1 ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL O papel civilizatório do Direito Resumo:: A nova função ou papel do Direito é alvo de discussão e estudos da Filosofia do Direito e também de outras disciplinas conexas. Aborda a importância da contribuição Habermas na evolução do pensamento jurídico. Palavras-chave: chave: Filosofia do Direito, Habermas, função civilizatória. Finalidade do direito. Evolução do direito. Abstract: The new function or role of law is under discussion and study of Philosophy of Law and also other related disciplines. Discusses the e importance of Habermas' contribution in the evolution of legal thought. Keywords: Philosophy of Law, Habermas, civilizing function. Purpose of law. Development of law. As recentes últimas décadas apontaram para a significativa mudança do papel ou função função do Direito especialmente nas sociedades plurais, complexas e diferenciadas. Se no século XIX, o marxismo representou ser a mais relevante forma de pensamento críticco e reservou ao Direito mero viés secundário, hoje sem dúvida vivenciamos situação diferente. diferente. 2 ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL A descoberta da missão civilizatória do Direito é sustentada por Habermas1, Wiethöler e que poderia ser muito bem ilustrada pela transformação democrática da sociedade capitalista por meio do direito, cuja força civilizadora (conformadora) seja capaz de garantir a articulação às diferentes formas culturais de vida. Defendeu Habermas que o verdadeiro direito seria capaz de transformar o antagonismo em uma cultura da discussão. Portanto vige a inspiração progressiva o que enfatiza a maior capacidade de do direito em servir como medium,, funcionando como escoaduro aos variados conflitos presentes em sociedades marcas pelo pluralismo cosmovisivo. A mudança de percepção sobre os destinos do direito no novo cenário teórico-político político aberto pelo declínio do marxismo e pela queda do muro de Berlim que nos remete a obra “A força do Direito – Panorama dos Debates contemporâneos” de autoria de Pierre Pierr Bouretz e Antoine Garapon (o que reforça o entendimento de que Habermas tinha sobre o caráter civilizante do direito direito e reonhecido como crucial elemento para o funcionamento da democracia). democracia) Nesse sentido, Pierre Bouretz alude: “Consequência singular da derrocada da grande utopia singular da derrocada da grande utopia igualitarista, é doravante, o papel conferido à democracia democracia de provar 1 Jürgen Habermas nascido em 1929 em Düsseldorf, fez seus estudos filosóficos no pós-guerra pós e quando as ideias nacional-socialistas socialistas estariam longe de desaparecer da universidade alemão, porém não foram alvo de reflexão crítica. Sua primeira reação já indica interesse precoce pela sociologia e pela política, rompendo esse pesado silêncio. Quando Heidegger publicou em 1953 sua obra “Introdução à metafísica”, Habermas então, com apenas 24 anos publicou impressionante artigo intitulado “Pensar com Heidegger contra ra Heidegger”. 3 ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL sua capacidade, de assumir suas promesss de igualdade.” ( In Bouretz, Pierre. La Force du Droit, Droit p.15). E, ainda os doutrinadores ressaltam a nova tendência dos estudos jusfilosóficos que procura dar maior endosso ao diálogo entre as diferentes ferentes searas no Estado Democrático de Direito e as diversas tradições jurídicas (como como a romano-germânica romano e a common law) law e, ainda, a tentativa de evitar o isolamento dos variados avanços teóricos originados das investigações acadêmicas e, em face da práxis forense. Também constata-se se o crescente entrosadamente entrosa mente entre a filosofia política e a filosofia do direito o que traduz a reconexão do debate sobre a teoria do direito ancorada fortemente na teoria da justiça e a sofisticação metodológica e científica principalmente em face dos hard cases ( o que proporcionou um exrpessivo desenvolvimento da argumentação jurídica e a ressucitação da racionalidade prática e a erosão do paradigma positivista). Nesse sse contexto, surge, novo papel para os princípios jurídicos e se esquadrinha uma reconfiguração da teoria constitucional ( com forçosa releitura sobre a legitimidade da jurisdição constitucional que coloca em xeque o modelo de democracia deliberativa), somadas as demandas sobre a democratização democratização e participação popular nas ações da administração pública, o aumento do poder hermenêutico dos magistrados em face da exigência de efetivação dos direitos consagrados constitucionalmente, o que acrretou o crescente intervir do Judiciário na totina totina da cidadania bem como a necessidade de se aferir adequadamente a legitimidade de suas decisões judiciais). 