- Sociedade Brasileira de Sociologia

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XIII CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA
29 DE MAIO A 01 DE JUNHO DE 2007 - UFPE – RECIFE (PE)
GT 06: “DEMOCRACIA E DESIGUALDADES SOCIAIS”.
DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO EM ROBERT DAHL
ASSIS BRANDÃO ([email protected])
UFPE
Dahl: Desenvolvimento e Democracia
Assis Brandão (*)
I. Introdução.
A relação entre igualdade e democracia é um tema clássico da teoria política focado
por autores os mais diversos, desde Aristóteles, passando por Montesquieu, Marx,
Tocqueville, Dahl, dentre tantos. A relação entre desenvolvimento e democracia é uma
temática mais moderna que tem em Lipset, no final dos anos 50 e início dos 60 do século
passado, o seu mais destacado teórico. Os autores que pensaram a primeira dessas relações
normalmente o fizeram tendo em vista salientar a natureza positiva do nexo entre igualdade
e democracia. É verdade que em Tocqueville esse nexo se apresenta de maneira sobremodo
mais complexa, máxime em suas preocupações com certas tendências liberticidas da
igualdade. Também predominantemente positiva é a percepção dos teóricos que se
debruçaram sobre a relação entre desenvolvimento e democracia, com Lipset à frente,
mesmo que neste campo o nível de complexidade seja bastante grande, pois o
desdobramento histórico da reflexão sobre ela abriu-se, como bem o destacou Fernando
Limongi (1997:18), para tendências também pessimistas.
Lipset, em “Some Social Requisites of Democracy: Economic Development and
Political Legitimacy”, afirma que “talvez a mais ampla generalização vinculando sistemas
políticos a outros aspectos da sociedade tem sido que a democracia é relacionada ao estado
do desenvolvimento econômico” (1959:75). Quanto mais desenvolvida a sociedade do
ponto de vista econômico, mais próxima ela estaria da democracia, e quanto menos
desenvolvida, mais distante estaria dessa forma de governo, de maneira que as sociedades
atrasadas viveriam sob governos ditatoriais e as desenvolvidas, sob democracias. O
processo de modernização, definido pela transição das sociedades tradicionais para as
modernas, seria coroado pelo advento de formas democráticas de governo.
Segundo o autor (Lipset,1959:75), para testar essa hipótese, foram criados vários
índices de desenvolvimento, tais como riqueza, industrialização, urbanização e educação.
Ele afirma (1959:80), no entanto, que, muito embora esses “índices tenham sido
----------------------------------------(*) Assis Brandão é professor de Ciência Política do Departamento de Ciências Sociais da UFPE.
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apresentados separadamente, parece claro que os fatores (que os constituem) são tão interrelacionados que formam um fator comum”. O teste, assim, seria para verificar algo, em
sua visão, mais ou menos evidente, ou seja, que as sociedades desenvolvidas, por
apresentarem um alto nível de industrialização, urbanização, educação e riqueza – sendo,
por isso, modernas -, também seriam democráticas.
A “teoria da modernização” tendia a perceber o processo histórico de desenvolvimento
das sociedades atrasadas como similar ao das sociedades desenvolvidas. Aquelas seguiriam
o mesmo caminho dessas, de maneira que haveria uma repetição do processo de
desenvolvimento em temporalidades distintas. As sociedades desenvolvidas eram figuradas
como o futuro das atrasadas e estas como o passado daquelas. As atrasadas tinham os
mesmos atores, perspectivas e dinâmica histórica das adiantadas, apenas teriam vindo
historicamente depois.
A história, no entanto, esteve longe de adequar-se à teoria. Nenhum Procusto seria
capaz de recortá-la de acordo com o figurino da “teoria da modernização”. Pensá-la assim
seria empobrecê-la ao limite. E ela mostrou-se sobremaneira mais complexa. A
temporalidade era, de fato distinta, mas não podia ser percebida apenas como uma
temporalidade física, no sentido de que uma nação se desenvolvera algumas décadas - ou
algo assim - antes de outra, porém como uma temporalidade social, em que o tempo de
desenvolvimento do capital é um fator preponderante para a observação da relação entre as
nações, dos atores políticos no âmbito dessas nações, de suas perspectivas históricas e
assim por diante. Salienta-se aqui a diferença.
