UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO – UMESP Faculdade de Psicologia e Fonoaudiologia Curso de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde TATIANA ALMEIDA GOULART MACHADO A UTILIZAÇÃO DA CONSULTA TERAPÊUTICA COMO TÉCNICA DE INTERVENÇÃO EM UM AMBULATÓRIO DE SAÚDE MENTAL INFANTIL São Bernardo do Campo 2008 10 TATIANA ALMEIDA GOULART MACHADO A UTILIZAÇÃO DA CONSULTA TERAPÊUTICA COMO TÉCNICA DE INTERVENÇÃO EM UM AMBULATÓRIO DE SAÚDE MENTAL INFANTIL Dissertação apresentada no curso de PósGraduação em Psicologia da Saúde da Universidade Metodista de São Paulo – UMESP como parte dos requisitos para obtenção do título de mestre em Psicologia da Saúde Orientador: Prof. Dr. José Tolentino Rosa São Bernardo do Campo 2008 11 FICHA CATALOGRÁFICA M18u Machado, Tatiana Almeida Goulart A utilização da consulta terapêutica como técnica de intervenção em um ambulatório de saúde mental infantil / Tatiana Almeida Goulart Machado. 2008. 63 f. Dissertação (mestrado em Psicologia da Saúde) –Faculdade de Psicologia e Fonoaudiologia da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2008. Orientação de: José Tolentino Rosa 1. Winnicott, Donald Woods (1896-1971) 2. Distúrbios psicossomáticos 3. Psicologia da criança 4. Intervenção precoce 5. Saúde pública I. Título CDD 157.9 12 TATIANA ALMEIDA GOULART MACHADO A UTILIZAÇÃO DA CONSULTA TERAPÊUTICA COMO TÉCNICA DE INTERVENÇÃO EM UM AMBULATÓRIO DE SAÚDE MENTAL INFANTIL BANCA EXAMINADORA Presidente: Titular: Titular: 13 Eu fico Com a pureza da resposta das crianças É a vida, é bonita e é bonita Viver, e não ter a vergonha de ser feliz Cantar e cantar e cantar A beleza de ser um eterno aprendiz Ah meu Deus eu sei, eu sei Que a vida devia ser bem melhor e será Mas isso não impede que eu repita É bonita, é bonita e é bonita E a vida E a vida o que é diga lá, meu irmão Ela é a batida de um coração Ela é uma doce ilusão Mas e a vida Ela é maravilha ou é sofrimento Ela é alegria ou lamento O que é, o que é, meu irmão Há quem fale que a vida da gente é um nada no mundo É uma gota é um tempo que nem dá um segundo Há quem fale que é um divino mistério profundo É o sopro do criador Numa atitude repleta de amor Você diz que é luta e prazer Ele diz que a vida e viver Ela diz que melhor é morrer pois amada não é E o verbo é sofrer Eu só sei que confio na moça E na moça eu ponho a força da fé Somos nós que fazemos a vida Como der ou puder ou quiser Sempre desejada Por mais que esteja errada Ninguém quer a morte Só saúde e sorte E a pergunta roda E a cabeça agita Eu fico Com a pureza da resposta das crianças É a vida, é bonita e é bonita “O que é o que é – Gonzaguinha” 14 AGRADECIMENTOS Aos professores José Tolentino Rosa e Eda Marcone, e à Dra. Ivette Kairalla, pelos ensinamentos À professora Marília Martins Vizzotto, pela confiança, apoio e incentivo Aos amigos e colegas de profissão Karina Louzado, Juliana Pacheco e Richard de Paes Lira pelo grande auxílio na finalização deste trabalho À minha mãe, pela confiança que sempre depositou em mim Ao meu pai, por estar sempre presente me incentivando e me acolhendo À minha irmã, pela cumplicidade e pelo colo nos momentos mais difíceis Aos pacientes, por tudo que aprendi com eles À família e aos amigos, pela paciência, compreensão e por permanecerem sempre ao meu lado À Deus, por permitir que tudo isso se concretizasse. 15 SUMÁRIO RESUMO 07 ABSTRACT 08 INTRODUÇÃO 09 1. Psicologia da Saúde e dados epidemiológicos sobre a saúde mental da criança pequena 10 2. Atuação do psicólogo na rede pública de saúde (SUS) 11 3. Atuação do psicólogo na saúde infantil 13 3.1. Atendimento às crianças com orientação de base comportamental 14 3.2 Atendimento às crianças com orientação de base humanista-existencial 15 4. A clínica psicanalítica com crianças no SUS 17 5. A clínica psicossomática na primeira infância 19 6. Desenvolvimento Infantil segundo Winnicott 25 7. O método de Consultas Terapêuticas 30 8. Objetivos 33 MÉTODO 34 Amostra 34 Local 34 Material 34 Prontuário do paciente 34 Procedimento 34 RESULTADOS 36 Dados Epidemiológicos 36 Evolução Clínica 37 DISCUSSÃO 56 CONCLUSÃO 59 REFERÊNCIAS 60 16 RESUMO A presente pesquisa teve por objetivos analisar a consulta terapêutica como técnica de atendimento psicológico da criança pequena na rotina ambulatorial e discutir seis casos emblemáticos e representativos da população constituída de 55 crianças, a partir do referencial teórico de Winnicott. Foram levantados os prontuários de pacientes menores de cinco anos atendidos no Ambulatório de Saúde Mental Infantil de São Bernardo do Campo, no período de janeiro a junho de 2007. O estudo clínico foi feito com 10% do total dos prontuários. A partir dos dados contidos no prontuário, foi feito um levantamento epidemiológico registrando a idade dos pacientes assistidos e o diagnóstico dos menores de cinco anos. Os prontuários dos pacientes menores de cinco anos foram selecionados a partir das hipóteses diagnósticas psicopatológica e psicodinâmica. Foram apresentados as consultas terapêuticas de seis casos identificados com hipótese diagnóstica do grupo três do diagnóstico de Winnicott, complementados por Hisada, em A Clínica do Setting. A análise dos casos identificados do grupo três mostrou que os respectivos pais podiam ser identificados como pacientes do grupo um ou dois, pelos dados da entrevista inicial. Foram selecionados casos com psicopatologias diferentes e foram excluídos casos de psicopatologias de origem orgânica, como autismo, deficiência mental e transtorno global do desenvolvimento. Houve boa evolução, com melhora dos sintomas e bom prognóstico das crianças atendidas com o método de consultas terapêuticas, de Winnicott. O período de atendimento foi breve, atendendo a solicitação institucional e do grupo social, entretanto com boa eficácia, com melhora dos sintomas, da dinâmica familiar e desenvolvimento emocional compatível com as crianças pequenas e respectivos pais. Descritores: Winnicott, distúrbios psicossomáticos, intervenção precoce, psicologia da criança, saúde pública. 17 ABSTRACT The present research had for objectives to analyze the therapeutical consultation as a technique of psychological attendance to early child, inside the ambulatory routine, and to discuss clinical evolution of six emblematic and representative cases of a population of 55 children, founded on the theoretical referential of Winnicott. The clinical records of five-year early children was the patients’ material at The Clinic of Childhood Mental Health that had been attended in Sao Bernardo do Campo, a city located near Sao Paulo, Brazilian southeast region, in the period of 2007 Jan-June. The clinical sample was correspondent to 10% of the amount of children. From the data contained in clinical records, a special attention was given to epidemiological data, clinical symptoms, patient's age, and family needs, beyond psychodynamic diagnosis of five-year children. The records of five-year lesser patients had been selected from the psychopathological and psychoanalytic diagnostic hypotheses. The therapeutical consultations of six cases identified with diagnostic hypothesis of group three of the Winnicott diagnosis group, as complemented for Hisada, in The Setting Clinic. The analysis of cases of group three showed that the respective parents could be classified in the group one or two, according the data of initial interview. Cases with different psychopathologies had been selected and had been excluded cases of organic psychopathology, as autism, mental deficiency and global disorders of development. They have had good evolution, with improvement of symptoms, and good prognostic by the children treated with the Winnicott therapeutical consultation. The period of attendance was brief, taking care of institutional guidelines and the social group needs, however with good effectiveness, improvement of symptoms, and attention to family needs, and compatible emotional development of early child and his parents. Index-terms: therapeutic consulting; Winnicott; psychosomatic disorder; early child intervention; maternal infantile public health. 18 O serviço público de saúde brasileiro orienta-se desde 1988 pelo SUS - Sistema Único de Saúde, que preconiza, de acordo com o Ministério da Saúde (2004), acesso universal e gratuito às ações e serviços de saúde de maneira descentralizada, além de integralidade e equidade nas ações. Para atender às normas do SUS, o serviço de Saúde Mental Municipal de São Bernardo do Campo é composto, segundo Souza (1999), por três setores chaves de atenção: Atenção Primária à Saúde – Prevenção; Atenção Secundária à Saúde – Tratamento; Atenção Terciária à Saúde, divididos conforme exigência do Ministério da Saúde. A atenção secundária, segundo Caplan (1980), consiste em programas que visam à redução da prevalência do distúrbio na comunidade, contribuindo assim para diminuir a taxa de incapacidade causada por um distúrbio. Essa redução pode ocorrer quando a taxa de novos casos for diminuída pela alteração de fatores que geram o distúrbio, ou quando a taxa de casos antigos for reduzida ao se diminuir a duração dos casos existentes através do diagnóstico precoce e de tratamento eficaz. Em São Bernardo do Campo, este atendimento é desenvolvido nas unidades ambulatoriais especializadas. No município, há dois Ambulatórios de Saúde Mental (Infantil e Adulto) e ambos funcionam de segunda a sexta das 07:00 às 17:00 hs. No Ambulatório de Saúde Mental Infantil são realizados atendimentos psicológicos, fonoaudiológicos e psiquiátricos. O atendimento psicológico atende crianças de 0 a 11 anos e é realizado mediante agendamento prévio e encaminhamento psiquiátrico. Os atendimentos realizados pela psicologia acontecem em salas específicas, onde há, em geral, uma mesa, duas cadeiras para pacientes e uma para a psicóloga e alguns brinquedos. Os brinquedos e objetos podem variar de uma sessão para outra. Devido à grande demanda para atendimento no serviço público de saúde e em especial neste ambulatório, justifica-se a utilização da consulta terapêutica como técnica eficaz na rotina ambulatorial e a reflexão acerca da evolução de casos emblemáticos e representativos das crianças atendidas no Ambulatório de Saúde Mental Infantil, a partir do referencial teórico de Lebovici e Winnicott, representados na psicossomática por Joyce McDougall. 19 Com o intuito de construir um enfoque teórico que valide uma intervenção psicológica eficaz na rede pública de saúde, pesquisou-se a literatura em busca de mais dados epidemiológicos referentes às queixas encontradas em crianças menores de cinco anos, dados referentes à atuação do profissional de psicologia na rede pública e na clínica infantil, a psicossomática da infância e o desenvolvimento infantil baseados na teoria de Winnicott. Segundo a literatura, a consulta terapêutica de Winnicott tem sido utilizada em casos psicossomáticos da infância e em distúrbios do desenvolvimento infantil. 1. Psicologia da Saúde e dados epidemiológicos sobre a saúde mental da criança pequena O termo “Psicologia da Saúde” corresponde ao conjunto de ciências e de medidas de prevenção da doença mental e tratamento biopsicosocial, fornecendo uma visão menos distorcida do paciente, que se constitui no principal motivo das atenções e programas de saúde. A Organização Pan-Americana da Saúde e a Organização Mundial de Saúde (1995) propõem que a Saúde Mental seja estudada a partir da compreensão dos transtornos mentais e comportamentais como produto de fatores biológicos, psicológicos e sociais e ressalta a importância da pesquisa, relatando sobre a necessidade de mais estudos sobre os aspectos biológicos e psicossociais da saúde mental a fim de melhorar a compreensão dos transtornos mentais e desenvolver intervenções mais efetivas, sendo urgentemente necessário o fortalecimento da capacidade de investigação nos países em desenvolvimento. A questão da saúde materno-infantil é preocupante no cenário brasileiro, havendo um alto índice de mortalidade entre crianças menores de cinco anos. Segundo Victoria e César (2003), os níveis de mortalidade e morbidade no Brasil não correspondem ao potencial econômico do país e apesar de ser observado progresso nos últimos anos, medidas de intervenção são necessárias para garantir a sobrevivência de mães e bebês. Segundo os mesmo autores, as infecções respiratórias representam a terceira maior causa de mortes infantis no país, tendo seu maior índice na região sudeste (KERR-PONTES E ROUQUAYROL, 2003). Dados do Ministério da Saúde (1996) apud Rosa (2005) revelam que cuidados médicos no pré-natal, parto e pós-parto diminuem a incidência de óbitos em até 90%. 20 Assim como os programas de maternidade segura, Hospital Amigo da Criança e o programa de Atenção Humanizada ao Recém-nascido de baixo peso para a idade gestacional (Método Canguru) tem resultado em qualidade de vida e redução de mortalidade e morbidade infantil na região sudeste. 2. Atuação do psicólogo na rede pública de saúde (SUS) A atuação do psicólogo tem sido objeto de estudos e discussões em diversos fóruns, inclusive no Conselho Federal de Psicologia (CFP), que tem articulado discussões a respeito da formação em psicologia, a atuação do psicólogo e o compromisso social da profissão. Esta reflexão freqüentemente relaciona o crescimento e o fortalecimento da atuação do psicólogo com a competência para atender as demandas da população brasileira (FRANCO e MOTA, 2003; SOARES, 2005). A profissão de psicólogo possibilita uma diversificada gama de alternativas de atuação. Ao analisar as representações da profissão, Bock (1998) demonstra que esta é fortemente vinculada a atuação clínica em consultórios particulares. Embora o cargo de psicólogo tenha sido criado oficialmente nas unidades de saúde pública em meados da década de 80, observa-se que 40,8% do total dos psicólogos da 6ª região exercem a atividade clínica de maneira individual em consultórios particulares, o que limita a população assistida. Esses elementos apontam que, para a Psicologia, a questão dos modelos de atenção é uma discussão ainda muito incipiente. Atuar na promoção e na proteção à saúde, na prevenção de riscos e agravos e na reabilitação não exclui o contexto do consultório e da atenção clínica, mas indica a pertinência de outros níveis, contextos e modos de atuação. Desta forma, disponibilizar atendimento psicológico para a população brasileira exige formulações teóricas, estratégias de ação e fundamentos em política e economia da saúde que coexistam de forma integrada e articulada. Em outras palavras, a inserção de psicólogos nos serviços públicos de saúde deve suscitar a ampliação e redefinição das suas práticas, levando em consideração o fato da atenção à saúde poder ser orientada por várias concepções ou modelos de atenção. (FRANCO e MOTA, 2003; RUTSATZ, 2006). 