4 ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL Todos os desdobramentos acima mencionados não constam em rol exaustivo e bem assinala a enorme importância do enfoque sobre os desenvolvimentos do mundo jurídico sob um prisma multidisciplinar e com a função de intermediação entre os saberes e práticas jurídicas e, o resto de práticas e saberes, por outro. Destacamos que a filosofia do Direito é a grande articuladora dos mais diversos domínios intelectuais intelectuais estando sempre aberta ao diálogo dos saberes, propiciando o cruzamento das tradições jurídicas e de suas perspectivas. É a Filosofia do Direito uma disciplina declaradamente anfíbia capaz mesmo de transitar e sobreviver em dois meios ambientes diferentes ferentes e permanece atenta a saga sistematizadora dos esforços descritivos da teoria geral do direito que é uma fonte quase inesgotável da dogmática jurídica. Também é objeto da filosofia do direito o discurso cienticizante, a compreensão da exata dimensão dimensão normativa improtante para entender a mecânica do mundo jurídico e, em particular, avaliar a tensão entre o descritivo e o prescritivo. Enfim, visa a filosofia do direito compreender e incentivar a participação no Estado Democrático de Direito visto como com projeto histórico e de alto quilate de civilização. 5 ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL Ao defenser a tese do papel civilizatório do Direito e de suas instituições procura-se se possível alternativa para os impasses vividos pelas estruturas políticas contemporâneas de maneira que possam administrar inistrar os conflitos e permitir a hegemonia neoliberal presente em face das derrotadas propostas coletivistas. Infelizmente conforme elucidou Aulis Aarnio2 as teses coletivistas em seus variados modelos modelo e segmentos em seus variados modelos e segmentos se mostram incapazes de fundamentar a sociedade do século XXI. É bem provável que haja uma terceira via pois o aumento ao individualismo pela ideologia neoliberal é cruel e resulta em retrocesso, enquanto que os coletivistas só pensam no maior e no mais expressivo grupo de interesses. O ideal é haver a integração social que pode ser propiciada pelo Direito, em todos os casos representa o desafio contemporâneo da ciência jurídica, exigindo maior reflexão, comprometimento com a pesquisa de ponta, com as extraordinárias extraordinárias descobertas das ciências ( humanas, tecnológicas e biológicas). A queda do socialismo no leste europeu provocou o que chamaram de “retorno do direito”, principalmente pela sua nova configuração 2 Aulis Aarnio Arvio nasceu em 1973, é finlandês, sendo professor de direito civil na Universidade de Helsínquia e foi membro m da Academia da Finlândia , da Academia Russa de Ciências e também da Academia Lund Sociedade Socie de de Ciências, como professor prof de pesquisa.Destacou-se se particularmente na filosofia social. 6 ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL no discurso jusfilosófico enfatizando a necessidade necessidade de se integrar as prin cipais tradições intelectuais ( a franco-alemã franco alemã e angloanglo americana) e se irresignando diante das reduções positivistas e hisstoricistas do conceito de direito. Em suma, o abandono das considerações normativas no âmbito do pensamento jurídico3. O retorno do direito, trouxe, sem dúvida, uma mudança de perspectvia acarretando práticas emancipadoras ou reivindicatórias. Grande referencial da nova percepção da atual missão do Direito é o trabalho de Jürgen ürgen Habermas oriundo do materialismo materialismo ecumênico 4 e interdisciplinar da Escola de Frankfurt mas consciente de que as únicas tradições sobreviventes seriam aquelas capazes de se renovar e estar mais atentas às transformações sociais, o que torna efetivo o densenvolvimento do Direito dentro das sociedades ocidentais. Habermas ressucita o medium normativo do Direito sobretudo no direito constitucional e, assim forneceu uma compreensão de estado de direito democrática e da teoria da democracia, tentando escapar do autismo da validade normativa e também da pura facticidade da objetivação sociológica. 3 O racionalismo habermasiano se expressa evidentemente e se preocupar em ser oposiçãoa tradicional filosofia. Aproximando-se se desta forma o Direito das demais ciências sociais, e utilizano utiliza todos seus recursos (linguística, psicanálise e sociologia) dando novo conteúdo ao projeto do Iluminismo. Pretende analisar sem medo o não-dito dito das relações humanas, essa parte de sombra sobre a qual se apóiam o conservadorismo e o conformismo capazes de d impedir qualquer progresso social. 4 Enfim, a reunificação da Alemanha e o debate sobre a influência desta na Europa, o retorno simultâneo da xenofobia e do racismo atiçaram a atenção dos estudiosos. 