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Artigo original
Apropiação do conhecimento
e a lógica das novas tecnologias
The Appropriation of Knowledge and the Logic
of New Technologies
Maria Benites1∗
El defecto fundamental de todo el materialismo anterior - incluido el de Feuerbach - es que sólo concibe las cosas,
la realidad, la sensoriedad, bajo la forma de objeto o de contemplación, pero no como
actividad sensorial humana, no como práctica, no de un modo subjetivo.
I Tese de Feuerbach – K. Marx
La teoría materialista de que los hombres son producto de las circunstancias y de la educación, y de que,
por tanto, los hombres modificados son producto de circunstancias distintas y de una educación modificada,
olvida que son los hombres, precisamente, los que hacen que cambien las circunstancias
y que el propio educador necesita ser educado.
II Tese de Feuerbach – K. Marx
Resumo
O Metadiálogo de G.Bateson aborda o problema central deste artigo que se foca na capacidade de desenvolvimento de crianças e jovens a partir do uso de novas tecnologias, estimulando a produção de subjetividade por meio da concretização de desejos visuais em narrativas em tempos de internet. O núcleo principal
trata da relação entre os jovens e a tecnologia a partir de novas formas de apropriação de conhecimentos,
utilizando uma lógica semelhante à que permitiu a descoberta e implementação da Internet. Isto é: a criação
de uma nova tecnologia traz dentro de si a possibilidade de novas criações pelas novas gerações.
Palavras-chave
Conhecimento – Aprendizagem – Novas tecnologias – Comunicação – Educação.
1* Psicóloga Social. Pesquisadora Sênior colaboradora da Universidade de Siegen- Alemanha. Notório Saber outorgado pela Universidade de Siegen em Pedagogia, Pedagogia Social e Psicologia. Ex-diretora Cientifica de INEDD-International Education Doctorade Program – Uni-Siegen/DAAD/DFG
Ciência em Movimento | Ano XVII | Nº 34 | 2015/1
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Apropiação do conhecimento e a lógica das novas tecnologias
Abstract
The Bateson’s Metalogue addresses the central problem of this paper which is focused on children’s and
young people’s capacities to development considering their use of new technologies, stimulating the production of their subjectivity through the implementation of visual desires into narratives in times of internet. The
main core of this study is the relationship between young people and technology based on the new forms of
appropriation of knowledge, using a similar logic to that one which has allowed the breakthrough of the internet and its implementation. That is, the creation of a new technology carrying inside itself the possibility
of new creations by the new generations.
Keywords
new technologies, learning and youth.
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Ciência em Movimento | Ano XVII | Nº 34 | 2015/1
Apropiação do conhecimento e a lógica das novas tecnologias
Introdução
Vou começar com uma anedota de um grande cientista Gregory Bateson que escreveu um livro extremamente importante nos anos 60 “Passos para uma Ecologia da Mente” ele conta o seguinte:
Inicialmente abordaremos a características fun-
criticas visões de mundo por parte dos participantes
damentais da Internet a partir da sua criação, a base
no projeto, tanto dos jovens como dos adultos que
e fundamentalmente a lógica que permitiu seu de-
interagiram com eles. Acreditando que novas visões
senvolvimento e expansão.
de mundos podem produzir também novos mundos.
A seguir vamos descrever um projeto de pesquisa
”Janelas para o Mundo” que iniciou em 2001 e ter-
I – Nova lógica de apropriação e
minou em 2006 sobre a implantação e aprendizagem
desenvolvimento de conhecimentos
da internet em 3 cidades diferentes: uma aldeia do
povo Umutina em Barra do Bugres (MT); um escola
Os avanços tecnológicos são sempre socialmente
da periferia de Cuiabá (MT) e um grupo de crianças
produzidos como o demonstra a criação da imprensa.
da cidade de Siegen – Alemanha. Este projeto se es-
Numa época onde o secreto e a custodia do conheci-
tendeu como um verdadeiro rizoma até abranger 4
mento primavam em todas as questões referentes ao
países e participaram ativamente mais de 85 grupos
mesmo, se deu o descobrimento de uma nova tecno-
compostos por aproximadamente 700 crianças das
logia que permitiu uma reprodução do conhecimen-
mais variadas culturas.
to nunca antes experimentada. Essa descoberta de
Continuaremos com a descrição do projeto de
Gutenberg não foi possível implanta-la sem ajuda. No
pesquisa “Narrativas em tempos de Internet” conti-
inicio ele tinha formado uma sociedade com Hanz
nuação da anterior e que aconteceu entre 2006 e
Riffe para desenvolver alguns procedimentos secretos
2010, sobre a produção de narrativas visuais referen-
e mais tarde se associou com Andrés Heilman e An-
tes a 8 grupos com adolescentes e jovens de 12 a 16
dreas Dritzehen, porém, o custo do empreendimento
anos de Brasil, Alemanha e Turquia, neste projeto foi
era muito alto, o que fez com que precisasse o
mostrado o potencial das novas tecnologias para a
financiamento com Johann Fust, quem lhe emprestou
apropriação de conhecimentos referentes não so-
o dinheiro para publicar o Livro de Missa de Constan-
mente à tecnologia mas sobretudo à complexas e
za e esse foi o primeiro livro tipográfico do mundo.
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Uma curiosidade: a Bíblia não foi publicada por Gu-
vadoras instituições de políticas e tecnológicas do
tenberg, ele não conseguiu pagar a dívida com ao
mundo. Ele foi formado por cientistas acadêmicos,
Fust e todo seu material ficou com o banqueiro, quem
seus amigos e alunos de seus amigos. Teve um enorme
se associou com seu genro Peter Schöffer e foram eles
sucesso, a base de esta nova instituição foi a amizade
que publicaram a Bíblia em 1456. No ano seguinte
e a confiabilidade existente no mundo universitário.
editaram o Salterio ou Psalmorum Codex. Gutenberg
Robert Kahn e Vinton Cerf, criadores da ARPA-
morreu na maior indigência em 1468 em Maguncia.