21 Dois fatores primordiais parecem estar implicados nas dificuldades vivenciadas pelos psicólogos na rede pública de saúde: a pouca disponibilidade de tempo, em função de uma demanda populacional muito grande e a formação em Psicologia, que parece não contemplar ou priorizar as questões de Saúde Pública. (RUTSATZ, 2006; DIMENSTEIN, 2000;) Pesquisas revelaram uma postura pouco crítica dos psicólogos quanto ao sistema de saúde e as possibilidades de atuação, não contemplando a identificação e organização de alternativas mais eficazes para intervir sobre os determinantes e condicionantes da questão da Saúde Pública em nossa realidade. Além de verificar insuficiências da formação para lidar com contextos e dinâmicas comunitárias. Um dos marcos ideológicos que sustenta a atuação do psicólogo e também uma equipe de saúde é a participação efetiva no processo de planejamento de ações em saúde. Isso garante um controle sobre as autoridades vigentes, facilita a consciência crítica da comunidade, aumenta o poder de reivindicação das classes e promove um enriquecimento mútuo de culturas. (FRANCO e MOTA, 2003; RUTSATZ, 2006). O registro do procedimento nas instituições, além de um ato burocrático, é o meio pelo qual se pode planejar e avaliar o alcance de metas, utilizando informações que também são aplicadas nas estimativas de recursos financeiros. Segundo Franco e Mota (2003), é necessário aperfeiçoar a qualidade destes dados, visto que o registro das atividades realizadas pelos psicólogos torna-se o documento que atesta sua produtividade e é fonte de avaliação e de produção de conhecimentos. Os registros em prontuário são documentos que protegem tanto os usuários quanto os profissionais, porém, discute-se o teor destes em função do sigilo. De qualquer maneira, os registros nos prontuários são uma via de acesso à produtividade do profissional que diferencia a natureza do serviço prestado e, consequentemente, a pertinência desses na rede SUS. A vivência diária e cotidiana do trabalho do psicólogo no contexto de atuação em Saúde Pública necessita um olhar e uma escuta ampliada e diferenciada. Neste sentido, faz-se necessária a construção de bases teóricas e o repensar de estratégias de ação do psicólogo, tanto no que diz respeito aos níveis de atenção quanto aos contextos de atendimento. 22 3. Atuação do psicólogo na saúde infantil O trabalho terapêutico com crianças é considerado muito importante, visto que lidar precocemente com as questões que trazem inquietações e sofrimento é muito mais proveitoso quando realizado precocemente do que quando já estão cristalizadas. Desta forma, entende-se que a intervenção infantil possui um caráter preventivo, trazendo grande gratificação ao profissional. Por outro lado, a frustração, a solidão e a sensação de impotência quando não se conta com a colaboração dos pais são sentimentos bastante presentes. “A dificuldade de conseguir estabelecer uma aliança com os pais ou responsáveis e, por conseguinte, a sua colaboração no processo terapêutico da criança, também produz no terapeuta um sentimento de impotência e solidão. Não que o processo somente com a criança não possa avançar, mas, sem dúvida, a colaboração dos pais ou responsáveis aumenta as chances de aproveitamento.” (COSTA E SILVA , 2005) As mesmas autoras afirmam que a resistência dos pais, pode decorrer da crença de que serão apontados como culpados pelos problemas da criança. Tal sentimento que permeia o imaginário dos pais, provavelmente, é decorrente de práticas que ainda se apóiam numa visão que foca mais as deficiências do que as competências e que acabam por desqualificar o saber dos pais. Outros obstáculos encontrados no trabalho com psicologia infantil referem-se à escassez de congressos, cursos e referências bibliográficas sobre teorias da prática. Segundo Costa e Silva (2005), as referências bibliográficas, dizem respeito às teorias da personalidade, do desenvolvimento infantil, psicopatologia e psicomotricidade, mas são raras as que se referem à prática clínica. Embora se concorde sobre a necessidade de descrever precisamente o que os psicólogos fazem e como o fazem, pouco se sabe sobre as variáveis importantes que direcionam as decisões psicoterapêuticas. O que leva um terapeuta a optar por uma direção ou outra dentro de um tratamento ainda é tópico de estudo e discussão. 23 Com o intuito de clarificar a atuação do psicólogo infantil, discorreremos brevemente sobre alguns tipos de intervenção psicoterapêutica com crianças, antes de chegar à atuação do psicólogo com orientação psicanalítica. 3.1. Atendimento às crianças com orientação de base comportamental O processo terapêutico, na visão da psicoterapia comportamental, pode ser compreendido como uma seqüência lógica e organizada de procedimentos psicológicos que produzem mudanças comportamentais graduais no cliente e que durante a terapia vão se alterando e subsidiando a implementação de novos procedimentos por parte do terapeuta visando à melhora do cliente. Implica na tentativa do terapeuta, de controlar variáveis que favorecem a extinção de respostas inapropriadas do indivíduo e auxiliar na aquisição de outras que o levem a uma atuação adequada em seu ambiente, reduzindo sua exposição às conseqüências negativas, e aumentando a probabilidade de expor-se a situações agradáveis. Segundo Moura e Venturelli (2004), a estruturação e sistematização de estratégias no trabalho com crianças ganha status especial, por requerer dos terapeutas habilidades diferenciadas de manejo e condução clínica, em função do relato metafórico dos problemas e da necessidade do uso de estratégias lúdicas para o treino de novos comportamentos. As especificidades da terapia infantil se iniciam já na avaliação diagnóstica, onde há a necessidade de variar as fontes e os métodos de coleta informações abrangendo entrevista com os pais, observação da criança em casa e na escola, coleta de dados nas sessões através de desenhos, redações, inventários e, quando necessário, obtenção de dados com outros profissionais que acompanham a criança (BARBOSA, 1979). O atendimento terapêutico infantil se inicia com entrevista inicial com os pais ou família, o estabelecimento do contrato com os pais e a criança e a entrevista inicial com a criança, onde o terapeuta deve apresentar-se, explicar sobre sua profissão, buscar entender qual a representação que ela tem da terapia, deixar claro quem contratou e qual a queixa apresentada pelos pais ou responsáveis. Deve esclarecer sobre o sigilo profissional, expondo seus direitos quanto às informações das sessões com os pais (MOURA e VENTURELLI, 2004; SOUZA e BAPTISTA, 2001). 24 Durante a terapia, o terapeuta e a criança analisam o problema, na tentativa de identificar as variáveis que o mantêm. Posteriormente, são levantadas e treinadas alternativas comportamentais visando novas soluções para o seu problema. Para tanto, é importante estar atento ao nível de desenvolvimento cognitivo da criança para que as estratégias empregadas sejam compatíveis (MOURA e VENTURELLI, 2004). Treino de solução de problemas, modelagem direta, modelação e exposição imaginária e ao vivo são algumas estratégias terapêuticas utilizadas com crianças (SOUZA e BAPTISTA, 2001). Os atendimentos ocorrem em geral uma vez por semana, em sessões de 50 minutos. Em casos que envolvem problemas mais sérios ou situações de crise, podem ocorrer freqüências de duas vezes por semana. Segundo Moura e Venturelli (2004), os pais podem eventualmente ser atendidos em dupla com os filhos, para diagnóstico da interação ou mesmo para ensino de novas habilidades de convivência. Os recursos lúdicos, presentes durante todo o processo terapêutico têm como objetivos: parear a terapia e o terapeuta com atividades agradáveis, favorecendo uma generalização nesta direção; explorar o comportamento de brincar como forma de expressão indireta da criança sobre suas relações com o mundo, suas reações públicas e privadas; avaliar o curso do processo terapêutico; explicitar as situações antecedentes e conseqüentes de suas respostas para ajudá-la a identificar a ocorrência de comportamentos semelhantes fora de sessão; estudar, com a criança, alternativas mais adaptativas de comportamento e treiná-las. (MOURA e VENTURELLI, 2004). 3.2 Atendimento às crianças com orientação de base humanista-existencial Entende-se como terapeuta de base humanista-existencial, os psicoterapeutas que trabalham com psicodrama, Gestalt terapia e terapia centrada na pessoa. A meta destes psicoterapeutas, na clínica infantil, implica em exercer o papel de facilitadores do auto-conhecimento, possibilitando à criança, vivenciar a liberdade e o poder de escolher através de espaço, escuta, nominação de seus desejos e respeito à sua singularidade, propiciando ainda a ressignificação do sofrimento psíquico (COSTA e SILVA, 2005). Para a realização do atendimento psicoterapêutico, é necessária a comunicação efetiva entre terapeuta e criança. O terapeuta precisa entrar no mundo lúdico da criança, 25 com todo seu simbolismo, respeitando sua capacidade cognitiva e despindo-se do mundo intelectualizado, possibilitando à criança compreender e sentir-se compreendida. O terapeuta precisa apresentar-se amigavelmente adulto, auxiliando a criança na busca de sua verdade. Deve criar oportunidades para desenvolver uma conversação em torno de seus interesses, de modo que o sujeito possa emergir e ser levado a sério, mesmo durante a brincadeira. Assim, embora o terapeuta tenha planos e objetivos, cada sessão é uma experiência existencial, ou seja, o que tiver que acontecer acontecerá, neste sentido, é importante manter uma atitude que sustente o potencial da criança, num ambiente de segurança e respeito às suas capacidades e sentimentos. (COSTA e SILVA, 2005). Com relação à família, as autoras afirmam a importância da mesma no processo terapêutico. Os resultados da psicoterapia infantil podem ser colocados em dúvida quando não se faz um trabalho conjunto com a família, pois esta pode atuar como colaboradora e mantenedora do sintoma da criança. Portanto, trabalhar com a criança é trabalhar simultaneamente com a família, tornando-se, assim, uma prática de grande complexidade. Todas as abordagens de base humanista-existencial trabalham com a rede social da criança; no entanto, a forma de trabalhar varia de acordo com a orientação. Para elas, a terapia deve possibilitar aos familiares serem ativos em sua história e não apenas a assistir e receber as informações a respeito de como recuperar as circunstâncias que estão produzindo sofrimento. O fato de não se colocarem como pessoas que participam como agentes transformadores de sua própria história e da história de seus filhos os isenta de uma maior responsabilidade, tornando a relação com o psicoterapeuta e com o processo psicoterápico superficial e pouco comprometida. Com relação aos recursos técnicos, os psicoterapeutas utilizam brinquedos e outros recursos de uma sala de ludoterapia, que variam entre estruturados e não estruturados de acordo com a abordagem, além de utilizarem como recurso algumas técnicas de outras abordagens, desde que com conhecimento, responsabilidade e concordância do cliente. Entende-se assim, que a técnica para a prática infantil é necessária como instrumento mediador de comunicação, mas não deve ser tomada como um fim (COSTA e SILVA, 2005). 26 4. A clínica psicanalítica com crianças no SUS A psicanálise, historicamente, tem passado por uma série de releituras influenciadas pelo momento histórico e pelo contexto social. Muitas questões foram repensadas ou sofreram distintas interpretações desde que Freud iniciou sua prática clínica e sua produção teórica. Entretanto, certos conceitos e construções persistem quase inalterados, sobrevivendo às releituras e contextualizações. A permanência destes traços garante que a psicanálise, mesmo sob influência das alterações históricas, possa seguir existindo, sem transformar-se em algo que se confunda com outras formas de trabalho clínico (GOIDANICH, 2001). No texto Sobre o Início do Tratamento (1913), Freud ressalta que as regras ou recomendações que podem ser estabelecidas para o exercício do tratamento psicanalítico acham-se sujeitas a limitações, devido à diversidade psíquica e a plasticidade dos processos mentais. Na medida em que trabalha com a subjetividade, com aquilo que está em jogo na constituição de cada sujeito, tanto a teoria como a prática psicanalítica têm que ser dinâmicas, acompanhando a singularidade daqueles que escuta. A psicanálise se mantém entre um movimento de constante reconstrução, da dinâmica da cultura e a permanência de traços identificatórios, conceitos peculiares. A preocupação relacionada à saúde mental em meios onde, há pouco tempo, o interesse restringia-se essencialmente a questões da chamada saúde orgânica, retrata a transformação cultural. “Hoje a psicanálise passa a ser cada vez mais convocada também no meio público a tentar dar conta das questões que a medicina tradicional não é capaz de responder. Profissionais com variados graus de afinidade com a psicanálise estão, cada vez mais, trabalhando não apenas em seus consultórios particulares, mas também em instituições e serviços da rede pública. Com suas práticas estes profissionais fazem renascer a questão: como é possível a psicanálise passar por todas as alterações impostas pelas 27 circunstâncias específicas da saúde pública sem perder suas características fundadoras, sem deixar de ser psicanálise? É possível tal inserção?” (GOIDANICH, 2001, p. 30). O atendimento clínico em saúde mental nos serviços públicos de saúde é uma ampliação dos primeiros modelos da clínica psicanalítica de crianças. Mudanças relacionadas ao tempo de tratamento e freqüência de sessões, por exemplo, influenciam a prática clínica, porém, faz-se pensar no aspecto fundamental que deveria manter-se para que algo de psicanalítico se sustente na clínica, este aspecto parece ser a escuta das produções do inconsciente que ocorrem na relação transferencial. A escuta sustenta-se por uma compreensão de sujeito distinta da difundida pela ciência contemporânea positiva. Lança a possibilidade de que cada indivíduo se singularize através de sua fala, podendo construir ou reconstruir para si um lugar único no laço social. A construção singular, no entanto, nem sempre parece encontrar lugar na clínica do ambulatório público, onde os sujeitos muitas vezes não dispõem de um espaço para falar de suas particularidades, sendo imediatamente incluídos em grupos (GOIDANICH, 2001). A dialética público/privado está em jogo em qualquer tratamento