7 ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL Com essa reavaliação concebeu o Direito como possuidor da posição central na configuração das sociedades contemporâneas. O direito seria a “ciência das essências”. Sendo o medium normativo uma espécie de “correia de transmissão” entre os subsistemas político e econômico. A aposta feita no Direito por Habermas refere-se refere se particularmente a defesa das conquistas normativas dos direitos fundamentais respaldadas por um “encolhimento” do Estado diante da racionalidade do mercado. Reconheçamos que as garantias do Estado Social5 vieram domesticar o capitalismo selvagem até então reinante, e sintetizaram que o neoliberalismo em sua antropologia pessimista nos acostuma cada vez mais com a crescente desigualdade desigualdade social e a exclusão social que passam a ser vistas com naturalidade. O caráter universalista e generoso do catálogo dos direitos fundamentais da Lei Fundamental de Bonn de 1948 efetivou-se efetivou como fonte inspiradora e irradiadora nas constituições ibéricas ibér dos anos 70 e, por essa mediação paradigmática para nossa atual Constituição Brasileira, merecidamente alcunhada de “Constituição Cidadã”. 5 Tal orientação inscreve Habermas na esteira da Escola Escola de Frankfurt, principalmente após defender sua tese de doutorado em 1954 sobre a filosofia da história de Schelling. Habermas torna-se torna assistente de Adorno em Frankfurt e, sua primeira obra é sobre pesquisa a respeito da consciência política dos estudantes tes da Alemanha Ocidental que é taxada de demasiada à esquerda por Horkheimer. Último representante da Escola de Frankfurt pertenceu plenamente a esta na medida em que, com seus fundadores relacionou-se se com o marxismo e retomou a crítica ao positivismo. 8 ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL O redimensionamento do papel representado pela Constituição é mui lucidamente sublinhado por Streck: “No moderno modern constitucionalismo, uma das conquistas reside exatamente na nova configuração de relação entre os poderes do Estado. A renovação supremacia da constituição vai além do controle de constitucionalidade e da tutela mais eficaz da esfera individual de liberdade. dade. Com as constituições democráticas do século XX, outro aspecto assume lugar cimeiro: trata-se trata se da circunstãncia de as constituições serem erigidas à condição de norma diretiva fundamental, que se dirige aos poderes públicos e condiciona os particulares de tal maneira que assegura a realização dos valores constituicionais( direitos sociais, direito á educação, à subsistência, à segurança, ao trabalho etc.) A nova concepção de constitucionalidade une precisamente a ideia de Constituição como norma fundamental ntal de garantia com a noção de constituição entquanto norma diretiva fundamental.” ( In Streck, Lenio Luiz. Os Juizados Especiais Criminais à luz da jurisdição constitucional (…) in Revista da EMERJ, v.6, n.24, Rio de Janeiro, 2003 p. 110). Elias Diáz comenta menta que tendia-se tendia se a excessiva simplicidade e, reduzia-se se a constituição ao seu conteúdo programático.É evidente que a força simbólica de nossa Constituição cidadã que foi representativa de transição ímpar na história brasileira que passa da ditadura militar tar e espartana e aponta o surgir da experiência da democracia das massas o que dinamizou em muito nossa cultura jurídica. Lembremos que a articulação surgida entre a Filosofia do Direito e o Direito Constitucional constitui principal elemento da nova estrutura est teórica proposta pelo pós-positivismo. pós 9 ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL Concluímos que nesta gramática de demandas políticas, própria das sociedades atuais, em especial as sociedades periféricas, a garania dos direitos da cidadania possui obviamente, caráter retributivo, operando um escoaduro de inúmeras reivindicações presentes em nossa formaçãpo social e possuindo um sentido equalizador bem progressista em nossa sociedade. Evidentemente que esse novo papel outorgado ao Direito exige, demais dessa ciência, e também desmensurada esperança esperança em face de uma realidade política multifacetada, enfim reside no Direito o vetor de liberdade do sujeito, mas ousando conciliar a proteção à autonomia privada com a manutenção dessa promessa referente à justiça. Compreender que essas ideias como a missão civilizadora do Direito, a ideia da Constituição como porjeto, bem como a centralidade dos princípios jurídicos como realimetnadores da moral do Direito e, ainda, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais descrevem uma tarefa infinda e contínua contínua quandos nos preocupamos com o quadro de reivindicações principalmente para nossa iniciante democracia. Realizar o balanço do século XX sobre a filosofia é construir uma catedral inacabada conforme advertiu Delacampagne. Pois nem os próprios especialistas tas chegaram a um consenso sobre o significada da palavra “filosofia” e nem sobre as fronteiras da área que esta recobre. 