de superfície pode ser transmissível a terceiros por sucessão hereditária (Estatuto
da Cidade, art. 21, § 5º e NCCB, art. 1372, caput), nada impede que possa ser instituído por
testamento.
O direito de superfície pode, ainda, ser transferido inter vivos, hipótese em que é
assegurado ao dominus soli direito de preferência em igualdade de condições a oferta de
terceiros (Estatuto da Cidade, art. 22 e NCCB, art. 1.373). Se ele for o adquirente, operar-se-á
a extinção da superfície por confusão entre os titulares do direito.
Ricardo Pereira Lira critica os textos do Estatuto da Cidade e do NCCB que não
explicitam as regras para o exercício do direito de preferência, seja pelo dono do solo, no caso
de alienação da superfície, seja pelo superficiário, no caso de alienação do solo, nem
explicitam as conseqüências da não afronta do titular para o eventual exercício da preleção:
perdas e danos ou nulidade do negócio jurídico praticado sem a abertura da oportunidade da
prática da preferência.143
Em ambos os casos, a extinção do direito de superfície deverá ser levada a registro, a fim
de operar efeitos erga omnes, uma vez que o efeito da extinção do direito de superfície
operará a reversão da coisa superficiária para o dominus soli, em ambas as espécies (Estatuto
da Cidade, art. 24 e NCCB, art. 1.375).
142
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito de Superfície. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio
(Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 188.
143
LIRA, Ricardo Pereira. O Direito de Superfície e o Novo Código Civil. Revista Forense, Separata, v. 364. p.
264.
58
Transferência do Direito – incidência de regras diferentes no que tange à possibilidade de
pagamento pela transmissibilidade
Não há previsão no Estatuto da Cidade de pagamento de qualquer importância ao
proprietário do solo na hipótese de transmissão do direito a terceiro. Já o NCCB, art. 1.372,
parágrafo único, eiva de nulidade a cláusula contratual que previr o pagamento de valor ao
concedente pela transferência do direito de superfície a terceiro.
Considerando que a omissão do Estatuto da Cidade pode ser integrada pela autonomia de
vontade das partes na celebração do negócio jurídico, nada obsta que estabeleçam um
quantum a ser pago na hipótese de transmissibilidade do direito. Teríamos regras diferentes
para cada uma das espécies de direito de superfície.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro144, contudo, sustenta que o tratamento diverso sofreu
uniformização com a entrada em vigor do NCCB. A vedação nele constante alcançou o direito
de superfície urbanístico.
Direito de superfície – razões de sua hipotecabilidade
O Estatuto da Cidade nem o NCCB deixam de explicitar
[...] a existência de uma propriedade superficiária, a sua hipotecabilidade e a possibilidade de
constituição de outros direitos reais de gozo relativamente à área objeto da concessão, e o destino
145
desses direitos quando da extinção da superfície.
Contudo, a omissão legislativa não constitui óbice à constituição de hipoteca, uma vez que
o operador do direito deve socorrer-se da teoria geral146.
Quanto à hipotecabilidade da propriedade separada superficiária, não há dúvidas que é
aplicável o art. 1.473, inciso I, do NCCB, que trata dos bens imóveis. Sobre a
hipotecabilidade do direito real de construir ou plantar sobre coisa alheia, o fundamento legal
– enquanto não vier a necessária mudança legislativa – será o art. 1.473, inciso III, do NCCB,
que trata do domínio útil.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro é categória ao pontuar que:
144
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito de Superfície. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio
(Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 188.
145
LIRA, Ricardo Pereira. O Direito de Superfície e o Novo Código Civil. Revista Forense, Separata, v. 364. p.
264.
146
OSORIO, Letícia Marques. Direito de Superfície. In: OSÓRIO, Letícia Marques (Org.). Estatuto da Cidade e
Reforma Urbana: Novas Perspectivas para as Cidades Brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
2003. p. 180.
59
[...] a grande vantagem de se inserir o direito de superfície como propriedade autônoma está na
possibilidade de a hipoteca incidir sobre o mesmo, em face do art. 1473 do Código Civil, que, ao
indicar os bens hipotecáveis, inclui, no inciso IV, o domínio útil; nesse conceito pode ser inserido o
direito que o superficiário exerce sobre o imóvel alheio. Sem a possibilidade de hipoteca o direito de
uso do terreno poderia ficar dificultado, pois dificilmente alguma instituição financeira se disporia a
financiar a realização de obras, construções ou plantações sem uma garantia hipotecária. Aliás, essa
147
tem sido uma das dificuldades da utilização do instituto da concessão de direito real de uso.
Sobre o destino dos direitos reais incidentes sobre o direito de superfície, extinguir-se-ão
junto com a extinção do direito.