NET primeira net que funcionou nos EEUU, projeta-
O que nos mostra que a maioria dos inventos revolu-
ram a arquitetura, bem como protocolos correspon-
cionários precisam de duas coisas: intercambio de
dentes, que permitiram à rede evoluir como um
conhecimentos e dinheiro.
sistema aberto de comunicação por computadores
A imprensa e a Internet são as duas tecnologias
capaz de abranger o mundo inteiro. Era o sonho
que mais mudaram a difusão do conhecimento na
científico de transformar o mundo através da comu-
nossa sociedade. A diferença fundamental que exis-
nicação por computador. (Castells, A Galaxia de In-
te entre ambas é que a internet está num nível de
ternet: p.21. 2005)
difusão social muito superior, pois ela além de ter a
No início, incluía-se o uso de Arpanet para con-
possibilidade de divulgar o conhecimento e a infor-
versas pessoais dos estudantes e, segundo consta,
mação a uma velocidade jamais vista tem um núcleo
discussões sobre oportunidades para a compra de
que muda o conceito de hierarquia. Na internet os
maconha (idem.)
princípios que nortearam a sua criação e implemen-
Outra curiosidade da Internet foi que se a União
tação segundo Manuel Castells no seu livro A Galaxia
Soviética não conseguiu o mesmo sucesso com a ino-
da Internet(2005) seriam os seguintes:
vação tecnológica, foi devido em grande parte as
1.- Estrutura de rede descentralizada
dificuldades que colocava o seu aparelho de segu-
2.- Poder computacional distribuído através dos
rança, que tinha como principio o sigilo e a orienta-
nós da rede
3.- Redundância de funções na rede para diminuir
o risco de desconexão
Ou seja: flexibilidade, ausência de um centro de
comando e autonomia máxima de cada nó.
ção para o desempenho, pese a grande capacidade
dos seus cientistas.
As ordens mundiais (velhas e novas), segundo
Chomsky, estão ditadas pelos meios de comunicação
de massa: rádio, cinema e televisão que divulgam de
A Internet foi montada no seu inicio por um gru-
oriente a ocidente as mesmas manchetes nos jornais,
po de jovens cientistas que não tinham nenhum ob-
os mesmos filmes, as mesmas músicas, as mesmas
jetivo militar ou de poder, o interesse desses cientis-
modas, os mesmos mitos. São estas ordens as que vão
tas era muito mais o prazer de descobrir, de investi-
determinar o presente da sociedade (N. Chomsky, O
gar do que a descoberta de novos armamentos que
lucro ou as pessoas, pag. 61-62, Ed. BB, Rio de Janei-
servissem a quem os estava financiando, quer dizer,
ro, 2002) . Mas hoje está claro que o futuro vai depen-
ao complexo militar do Pentágono, ao mesmo tempo
der do uso que as futuras gerações vierem a dar aos
que, por esses milagres que acontecem às vezes, es-
instrumentos que consolidam esta ordem vigente.
te grupo de jovens cientistas teve a maior liberdade
O avanço cada vez mais veloz da utilização da In-
possível para criar e experimentar à vontade. Isso
ternet poderia significar um discurso mais “homoge-
reunia as duas condições essenciais para uma nova
neizante” já que seu uso requer uma padronização
descoberta: intercambio de conhecimento e finan-
muito maior para atingir sua forma internacional de
ciamento abundante e seguro.
comunicação. Mas isso não esta acontecendo: a Inter-
O departamento de defesa dos EEUU precisava ur-
net se metamorfoseia a cada mês, e a cada ano novas
gentemente algum avance tecnológico para se opor
formas de utilização deste meio nos surpreendem.
a União Soviética nos anos 60 em plena Guerra Fria,
Hoje temos uma variedade enorme de discursos inde-
e, num raríssimo projeto nesses tempos, criou um de-
pendentes, periféricos, alternativos que se expandem
partamento chamado ARPA que foi uma das mais ino-
e se multiplicam com uma velocidade impressionante.
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Apropiação do conhecimento e a lógica das novas tecnologias
Os outros suportes “mais tradicionais”, como rá-
O que fundamentalmente me levou por esse ca-
dio, cinema e televisão, estavam dados pelas especi-
minho foi o aparecimento do PC, porque a partir do
ficidades de seu uso e controle, com um alcance de-
286 e seus posteriores 386, 486 etc. o uso do com-
terminado e bastante rígido. Estes meios de comu-
putador se transformou em algo mágico. Era possível
nicação pertenciam e pertencem ainda a pequenos
ter um computador em cada casa a partir de 1986,
grupos; o cinema, devido a seu alto custo, foi muito
de ai em diante a magia não parou de crescer, veio
mais controlado, com raras e honrosas exceções. Isso
o uso da Internet, a possibilidade de email, em fim,
já foi previsto por Walter Benjamin no mais significa-
em 1992 me dei conta que estávamos frente a um
tivo artigo que já se escreveu sobre as novas mídias
fenômeno maior que o descobrimento da imprensa
(A obra arte na época da sua reprodutibilidade téc-
ou do fogo. A eletricidade, a telefonia, a comunica-
nica). Talvez agora com as tv digitais e com o cinema
ção e a liberdade estavam ai, ao alcance de todo o
digital se produzam no cinema as mudanças que a
mundo. Nesse momento claro que não , mas hoje 23
Internet mostrou serem possíveis, com democratiza-
anos depois, realmente está ao alcance de quase to-
ção no uso de tecnologias de ultima geração. Talvez,
do o mundo e fundamentalmente é uma ferramenta
agora, possamos colocar uma narrativa que estimu-
maravilhosa para a difusão do conhecimento e o es-
le a produção de subjetividade, subjetividade que na
tímulo a processos de aprendizagem. Hoje estão à
imensa maioria está afogada pela massiva invasão de
disposição na Internet bibliotecas inteiras digitaliza-
narrativas impingidas pelos consórcios de mídias.
das que se podem acessar com um simples clic.