psicanalítico, mas é ressaltada pela freqüente dificuldade de encontrar um lugar de escuta singular no ambulatório público, onde a demanda é muito elevada, ultrapassando freqüentemente a possibilidade de atendimento. O que revela a necessidade de criar, a partir da particularidade de cada serviço, alguma solução possível, que mesmo longe de um ideal possibilite o andamento do trabalho, onde seja possível combinar quantidade e qualidade ou ampliar o número de psicólogos para atender à comunidade de forma satisfatória, como ocorre em vários países da Europa: Áustria, Alemanha, Inglaterra, Dinamarca e Suécia. “Há no serviço público uma inevitável pressão em relação à produtividade, ao aumento do número de atendimentos, à passagem de grande número de pacientes para grupos e à redução dos atendimentos individuais. A saúde pública é um direito de todos e, como tal, teria de dar conta de atender a todos. O que se percebe, no entanto, é que muitas vezes o elevado número de atendimentos acaba por comprometer a qualidade destes. A pressão para o aumento do trabalho em 28 grupos dificulta, muitas vezes, a possibilidade dos sujeitos serem escutados em suas particularidades e talvez reedite uma história de massificação, onde a singularidade não tem valor nem lugar. Por outro lado, para certos sujeitos o trabalho em grupos terapêuticos é possibilitador e de grande validade, o que aponta mais uma vez para a importância de respeitar-se sempre as diferenças de cada caso e não deixarse levar por regras previa e rigidamente estabelecidas.” (GOIDANICH, 2001, p. 31). O serviço de saúde mental recebe para suas primeiras entrevistas uma gama bastante variada de pacientes onde freqüentemente escuta-se um pedido de socorro, uma queixa de sofrimento intenso que vem acompanhada da expectativa de uma solução mágica. A possibilidade de conviver com falhas e faltas intrínsecas nem sempre é suportada em uma sociedade onde o imperativo de felicidade fala mais alto. Tais questões são visíveis também nos consultórios particulares, porém, enquanto nestes o profissional pode dispor de relativa liberdade para trabalhar tais questões, no espaço público há certa pressão institucional para que a resolutividade das queixas realmente se dê do modo breve, ocorrendo uma sobreposição do pedido do paciente com a demanda social e institucional. Neste sentido, mais uma vez percebe-se a necessidade de repensar as práticas do psicólogo na rede pública de saúde. (FIGUEIREDO, 1997; GOIDANICH, 2001) 5. A clínica psicossomática na primeira infância A Psicologia psicossomática da infância, como área de estudo, tem sido estudada mais amplamente nas últimas décadas, em função de uma maior compreensão da natureza psicogênica de patologias infantis e, segundo Soto (2006), pela necessidade de um modelo teórico próprio capaz de responder questões surgidas na prática. O entendimento da patologia infantil sofre influência de diversas áreas como pediatria, psiquiatria, psicologia e da própria psicossomática como estudadas no adulto, tornandose um campo rico, porém de difícil entendimento. O primeiro psicanalista, segundo Soto (2006), a estudar os distúrbios psicossomáticos infantis foi René Spitz, psiquiatra húngaro, nascido em Viena, Áustria, 29 em 29 de janeiro de 1887 e falecido em Denver, Colorado, E.U.A. em 14 de setembro de 1974. Spitz conheceu Sándor Ferenczi, psicanalista que o apresentou ao Freud, introduzindo-o na Sociedade Psicanalítica de Viena. Submeteu-se a treinamento e análise com Freud, de 1910 a 1911, tornando-se psicanalista. Atuou em Viena e Berlim, seguindo em 1932 para Paris em função do movimento nazista. Em 1938 para Nova York, onde trabalhou por 17 anos no Instituto de Psicanálise. Em 1956 Spitz tornou-se professor na Universidade do Colorado. (COBRA, 1998; SOTO, 2006) René Spitz interessava-se pelo conhecimento das relações iniciais entre mãe e bebê, campo que acreditava ter sido pouco estudado por Freud, e passou a investigar o desenvolvimento afetivo na infância, baseado no texto “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (Freud, 1905). Em 1958, Spitz utilizou seus conhecimentos em psicanálise para elaborar uma teoria própria sobre o desenvolvimento precoce do bebê, descrevendo a gênese da relação objetal e da comunicação humana. “Convencido da influência preponderante do meio para o desenvolvimento da criança, Spitz se opôs à concepção kleiniana que admitia a existência de uma vida mental complexa logo após o nascimento, com a presença de fantasias e conflitos entre impulsos opostos, entendendo que, no início da vida, o bebê, existe em um estágio indiferenciado que sofrerá um lento desdobramento, de onde surgirão os processos psicológicos a partir dos protótipos fisiológicos que lhe servem de apoio” (SOTO, 2006, p.74). Com seu interesse e método de estudo aplicado as crianças abandonadas, Spitz conquistou a admiração do meio científico americano, ficando conhecido nos meios educacionais, na primeira metade do século XX, devido às suas observações pioneiras quanto ao efeito dos carinhos em crianças mantidas em um berçário. Para construir sua teoria, Spitz realizou sua pesquisa com crianças internadas, com o propósito de isolar e investigar os fatores responsáveis, ou desfavoráveis, ligados ao desenvolvimento infantil em crianças internadas de até 2 anos e meio de idade. Escolheu para suas observações um impecável orfanato para crianças enjeitadas e um berçário de uma prisão de mulheres. No orfanato, organizado e limpo, as crianças 30 mostravam um sensível retardamento em seu desenvolvimento mental e progressiva debilidade física. Uma epidemia de sarampo matou 23 das 88 crianças com idade inferior a 2 anos e meio. Das sobreviventes, apenas 2 começaram a falar e aprenderam a caminhar no espaço da pesquisa. Nenhuma aprendeu a comer sozinha e todas eram incontinentes. Em grande contraste estava o quadro do berçário da prisão de mulheres, onde as crianças eram a fascinação das próprias mães reclusas e de todo o pessoal de serviço. Seu desenvolvimento era tão acelerado e sadio que o problema era de como conter as manifestações de sua vitalidade e inteligência. Nos testes de quociente de desenvolvimento que utilizou, Spitz pode conferir uma média de 105 pontos para o segundo grupo, e apenas de 72 pontos para o primeiro, concluindo que a falta de contato materno era o que prejudicava o desenvolvimento das crianças do orfanato. Descrevendo os diferentes momentos vividos pelas crianças de sua pesquisa, Spitz propôs conceitos emblemáticos para o entendimento das patologias das relações objetais no primeiro ano de vida. (COBRA, 1998; SOTO, 2006). Em suas pesquisas, o autor verificou que bebês que viviam boas relações com a mãe por no mínimo seis meses e depois eram privados de sua companhia apresentavam alterações comportamentais e clínicas que eram intensificadas em função da duração da separação, mas eram revertidas quando a mãe reaparecia ou era encontrada uma substituta adequada, após um período máximo de cinco meses. Spitz compreendeu este transtorno como decorrente de uma privação afetiva parcial e o nomeou de depressão anaclítica, devido a ruptura do vínculo objetal. O termo anaclítico utilizado por Spitz refere-se ao descrito por Freud (1914) em seu estudo sobre narcisismo primário, indicando o tipo e a fonte de escolha objetal feitos pela criança pequena, na qual os objetos sexuais são derivados das experiências de satisfação. Segundo Freud (1914), inicialmente, os instintos sexuais estão ligados aos instintos de satisfação do ego, ou seja, seus objetos são as pessoas que cuidam dela, a protegem e alimentam, portanto a mãe ou quem a substitua. Spitz demonstrou que a ausência da figura materna afetivamente cuidadora produz no bebê uma carência do investimento libidinal necessária para sua evolução. Apropriando-se do conceito de “díade”, da sociologia, para designar a relação mãe-bebê do início, o autor entende o objeto-mãe, não só como libidinal, mas social também. 31 Ao fim do estudo, Spitz descreveu fases da nomeada depressão anaclítica. No primeiro mês de separação o bebê mostrava-se chorão e exigente, buscando contato com qualquer pessoa que se aproximasse. No segundo mês o choro se transformava em gemidos, havendo perda de peso e parada no desenvolvimento. No terceiro mês havia uma recusa de contato com outra pessoa, permanência da posição de decúbito ventral, continuação da perda de peso, face contraída, generalização do atraso motor, insônia e tendência a contrair enfermidades intercorrentes. Após este período, a expressão facial mostrava-se rígida, o choro cessava sendo substituído por raros gemidos e o atraso motor se intensificava até um estado de letargia. (SOTO, 2006) Num segundo estudo, foram observados durante dois anos, 91 bebês que após três meses sendo amamentados por suas mães, foram separados destas, sendo cuidados por babás em um orfanato. Cada babá cuidava de aproximadamente dez bebês, o que resultava em uma parcela muito pequena de provisões afetivas. Assim que separados de suas mães os bebês apresentaram as fases descritas no quadro de depressão anaclítica, com um acentuado atraso motor logo de início, acrescentado de total passividade e com o rosto inexpressivo, chegando a manifestar espasmos de dedos e cabeça muito semelhantes aos portadores de danos cerebrais. Spitz denominou este quadro mais grave decorrente de carência afetiva total de síndrome do hospitalismo e estabeleceu um paralelo com o papel dos impulsos agressivos na organização libidinal estabelecido por Freud em 1905. (...) quando a ausência de relações objetais não permite a descarga de impulsos agressivos, o bebê volta a agressão contra si mesmo. Torna-se incapaz de assimilar a comida, cai vítima da insônia e se auto-agride, batendo com a cabeça na grade do berço ou arrancando mechas de cabelo (...) o impulso libidinal se desliga do impulso agressivo e cessam todas as atividades auto-eróticas, inclusive a sucção do polegar (...) o bebê retorna ao narcisismo primário, e não pode sequer usar o próprio corpo como objeto. Tem-se a impressão de que, nos bebês com marasmo, o impulso libidinal é empregado com fins de conservação, para manter o mais possível a ação da força vital que vai se debilitando. (SPITZ, 1983, p.113) 32 A partir dos estudos de René Spitz, compreende-se que a carência ou privação de cuidados afetivos podem produzir graves danos à saúde física e psíquica da criança, podendo ocasionar até sua morte, mesmo com cuidados materiais e necessidades biológicas satisfeitas. Desta forma, Spitz descreve a gênese das primeiras relações objetais, considerando a relação inicial mãe-bebê puramente biológica, se transformando gradativamente na primeira relação social do sujeito e descreve os organizadores do psiquismo. Após o nascimento o recém-nascido encontra-se num estágio sem objeto, ou préobjetal, que corresponde, segundo Soto (2006), ao estágio do narcisismo primário de Freud (1914), onde o aparelho psíquico está protegido do mundo por uma barreira de estímulos, que só é ultrapassado por estímulos excessivamente intensos, causando desprazer. Neste momento o ambiente ainda não existe como entidade exterior. O próximo estágio, que surge aproximadamente no terceiro mês de vida do bebê, é o precursor do objeto (Spitz, 1983). Trata-se do indicador do estabelecimento do primeiro organizador do psiquismo. É o aparecimento da reação de sorriso frente à face humana, que demonstra o estabelecimento de traços de memória e de um ego rudimentar, substituindo a barreira de estímulos. “Nessa etapa do precursor do objeto, pelo aparecimento do auto-erotismo, a excitação é investida em uma parte do corpo que, infiltrada de fantasia, poderá substituir por algum tempo o objeto-mãe (...) se o auto-erotismo surge do equilíbrio entre a presença e a ausência de cuidados maternos, a criança só pode compensar de forma errática a ausência da mãe se tiver obtido satisfações prévias no contato com a mesma. Por outro lado, como os sinais afetivos da mãe são determinados, predominantemente, por sua atitude afetiva inconsciente para com o filho, podem apresentar desvios do esperado como normal.” (SOTO, 2006, p.80). O investimento materno favorece ao bebê a formação de relações objetais adequadas ou não, e que serão determinantes para seu o equilíbrio psicossomático. Entre seis e oito meses de vida o bebê torna-se capaz de distinguir um amigo de um desconhecido, sentindo e demonstrando angústia frente ao estranho. A capacidade de 33 deslocamento da catexia em traços de memória reflete o fato de que o bebê estabeleceu uma verdadeira relação objetal, onde a mãe tornou-se objeto libidinal. Desta forma, com oito meses de idade o bebê encontra-se no segundo ponto organizador do psiquismo, caracterizado por este estabelecimento do objeto libidinal. Spitz também pesquisou desvios nas relações objetais e verificou que na relação mãe-bebê, a mãe ocupa uma parte ativa e dominante na relação, enquanto o bebê, inicialmente, é um recipiente passivo. Portanto, perturbações da personalidade materna se refletem em perturbações da criança em função da relação que estabelecem. Essas relações insatisfatórias podem decorrer tanto por fatores de natureza qualitativa (relações inadequadas) ou quantitativa (relações insuficientes). O autor chama atenção para o fato de que a relação entre os indivíduos que compõem a díade depende da personalidade de cada um e de outras inúmeras condições ambientais e culturais. O trabalho elaborado por Spitz trouxe grande contribuição ao estudo da psicossomática da infância, devido à articulação dos pontos de vista pediátrico e psicanalista, sendo muito utilizado, segundo Soto (2006), por psicossomaticistas franceses. Outro importante pesquisador na área foi o psiquiatra e psicanalista infantil Serge Lebovici. Em seu estudo sobre interações precoces, o autor afirma que assim como o bebê é influenciado pela vida mental da mãe, esta também é igualmente influenciada pela vida mental de seu bebê. (LEBOVICI, 1987). A precocidade de alguns distúrbios levou o psiquiatra perinatal a admitir sua origem na relação da mãe com o feto. Inspirado, segundo Soto (2006), por Spitz e Winnicott, Serge Lebovici se dedicou na década de 60 ao estudo da psicanálise da criança na França. Unindo-se com os psicanalistas Michel Fain e Michel Soulé e o pediatra Leon Kreisler, pesquisou os distúrbios psicossomáticos da infância numa perspectiva psicanalítica. Colega de Serge Lebovici e supervisionada por Winnicott, Joyce McDougall também trás grandes contribuições à área da clínica psicanalítica de crianças e da Psicologia psicossomática. Psicóloga e psicanalista, Joyce McDougall acredita que os sintomas neuróticos, psicóticos, perversos ou psicossomáticos consistem em criações infantis numa tentativa de auto-cura. (CECCARELLI, 1997). Sua prática clínica com crianças está documentada em “Diálogo com Sammy” (MCDOUGALL, 2005). 