Letícia Marques Osório148 sublinha que “no caso de haver a instituição de hipoteca sobre a
propriedade superficiária, sua duração não será maior do que o tempo estipulado para a
própria concessão da superfície.
Responsabilidade pelo pagamento de tributos
Tanto o Estatuto da Cidade, art. 21, § 3º, como o NCCB, art. 1.371 enunciam que o
sujeito passivo da relação tributária será o superficiário quando os tributos incidirem sobre a
propriedade superficiária. Mas, apenas o Estatuto da Cidade professa que o superficiário, na
omissão do instrumento do negócio jurídico, também será o responsável tributário pelos
encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície
proporcionalmente à sua parcela de ocupação, sendo silente o NCCB.
Como se trata de negócio jurídico bilateral, a vontade das partes pode sanar a omissão
legislativa. Não é outra a conclusão a que chegaram os juristas reunidos na Jornada de Direito
Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal no
período de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação científica do Ministro Ruy
Rosado, do STJ. O enunciado aprovado sob o n.o 94 refere-se ao art. 1.371 do NCCB e
professa o seguinte: 94 – Art. 1.371: As partes têm plena liberdade para deliberar, no contrato
respectivo, sobre o rateio dos encargos e tributos que incidirão sobre a área objeto da
concessão do direito de superfície.
147
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito de Superfície. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio
(Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 183.
148
OSORIO, Letícia Marques. Direito de Superfície. In: OSÓRIO, Letícia Marques (Org.). Estatuto da Cidade e
Reforma Urbana: Novas Perspectivas para as Cidades Brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
2003. p. 182.
60
Formas de Extinção do Direito de Superfície
O Estatuto da Cidade no seu artigo 23 preconiza a extinção do direito de superfície pelo
advento do termo e pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo
superficiário. No art. 24, § 1º, daquele diploma está prevista a extinção, antes do termo final,
causada pelo superficiário que der ao imóvel destinação diversa daquela para a qual foi
concedida a superfície.
No NCCB, art. 1.374 estão enumeradas como causas extintivas, apenas: o advento do
termo e o desvio de finalidade da superfície.
61
7 CONCLUSÃO
Ao final desse estudo, espera-se ter contribuído para o avanço da compreensão
sistematizada do direito de superfície no nosso ordenamento jurídico, que ressurgiu tanto na
seara urbanística como no meio das relações privadas, sempre sob os auspícios do princípio
da função social da propriedade, subprincípio densificador do direito constitucional à moradia
digna.
Pode-se afirmar que o direito de superfície, plasticamente moldado às exigências
contemporâneas, dinamiza o conteúdo do direito de propriedade, revelando-se valioso
instrumento para que ela cumpra sua função social.
As vantagens de utilização do direito de superfície anunciadas como alternativa para
combater a exclusão territorial e social, que estão na raiz da crise habitacional e de aparato
urbano (armazéns, escolas, hospitais, teatros, museus, policlínicas, sanatórios, conjuntos
poliesportivos, hotéis, dentre outros), já estão sofrendo o confronto com a realidade, como
noticia a Prefeitura de Pontão, o primeiro município brasileiro a utilizar o direito de superfície
na regularização fundiária.
Dentre as razões que motivaram a eleição do direito de superfície para solver as demandas
por moradia que se somavam ao longo dos anos naquele município, enumeram-se as
seguintes:
(a) a concessão pode ser gratuita: fato que possibilitou conceder os terrenos aos seus legítimos
ocupantes, que os haviam comprado ou recebido do Município de Passo Fundo. A concessão gratuita
diminuiu também os custos com tabelionato e registro de imóveis onde foram cobradas as taxas
mínimas (R$29,50 no tabelionato e R$51,50 no registro de imóveis); (b) a concessão é feita por
escritura pública: contemplando uma antiga reivindicação da comunidade; que passou a ser
proprietária das benfeitorias; (c) incidência de ITBI nas próximas transferências. A primeira
concessão foi imune a tributos; sendo que nas próximas incidirá ITBI aumentando a arrecadação do
Município que, desde sua emancipação, nunca arrecadou nada de ITBI destes 165 lotes (por estarem
149
irregulares).
O instigante e sedutor desafio de harmonizar a coexistência do direito de superfície
urbanístico com categoria idêntica, regulada de forma parônima, pelo NCCB foi desenvolvido
sob inspiração constitucional, não podendo ser, o instituto, apartado de sua verdadeira missão,
qual seja: a de viabilizar a efetividade da função social da cidade (mais abrangente que a
função social da propriedade), no sentido de construir uma sociedade mais justa, solidária e
eqüânime.
149
PONTÃO: Primeiro Minicípio do Brasil a utilizar o Direito de Superfície na regularização fundiária.
Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/banco%20de%20experiencias.htm>. Acesso em: 08 nov. 2009.
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