Em 1994 fui morar na Alemanha, trabalhava ainda
II. Apropriação de conhecimento:
com novas tecnologias e pesquisas no uso de internet
“Janelas para o Mundo”
em crianças e jovens, no ano de 1998 descobri a webcam que nesse momento não era quase conhecida
Faz mais de 12 anos que venho estudando a re-
no Brasil. A possibilidade de anular tempo e espaço
lação de crianças e jovens com o computador e as
por uma pequena câmara e um sistema de telefone
novas tecnologias de comunicação.
analógico foi fascinante. O uso da webcam alterava a
A minha experiência pessoal esteve marcada por
relação com o outro, era um espécie de milagre poder
ter feito um curso de programação e análise de sis-
ver o outro a milhares de quilômetros de distancia,
temas de 1970 a 1973, na escola IBM em Buenos
ouvir a voz, ver o espaço onde o outro estava.
Aires, nessa época ainda não havia faculdade de
Em 2001 fui convidada para assessorar ao Secre-
computação, só as faculdades de matemática e física
tario Municipal de Educação de Cuiabá em projetos
lidavam com computadores via linguagem FOR-
inovadores de educação e paralelamente trabalhava
TRAN. Os computadores iniciais tinha a dificuldade
na Universidade de Siegen na Alemanha, coordena-
de não permitir muita criatividade, porém aguçavam
do um programa de pós-graduação em Educação
a lógica. A diagramação de um programa levava a
(INEDD-International Education Promotion Program-
pensar todos os elementos que compunham qual-
DAAD/DFG). Assim numa das minhas idas a Cuibá
quer atividade, desde o material necessário para a
descobri um povo indígena que morava muito perto
realização do objetivo ate os passos e possíveis per-
de um núcleo da UNEMAT, 16 km, e propus ao Se-
calços que poderiam acontecer nessa atividade.
cretario Carlos Maldonado a realização de um proje-
Depois de estudar psicologia, e durante muitos
to de pesquisa que envolvesse esse povo Umutina,
anos trabalhar com arte contemporânea, percebi
uma escola de Cuiabá e um grupo de crianças de
que se eu queria expandir e atingir o maior número
Siegen, Alemanha.
de pessoas com o conhecimento sobre arte e novas
O que me fascinava era a mudança que devia ser
tecnologias, que era o que me preocupava, devia
feita para o ensino das novas tecnologias, porque a
buscar sistemas de reprodução de conhecimentos
lógica da educação formal era totalmente diferente
que somente na área de educação existe devido a
à lógica do computador e no caso da Internet.
enorme capilaridade que este sistema possui.
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Apropiação do conhecimento e a lógica das novas tecnologias
ESCOLA: METODOLOGIAS FIXADAS NA
COMUNICAÇÃO
Hierárquica
Reprodutora do passado
Tempo e espaço sequencial e linear
Conceito de desenvolvimento árvore (começo,
meio, fim)
Produção individual
Valores morais, de alguma forma negação da
consciência política.
INTERNET: POSSIBILIDADES DE NOVAS FORMA E USO
DE TECNOLOGIAS NA COMUNICACAO
Horizontal
Produtora de novos caminhos
Tempo e espaço virtual
Conceito de desenvolvimento rizoma (sem começo
nem fim definidos)
Produção coletiva
Valores éticos e, portanto, políticos (Software Free
Foundation, Creative Commons, etc.)
Pensamento convergente
Pensamento divergente
Lógica de dedução (do geral ao particular) ou indução (do particular ao geral)
Lógica da abdução (o elemento novo, a surpresa na
leitura de dados) (*)
Aprendizagem pelo acerto
Verdades socialmente produzidas e consagradas
Aprendizagem pela tentativa
Descobertas e novos paradigmas a serem construídos
(*) Charles S. Peirce introduz um novo conceito: o de abdução, para descrever o processo mediante o qual formulamos
hipóteses para dar conta daqueles fatos que não podemos explicar ou que nos surpreende. Para Pierce “La abducción es el
proceso de formar una hipótesis explicativa. Es la única operación lógica que introduce alguna idea nueva; pues la inducción no hace más que determinar un valor, y la deducción desarrolla meramente las consecuencias necesarias de
una pura hipótesis. La deducción prueba que algo tiene que ser; la inducción muestra que algo es actualmente operativo;
la abducción sugiere meramente que algo puede ser.”
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Este tipo de lógica que a Internet apresentava me
só quando a ciência começa pela natureza – ela é
levou a questionar os sistemas lógicos de aprendiza-
verdadeiramente ciência. Toda a historia é uma
gem na escola, com o resultado que vi que segundo
preparação, um desenvolvimento, para que o homem
estes sistemas o processo de aprendizagem das crian-
se torne o objeto da consciência sensível e para que
ças informava, descrevia, porém não narrava o que
as necessidades do “homem enquanto homem”
era o conhecimento, não existia a historia que levas-
tornem-se as necessidades sensíveis).(Colleti.EPM.
sem à explicação do porque tais conhecimentos eram
pág.355)“. Vale a pena ler este capítulo do livro de
importantes na vida dos sujeitos. Qual seria a sua
Eagleaton porque quando se fala em percepção sen-
aplicação e onde e quando esses conhecimentos ti-
sível se refere à percepção dos sentidos, do corpo,
nham sido socialmente produzidos. Ex.: a historia é
do concreto da humanidade realizado no corpo.
um sistema de fatos selecionados por determinadas
A partir de pensar um projeto aonde esses con-
ideologias, que nos fazem olhar a Historia desde uma
ceitos vindos da criação da internet fossem aplica-
determinada perspectiva impedindo uma visão mais
dos, elaboramos as bases para uma pesquisa onde a
ampla e concreta desses fatos. Os sistemas de educa-
aprendizagem das novas tecnologias fosse pautada
ção vigentes na maioria dos casos tem no seu núcleo
por essas premissas. Assim começou o projeto Jane-
o Princípio de Alienação que Marx tão profundamen-
las para o Mundo . No desenvolver do projeto des-
te questiona no Grundrisse I. Isto é, e desde meu
cobri entre outras coisas que o computador tem não
ponto de vista, ignoravam a origem e o sentido do
só um potencial que a cada ano cresce, mas que re-
conhecimento, dando ao aprendizagem o valor da
voluciona o dia a dia de todos aqueles que entram
reprodução e não da produção de conhecimento.
na era digital.