34 6. Desenvolvimento Infantil segundo Winnicott Winnicott ampliou o alcance teórico-técnico da psicanálise freudiana a partir da psicanálise kleiniana. Acreditando ser a espontaneidade e a criatividade, elementos valiosos do ser humano, Winnicott não escreve um tratado de técnica analítica, mas traz grandes contribuições a esse respeito, entendendo o homem como produto de uma integração constante e permanente com o meio, ou seja, como resultado do encontro dos processos de maturação com um ambiente facilitador que possibilite o desenvolvimento das potencialidades. (SAGAWA, 1997; MELLO FILHO, 1989) D. W. Winnicott, em 1930 já apontava a existência de um conflito emocional na produção de distúrbios somáticos. Através da elaboração de um modelo teórico sobre o início do desenvolvimento, descreve os processos naturais envolvidos na conquista da unidade psique-soma pelo bebê. Melanie Klein propõe uma diferenciação entre dois grandes tipos de constelação psíquica, envolvendo desejos inconscientes, ansiedades e defesas, à qual estão associados os estados esquizo-paranóides e depressivos (STEINER, 1991). A posição esquizo-paranóide caracteriza-se por ansiedades de natureza primitiva, que ameaçam o ego imaturo. O indivíduo idealiza objetos bons e, separadamente, objetos maus persecutórios. Na posição depressiva têm-se objetos totais, há preocupação com a sobrevivência do self. Os impulsos destrutivos levam a sentimentos de perda e culpa, que possibilitam o desenvolvimento da função simbólica e de capacidades reparadoras. Rosa (1995) acrescenta aposição viscocárica, mais primitiva que a posição esquizoparanóide. Consiste em um estado de fusão, onde não há diferenciação entre o eu e o outro. Winnicott se utiliza de tais conceitos na descrição do desenvolvimento infantil. Segundo Winnicott (1975), o bebê é dotado de tendências inatas de desenvolvimento, motilidade, sensibilidade e pulsões instintivas. Nasce num estágio não integrado e aos poucos, vai adquirindo uma coesão entre psique e soma. Durante o desenvolvimento, ocorrem três processos principais: integração, personalização e adaptação à realidade. Através da interação destes processos a criança pode se reconhecer como pessoa. O desenvolvimento depende de um suprimento ambiental satisfatório e da forma como o bebê interage com ele. Um ambiente facilitador pode possibilitar o crescimento em direção à saúde, enquanto um ambiente falho pode possibilitar instabilidade e 35 doenças. No início da vida do bebê, a mãe pode ser compreendida como este ambiente. (MELLO FILHO, 1989) Segundo Winnicott (1947) entende-se que qualquer ato de uma criança pode estar implicado em alguns pontos, tais como: seu ambiente e como essa é cuidada dentro dele pelos adultos; a maturidade de acordo com sua idade cronológica e emocional; ou apesar de ser madura, ainda carregue consigo todos os graus de imaturidade, indo até os estágios mais primitivos; ou ainda, a criança em seu estado emocional desordenado, entre outros... A agressividade é apresentada em vários estágios. Quando a criança esta no estágio do “pré-concernimento” pode-se dizer que existe nela uma pessoa e que esta tem propósitos, mas não tem ainda concernimento quanto aos resultados. Esta criança ainda não percebe que o mesmo objeto que ela valoriza, ela destrói quando excitada. Neste nível pode-se ver uma dissociação entre aspectos calmos e excitados da personalidade, como se uma criança afetuosa tivesse momentos totalmente contraditórios, sem se sentir totalmente responsável pelos seus atos. Mas se a agressividade é perdida neste estágio a criança perde também uma parte da sua capacidade de amar. No estágio do concernimento, fase descrita por Melanie Klein como “posição depressiva” no desenvolvimento emocional, a integração do ego permiti que o individuo perceba a personalidade da figura materna, o que pode ter como conseqüência o sentimento de concernimento quanto aos resultados de suas experiências instintivas. Neste estágio surge a capacidade de sentir culpa que se refere ao dano que a criança imagina ter causado à pessoa amada nos momentos do relacionamento excitado. Se a criança tiver uma mãe presente e atenta ela pode dar conta dessa culpa, tornando-se capaz de descobrir um anseio pessoal por dar, construir e reparar. Assim grande parte da agressividade transforma-se em funções sociais, manifestando-se dessa forma. Quando a criança se sente abandonada, no entanto, essa transformação quebra e a agressividade reaparece. Neste estágio a criança passa a se preocupar não só com seus impulsos sobre sua mãe, mas começa a perceber também os resultados das suas experiências no seu próprio eu. Assim começa a tarefa que durará para a vida inteira. Segundo este autor pode-se dizer que no impulso do amor primitivo encontramos sempre uma reação agressiva. Winnicott deu grande importância à interação mãe-bebê, devido à possibilidade que a mãe tem de fomentar no filho a onipotência necessária à sobrevivência do recém- 36 nascido, de que o seio que lhe é oferecido é algo criado por si. Tal experiência denomina-se criatividade primária. A inter-relação da psique e do soma constitui a base para o aparecimento e manutenção do self, mas quando a mãe não foi suficientemente boa, o processo é interrompido, dando origem à dissociação, que caracteriza a doença psicossomática. Quando isto ocorre, a criança pode apresentar dificuldades na capacidade de se relacionar com outras pessoas. (HISADA, 2000). A mãe suficientemente boa vivencia a preocupação materna primária, que consiste em um estado em que a mãe mostra uma crescente identificação com o bebê. É uma condição psicológica especial da mãe, de sensibilidade elevada, de retraimento do mundo externo para se aproximar das necessidades do bebê. Neste momento, o contato físico, handling, é fundamental para que o bebê comece a se perceber enquanto unidade, o que é necessário para integração do ego e coordenação corporal. A mamãe deve ser capaz de ser ela mesma, agindo espontaneamente, permitindo que o verdadeiro self aja e proporcionando cuidado e atenção contínuos, mas também precisa sentir prazer, para passar para o seu filho. É importante, neste período, que ela possa tentar consertar seus erros, quando fracassar. As tentativas de reparação imediata podem ser uma comunicação de amor e o não reparo pode implicar em privação. O momento em que o bebê começa a perceber sua mãe como outro, possibilita que lide com a sua ausência por meio da transicionalidade, pois a imaginação o remete à vivência satisfatória vivida anteriormente. Cria-se uma presença na ausência. Assim, a ausência do outro permite o nascimento do espaço potencial. Somente quando há confiança no ambiente é possível a desilusão saudável. Neste momento pode ocorrer a utilização de objetos transicionais. “A alternância entre ilusão e desilusão cria para o bebê um ponto imaginário que permite manter a integridade do ego, as experiências de continuidade. Estas experiências são precursoras da capacidade de simbolização.” (HISADA, 2002, p.38) Hisada (2002), fala em três funções maternas fundamentais: o holding, que consiste em conter, proteger o bebê e fornecer o que necessita; o handling, que seria o toque, o 37 contato físico; e a apresentação do objeto, que consiste na forma como a mãe oferece o seio, que vai depender da sua estabilidade e confiança. Apesar da existência de uma tendência à integração, esta ocorre basicamente através do holding materno. Falhas muito grosseiras e constantes nesta função podem gerar na criança angústias de aniquilamento, similares à sensação de desintegração. (MELLO FILHO, 1989). Mães com problemas narcísicos acentuados quanto à identidade, vitalidade, autoestima e depressão melancólica podem prejudicar a função especular primária com seus distúrbios pessoais. Mães psicóticas (que não conseguem separar-se do bebê), mães que não podem se entregar à preocupação materna primária (por estar deprimida ou preocupada com algo), e mães atormentadoras (em geral possuem TDAH), não são capazes de proporcionar um ambiente que o bebê necessita para um desenvolvimento sadio, sendo a última, a que produz o pior efeito sobre a saúde mental do bebê, porque viola o sentimento de self através da intrusão naquilo que interrompe a continuidade do ser do bebê. Neste processo de desenvolvimento emocional, o pai também possui papel fundamental, proporcionando o holding com a mãe e o bebê, permitindo que a mãe possa regredir e se dedicar exclusivamente ao bebê. Além de possibilitar que o bebê aprenda pela primeira vez que um ser humano pode ser diferente dos outros, oferecendo assim, o primeiro elemento de integração e totalidade pessoal. O pai tem que aparecer com freqüência para que a criança o perceba como ser vivo e real. “A função do pai, segundo Winnicott, é nas fases iniciais, proteger e auxiliara mãe a ministrar os cuidados básicos e, depois, junto com ela, apresentar um mundo junto à criança em pequenas doses. O pai deve apresentar também o ambiente indestrutível que protege a mãe, o todo familiar e também a criança, de sua própria destrutividade.” (MELLO FILHO, 1989, p. 49). A mãe precisa receber apoio do ambiente no período em que cuida do bebê, para dar conta de suas experiência emocionais (medos, inseguranças etc), para fornecer sustentação psíquica necessária ao desenvolvimento e integração do filho. (COLACIQUE, 1997) 38 Quando a inter-relação não se realiza satisfatoriamente, o corpo tem um registro mental, mas não há uma integração no self, assim, os conflitos psíquicos são transformados em sintomas orgânicos, como algo fora do self, se localizando em um órgão. O mundo interno da pessoa saudável relaciona-se com o mundo real ou externo, e mesmo assim é pessoal e dotado de uma vivacidade própria. As experiências vão realimentando a realidade psíquica interna, enriquecendo-lhe, dando direção. A partir dessa compreensão sobre o desenvolvimento emocional do ser humano, a doença psicossomática pode ser entendida como um sintoma de que algo não ocorreu bem no princípio do desenvolvimento emocional do indivíduo, nota-se a presença de uma dissociação no ego do paciente, de uma divisão da personalidade. O paciente que sofre de uma doença psicossomática é incapaz de sentir angústia, expressando-a no corpo. Além disso, pode ser compreendida como um pedido de socorro, tendendo à integração e a personalização, que constituem aspectos básicos para o crescimento. Desta forma, pode-se afirmar que há correlação entre os traços de personalidade e quadros de doenças. A etiologia da doença é determinada pela combinação entre a vulnerabilidade do órgão específico, a constelação psicodinâmica característica do paciente e a situação exterior que mobilizou seus conflitos primitivos. Em outras palavras, o tipo de doença e a época da vida em que ela se manifesta tem relação com a história do paciente, com a natureza de seus conflitos intrapsíquicos e com as formas de lidar com eles. Os sintomas são, portanto, símbolos inconscientes, dos quais o ego tira proveito para o alívio de conflitos emocionais, evitando que o paciente desenvolva sintomas mais severos no aspecto psicológico. Assim, a melhora dos sintomas orgânicos implica na necessidade do ego de encontrar novo meio de vazão, que se não encontrado pode acarretar em suicídio. “Há uma grande diferença entre aqueles pacientes que tiveram experiências iniciais satisfatórias que podem ser descobertas na transferência e aqueles cujas experiências iniciais foram tão deficientes ou distorcidas, que o analista tem que ser a primeira pessoa na vida do paciente a fornecer certas coisas que são essenciais no meio ambiente. No tratamento do paciente do segundo tipo, cada detalhe técnico da prática analítica, que, no tratamento do primeiro tipo de 39 paciente, é tido como algo natural, adquire uma importância vital” (WINNICOTT, 1947, p.282) Winnicott dividiu os pacientes em três grupos, a partir de um diagnóstico psicodinâmico. No primeiro grupo, se encontrariam os pacientes cujas dificuldades referem-se às relações interpessoais, ou seja, são pacientes que tiverem um desenvolvimento satisfatório nos estágios iniciais da vida. No segundo grupo, encontram-se pacientes depressivos, no qual a totalidade da personalidade está se esboçando. No terceiro grupo encontram-se os pacientes cuja estrutura pessoal ainda não está fundada de maneira segura, ou seja, o tratamento deve lidar com os estágios primitivos do desenvolvimento emocional. Neste terceiro caso, a ênfase do manejo está no holding. Estes pacientes requerem um atendimento diferente da análise clássica proposta por Freud, porque está análise designa-se a pacientes que querem, necessitam e podem tolerá-la. (HISADA, 2002, p.3) Crianças pertencentes ao terceiro grupo descrito por Winnicott, podem ser atendidas em consulta terapêutica com bom prognóstico quando os pais enquadram-se no primeiro ou segundo grupo. Segundo a literatura, a consulta terapêutica de Winnicott tem sido utilizada em casos psicossomáticos da infância e em distúrbios do desenvolvimento infantil. 7. O método de Consultas Terapêuticas Segundo Winnicott (1945) apud Rosa (2005) o desenvolvimento humano é resultado da interação dos fatores herdados como tendência à maturação e força de vida, com fatores do ambiente, representados pela maternagem. Desta forma, os cuidados maternos (holding, handling e apresentação do objeto) podem favorecer, dificultar ou até mesmo impedir a realização da maturação. Ao tentar suprir as necessidades de seu bebê, a mãe vive um processo de “regressão saudável”, revivendo sua experiência de ter ou sido cuidada por uma mãe suficientemente boa. Seus gestos e comportamentos expressam o local ocupado pelo bebê fantasiado, ou seja, o local que o bebê ocupa em seu imaginário. “Lebovici (2000) propõe o conceito de ‘bebê fantasmático’, ‘bebê imaginário’ e ‘bebê real’ para referir-se a estes aspectos psicológicos da mãe que permeiam sua relação 40 com o bebê real - objeto de observação via mecanismos de identificação projetiva e introjetiva. O bebê imaginário é essencialmente pré-consciente, elaborado durante a gravidez mediante um processo de rêverie diurno (sonhar acordado e devaneios). Tais devaneios podem ou não ser compartilhados entre os pais. Nesse espaço psicológico tem lugar a escolha do nome do bebê e outros processos semelhantes, repletos de expectativas e idealização. Estas são influenciadas também pelo “metabolismo” da idealização da criança através da vida conjugal dos pais.”