10 ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL Constatamos que a primeira nota é o debate entre o racionalismo e o relativismo, e que está longe de ser meramente especulativo. Esse debate se desenvolve simultaneante entre dois campos do conhecimento conexos: a ciência e a política. política A questão do conhecimento, ou seja, se a ciência nos informa alguma coisa sobre o “real”, ou se é apenas uma construção linguística sem relação com este. A segunda nota é a questão da democracia de saber se a forma dada por definição racional de governo é um regime que se propunha a instaurar a justiça social, dentro do estrito respeito às liberdades individuais, ou se outras formas de governo, fixando-se fixan objetivos diferentes podem ser igualmente boas. A terceira nota faz perceber que os debates sobre o conhecimento e a democracia discutem problemas distintos porém concêntricos. E, certamente a preferência pela democracia não significa inicialmente que se deva renunciar ao relativismo epistemológico. Por ess razão que certos relativistas considerem que a principal conquista da filosofia do século XX foi livrar-nos nos dela própria, gerando sua própria superação. Assim ainda sobre os escombros da filosofia ia surgem novas formas de criatividade intelectual. O ressurgimento no mundo do racismo e do nacionalismo étnico que foram os principais combustíveis da ideologia nazista e o reaparecimento do fundamentalismo religioso de toda ordem manifestam de forma muito muito hostil à liberdade de pensamento, sem 11 ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL cogitar no grave risco de sua ampla disseminação pois anestesiam o espírito crítico e nos leva a uma terrível regressão obscurantista. E, o remédio então é a volta dos ideais do Iluminismo 6 necessariamente revistos e corrigidos e, finalmente adaptados à prática racional argumentada. Referências ARVI, Aulis Aarnio. O que a lei é uma doutrina.. Forum-Lei, 1978. Helsínquia: BOURETZ, Pierre. La Force du Droit. Droit Paris: Editions Espirit, Espirit 1991. MAIA, Antônio Cavalcanti; Cavalc ; MELO, Carolina de Campos; CITADINO, Gisele; POGREBINSCHI, Thamy. (organizadores) Perspectivas Atuais da Filosofia do Direito. Direito. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005. DELACAMPAGNE, Christian. História da filosofia do século XX. XX Trad. Lucy Magalhães, Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1997. HABERMAS, Jürgen. A Crise da Legitimação do Capitalismo Tardio. Rio de Janeiro: aneiro: Tempo Brasileiro, 1980. ____________________. Comunicação e Razão.. In Crítica, Lisboa: Editorial Teorema, n.3. , abril de 1988. ___________________ Discurso filosófico da modernidade. modernidade Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1990. 6 Há de se registrar os notórios progressos da filosofia do século XX sendo positivo desaparecimento de certos problemas, ou a mera transferência de certos problemas para outras disciplinas. O sonho da ciência rigorosa ante a guinada linguística iniciada por Frege, Moore, Russel e Wittegenstein ajudou o pensamento a obter novos instrumentos de análise que permitiram melhor refinamento dos conceitos, como: conhecimento, onhecimento, significação e verdade. Daí as propostas de construir uma ética sobre bases autônomas e independetes ependetes de todo pressuposto religioso. Nesse longo caminho que a razão deverá percorrer para afinal galgar a redifinição de seus objetivos e de seus meios. E, assim assmir com lucidez o passado e ter menores ilusões ou alienações sore a realidade presente. present 12 ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL MARCONDES, Daniel. Wittgenstein e Habermas: Filosofia da Lingugaem, em sua perspectiva crítica. crítica In Filosofia, Linguagem e Comunicação. São Paulo: Editora Cortez, C 1992. ROUANET, Sergio Paulo. Ética Iluminista e Ètica Discursiva; Discursiva In Jürgen Habermas: 60 anos, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, juljul set 1989. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Hermenêutica 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. _________________Os _________________ Os Juizados Especiais Criminais à luz da jurisdição constitucional (…) in Revista da EMERJ, v.6, n.24, Rio de Janeiro, 2003. _________________. _.Hermenêutica Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Crise 10.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.