Citando a Eagleton no seu livro A Ideologia da
Heinserberg e Bohr(La realtà oggettiva non ha più
Estética: “A percepção sensível, Marx escreve nos
esistenza autonoma a prescindere dall’osservatore)
Manuscritos econômicos e filosóficos (MEF), deve ser
demonstraram que não é mais possível observar o
a base de toda ciência. Só quando a ciência começa
medir um objeto sem altera-lo, assim o objeto que
pela percepção sensível na sua forma dupla da cons-
sai depois da medição não é o mesmo que foi medi-
ciência sensível e da necessidade dos sentidos – i.e.
do, isto foi o grande problema da primeira etapa
Ciência em Movimento | Ano XVII | Nº 34 | 2015/1
Apropiação do conhecimento e a lógica das novas tecnologias
(2002-2206), não conseguíamos medir nem qualifi-
Pensamos que o seguinte passo seria uma pes-
car o que ia acontecendo durante o processo de
quisa mais focada, com um campo de pesquisa deli-
apropriação de tecnologias, as crianças e os jovens
mitada que abrangesse um universo passível de ser
mudavam de personalidade, de desejos, tudo ia em
acompanhado num passo a passo mais acorde com
permanente transformação não linear.
um objetivo proposto desde inicio. Assim construí-
Na primeira etapa (2002-2006) sabíamos que es-
mos o que nos denominamos sistema de pesquisa:
tavam acontecendo mudanças significativas para as
a) a estrutura, que era o corpo da pesquisa; b ) o que
crianças e jovens participantes, mas aparentemente
iríamos a pesquisar; c) que instrumentos teríamos
nada mudava, nessa primeira etapa os questionários
para pesquisar d) quem pesquisaria e quem seria
continuavam informando pequenas alterações das
pesquisado e por ultimo e) aonde pesquisaríamos.
crianças ao longo dos 6 a 12 meses de duração do
Essa era nossa estrutura: clara, precisa, concreta.
grupo. Obviamente todos aprendiam a usar a Internet, todos estavam muito melhor em leitura e escrita
III Narrativas em Tempos de Internet
segundo suas professoras, mas jamais conseguiríamos ter percebido o que o projeto representava nas
Uma das características que se verificou com o
crianças se não fosse pelas entrevistas que consegui-
material colhido foi que nas mais de 5000 horas de
mos realizar após 5 anos e quando as crianças já não
chats não conseguimos descobrir uma única narrati-
pertenciam ao projeto e eram então adolescentes
va, as crianças e os jovens informavam, descreviam,
que tinham superado a etapa da escola primaria. Eles
porém não narravam. Não existia um único chat on-
manifestaram que a internet mudou fundamental-
de houvesse um conto, uma história, um fato acon-
mente a sua visão de mundo (para eles o mundo era
tecido, ouvido ou visto e colocado como uma narra-
algo estranho e louco), sua perspectiva profissional
tiva localizada no passado, com um ator, um cenário
(de jogador de futebol a cursar faculdade de comu-
e um narrador.
nicação), mudara também sua auto-estima, sua
perspectiva de futuro e a relação com a sociedade.
Acreditando que “Los seres humanos no son meros productos de sus entornos, pero esos entornos
A dificuldade em perceber nesse momento os
tampoco son pura arcilla que puedan usar para dar-
câmbios nos preocupava e pensamos que talvez fos-
se la forma que quieran. La cultura
se a quantidade de dados colhidos o que impedia
transfigura...”(Eagleton, 2001) foi pensado que este
uma focalização maior na observação do processo
novo projeto de pesquisa deveria ter por objetivo, e
de aprendizagem, pois o conceito de rizoma (Deleu-
a modo de diferenciação com outras pesquisas, co-
ze, Mil Platôs. Vol. I, pag. 15, 1996) que tinha ajuda-
locar tecnologias de ponta em periferias para que
do muito na compreensão da construção da rede que
crianças e jovens possam produzir as suas imagens
foi se formando na primeira etapa, não era mais va-
em forma de narrativas coletivas.
lido devido à abrangência que tomou o projeto (85
Tentar ver o que havia por trás da dificuldade de
grupos de 4 países com um universo de 700 jovens
produzir as próprias narrativas, mas não de forma
entre 8 e 16 anos).
oral ou escrita senão que através de imagens, que
Nesta primeira etapa observamos o desenvolvi-
permitisse, de alguma forma, decodificar a invasão
mento do rizoma como algo que se expande sem
de imagens que todos sofríamos via TV, cinema e
método, sem limites, sem fronteiras e sem alvos. Es-
propaganda. No nosso projeto o fenômeno, que nós
se era exatamente nosso objetivo primordial, ver co-
chamamos de analfabetismo visual, nos incitou a
mo se formava um rizoma a partir de um instrumen-
propor para as crianças e jovens a possibilidade do
to técnico e um modelo de uso como era a Internet.
uso de maquinas fotográficas e câmeras digitais pa-
Nosso alvo inicial, também foi atingido no sentido
ra ter acesso à produção de narrativas singulares
que durante todo o projeto ninguém ensino nada a
transformadas em narrativas coletivas produto de
ninguém, porém todos aprendiam todos os dias o
seus imaginários e colocar estas produções no you-
universo da Internet.
tube, que na época era uma das novidades mais proCiência em Movimento | Ano XVII | Nº 34 | 2015/1
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Apropiação do conhecimento e a lógica das novas tecnologias
curadas nas periferias de Brasil, Alemanha e Turquia.