(ROSA, 2005, p.33) O bebê fantasmático se diferencia do imaginário por ser essencialmente inconsciente. Segundo Oliveira (2001) ele se origina nos desejos infantis, ligados a conflitos edípicos (temor ao incesto), e quando não elaborados, impedem a boa maternagem. Quando o bebê é depositário de projeções patológicas parentais, ele pode desenvolver psicopatologias expressas precocemente em distúrbios funcionais e transtornos globais do desenvolvimento. Neste processo de maternagem/paternagem, ocorrem transmissões psicológicas transgeracionais e intergeracionais. O mandato transgeracional, refere-se a aspectos psicológicos não elaborados, conteúdos psíquicos inconscientes que permeiam, através principalmente das identificações introjetiva e projetiva, diversas gerações sem ser simbolizado ou elaborado, comunicando vivências traumáticas, emoções inominadas e lutos não elaborados, impedindo a integração do self. O mandato intergeracional se refere ao que é transmitido de uma geração para a outra acompanhado de algumas modificações ou transformações. É constituída de vivências psicológicas elaboradas (fantasias, imagos, identificações) que organizam a história familiar do sujeito levando em conta quem o precede, da qual vai extrair a substância de suas fundações narcísicas e tomar um lugar de sujeito, estabelecendo também as bases para intuição e empatia. (OLIVEIRA, 2001; ROSA, 2005). Lebovici acredita que através da consulta terapêutica ocorra a explicitação e a conscientização desses diferentes mandatos transgeracionais permitindo a modificação do funcionamento do bebê. A consulta terapêutica, estratégia de intervenção precoce com características e objetivo bastante específicos, foi desenvolvida por Winnicott, com a contribuição de psicanalistas franceses e se constitui enquanto instrumento de grande 41 poder no trabalho psicoprofilático e preventivo na psicopatologia do bebê, onde o esforço é dirigido para aliviar o sofrimento psíquico do bebê. A consulta terapêutica visa explorar o sintoma da criança, constituindo um espaço privilegiado para a observação da interação mãe-pai-bebê. O analista se oferece como continente e através da empatia permite uma identificação com o bebê e seus pais levando, desde o início a uma transferência positiva. Assim, os pais sentem confiança em falar sobre sua história, suas famílias e a repetição de suas condutas, permitindo assim, que emerjam, conteúdos inconscientes e conscientes, possibilitando a compreensão e explicitação dos mesmos pelo terapeuta, apontando a relação deles com o sintoma do bebê. Neste ambiente integrador, o terapeuta aprofunda os dados sobre a relação bebê e cuidadores e cuidadores entre si. A investigação consiste em conhecer o bebê no discurso dos pais, recolhendo os dados fornecidos tanto na entrevista como na observação direta real e do imaginário, observando como qualificam-no e evocam semelhanças com outros membros da família. O terapeuta observa se os pais criaram um espaço lúdico com seu filho onde podem também brincar, co-criar, ou se fazem desta interação um jogo com regras rígidas, fixas, impedindo-o de sonhar/simbolizar. Na investigação diacrônica obtém-se dados sobre a gestação o nascimento e as gerações anteriores, permitindo ao terapeuta conhecer o que ocorreu no passado. Na sincrônica observa-se a interação. Um aspecto muito importante na utilização da consulta terapêutica é o fato de que as condições de desenvolvimento emocional dependerão, em grande parte, da possibilidade dos pais desempenharem as funções psíquicas necessárias a esse processo. Quando o ambiente é favorável, os resultados tendem a ser mais promissores com intervenções mais breves, quando o ambiente não é facilitador, psicoterapias de longa duração oferecem mais possibilidade de êxito. Assim, a consulta terapêutica é recomendada quando o terapeuta pode contar com os pais como agentes facilitadores do desenvolvimento emocional do filho. A consulta terapêutica utiliza recursos favoráveis tanto da criança como de seus pais, na busca das mudanças necessárias à superação dos bloqueios ou dificuldades da criança. Uma visão diagnóstica do ambiente é necessária para a escolha da intervenção mais apropriada às peculiaridades de cada caso. (CATAFESTA, 1997) “A importância do brincar é sempre a precariedade do interjogo entre a realidade psíquica pessoal e a experiência 42 de controle dos objetos reais. É a precariedade da própria magia, magia que se origina na intimidade, num relacionamento que está sendo descoberto como digno de confiança. Para ser digno de confiança, o relacionamento é necessariamente motivado pelo amor da mãe, ou pelo seu amo-ódio ou pela sua relação de objeto, não por formações reativas. Quando um paciente não pode brincar, o psicoterapeuta tem de atender a esse sintoma principal, antes de interpretar fragmentos de conduta.” (WINNICOTT, 1975, p.71) A possibilidade de sentir prazer em brincar, origina-se da experiência da onipotência criativa vivida no contato com uma mãe que pode se adaptar ativamente às necessidades e características do filho. Gradativamente, a mãe pode encontrar-se com seu filho, que possui existência própria. (CATAFESTA, 1997) O trabalho ocorre na transferência e contratransferência, ferramentas do psicanalista que aumentam a possibilidade do uso criativo do espaço potencial e fortalecimento dos vínculos emocionais, sustentáculos do sentimento de amizade, da criatividade e da espontaneidade. A importância de políticas de saúde voltadas para a prevenção perinatal e psicoprofilaxia da família e do bebê é fato inegável. Tais políticas reduzem os riscos de mortalidade para a mãe e para o bebê, bem como os partos prematuros. (ROSA, 2005) 8. Objetivos O objetivo da presente dissertação é discutir a consulta terapêutica como método de atendimento psicológico de criança pequena na rotina ambulatorial. O segundo objetivo é uma reflexão sobre a evolução de seis casos emblemáticos e representativos da população submetidas ao uso da referida técnica de intervenção. 43 MÉTODO Amostra – Foram levantados todos os prontuários dos pacientes menores de cinco anos atendidos no Ambulatório de Saúde Mental Infantil de São Bernardo do Campo no período de janeiro a junho de 2007. Destaca-se que o estudo abarcou 10% do total dos prontuários e que a utilização das informações contidas nos mesmos foi autorizada pelo representante legal do menor através do termo de consentimento livre e esclarecido. Local – O estudo foi realizado nas dependências do próprio Ambulatório de Saúde Mental Infantil de São Bernardo do Campo, o qual está localizado na região central do município, e que assiste a demanda de saúde mental infantil de toda região. Material Prontuário do paciente do arquivo do ambulatório de Saúde Mental Infantil, que inclui histórico; queixa; dados de triagem; dados demográficos e sócio-culturais, e registro de acompanhamento ambulatorial. Em alguns casos, também o diagnóstico e o encaminhamento ambulatorial do paciente. Procedimento As informações coletadas dos prontuários manuseados referiam-se ao atendimento psicológico, embora alguns tivessem sido também atendidos pela psiquiatria e fonoaudiologia, no mesmo ambulatório. Os atendimentos psicológicos ocorreram em uma sala de atendimento contendo uma mesa e duas cadeiras tamanho padrão e uma cadeira para a psicóloga, além uma mesa com quatro cadeiras tamanho infantil. A sala garantia o sigilo do atendimento. Foram utilizados brinquedos que variavam de uma sessão para outra, porém, sempre havia um brinquedo de cada uma das categorias: intelectuais (em geral dama), agressivos (em geral boliche, bola) psicomotores (em geral cubos de encaixe e lego), afetivos (em geral casinha, bonecos e animais), regressivos (em geral mamadeiras e chupetas, massinha). Com relação ao material gráfico, havia disponível durante as sessões: papel sulfite, lápis de escrever, lápis de cor, borracha e apontador. Os atendimentos foram realizados semanalmente, cada sessão teve duração de 30 minutos. Os pacientes passaram por triagem psiquiátrica e foram encaminhados para psicologia, sendo discutidos em equipe multidisciplinar, independente de fazerem tratamento com outros profissionais do ambulatório. 44 Através dos prontuários, foi feito um levantamento epidemiológico registrando a idade dos pacientes assistidos e o diagnóstico dos menores de cinco anos. Os prontuários dos pacientes menores de cinco anos foram selecionados a partir da hipótese diagnóstica psicopatológica e hipótese diagnóstica psicodinâmica. Foram descritos e analisados seis casos (10% do total de pacientes menores de cinco anos) identificados com hipótese diagnóstica do grupo três, como descritos por Winnicott e Hisada (2002), cujos pais poderiam ser identificados como pacientes do grupo um ou dois, através da descrição da primeira entrevista. Foram selecionados seis casos com patologias diferentes. Foram excluídos casos de patologias psiquiátricas de origem orgânica, como autismo, deficiência mental e transtorno global do desenvolvimento. Após seis meses de alta, os prontuários foram levantados novamente a fim de verificar se algum paciente havia entrado em contato com o ambulatório para agendamento de novas consultas ou retorno ao tratamento. Trata-se, portanto, de uma pesquisa de desenho qualitativo do tipo estudo de caso, embora tenham sido levantados alguns dados epidemiológicos e, portanto, quantitativos. 45 RESULTADOS Dados epidemiológicos No período de janeiro a junho de 2007, foram realizados 335 atendimentos no Ambulatório de Saúde Mental Infantil, considerando todas as especialidades. Com relação faixa etária, os pacientes distribuíam-se da seguinte maneira: 0 - 5 anos – foram atendidos 55 pacientes , ou seja, aproximadamente 16,5% dos pacientes atendidos no ambulatório; 24% dos pacientes que podem ser atendidos pela Psicologia (a Psicologia só atende, neste ambulatório, pacientes até os 12 anos de idade). 6 - 12 anos – foram atendidos 175 pacientes, ou seja, aproximadamente 52% dos pacientes atendidos no ambulatório e 76% dos pacientes atendidos pela Psicologia. Acima de 12 anos – 105 pacientes, ou seja, 31% do pacientes atendidos no ambulatório. Fig. 1 - Pacientes atendidos no ambulatório geral, incluindo todas as especialidades 100,00% 80,00% 60,00% pacientes 40,00% 20,00% 0,00% 0 - 5 anos 6 - 12 anos acima de 12 anos Com relação ao diagnóstico dos pacientes com idade até cinco anos, 62% (34 pacientes) das crianças apresentam transtornos psiquiátricos de origem psicodinâmica, enquanto 38% (21 pacientes) apresentam distúrbios psiquiátricos de origem orgânica, tais como autismo, deficiência mental e transtorno global do desenvolvimento. 46 Fig. 2 - dados em relação ao distúrbio apresentado crianças com transtornos psiquiátricos de origem psicodinâmica 38% 62% crianças com distúrbios psiquiátricos de origem orgânica Evolução Clínica - descrição e analise de seis casos selecionados 1. Hércules – um ano e sete meses de idade 1.1 Casuística 1.1.1. Queixa principal: grita demais, bate nos outros, não aceita ordens. Foi encaminhado pela escola. A mãe não consegue lidar com ele, não consegue por limites. 1.1.2. Outras queixas: não há. 1.1.3. Hipótese diagnostica psicopatológica: distúrbio reativo de conduta 1.1.4. Hipótese psicodinâmica: Violência e manifestações destrutivas da agressividade; agressividade não integrada ao self; falta de limites na expressão da agressividade. 1.2. Atendimento 1.2.1. Anamnese: mãe conheceu o pai em “balada”. Mãe tinha 22 anos, pai tinha 20 anos. Já começaram a namorar, namoraram seis meses e foram morar juntos, depois de dois anos e seis meses engravidou. Gravidez não planejada (a mãe teve hipotireoidismo, mudou anticoncepcional e engravidou), quando descobriu já estava com sete semanas de gravidez. Tomou anticoncepcional até quinta semana. Quando soube sentiu medo, pai já tinha um filho e ficou preocupado, mas menos que a mãe. Mãe achou que não era o momento, mas assumiu. Gravidez ocorreu tranqüila, boa saúde, bebê nasceu a termo, parto difícil com muita dor. Mamou um mês mais ou menos, mãe sentia dor ao amamentar, deu mais ou menos 20 dias leite materno na mamadeira. Mãe diz que se sentiu culpada por não amamentar (mãe auxiliar de enfermagem). Filho nasceu 47 saudável. Andou e falou com 11 meses. A primeira palavra foi “papai”, mãe sente mágoa por isso. Começou escola com cinco meses mais ou menos, com oito meses começou a engatinhar, ficou mais teimoso. Está com um ano e oito meses e está desenvolvendo controle dos esfíncteres, não usa fralda aos finais de semana (só para dormir), na escola usa fralda o dia todo. 1.2.2. As consultas terapêuticas / Observações da criança: 1º atendimento: mãe e paciente. Mãe alega que a criança é muito teimosa, sem limite em casa e na escola. Grita muito. Mãe é solicitada a descrever as situações em que a criança reage desta maneira e como ela reage. Mãe pega lápis para o filho pintar. Ele bate o lápis na folha, grita e a mãe mostra-se sem reação. Aponto irritação da criança, oriento a mãe. Paciente dorme bem e come bem. Durante a consulta fica evidente a dificuldade afetiva e de relacionamento da criança. 2º atendimento: mãe e paciente. Está melhorando na escola, segundo a professora. Mãe com dificuldade em por limites, só com ameaça. Inicia-se a anamnese. Paciente permanece no colo da mãe que o segura um pouco desajeitada. Filho rabisca papel, mãe pega um lápis para desenhar junto, ele pega da mão dela, ela pega outro, ele pega de novo e assim sucessivamente. Aponto para mãe ensinar o filho que um é dela o outro é dele, podem trocar se quiser, mas cada um terá um. Ela faz. Ela se concentra em defeitos do filho, coisas ruins, aponto isso e acolho. 3º atendimento: mãe e paciente. Melhor na escola; 2ª e 3ª feira não quis muito contato com os colegas, mas depois melhorou. Mãe bastante inadequada, aponto e acolho. Pego um lápis e dou à criança. Ele me olha e me devolve. Eu risco e devolvo, ele imita, a mãe observa. Continuação da anamnese com a mãe. 4º atendimento: mãe e paciente. Bem, segundo mãe estão se entendendo melhor. Sem queixa em casa e na escola. Mãe mais segura, dá brincadeiras para o filho (por exemplo dá prendedor para ele dar para ela quando precisa estender a roupa). Bebê mais sorridente, mãe contente, mãe vendo resultado. Mãe mais adequada, mais carinhosa. Continuação anamnese. 5º atendimento: mãe e paciente. Pai os trouxe, mas não entrou na sessão. Paciente bem, se relacionamento melhor. Mãe elogia, ela e o pai agindo da mesma forma para educá-lo. Bom resultado, bebê mais calmo. Escola sem queixa. O atendimento passará a ser quinzenal. 48 6º atendimento: mãe, pai e paciente. Continua sem queixa, pais adequados, carinhosos com o filho, desenham juntos, filho sorridente. Pais pedem alta. O atendimento é encerrado. 