516 anos de atraso

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Valor Econômico, 21 de setembro de 2016
516 anos de atraso
Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli
EPGE-FGV
O atraso secular brasileiro e sua péssima distribuição de renda são consequências do modelo
de desenvolvimento aqui adotado, que ignorou educação e protegeu o mercado local. O Brasil
foi e continua sendo uma máquina de gerar pobres e transferir renda para suas elites. Treze
anos de governos de esquerda não levaram a mudanças estruturais nessas dimensões.
No artigo publicado em 15 de junho neste espaço, mostramos que, embora nos últimos
setenta anos o Brasil tenha progredido em termos absolutos, ao se comparar a economia
brasileira atual às economias mais avançadas do planeta, conclui-se que em termos relativos a
economia brasileira continua tão pobre quanto nos anos 50. Analisando-se o caso exemplar da
Coreia do Sul, país que rompeu o círculo vicioso da pobreza em apenas meio século, verifica-se
que a sociedade brasileira – e, o que é pior, sua intelligentsia – ainda não entendeu por que o
país não saiu do lugar em tão longo período.
O modelo de crescimento da Coreia baseou-se em um tripé formado por educação de
qualidade, economia aberta e alta poupança. Entre 1945 e 1960, o número de escolas
elementares aumentou 60%, e o de estudantes nessas séries 165%. Naqueles quinze anos, a
quantidade de estudantes secundários decuplicou e o número de alunos do ensino superior
passou de sete mil em 1945 para 100 mil em 1960. As despesas educacionais saltaram de 8%
dos gastos públicos em 1948 para 15% em 1960, patamar que se manteve posteriormente. Ao
longo dos anos, a poupança doméstica coreana cresceu gradualmente, passando da faixa de
10% do PIB para o nível atual próximo a 30%.
País pequeno, a Coreia não dispunha de um grande mercado consumidor potencial, tendo
dirigido sua indústria para a exportação. O modelo exportador forçou a indústria coreana a
perseguir o nível de produtividade das economias avançadas. O aumento da escolaridade da
mão de obra favoreceu a absorção das técnicas mais modernas, o que elevou a remuneração
do trabalho, induzindo à intensificação do uso de capital e à adoção tecnológica de insumos
substitutos cada vez mais eficientes. A alta poupança permitiu a conciliação de inflação
controlada com a prática de juros reais baixos e câmbio desvalorizado, fatores estimulantes da
indústria.
Enquanto isto o Brasil, parafraseando o historiador Nathaniel Leff, continuou sendo uma
máquina de gerar pobres. Quando decidiu se industrializar, a partir da década de 1950, a
estratégia adotada para atrair indústrias multinacionais foi assegurar-lhes um grande mercado
doméstico de um país continental insulado da concorrência de importações, bem como mão
de obra barata. Diante da crônica falta de poupança, todas as tentativas de praticar juros reais
baixos e câmbio desvalorizado desaguaram em inflação igualmente crônica.
Na década de 1950, em vez de priorizar a educação, o Brasil preferiu utilizar a pouca poupança
disponível para construir uma nova capital com arquitetura futurista. Em 1960, o gasto público
com educação atingia somente 1,7% do PIB, e parte do aumento posterior se concentrou na
expansão da educação superior. Enquanto em 1960 a taxa de matrícula no secundário da
Coreia do Sul era de 27%, no Brasil era de somente 11%. Em 1990 o primeiro país já tinha
universalizado esse nível de ensino, mas aqui a taxa de matrícula no secundário estava abaixo
de 40%. A recente divulgação do IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – de
2015 mostrou que a qualidade do ensino entre os 5º e 9º anos do Ensino Fundamental, e
sobretudo no Ensino Médio, continua a mesma tragédia de sempre. A máquina de gerar
pobres continua funcionando.
O atraso secular brasileiro, bem como sua péssima distribuição de renda são consequências do
modelo de desenvolvimento adotado. Numa economia fechada com educação restrita a uma
elite, os poucos privilegiados que tiveram estudo recebem salários muitos acima do resto da
população. As tentativas de estimular a industrialização com juros reais módicos e câmbio
desvalorizado, num ambiente de poupança baixa, estão na raiz da inflação que agravou a má
distribuição de renda.
Simulações em artigo de Pedro Ferreira, Alex Monge e Luciene Pereira, utilizando modelo
bastante estilizado, encontram que a renda per capita coreana seria 50% menor se esse país
houvesse adotado políticas educacionais como as brasileiras. Já o Brasil, com políticas
semelhantes às coreanas, seria hoje 57% mais rico. Mas o modelo pressupõe a mesma
qualidade da educação nos dois países, de modo que, se a baixa qualidade no caso brasileiro
fosse considerada, essas variações da renda entre os dois países seriam ainda maiores.
Na historiografia tradicional brasileira, os economistas estruturalistas e parte dos
desenvolvimentistas enfatizam fatores externos ao explicar o atraso relativo do país. Seja a
exploração portuguesa ou inglesa, relações de troca desiguais com o mundo desenvolvido, ou
mesmo um câmbio fora do lugar, a culpa pelo atraso sempre esteve no exterior e não no
Brasil. Pouco ou nada mencionam da insuficiência na provisão de educação. As políticas de
estímulo ao desenvolvimento adotadas a partir da década de 1950, ressuscitadas como farsa a
partir de 2008, buscaram isolar a economia da competição internacional, com uma série de
medidas protecionistas e diferentes formas de subsídios e transferências governamentais que
supostamente dariam às empresas nacionais as mesmas condições de competição que firmas
internacionais teriam. Muitas vezes financiadas com poupança forçada dos trabalhadores,
essas políticas eram muito mais políticas para os industriais que políticas industriais e
reforçaram a desigualdade de renda e riqueza.
É surpreendente que 13 anos de governos de esquerda não tenham levado a mudanças
estruturais nessas dimensões. Ou talvez não haja razão para surpresas: as alianças políticas
com grupos conservadores e fisiológicos, a farra patrimonialista revelada pelo Petrolão e
outros escândalos, e a utilização dos bancos públicos e fundos de pensão para pesadas
transferências de renda para o grande capital apontam mais para a chegada de novos sócios
do para que uma efetiva troca de guarda. O atraso permanece.
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