O universo de pesquisa hoje e incalculável, mas
Quando nos detivemos a pensar neste fenômeno
naquele momento e para a pesquisa, as questões
a perplexidade e a surpresa tomaram conta de nós.
interrogantes que norteavam o projeto eram:
Não, não se tinha muitos referenciais teóricos, nem
a) Como se transforma a linguagem oral em lingua-
a suficiente distância para responder as mais simples
gem visual e vice-versa?
perguntas de hoje: O que é hoje comunicação? Que
b) Que diferenças significativas podem ser detecta-
fenômenos são esses de “comunicação global”?, da
das na construção da subjetividade a partir da
Internet? da virtualidade? do hipertexto?
interlocução entre o imaginário externo (visão de
A forma de comunicação via computador (Inter-
mundo) e o interno (subjetividade)?
net) transformou em poucas décadas padrões de co-
c) A partir da introdução do uso de novas tecnolo-
municação seculares. Assim podemos afirmar que
gias e com um processo de aprendizagem em
hoje a comunicação é um elo, um conecto que emite novos padrões em quase todas as formas de comunicação atual, mas também que produz e provo-
curso, as narrativas se modificam?
d) Que mudanças poderiam ser percebidas nos participantes do projeto?
ca novas formas de conduta, novos paradigmas e
novas formas de organização social.
54
Na medida que intentávamos implementar a es-
Padroniza por um lado controlando absoluta-
trutura da pesquisa viu-se que, no processo de im-
mente todo o que pode ser controlado: vida privada,
plantação, a estrutura tinha que ser permanente-
gostos, correspondências, consumo, lavagem cere-
mente modificada, os prazos jamais foram cumpri-
bral, etc., mas por outro lado e ao mesmo tempo, é
dos a pesar do cuidado em planejar estes prazos, os
um meio que dá absoluta liberdade de ação ao usu-
objetivos das entrevistas não foram atingidos pela
ário. A Internet deu fim à passividade do receptor. Os
dificuldade de obter das crianças e dos jovens o ra-
outros meios de comunicação, como o radio, o cine-
pport que somente o andamento da pesquisa permi-
ma e a televisão, davam ao receptor o papel de ser
tiu. A pesquisa estava acontecendo num sistema di-
o público, de assistir, eventualmente participar de um
nâmico, onde a estrutura e o processo estavam em
ou outro programa, mas a participação se dava de
permanente relação.
acordo com um controle absoluto das emissoras. Is-
Assim o processo ia destruindo a estrutura, a
to não acontece na internet. Não somente cada um
cada passo devíamos repensar a estrutura, tudo ti-
pode criar seu site, sua comunidade, e ultimamente
nha parecido tão fácil, tão seguro pensado na solidão
seu blog, como cada um também pode se entrelaçar
do quarto de trabalho e se manifestava impossível
com outros internautas em nível internacional, o
na pratica.
controle está dando somente pelas limitações técni-
No processo de apropriação as crianças e os jo-
cas, o que pode ir mudando a medida que os usuá-
vens mostraram uma nova forma de aprendizagem
rios investiguem a forma de superar estas limitações.
que não conseguimos encontrar modelos semelhan-
Não se pode esquecer que com os programas que
tes nas teorias tradicionais sobre aprendizagem e
surgiram nos últimos anos se deu um salto qualita-
desenvolvimento, encontramos então na obra de
tivo, programas que não estavam presentes na nossa
Pierce uma exceção que nos permitiu analisar o ma-
pesquisa (Twitter, Instagram, WhatsApp, Facebook,
terial a partir da perspectiva das Hipóteses que sur-
etc.) Hoje em dia com a junção entre telefonia e in-
giam diariamente, segundo Peirce: “A inspiração ab-
ternet a complexidade da comunicação é infinita-
dutiva acontece em nós num lampejo. É um ato de
mente maior. Pois, alem de anular tempo e espaço,
insight, embora extremamente falível. É verdade que
duas variáveis que sempre permearam a sociedade,
os elementos da hipótese estavam antes em nossa
este novo tipo de comunicação transmite uma certa
mente; mas é a ideia de associar o que nunca antes
sensação de omnipotência de poder alcançar o mun-
pensáramos em associar é o que fez lampejar a ins-
do inteiro via pequenos instrumentos como telefo-
piração abdutiva em nos. “(Peirce, Charles, Os Pen-
nes, tablets ou PCs.
sadores, pp.51, Ed. Abril Cultural, Sao Paulo, 1980).
Ciência em Movimento | Ano XVII | Nº 34 | 2015/1
Apropiação do conhecimento e a lógica das novas tecnologias
Percebemos que nos primeiros contatos com as
tecnologias, a produção de material visual era ex-
trocas, tentar decifrar o processo sem ser conduzido
pela própria cultura era inevitável.
tremamente dura e havia uma dificuldade enorme
Voltando aos escritos de produção de subjetivida-
em liberar propostas espontâneas, tanto jovens co-
des de Deleuze foi pensado o caminho para a abertu-
mo adolescentes pensavam fotos elaboradas sem
ra de novas possibilidades dando voz aos desejos dos
naturalidade, os tempos pensados para obter o ma-
participantes. Abrir o espaço para que fossem as ima-
terial estavam sendo muito mais prolongados, as-
gens desejadas por eles as que ficassem eternizadas
sim nos tentamos ver como, sem prejudicar a pes-
em material audiovisual produzido pelas câmeras di-
quisa, se podia estimular o imaginário dos jovens e
gitais e editadas no computador, e todo este processo
das crianças para que surgissem possibilidades de
em permanente comunicação com grupos distantes.
narrativas visuais, ou narrativas que depois pudes-
Jorge Larrosa no seu artigo: “Notas sobre a ex-
sem ser construídas visualmente a partir do entorno
periência e o saber de experiência”, traduzido pe-
dos participantes.
lo Prof. Dr. João Wanderley Geraldi, diz o seguinte:
De acordo com a fisiologia, o desenvolvimento de
um indivíduo vivo se dá pelos chamados processos
homeostáticos: a diferença provoca a necessidade de
interagir com o meio. Podemos aplicar, como analogia, este processo homeostático à relação do ser humano com sua cultura e sua sociedade. Em outras
palavras, o movimento da interação resultante entre
as suas necessidades, seu meio e suas características
específicas produzem determinadas manifestações
que, ao longo da sua história, irão representar seu
processo de desenvolvimento (Gregory Bateson,
1993, Para una Unidad Sagrada, pp.219-220).