1.2.3. Histórico e evolução da queixa: Inicialmente a criança mostra-se bastante agressiva, batendo os lápis durante a sessão e gritando, com o decorrer das sessões estes comportamentos diminuem dando espaço a expressões de troca e carinho. Houve inclusão do pai nas brincadeiras, principalmente em casa. 1.3. Análise do caso A mãe do paciente parece sentir muita culpa por não ter desejado nem amamentado o filho, em função disso sente dificuldade em por limites à criança. Com o decorrer das sessões a mãe sente-se mais adequada, sentindo-se acolhida, fala de suas angústias e passa a lidar melhor com o filho, conseguindo proporcionar o holding necessário para o desenvolvimento da criança. Conseguindo observar o bebê real, a mãe consegue compreender as necessidades do filho e supri-las. O pai se aproxima proporcionando o holding necessário à família. A criança mais integrada, torna-se mais segura, podendo relacionar-se de maneira mais adequada com mundo que a cerca. 2. Nice – um ano e sete meses de idade 2.1 Casuística 2.1.1. Queixa principal: dificuldade para se alimentar, chupa muito o dedo, não apresenta alteração clínica do desenvolvimento nem antecedentes patológicos. 2.1.2. Outras queixas: não ganha peso, fica gripada com freqüência e quando ocorre em geral necessita fazer inalação, sono agitado, às vezes chora dormindo. 2.1.3. Hipótese diagnóstica psicopatológica: anorexia. 2.1.4. Hipótese psicodinâmica: quadro anoréxico psicossomático 2.2. Atendimento 2.2.1. Anamnese: pais se conheceram em 1993, na igreja Evangélica. Namoraram mais ou menos 20 dias e ficaram amigos (namoro não deu certo). Depois de mais ou menos cinco meses voltaram a namorar. Com nove meses de namoro noivaram e logo casaram. Mãe não queria engravidar, não tinha vontade de ser mãe, achava que dava muito trabalho, sentia medo de não ser boa mãe, tinha medo de engravidar por ter 49 problema respiratório, medo do parto (de sentir dor), medo de sofrer (acompanhou a gravidez da mãe e ela sofreu muito). Gravidez aconteceu. Não planejada. Quando soube sentiu muito medo, marido muito feliz, a acolheu bastante. Gravidez tranqüila com relação à saúde e apoio do marido, mas mãe chorava muito, muito medo de falhar mesmo depois do nascimento, de não cuidar bem, de rejeitar. Parto cesária (devido medo), não sentiu nada, mãe diz ter sido muito bom. Quando teve primeiro contato com a filha, se assustou, não queria, medo da responsabilidade de ter que cuidar, chorava muito, ficava com bebê por obrigação, diz que não sentia amor. Marido conversava muito, ajudava a cuidar. Paciente nasceu saudável. Mãe ficou uma semana sem dormir (queria amamentar, mas sentia dor, tomava remédio para dormir). Seio rachou, doía “ela mamava sangue” (sic). Mamou até um ano e quatro meses. Andou com um ano, falou com um ano e dois meses. Dormia pouco porque mamava à noite, agora dorme bastante, mas sono agitado. Mãe voltou a trabalhar ela tinha quatro meses, deixava leite para a filha e a noite não dormia bem para amamentar. Não come bem com mãe, com avó paterna comia. Mãe era babá, mas quando filha tinha cinco meses parou de trabalhar para cuidar da dela. 2.2.2. As consultas terapêuticas / Observações da criança: 1º atendimento: mãe e paciente. Mãe traz como queixa problema de alimentação, baixo peso. Mãe sem saber o que fazer. Criança come muito pouco e chupa bastante o dedo. Mãe angustiada, filha não ganha peso e fica gripada com freqüência. Criança brinca com casinha, mãe observa, mas não interage. Inicia-se anamnese. Mãe com muita culpa, acolho. 2º atendimento: mãe e paciente. Filha brinca na casinha, mãe a observa mais próxima, sentada na cadeira de criança. Dificuldade em comer continua, mas mais amena. Continua chupando o dedo. Mãe se diz mais tranqüila. Paciente está gripada desde a semana anterior, fazendo inalação. Mãe percebe que dormindo não chupa o dedo, mas tem sono agitado, às vezes chora dormindo. Mãe fala sobre o sentimento de ser mãe, diz ser pra sempre e isso há assusta um pouco. Diz ainda ter medo, se culpa por ficar nervosa com a filha. Pediu demissão porque não se conformava em cuidar do filho dos outros e não da própria filha. Acolho e oriento a respeitar seus sentimentos, que são humanos. Questiona dificuldade em tirar a fralda, aponto que é cedo, que a criança desenvolverá em breve o controle. Mãe parece se sentir mais à vontade. Mãe aponta 50 semelhança da filha com ela (quando filha joga boneca no chão), diz que era desajeitada e sua mãe dizia que era desleixada, que não podia ser assim. 3º atendimento: mãe e paciente. Comendo muito bem. Mãe contente. Dedo ainda chupa, mas pouco, quando ocorre mãe conversa. Sono tranqüilo, às vezes chora dormindo. Mãe com menos medo. Acolho a mãe. Mãe e filha brincam juntas na casinha, filha coloca boneca para ir ao banheiro, mãe sorri. 4º atendimento: mãe e paciente. Comendo bem, foi ao pediatra, aumentou 300 gramas. Reduziu mamadeira e aumentou alimentação, mãe muito adequada, brinca, faz voz de bebê... Criança sorridente. Dormindo bem. Sem queixa. Retorno em 15 dias. 5º atendimento: mãe e filha bem. Diminuiu leite, aumentou comida. Filha pede para brincar, mãe deixa, brincam juntas, fala com voz de bebê. Mãe lembra da infância, sorri. Sono tranqüilo. Sem queixa. Solicitada a alta pela mãe. Coloco-me a disposição para retorno se necessário. 2.2.3. Histórico e evolução da queixa: A criança sempre teve sono agitado, mamava. Mãe tentou inserir outros alimentos na alimentação da filha, mas ela rejeitava. No decorrer das sessões mãe e filha passaram a interagir melhor e paciente passou a se alimentar, ganhando peso. 2.3. Análise do Caso O comportamento de chupar o dedo, reflete uma estrutura psicótica, tentativa de prolongar o prazer e forma de ser auto-suficiente, não precisando do outro para alimenta-la, além da angústia por ter destruído o seio. A criança apresenta uma dificuldade em humanizar-se, ou seja, aceitar que possui defeitos e qualidades assim como a mãe. A mãe expressa dificuldade em vincular-se, além de medo de ser agressiva com a filha, de falhar. O atendimento propiciou a integração da criança através da brincadeira. A mãe se identifica com a criança quando esta joga uma boneca. A partir do uso do objeto transicional, mãe e filha percebem a possibilidade de remediar, de destruir e reparar, percebem a agressividade como algo humano que pode ser usada em função da vida. 3. Afanise – quatro anos e dois meses de idade 3.1 Casuística 51 3.1.1. Queixa principal: sempre foi inquieta, nervosa, chora a toa, é irritada, não se alimenta, não obedece. 3.1.2. Outras queixas: Falou depois de dois anos. Mãe nega antecedentes patológicos. Mãe se queixa da “personalidade difícil”. Enurese aproximadamente uma vez por semana. Tem muita infecção, desde dois meses de idade ia para o hospital, infecção de garganta, de ouvido, tem refluxo gástrico. Tem infecção de garganta mais ou menos de três em três meses. Às vezes chora dormindo. Mania de “não gosto mais de você”. Dificuldade para se alimentar. 3.1.3. Hipótese diagnóstica personalidade querelante psicopatológica: perfil de difícil avaliação/ 3.1.4. Hipótese psicodinâmica: anorexia eletiva, enurese, infecções oportunistas e psicossomáticas do aparelho respiratório. Depressão secundária às condições do ambiente. Sintomas negativos. 3.2. Atendimento 3.2.1. Anamnese: pais se conheceram na escola, no 1° colegial, mas estudavam em classes diferentes (ele é um ano mais velho), mãe tinha 17 anos e pai 18 anos. Ficaram amigos por três anos e começaram a namorar. Namoraram quatro anos e casaram. Com seis meses de casados mãe engravidou. Gravidez planejada, os dois queriam menina. Gravidez calma, mas ficou muito inchada, então o médico sugeriu cesária. Mãe diz que a filha viu as fotos do seu parto, mas não reconhece, diz que não é ela. Nasceu saudável e a termo. Mãe não teve leite e diz que a filha era “muito nervosa para puxar peito, machucava” (sic). Mãe acha que não teve leite porque é muito nervosa, ficava ansiosa. Disse que ficava triste por não amamentar. Paciente tem muita infecção, desde dois meses de idade ia para o hospital, infecção de garganta, de ouvido, tem refluxo... Em dezembro 2006 esteve internada com amidalite (mãe diz que achou que a filha ia morrer). Criança sempre teve anemia, nunca comeu bem. Mãe diz não ter conseguido curtir a filha. Percebe que cuida mais da menor. Mãe brincou pouco com ela. Filha costuma deixar as bonecas sem roupa para mãe vestir (faz isso durante a sessão). Na escola está tudo bem. Começou a falar com mais ou menos dois anos, andou com 11 meses. Tirou fralda com um ano e cinco meses. Sempre foi ruim para comer, até hoje, na escola come. Tem infecção de garganta mais ou menos de três em três meses. Às vezes chora dormindo. Mania de “não gosto mais de você”. Quando começou a andar a mãe conversava bastante com ela. Com um ano e pouco disse que curtia a filha. Com 52 três anos começa a ir para creche e com quatro anos para o pré (este ano). Irmã com um ano e três meses. Brincam bastante, brigam um pouco (ciúme). Criança ajuda a mãe a cuidar da irmã. 3.2.2. As consultas terapêuticas / Observações da criança: 1º atendimento: mãe e paciente. Mãe diz que a filha chora com facilidade, muito agitada, ativa. Às vezes o oposto: muito quieta, fica deitada, dorme muito, chora dormindo, às vezes acorda chorando. Paciente diz que lembra do sonho, mas não conta. Agressiva com outras crianças (com a irmã de um ano, não), bate e grita muito quando irritada. A criança e a mãe são acolhidas enquanto a mãe traz as queixas. São investigados pontos de saúde, e concluiu-se que os sintomas são psicossomáticos, i.e., expressam a irritabilidade e falta de paciência para lidar com o cotidiano. Não há uma doença orgânica a ser tratada, mas sintomas conversivos, que podem ser considerados equivalentes depressivos. Como exemplo, hoje está irritada, com tosse e nariz escorrendo, está com infecção na garganta, teve febre três dias, ficou internada dois dias. 2º atendimento: mãe e filha. Queixa continua semelhante, às vezes bem, mas chora muito com freqüência. Mãe não consegue por limite e não gosta de brincar com ela. Inicia-se anamnese. Mãe não dá comida se ela não quer. Oriento mãe a dar comida mesmo se filha não quiser, porque ela é mãe e sabe o que é melhor. Mãe e filha queixosas, aponto e acolho. Oriento para brincar de “serrador” para aumentar circulação na garganta. Brincam e se divertem. Mãe parece começar a “regredir”. 3º atendimento: mãe e filha. Passaram a semana bem. Quando mãe chama atenção ela diz que não gosta mais dela. Tosse e nariz escorrendo melhorou. Chorou menos. Não acordou chorando. Continuação anamnese. 4º atendimento: mãe e filha. Ambas bem, mãe faz associações - filha com amidalite depois de apanhar do pai, disse que ela apanhou porque estava terrível. Continuação anamnese. Mãe se diz ansiosa e agitada, se compara com a filha, vê semelhanças. Na escola tudo continua bem. Orientei mãe confiar mais em si e curtir a filha. 5º atendimento: mãe e filha. Trouxeram uma foto da paciente onde ela está dançando. Continuação anamnese. Mãe e filha brincando com as bonecas, aponto que brincam juntas (no mesmo espaço), mas separadas (sem interagir), ambas sorriem, parecem perceber. Na escola está tudo bem, muito esperta e obediente, fazendo amigos, 53 chorando menos quando acordada, dormindo não chora mais. Mãe ainda um pouco inadequada, infantil (mãe e filha fazendo birra uma com a outra). Aponto e acolho. 6º atendimento: mãe e filha. Paciente disse que teve pesadelo ontem - gato queria pegar ela. Pede para mãe montar quebra cabeça com ela. Difícil chorar, não chora mais, só ontem por causa do pesadelo. Menos agitada. Mãe diz que está sabendo lidar com ela melhor. Às vezes está dormindo na escola (quando a professora conta história, antes não conseguia), comportamento mais adequado. Foi agendado retorno para 15 dias, mas se necessário, poderia vir na próxima semana. 7º atendimento: Mãe e ela estão bem. Chegam juntas contentes, brincam bastante, montam quebra-cabeça, mãe a ensina, ela procurar peças e mãe monta. Está dormindo bem, não teve mais pesadelo. Mãe diz que está bem melhor, família toda percebeu. Na escola está tudo bem também. Mãe lendo história e se sentindo melhor. Saúde boa, não ficou mais doente. Comendo melhor, comendo de tudo na escola e em casa. Mãe adequada. Têm alta. 3.2.3. Histórico e evolução da queixa: desde o nascimento criança nervosa, agressiva, machucava a mãe quando ia mamar. Aos dois meses de idade iniciam infecções, fica internada e doente com freqüência. Não se alimenta bem. Com o tempo torna-se mais agressiva, principalmente com a mãe. Sempre fez xixi na cama ao menos uma vez por semana. No decorrer das sessões torna-se mais carinhosa, mãe e filha interagem mais e as queixas cessam. 3.3. Análise do caso A paciente apresenta sintomas negativos referentes à oposição ao poder, ou seja, obtém poder pela agressividade, que também lhe permite a defusão, por estar fundida ao self da mãe. A criança apresenta-se na posição viscocárica do desenvolvimento. Ao se opor ao outro, percebe-se enquanto sujeito diferente. O objetivo neste atendimento foi possibilitar o sentimento de estidade, mesmidade, thisness, os sintomas revelam a necessidade de autenticidade, de reconhecer-se enquanto pessoa. O fato da criança não se reconhecer na foto quando bebê, expressa o pensamento concreto e a dificuldade em perceber a constância do objeto, em outras palavras, ela tenta se reconhecer como pessoa agora, ao tentar se separar da mãe, antes, não existia. A partir do brincar, mãe e filha percebem-se como pessoas diferentes e podem então vincular-se, relacionar-se. A 54 filha deixa de ter sentimentos persecutórios e passa a se vincular com o mundo de maneira mais saudável e adequada. 4. Narciso – quatro anos e oito meses de idade 4.1 Casuística 4.1.1. Queixa principal: foi encaminhado pela dermatologista, com hipótese de vitiligo, com origem psicossomática. 4.1.2. Outras queixas: Apresenta ansiedade e certo nervosismo, fica doente com freqüência, doenças oportunistas do sistema urinário. 4.1.3. Hipótese diagnostica psicopatológica: Transtorno emocional da infância (F93) 4.1.4. Hipótese psicodinâmica: vitiligo e sintomas urinários de origem psicossomática. 