A internet permitia um novo tipo de comunicação
escrita que tínhamos visto na primeira etapa, a ortografia não tinha um papel relevante, o que tirava
uma pressão a mais nas crianças e jovens que, sem
o hábito da leitura, se sentiam impotentes em descobrir quando usar o ç ou as dois ss, quando acen-
“O que vou fazer é, simplesmente, explorar algumas
palavras e tratar de compartilhá-las. E isto a partir
da convicção de que as palavras produzem sentido,
criam realidade e, às vezes, funcionam como potentes mecanismos de subjetivação. Eu creio no poder
das palavras, na força das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras fazem coisas conosco. As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com
pensamentos, mas com palavras, não pensamos a
partir de uma suposta genialidade ou inteligência,
mas a partir de nossas palavras. E pensar não é somente “raciocinar” ou “calcular” ou “argumentar”,
como nos tem sido ensinado algumas vezes, mas é
sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos
acontece. E isto, o sentido ou o sem-sentido é algo
que tem a ver com as palavras. E, portanto, também
tem a ver com as palavras o modo como nos colocamos diante de nós mesmos, diante dos outros e
diante do mundo em que vivemos.”2
tuar uma palavra, etc. Esse foi um dado que permitiu
na pesquisa anterior um desenvolvimento muito rá-
Um dos meus tantos interesses no projeto, como
pido na escrita porque finalmente ela tinha um sen-
pesquisadora, era o de verificar como se lida com a
tido para os participantes dos grupos que era o de
construção de sentido das palavras, como se dá se-
se comunicar com seus iguais mas que viviam em
quencialidade à narrativa. Muito importante tam-
outra cultura, outro idioma e outro pais ou cidade.
bém era verificar o que é considerado narrativa pelos
Os pesquisadores tentavam trabalhar em cada
próprios narradores, e, sobretudo, quais poderiam
encontro com as necessidades culturais e com o ima-
ser as dificuldades que existem para elaborar uma
ginários das crianças e dos jovens, porem ao mesmo
história, história esta que será constituída por ele-
tempo que eles mesmos estavam mudando-se, esta-
mentos do quotidiano dos narradores.
vam mudando a sua cultura e o seu imaginário , já
que a internet proporcionava a possibilidade de ver
ou ler o que eles nunca antes tinham imaginado. O
intercambio com outro grupo trazia propostas e informações permanentemente, nessa vitalidade de
2
LARROSA, Jorge. Artigo “Notas sobre a experiência e o
saber de experiência”, Revista Brasileira de. Educação. n.
19. São Paulo, p. 20 – 28, jan/fev/mar/abr, 2002.
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Apropiação do conhecimento e a lógica das novas tecnologias
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Aquilo que as crianças e os jovens desejavam pro-
aos colegas, tanto do grupo de origem como para os
duzir visualmente, colocado no grupo e a partir de
outros grupos, as novidades que o projeto colocava
ai construir uma narrativa coletiva. Assim como a
a cada encontro. O segundo passo era escrever o
aprendizagem do domínio do computador tinha sido
Story-board porque o objetivo final do projeto era a
uma aprendizagem coletiva, pensamos que produzir
realizacao de um filme de no máximo 12 minutos
narrativas coletivas seria uma forma de entender me-
para baixar no youtube. Na escrita do Story-board
lhor o diálogo existente entre e intra-grupos.
eles perceberam os lapsos das narrativas e começa-
A metodologia foi muito simples: primeiro de-
ram discutir como preencher esses intervalos, a dis-
viam pensar numa imagem que eles gostariam de
cussão permitiu ver que existiam possibilidades de
fotografar e que fosse possível, depois descrever
colocar seu dia a dia nessas historias e as persona-
oralmente essa foto, depois descrevê-la com um de-
gens eram sempre membros da sua família, de seu
senho e depois na forma escrita.
bairro ou da sua escola. Porém nas narrativas havia
Em nenhum dos casos foi a mesma foto a que
um desejo de futuro já que os temas que foram abor-
pensaram, com a que descreveram oralmente, ou
dados estavam os seguintes: fazer escola de asa del-
com a desenhada ou escrita. Porém em todo esse
ta, curar um menino ferido, defender um parque
processo começou a surgir um entendimento do
ecológico, 5 amigos e seu futuro de vida, a visita a
sentido visual do que eles queriam, o que foi se
um museu que tinha fantasmas, o passeio por um
conformando a partir de diferentes imagens dese-
lugar natural e belo, entre outras historias. O que nos
jadas. Alem disso em cada etapa (oral, desenho,
surpreendeu foi que todas as historias falavam de
escrita) se estava construindo uma sequencialidade
profissões, desde político, a instrutor de asa delta,
diferente para socializar uma simples imagem. Para
de vendedor a médico, de surfista a bombeiro, de
nós pesquisadores foi uma verdadeira surpresa co-
policial a enfermeiro.
mo começaram a aparecer imagens que eram pro-
Em apenas três meses com dois encontros de
duto de sua realidade e não da televisão e a dificul-
duas horas por semana, tínhamos aberto a porta de
dade em descrever com palavras gradualmente foi
produção de narrativas referidas às suas vidas, em
dando passo a uma grande necessidade de expres-
todas elas a superação das dificuldades era o núcleo
sar o que viam (a grande maioria dos integrantes
central. Eles tinham elaborado descrições de forma
dos grupos nunca tinha ido ao cinema, muito me-
oral, gráfica, escrita e finalmente utilizado a maqui-
nos ao teatro). Uma vez realizado este processo
na fotográfica de forma correta para obter imagens
foram tiradas as fotos que realmente desejavam. Os
(Num máximo de 5 integrantes por grupo) com as
grupos eram compostos de 5 a 8 membros e com
quais produziram historias coletivas. Alem disso ela-
as fotos tiradas colocadas na mesa coletivas eles
boraram um roteiro cinematográfico, escolheram
deviam armar uma historia.