4.2. Atendimento 4.2.1. Anamnese: o pai é cobrador de ônibus, mãe pegava o ônibus, se conheceram, ficaram amigos mais ou menos um ano, começaram a namorar e ficaram dois anos namorando, ficaram noivos mais dois anos e casaram. Ele queria filhos, mas não naquele momento, ela não (também por que não trabalhava), depois de dois meses foi trocar o anticoncepcional e engravidou, ficou chocada, não queria; chorou bastante, marido também, não queriam, depois de mais ou menos um mês começou a se acostumar com a idéia. Gravidez tumultuada (foram morar no quintal da sogra), a família interferia. Com três meses tinha muita enxaqueca, chorava muito, “se não cuidasse entrava em depressão” (sic). Com seis meses podia perder o filho, não sabe por que, o médico falou. Engordou muito na gravidez (antes era modelo fotográfica), engordou 30kg, marido ficou distante, não tinham relações sexuais. Depois de ganhar o filho o marido continuou distante dela e do filho, muito medo de machucar. Continuou distante do filho (passou o medo de machucar, mas trabalhava muito). Mãe é filha de alcoólatra, co-dependente, era a filha modelo da mãe, começou a ser controlada pela família do marido. Paciente teve o desenvolvimento neuropsicomotor normal, sempre foi muito quieto, e fica doente com freqüência, desde bebê. Quando bebê tinha muitas infecções respiratórias. Difícil ficar um mês sem nenhuma doença. 4.2.2. As consultas terapêuticas / Observações da criança: 55 1º atendimento psicológico: mãe e paciente. Mãe diz que filho está com vitiligo há um ano e seis meses aproximadamente, por questões emocionais. Faz tratamento com dermatologista, mas não apresenta boa resposta terapêutica. Tinha febre para ir à escola, mas hoje vai bem. Ultimamente está um pouco agressivo (desde que ficou internado por meningite viral – há quatro meses). Mãe bastante falante. Criança quieta, só observa. 2º atendimento psicológico: mãe e filho. Paciente continua quieto, observando enquanto mãe fala. Inicia-se anamnese. O filho estava há duas semanas com infecção urinária, semana passada teve urticária e a infecção sumiu. Toda semana fica doente. Aponto quietude do paciente, mãe fala e faz por ele. Acolho e oriento. 3º atendimento psicológico: Não ficou doente esta semana. Mãe está jogando vídeo game com filho, se aproximando. Paciente falou que fica feliz quando os pais brincam com ele, está falando mais. Pai se emocionou e contou para mãe que sente que está distante do filho (chorou). Mãe brigou com marido por dinheiro (ele reclama dos gastos). Paciente está falando bastante e agindo um pouco agressivo, mas a mãe está apontando e dando limite. Brincam na sessão com dominó e jogo de botões (mãe inventa jogo). 4º atendimento psicológico: mãe e filho. Paciente está muito bem de saúde, segundo a mãe. Vitiligo estacionou segundo a dermatologista, terá retorno em dois meses. Está falando bastante, mas às vezes fica tímido (mãe está percebendo agora). Não está querendo voltar para escola. Mãe mente para ele, orientei a falar a verdade. Paciente com receio de falar, agora fala, mas sem olhar no rosto. Combinamos que a mãe não vai mais mentir e ele vai poder confiar. Não fala mais que vai morrer, não fala mais em medo e nem pede mais irmãos. Desenha na lousa borboleta e sol. Medo de ficar só. Mãe está melhor, mais tranqüila, ouve mais o filho durante a sessão. 5º atendimento psicológico: Está agressivo, respondendo à mãe, bate nas coisas. Vai começar as aulas semana que vem. Falo com a mãe sobre as vontades do filho. Fala tudo que acontece em casa para avó. Mãe brigando muito com a sogra. Saúde da criança muito boa, está se alimentando melhor. Oriento a ser sincera com seus sentimentos. Sabe ser mãe, precisa acreditar. Fala que está bem com marido, não estão mais brigando. 6º atendimento psicológico: mãe e ele. Mãe diz que ele está ótimo. Família foi junta ao pediatra do filho. Mãe feliz com a interação do pai. Mãe está sentindo falta da mãe 56 dela, mas menos que sentia. Mãe se afastando mais do filho (que antes vivia em fundidos) e explicando para o filho. Mãe quer voltar a trabalhar, mas filho não deixa. Mancha de vitiligo fechando. Mãe acha que o emocional está auxiliando, mas continua tomando medicação (creme). Mais calmo. Não gosta de receber não, mas está aceitando agora. Mãe explicando o porquê. Filho respeitando mais a mãe. A mancha do pescoço está fechando e a da boca estagnou. Tomando leite (mãe dá na mamadeira dormindo, pedi para mudar e dar no copo), aponto que isso é uma necessidade dela, não do filho, acolho. 7º atendimento psicológico: mãe e paciente. Ele bem, mãe mal com sinusite, dor de cabeça. Filho diz que a mãe não está bem por que tem sinusite como ele. Ela diz ser por causa do tempo que está mudando. Mancha fechou bem, só um pedacinho no pescoço e na boca. Conversam mais e brincam junto. Tudo bem na escola, mas tem tirado o sapato, professora e mãe não entendem o porquê. Brincam na sessão, jogam futebol. Em casa tudo bem. Saúde ótima. Brincam com animais. 8º atendimento psicológico: Mãe e filho. Ficaram bem estes dias. Dificuldade em dividir. Criança com ciúme, complexo de inferioridade (“riram de mim”). Oriento sobre a dificuldade do filho de expressar o que sente. Mãe brinca com ele querendo mostrar que se interessa, mas chateada porque filho não gostou tanto da festa de aniversário que ela escolheu e fez. Pai ajudou no aniversário (“relação maravilhosa”). Mãe aconselha o filho para pedir e contar coisas para o pai. Acolho a mãe, orientando-a quanto à diferenciação entre o que é dela e o que é do filho, a perceber a criança real. Oriento mãe a fazer terapia também. 9º atendimento psicológico: mãe e filho. Brincam de quebra-cabeça, mãe ansiosa, com dificuldade em deixar o filho participar da montagem, aponto, reage bem. Filho mais carinhoso, mãe procurando emprego, fez entrevista, talvez comece a trabalhar. Filho aceitando bem. Vitiligo sumindo. 10º atendimento psicológico: mãe e filho. Mãe começará a trabalhar e não virá mais. Mancha continua diminuindo. Coloco-me a disposição se necessário. 4.2.4. Histórico e evolução da queixa: desde bebê ficava doente com freqüência, não conseguia expressar sua angústia, expressava-a através do corpo. Conforme começa a se expressar verbalmente, deixa de ficar doente, começa a ficar mais agressivo inicialmente, mas logo deixa de ter qualquer sintoma psicossomático. 57 4.3. Análise do caso Problemas de pele, como vitiligo, expressam contato prejudicado com o mundo. O paciente não consegue expressar-se no mundo, a mãe faz e fala por ele, sem observar o filho. O vê como uma continuação de si. A mãe apresenta dificuldade em ser assertiva e estabelecer contato. Durante as sessões, é possível perceber também sua dificuldade em relacionar-se com o pai, posteriormente com o marido e com o filho. O desejo de ter irmãos, o medo de ficar só e os desenhos da borboleta e do sol, indicam o sentimento do filho de perder a família para sempre. É como se o paciente se senti-se incomodando a mãe, sente-se ruim e teme ter destruído tudo ao nascer, inclusive a possibilidade da mãe de ter outros filhos. Durante o processo, o paciente torna-se, inicialmente agressivo, reproduzindo as defesas da mãe. A mãe passa a perceber sua dinâmica e a do filho, expressa conflitos infantis, como dificuldade de relacionamento com figura paterna, não suporta por algum tempo e apresenta sintomas também. Aconselho mãe a procurar terapia para si. Paciente passa a tirar o sapato na escola como tentativa de entrar em contato com o mundo. Conforme seu contato melhora, passa a sentir-se mais seguro e a mancha some. 5. Dalila – quatro anos e oito meses de idade 5.1 Casuística 5.1.1. Queixa principal: perda de cabelo há aproximadamente um ano. 5.1.2. Outras queixas: muito apegada ao pai desde o nascimento. Medo de lavar o cabelo, diz que lavar faz cair. Cobra carinho dos pais, pergunta para eles se a amam constantemente. Muito cume dos pais, principalmente do pai, quando ele está em casa dorme no berço, quando não está dorme com a mãe. Ansiedade. Alimentação irregular (às vezes come, às vezes não). Agressiva com a irmã mais velha (ciúme), com as outras pessoas não. Muito sensível, chora com facilidade. 5.1.3. Hipótese diagnostica psicopatológica: Alopecia - Transtorno emocional com início especificamente na infância (F 93). 5.1.4. Hipótese psicodinâmica: Alopecia - quadro psicossomático 5.2. Atendimento 5.2.1. Anamnese: pais se conheceram perto da casa da avó, namoraram e noivaram rápido. Após 15 dias mãe engravidou da filha mais velha (atualmente com 12 anos). 58 Depois de três meses que a filha nasceu, mãe engravidou de trigêmeos, não planejado também. Teve aborto espontâneo com quatro meses e quinze dias. Mãe se diz nervosa, morava com sogra, fumava e tomava café. Dalila foi planejada, mãe engravidou seis anos após os abortos porque a filha mais velha pediu. Marido também queria. Gravidez tranqüila, teve um pouco de enjôo. Trabalhou a gravidez toda, parou com oito meses (férias). Parto normal, a termo, fez pré natal, marido acompanhou. Nasceu pequena mais saudável, mãe associa com o fato de ser fumante, embora tenha fumado menos na gravidez dela. Mamou quatro meses porque mãe voltou a trabalhar (mamou três meses no peito e um leite materno na mamadeira). Ficava com irmã do pai, depois com a vizinha. Bem cuidada pela vizinha, depois ela começou a judiar (menina concorda com a mãe e olha para ela enquanto ela fala). Mãe parou de trabalhar e começou a ficar com as filhas. Pai sempre foi muito ausente, trabalha a noite de segurança e durante o dia como pedreiro. Filhas ficaram bem. D. andou e falou com aproximadamente um ano de idade, deixou a fralda com dois anos. O sono sempre foi tranqüilo e sempre foi muito ciumenta. Até três anos seu desenvolvimento foi tranqüilo. O avô paterno ficou doente quando D. tinha três anos e cinco meses. Mãe foi visitá-lo em Pernambuco, durante 30 dias com as filhas. Pai ficou aqui. D. ficou com febre no segundo dia de viagem, queria que o pai fosse junto. Pais explicaram a impossibilidade porque pai precisava trabalhar. D. sentia muito medo e tomar banho frio em Pernambuco. Pais mentiam quando D. ficava angustiada, dizia que o pai talvez fosse para lá. Volta de viagem tranqüila, D ficou muito feliz quando voltou. Depois de um mês começou a ter queda de cabelo, foi ao dermatologista e este disse que era emocional. Começou escola este ano, está indo bem, faz amizade fácil. 5.2.2. As consultas terapêuticas / Observações da criança: 1º atendimento – mãe e filha. Mãe traz queixas: filha muito apegada ao pai desde o nascimento. Mãe e filha fizeram viagem ao nordeste em 2005, ficaram 30 dias e após retorno a filha começou a perder cabelo. Deixou de se relacionar com amigos. Medo de lavar o cabelo, diz que lavar faz cair. Cobra carinho dos pais, pergunta para eles se a amam. Na escola está tudo bem, desde que ninguém se aproxime dos pais dela, muito ciumenta. Ansiedade. Alimentação irregular (às vezes come, às vezes não). Sono tranqüilo. Muito ciúme do pai, quando ele está em casa dorme no berço, quando não está dorme com a mãe. Agressiva com a irmã mais velha (ciúme), com as outras pessoas 59 não. Sensível, chora com facilidade. Inicia-se anamnese, filha fica atenta a sua história e concorda balançando a cabeça afirmativamente para a mãe diversas vezes. 2º atendimento – mãe e filha. Cabelo continua caindo bastante. Continuação da anamnese. Oriento mãe a ser sincera com a filha. Acolho. 3º atendimento – mãe e filha. D. brincou bastante. O cabelo continua caindo. Mãe continua mentindo para sair. Oriento ser sincera sempre, mesmo que a filha chore quando eles saiam. Mãe diz que fará, aponto para D. o que a mãe falou. D. fala bem, pergunta bastante coisas para a mãe, mãe responde. Pai distante, trabalhando muito. Peço para mãe brincar com filha. Mãe diz ter dificuldade, diz que não brincava na infância, não tinha brinquedo. Peço para mãe se sentar à mesa pequena para ficar mais fácil brincar com a filha. Filha sorri. Brincam juntas, filha canta baixinho (organizando casinha). Peço para mãe brincar com ela em casa também. 4º atendimento – mãe e filha. D. não está mais fazendo birra quando a mãe sai. Mãe conversando mais, mas um pouco confusa, às vezes faz chantagem, aponto. Sobrancelha caindo também. D. diz que um cai pra outro nascer. Digo que podem viver juntos, ela diz que entendeu, eles também. Falo pra mãe não fazer chantagem. D. monta casa com parque ao lado. Fala bastante. Peço para mãe ser sincera, falar, perguntar se agüenta a angustia da filha no início, ela sorri e diz que sim. Brincam juntas. D. divide as peças da casinha para ela e para a mãe. Mãe fala em mudanças de idéia, ora si, ora não, às vezes sente raiva, Às vezes dó. Falo sobre mãe ser assim. A oriento e acolho. 5º atendimento – mãe e filha. Cabelo caindo menos. Pai está doente, ontem ficaram no hospital. Dalila ficou com a vizinha, fingiu que estava dormindo quando a mãe foi buscá-la para ficar lá, e ficou. Ela está falando bem e bastante, parece mais independente, está tomando banho e se trocando sozinha. Não tem mais medo de lavar o cabelo, está se cuidando, chegando a lembrar a mãe que precisa lavar o cabelo, de passar óleo no corpo, remédio no cabelo... Mãe mais sincera. Falamos sobra a independência da filha. Mãe sentindo-se incompreendida pelo marido (desconta nas filhas), percebe isso. Constroem casa (filha ajuda a mãe). 6º atendimento – mãe e filha. Cabelo caindo menos, mas ainda além do normal. Filha está bem, brincando bastante. Brigando com a irmã às vezes. Mais independente, falando mais. Dalila estuda de manhã. Brinca com os animais, com a mãe, faz cercados, 60 cria recursos e soluciona problemas. Mãe brinca mais à vontade. (D. tira os bonecos que são pais na brincadeira). Na brincadeira a mãe se atrasa. 7º atendimento – mãe e filha. Cabelo parou de cair, mãe e filha estão muito contentes. D. traz boneca de casa para mostrar. Ambas mais seguras. Mãe percebe que esta fazendo mais o que tem vontade (comportamento coerente com o que sente). Falo sobre o feriado, ela parece entender. Sem queixa. Observar daqui a 15 dias (devido ao feriado). Mãe percebe que auxiliou na melhora das filhas. Esta falando mais. Sobrancelha começou a crescer. 8º atendimento – mãe e filha. Cabelo continua sem cair, mas ela diz que caiu (feriado? Medo de deixar de vir?). Mãe e filha parecem bem. Passou no dermatologista que manteve o medicamento e pediu retorno para seis meses. Cabelo nascendo onde estava caindo. Mostro o telefone do ASMI, a oriento a me ligar se precisar. Questiona sobre brinquedos, os acha e fica mais tranqüila (deixa de testar, parece ficar mais à vontade). Mostro o telefone e ela sorri. Parece bem. Brinca com a casinha, mostra organização, brincar adequado. Sem queixa. 9º atendimento – mãe e filha. Falo que sei que ligou para mim, que recebi o recado, ela se mostra envergonhada. Cabelo não cai mais e estão nascendo novos. Brinca de casinha, sempre em família, mostrando bom relacionamento. Tira a boneca careca da brincadeira, brinca com as outras. 