atores, atrizes, produtor e diretor entre eles, cená-
Durante todo o tempo da execução do projeto
rios, música, produção gráfica e de textos, finaliza-
foram colocados três níveis: o oral, na entrevista ini-
ção e edição. Utilizaram no mínimo 4 programas
cial e nas descrições das fotos-desejadas; o visual,
(Word, Movie-maker, Photoshop, Power point) de
através do desenho (desenhar as fotos-desejadas e o
forma correta. Utilizaram a máquina fotográfica
Storyboard) e busca de imagens na Internet e da es-
aprendendo forma de modificar, editar, aumentar,
crita (através das descrições, dos chats e dos rotei-
diminuir, etc. cada imagem, inseriram essas ima-
ros); e o visual novamente por meio da utilização de
gens no Storyboard, logo usaram a Internet para a
tecnologia digital. Porém, estes três níveis não eram
busca de imagens que faltavam, alem de buscar as
dados de forma sequencial. À medida que o projeto
musicas de fundo de forma ágil e curiosa, usaram
avançava, os três níveis caminhavam juntos porque,
os programas para editar, prepararam cenários, lo-
enquanto tiravam fotos, mantinham chats, escre-
cuções, escreveram diálogos, atuaram, produziram,
viam diferentes possibilidades de história comum,
dirigiram e finalmente em três meses tinham sua
desenhavam novas fotos e transmitiam oralmente
narrativa.
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Apropiação do conhecimento e a lógica das novas tecnologias
Elaborar as suas narrativas foi difícil. Custa contar
IV.- Conclusões sistemáticas sobre a
histórias para quem acha que não tem história. Cus-
relação entre apropriação de
ta muito ser e fazer história. Escrevê-la, desenhá-la e
conhecimento e desenvolvimento
filmá-la foi um salto qualitativo, não foi vida defen-
de possibilidades de aprendizagem.
siva, foi vivida passo a passo. Para ser vista e ouvida
por todos aqueles que queiram se inteirar, que quei-
Nesta pesquisa se constatou o seguinte:
ram saber, que queiram ver.
1. A comunicação e a organização foi Horizon-
No projeto, escreviam, falavam e, sobretudo,
tal. Desde o inicio a relação entre os monitores e o
aprendiam que a sociedade tem coisas que eles po-
grupo foi em termos de igualdade, as regras foram
dem usar e ter acesso. O conhecimento é um direito
elaboradas em conjuntos como as leis que regeriam
que deve ser apropriado. Soa como frase feita, mas
esse grupo de conformidade com todos e foi estipu-
a liberdade, que já nesta etapa do projeto manifes-
lado que não haveria nenhum líder de grupo. O líder
tavam com o uso do laptop e da câmera digital, era
seria rotativo em função de quem tiver, em cada eta-
prenúncio de que algo estava mudando. Eles não
pa ou momento, o conhecimento para atender as
tinham os medos dos outros, tinham a segurança da
necessidades do grupo para o sucesso do projeto.
sua própria experiência.
2. Produziu novos caminhos. A maioria dos in-
A maioria dos que participaram não sabem da
tegrantes do grupo não sabia produzir imagens mui-
sua vida, da vida dos seus pais, dos pais de seus pais,
to menos historias coletivas. Foram experiências no-
de seus tios. Suas histórias se perdem na falta de
vas para todos, até para os pesquisadores.
tempo ou na falta mesmo de seus pais e parentes. A
3. A comunicação e o aprendizagem aconte-
maioria são seres nascidos hoje, sem passado e sem
ciam em tempos e espaços reais e virtuais. O in-
futuro. São seres nascidos da vontade da vida. Essa
tercambio com os outros grupos fez que os membros
que João Cabral de Melo Neto (1955):
percebessem as diferencias de horários e lugares,
mostrando que através da Internet poderiam acessar
“E não há melhor resposta que o espetáculo da vida: vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida, ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica, vê-la brotar como há pouco em nova vida explodida mesmo quando é assim pequena a explosão, como a ocorrida como a de há pouco, franzina mesmo quando é a explosão de uma vida severina.” tempos e espaços de uma forma virtual e nesse sentido o real cobrou outra dimensão.
4. Conceito de desenvolvimento rizomático.
Ao longo de todo o projeto de pesquisa do inicio ao
fim foi percebido que com a Internet definir onde
começa e onde termina o alcance de este tipo de
comunicação e impossível. Desde Istambul a Barra
do Bugre, passando por Berlin, Novo Hamburgo, Rioja, Madrid, Rio, São Paulo, as conexões se davam de
forma aleatória e pelos contatos que iam se produzindo à medida que o projeto avançava.
5. Produção coletiva. Foi um dos objetivos prin-
No projeto algumas de suas histórias recobraram
cipais a produção coletiva de uma narrativa que ti-
vida e movimento pela maravilha da tecnologia, que
vesse um núcleo coletivo de participação de todos os
agora sim, foi usada por eles, com eles e para eles.
integrantes do grupo.
No final da realização do filme alguns grupos
6. Valores éticos e, portanto, políticos... Parti-
fizeram exposições com o registro e documentação
cipar de um grupo, cumprir as regras, observar cole-
do filme convidando os integrantes das instituições
tivamente um problema, não hierarquizar, tentar
participantes, famílias e amigos que participaram
colaborar e não debochar, foram conquista de todos
do filme.
os grupos, nesse processo alguns de eles perceberam
a relação que existia entre a política e seus problemas. Especificamente um dos grupos, o que se locaCiência em Movimento | Ano XVII | Nº 34 | 2015/1
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lizou em Guarulhos (SP), tratou do problema da fal-
net como uma possibilidade de verificação e compa-
ta de espaços de lazer a partir do roteiro de uma
ração de conhecimentos.
campanha política.
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Nossa pesquisa também nos mostrou a necessi-
7. Pensamento divergente. A necessidade de
dade da utilização das novas tecnologias desde ou-
procurar soluções novas para problemas novos criou
tros ângulos, por exemplo: aprender programação,
uma necessidade de abandonar a forma pensar o
novas linguagens de programação, entrar em blogs
problema, isto é, eles precisavam expandir as fron-
de discussão, aprender a diagramar,
teiras dos seus conhecimentos sem saber realmente
A cada dia surgem mais experiências demons-
para onde deviam ir. Essa falta de uma certeza criou
trando que a aprendizagem não precisa de hierar-
soluções maravilhosas, como por exemplo um grupo
quia ela se dá naturalmente porque o ser humano
tinha como integrante uma jovem que estava sob
quer naturalmente aprender e respeita a quem sabe,
cuidado judicial e por tanto não poderia aparecer em
e não necessariamente faz do seu saber um arma de
nenhuma imagem. Então a participação da jovem foi
poder. As leis enquanto elaboradas pela maioria são
a de ser quem filmou todo o vídeo.
mais respeitadas que as criadas por minorias para
8. Lógica de abdução. O processo de aprendiza-
serem aceitas pela maioria. A aliança entre a experi-
gem e apropriação deu-se também como um proces-
ência acumulada e novas visões do conhecimento
so abdutivo de apropriação de conhecimentos, co-
indefectivelmente produzirão novos caminhos para
nhecimentos esses que foram colocados na frente
o desenvolvimento da humanidade se damos ao co-
deles; mas ao mesmo tempo, foi permitido e neces-
nhecimento o valor ético de aplica-lo em função da
sário que utilizassem seus próprios conhecimentos
melhora da qualidade de vida dos seres humanos, de
como pontes que levariam aos objetivos desejados.
uma real igualdade, de um respeito às diferenças
Nossas hipóteses nos permitiram entender conceitos
enquanto são as características intrínsecas dos sujei-
aplicados ao projeto, como o de apropriação. Para
tos que é o de diferenciar-se através da sua cultura,
nós, este conceito representou o processo de saber
sua historia e sua carga genética.
e saber usar com sentido próprio. Os participantes
Walter Benjamin relatava o fato de que os solda-
do projeto começaram a dar um sentido ao processo
dos que voltavam da primeira guerra mundial não
de aprendizagem de conhecimentos socialmente
podia narram suas vivencias em função do horror
produzidos.
que isso representava assim a vivencia não podia
9. Aprendizagem pela tentativa. Ao longo de
transformar-se em experiência, segundo ele a expe-
todo o projeto o “erro” foi considerado como pro-
riência é algo fundamentalmente social que deve ser
blema a ser resolvido no grupo e com auxilio de
transmitido, pelo tanto precisa do suporte da comu-
quem podia dar “dicas”. Não existiam verdades ab-
nicação, criar narrativas hoje se faz muito mais im-
solutas e ninguém era o dono do conhecimento, já
portante que em outras épocas porque a invasão de
que para o sucesso do projeto todos deviam estar
imagens desconhecidas que cotidianamente nos afe-
envolvidos. Ao utilizar a lógica do problema e não do
tam aumentam a possibilidade de uma alienação
erro passou-se a investigar possíveis soluções a partir
onde se vive pelas imagens do outro. E o tempo e
de questionar a origem do problema, mudando to-
espaço virtuais se transformam em tempo e espaço
talmente a lógica do aprender.
reais, porém por outros criados. Acredito que é esse
10. Descobertas e novos paradigmas a serem
o grande perigo das novas tecnologias aplicadas ao
construídos. Filmar, para eles, passou a ser uma téc-
cotidiano. Buscar uma alienação mais profunda, a
nica como a escrita, mas a diferença é que eles es-
níveis que ainda não descobrimos.
creviam os textos a partir das suas realidades. Não
Os valores éticos que todo conhecimento deve
reproduziram o texto dos outros em nenhuma das
acompanhar também se encontra ameaçado em fun-
cinco novas linguagens (oralidade, escrita, desenho,
ção de distorções de informações que fazem difícil
foto e vídeo) de que se apropriaram durante o pro-
discernir entre o verdadeiro e o falso, grande culpa
cesso. E alem disso aprenderam a saber usar a inter-
disto se deve à dominação mediática que também
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Apropiação do conhecimento e a lógica das novas tecnologias
invade agora as redes sociais, nossa esperança é que
minhos, e para que esse mundo que sonhamos os
os jovens sempre encontrem caminhos de burlar as
educadores possa realizar-se.
velhas ordens mundiais e criar novas possibilidades
para um mundo melhor.
A Internet pode e deve ser uma ferramenta para
desenvolvimento de possibilidades dos alunos e es-
Estas pesquisas foram tímidas tentativas de de-
tudantes. Possibilidade de produção de subjetivida-
volver à educação um papel que não pode perder
des, possibilidade de desalienação, possibilidades de
que é o de estimular a pesquisa como sujeitos de
questionar o mundo a partir de novas visões de mun-
todos os alunos e estudantes, onde possam juntos
do, e sobre tudo porque com a Internet se tem uma
mestres e alunos entrar numa perspectiva realmente
ferramenta de acumulação do conhecimento social-
nova, onde as hipóteses sejam tão respeitadas quan-
mente produzido que pelas suas características per-
to as teses, que não existam erros, mas problemas a
mite uma difusão que pode e deve ser aproveitada,
serem resolvidos, que de esta nova forma de ver o
que faz com que uma frase de Marx seja um novo
conhecimento surjam novos paradigmas novos ca-
potencial para a sociedade: a quantidade em determinado momento se transforma em qualidade.
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