10º atendimento – sem queixas. Falo em quinzenalmente. Fica triste. Prorrogo mais uma semana. Mãe fala de frustrações, dificuldades com a filha mais velha (que também passa por atendimento psicológico), muita culpa. Falamos sobre D. representar uma segunda chance para consertar o que não deu certo com a mais velha. Mãe confusa, aponto, oriento diálogo. Mãe desabafa. Brincam juntas. Dalila se mostra brava inicialmente mas resolve brincar (animais e pessoas). Acolho ambas. 11º atendimento – mãe e filha. Continuam bem e sem queixas. Boa interação com a mãe, mãe mais bonita, fez cabelo, maquiada, mais atenta à filha, ela bem, brinca adequadamente, monta quebra-cabeça com mãe. Aceita retorno em 15 dias. 12º atendimento – mãe e paciente. Falo sobre minhas férias e alta. Sem sintomas. Mãe diz que filha é ciumenta com o primo, mas se expressando bem. Mãe parece entender e agir adequadamente. Ficou sozinha neste final de semana e não teve problemas. Marquei mais um retorno para quinze dias, depois alta. 61 13º atendimento – mãe e Dalila estão bem falamos sobre alta, novamente, elas concordam. 5.2.3. Histórico e evolução da queixa: desde o nascimento sempre foi muito apegada ao pai, muito ansiosa, medo de ser abandonada pelos pais, que não sabiam como lidar com a cobrança da filha. Não suportando a angústia, a criança após uma viagem longa, apresentou alopécia. Conforme consegue expressar sua angústia de maneira adequada, elegendo objetos transicionais e melhorando o relacionamento com os pais, os sintomas se extinguem. 5.3. Análise do caso A alopecia revela dificuldades com a figura paterna. O pai da mãe adoece, ela não consegue lidar com o fato e a filha não consegue ficar triste com isso, por não sentir que a mãe tem estrutura para suportar os fatos, ou seja, aparece o fenômeno transgeracional. O pai é ausente e a mãe não é confiável, por não ter suporte e mentir.a problemática da paciente relaciona-se a morte, conforme a mãe sente-se mais segura, deixa de mentir para a filha. A relação entre as duas melhora, mãe começa a brincar, ou seja, vincular-se com ela. A criança passa a utilizar objetos transicionais para lidar com as situações onde sentia insegurança, a mãe auxilia neste processo. A criança passa a lidar melhor com a ansiedade. Mãe e filha passam a construir casa juntas, ou seja, internalizam a figura do pai, tornam-se mais independentes e os sintomas cessam. 6. Lázaro – quatro anos e dez meses de idade 6.1 Casuística 6.1.1. Queixa principal: queixas depressivas com quadro dermatológico psicossomático. 6.1.2. Outras queixas: crise de choro, nervosismo, agitação, pouca tolerância à frustração, infecções respiratórias freqüentes, alergias. 6.1.3. Hipótese diagnostica psicopatológica: depressão e reações de ajustamento (F32) 6.1.4. Hipótese psicodinâmica: quadro dermatológico psicossomático 6.2. Atendimento 62 6.2.1. Anamnese: os pais eram amigos desde os 13 anos de idade, mãe amiga da irmã dele, vizinhos. Começaram a namorar quando a mãe tinha 20 anos. Com seis meses de namoro eles casaram, mas a mãe da mãe não aceitava, pois o marido já havia sido casado anteriormente com outra mulher, mesmo assim são casados até hoje – 14 anos. Com um ano e seis meses de casados ela engravidou. Gravidez planejada, tranqüila (irmão), nasceu de nove meses, parto normal, saudável (hoje tem 12 anos); bom comportamento, segundo a mãe é quieto demais. Andou aos dois anos, falou com dois anos e seis meses, com 11 meses largou a fralda (mãe o colocava para ir ao banheiro). Internado duas vezes com pneumonia (primeira vez com cinco anos e a segunda vez com oito anos). Desconfiança de meningite com dois anos (ficou internado). Mamou até um mês, o leite secou. Mãe diz que ficou feliz quando foi mãe pela primeira vez. Quando o primeiro filho tinha seis anos mãe engravidou do Lázaro (não planejado). Nasceu pré-maturo, ficou um mês internado, teve pequeno atraso no desenvolvimento neuropsicomotor em função da prematuridade. Fez uso de botas ortopédicas e óculos, só pode tomar leite de soja. Desde os três anos de idade a mãe observa choros freqüentes. Com três anos e meio aproximadamente tomou desinfetante. 6.2.2. As consultas terapêuticas / Observações da criança: 1º atendimento – mãe e filho. Mãe traz as queixas de crises de choro e nervosismo. Fala que o filho e muito agitado (mas parece calmo durante a sessão). Mãe percebe que as crises de choro do filho não são “manha” e não sabe o que fazer. Há uma alteração dermatológica há 8 meses, aproximadamente, manchas mais claras na pele, espalhadas por todo o corpo, sem diagnóstico definido pelo dermatologista. Quando era pequeno, mãe acha que o filho chorava para chamar atenção, agora não. Mãe fala que o filho é muito carinhoso, mas ao mesmo tempo nervoso, com pouca tolerância à frustração. Há muita disputa entre os irmãos (principalmente o mais velho com ele). Mãe diz ser nervosa, diz que brinca com ele, mas ele sempre fica nervoso, acha que ela vai rir dele. L. pede para ir ao banheiro antes da sessão terminar. 2º atendimento – mãe e ele. Mãe diz que filho continua igual. Acolho o paciente. Inicia-se anamnese. Mãe um pouco confusa, fala uma coisa depois muda, percebo medo de falar que errou em algo, acolho. 3º atendimento – falta justificada – mãe em entrevista de emprego. 63 4º atendimento – oriento mãe a explicar para o filho porque não veio. Paciente parece gostar de ouvir explicação da mãe. Mãe acha que ele está mais calmo, crise de choro melhorou, com menos freqüência. Mãe percebe suas falhas e melhoras do filho. Pele dele melhorando, mãe o auxiliou a montar o quebra cabeças, relação melhor embora ainda complicada, mãe se faz de vítima em alguns momentos. Aponto e acolho. 5º atendimento – mãe e paciente. Paciente parece bem, sem crises de choro ou agitação, quadro dermatológico melhorou. Brinca com a mãe. Mãe diz estar um pouco mais calma. Ele mais feliz. Trouxe o Woody, pôs ele para dormir com o tigre e o leão. Sorridente diz que esta feliz. Teve retorno com a psiquiatria no dia anterior. A psiquiatra encaminhou a mãe para psicoterapia e o irmão também e disse que está vendo progressos em L, por isso não o medica. 6º atendimento – mãe e ele. Dizem estar bem. Ele sorridente trouxe quatro jogadores do Brasil. Joga “rouba queijo”, pede para brincar com a mãe já que é de duas pessoas. Mãe o auxilia. Ele falando bastante, se expressando bem. Diz que sente falta do pai que trabalha o dia todo e chegou tarde no aniversário dele. Sente dificuldade na brincadeira e acha recursos (faz com a mão). Sono mais tranqüilo, não mexe mais, não grita mais, às vezes tem pesadelo. 7º atendimento – mãe e ele. Ele se expressando bem, falando bastante, tenta montar nomes com o alfabeto divertido (jogo), mãe o auxilia. Mãe diz que não esta mais nervoso, crises de choro cessaram, pele melhorando (fazendo tratamento dermatológico junto). Mãe mais adequada. Choro agora parou, às vezes fica nervoso e chateado com o irmão. Pensa muito no irmão (irmão mais velho às vezes esconde coisas dele). O retorno é marcado para quinze dias. 8º atendimento – mãe e paciente. Continua sem queixas, pele sem manchas. Mãe e filho, bem integrados, brincam juntos. É dada alta, mas fico a disposição para qualquer necessidade de retorno ao tratamento. 6.2.3. Histórico e evolução da queixa: o fato de ser prematuro provocou alteração no vínculo emocional devido atraso no desenvolvimento psicomotor. Paciente expressa comportamento suicida aos três anos de idade tomando desinfetante, ou seja, desejo de se limpar. Em função da sensação de não ajustamento, o paciente desenvolve quadro dermatológico psicossomático e depressão. Conforme o vínculo familiar se desenvolve de maneira mais adequada os sintomas cessam. 64 6.3. Análise do caso Quadro dermatológico indica expressa dificuldade de contato com mundo, quando já se esgotaram os recursos internos da pessoa. A mudança de cor da pele pode ser compreendida como um delírio persecutório, ou seja, a criança muda de cor para se proteger, distrai a atenção de quem o vê para a cor dele, deixando de ver a pessoa que está por traz do sintoma. Tal fato é confirmado quando a mãe fala sobre as queixas do filho de “rirem dele”. O fato de ter tomado desinfetante revela o desejo de se limpar, de todos as suas falhas. Conforme o tratamento ocorre, o paciente se integra com o auxílio da mãe. O pedido que faz para a mãe auxiliá-lo a montar quebra cabeça indica a vontade de que ela o ajude a pensar. As crises de choro revelam desejo de trazer a mãe para próximo e a incapacidade de viver com objetos transicionais. Conforme expressa-se através dos objetos transicionais, os sintomas cessam. 65 DISCUSSÃO Os resultados da pesquisa revelam um grande número de crianças com distúrbios de origem psicodinâmica (cerca de 62% dos casos assistidos), o que indica dificuldades no processo de integração destas crianças, ou seja, aponta para um suprimento ambiental não satisfatório, como descrito por Mello Filho (1989). Alguns casos descritos apresentaram dificuldades das crianças e frequentemente dos pais, em se relacionarem com outras pessoas, indicando uma dissociação, caracterizada pelo sintoma psicossomático. Hisada (2000) fala na tendência à integração propiciada pelo holding materno. Neste sentido a psicóloga propicia o holding à família, que acolhida integra-se, possibilitando o desenvolvimento saudável do filho. O acolhimento da psicóloga parece ter auxiliado as mães a agirem espontaneamente, proporcionando cuidado e atenção contínuos e sentindo prazer, para passar para o seu filho. Percebendo-se como alguém que pode falhar e corrigir. O apoio no processo terapêutico auxiliou as mães na vivência de suas experiências emocionais, possibilitando que fornecessem a sustentação psíquica necessária ao desenvolvimento e integração da criança. A utilização da consulta terapêutica proporcionou atendimentos mais breves, além de uma maior adesão ao tratamento, visto que as resistências da família ao tratamento, que é citada por Costa e Silva (2005) como as maiores dificuldades no atendimento infantil, podem ser trabalhadas nas sessões de acordo com o surgimento, além da possibilidade de acolher esta família que em geral sente muita culpa pelos sintomas apresentados pelos filhos. As sessões foram realizadas em tempo reduzido, considerando-se os tradicionais 50 minutos, a sala não esteve organizada da mesma maneira durante todo o processo, visto que por se tratar de um serviço público, o material era dividido entre as profissionais de acordo com a necessidade de cada paciente, no entanto, durante todo o processo a figura da terapeuta manteve-se constante, possibilitando que os pacientes se sentissem acolhidos no ambiente terapêutico. A escuta ao sujeito manteve as características de um atendimento de base psicanalítica, levando-se em conta os conteúdos latentes e manifestos. Na verificação epidemiológica, observa-se que dos 55 pacientes que possuíam idades até cinco anos, aproximadamente 35 possuíam transtornos de origem 66 psicodinâmica, ou seja, os casos relatados nesta pesquisa representam além de 10% do total de pacientes atendidos com idade menor de cinco anos, 17% dos casos com transtornos de origem psicodinâmica. Os casos, descritos sucintamente nos resultados, ilustraram a utilização das consultas terapêuticas na rotina ambulatorial. O papel da psicóloga desenvolveu-se através da transferência, acolhendo os sentimentos que emergiam dos pais e da criança, proporcionando o holding necessário para uma maior integração familiar. A partir do acolhimento da psicóloga, a mãe conseguia propiciar o holding necessário ao seu filho, que apresentava sinais de melhora rapidamente, em função da idade e do ambiente familiar propício para o desenvolvimento da criança. Os atendimentos permitiram às famílias perceberem seus filhos como crianças reais, rompendo os mandatos transgeracionais, descritos por Lebovici (1987), Oliveira (2001) e Rosa (2005), possibilitando a vivência dos mandatos intergeracionais de maneira saudável. Apesar das dificuldades de algumas mães em vivenciar o processo de regressão saudável e comum durante a maternidade, todas apresentavam estruturas psíquicas suficientes para proporcionar o holding necessário ao desenvolvimento do filho, ou seja, encontravam-se nos grupos de pacientes um e dois descritos por Winnicott. Do total de pacientes menores de cinco anos atendidos nos seis primeiros meses de 2007 por transtornos de origem psicodinâmica, apenas dois foram encaminhados para psicoterapia individual, visto que as mães não possuíam estrutura emocional suficiente para propiciar um ambiente seguro para o desenvolvimento emocional do filho. O tempo médio de atendimento para cada caso variou entre cinco e treze sessões, ou seja, de um a quatro meses, atendendo as expectativas institucional e social de resultados breves e dando indícios de uma alternativa para assistir a grande demanda, que em geral era tratada em grupo, independentemente do diagnóstico. Pode-se pensar em efetividade nos atendimentos visto que após seis meses de alta os pacientes não retornaram ao ambulatório. A consulta terapêutica mostrou-se uma técnica eficaz na realização da prevenção secundária do município, reduzindo as taxas de morbidade na população, que segundo Kerr-Pontes e Rouquayrol (2003), não corresponde ao potencial econômico do país. 67 Apesar da possibilidade de atendimentos mais efetivos e breves na população, é necessário uma avaliação adequada do caso, o que corrobora com os dados citados por Bock (1998) Franco e Mota (2003) e Rutsatz (2006), sobre a necessidade de mais profissionais e mais qualificados para realização dos atendimentos psicológicos na rede pública de saúde. 68 CONCLUSÃO A pesquisa apresentou a consulta terapêutica como uma técnica adequada para utilização na rotina ambulatorial. Acredito que a dissertação poderia ter trazido mais dados referente aos atendimentos, ampliando ainda mais os ensinamentos, através de análises mais detalhadas. No entanto, isso não foi possível devido o acesso apenas aos prontuários, que possuem informações limitadas, tanto em função do tempo pra redigir quanto em função do sigilo. Sugiro a realização de mais pesquisas utilizando esta técnica, visto que mostrou-se eficaz e efetiva, utilizada na rotina ambulatorial em um serviço público de saúde. 69 REFERÊNCIAS BARBOSA, N.B. Do pediatra às mães. Santo André: Diário do Grande ABC, 1979. BOCK, A.M.B. Eu caçador de mim. In: O conhecimento no cotidiano. São Paulo, Brasiliense, 1998. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde mental no SUS: os centros de atenção psicossocial / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção á Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Brasília, 2004. CAPLAN, G. 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