Isso não significa, entretanto, que a “teoria da modernização” tenha se equivocado em
relação ao desenvolvimento de todos os países. De fato, alguns deles, de desenvolvimento
capitalista original, transitaram do tradicional ao moderno, coroando esse processo com a
democracia. Essa, contudo não é uma regra. Até porque não existem regras de
desenvolvimento histórico. Nações de desenvolvimento capitalista tardio com freqüência
desenvolveram-se sem democratizarem-se. Exemplos clássicos dessas últimas são a
Alemanha e a Itália, em que floresceram o nazismo e o fascismo respectivamente. Não é
que não tenha havido desenvolvimento, é que esse ocorreu sob formas repressivas de
organização política.
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No Brasil, em que o capitalismo se desenvolveu também de maneira atrasada, isso não
foi diferente. Durante todo o século XX, viram-se mudanças periódicas de formas de
governo, ora mais liberais, ora mais ditatoriais, com a presença da democracia – sempre
bastante limitada – apenas no pós-45 e após a queda do regime militar.
É verdade que tanto a Alemanha como a Itália e também o Brasil terminaram por
democratizar-se. Nesses dois primeiros países, a democracia encontra-se consolidada há
bastante tempo. Criada no processo de reconstrução institucional no pós-Segunda Guerra
Mundial, com a superação do nazi-fascismo, ela tem hoje algo em torno de seis décadas de
vigência ininterrupta. No Brasil, a democracia é mais recente, pois a experiência do pósguerra, sobremaneira frágil, foi derrubada com o golpe militar de 1964 e a instauração de
um regime opressivo que durou mais de duas décadas. Apenas com a Constituição de 1988,
o país redemocratizou-se, vivendo hoje um processo de consolidação da democracia.
De qualquer maneira, esses países, para chegarem a esta forma de governo, tiveram
que passar por experiências absolutamente traumáticas do ponto de vista de sua
institucionalidade política. O nazismo, na Alemanha, o fascismo, na Itália, e o Estado-Novo
e o regime autoritário pós-64, no Brasil, marcaram profundamente a história desses países
no século passado.
No entanto, todos se desenvolveram. Alemanha e Itália mais, o Brasil menos, mas
todos são hoje países industrializados. E também democráticos.
Assim, o desenvolvimento do capitalismo, seja em países de desenvolvimento
originário, como EUA, Inglaterra ou França, seja em países de desenvolvimento atrasado,
com níveis distintos de atraso, como, por exemplo, Alemanha, Itália e Brasil, ao fim e ao
cabo desaguou em formas democráticas de governo, independentemente dos diferentes
caminhos para elas e também de qualquer discussão sobre sua textura, que necessariamente
levaria à abordagem da relação entre capitalismo e democracia e dos problemas desta nesse
sistema econômico.
Ocorre que o desenvolvimento também aconteceu sob o socialismo. Inegavelmente,
países como a URSS e a Alemanha Oriental alcançaram níveis bastante altos de
desenvolvimento. No entanto, não se democratizaram. Pelo menos, não, enquanto foram
socialistas. Uma primeira equação a ser observada aqui é a constituída pela relação entre
socialismo e desenvolvimento.
A idéia de que o socialismo é um impeditivo ao
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desenvolvimento não se sustenta do ponto de vista histórico. Tanto países capitalistas como
socialistas desenvolveram-se. Uma segunda equação é constituída pela relação entre
socialismo desenvolvido e democracia. Os países socialistas que se desenvolveram não se
democratizaram, ao contrário dos capitalistas. Aqueles só se democratizaram quando se
abriram ao capitalismo.
Historicamente, há um dado fundamental: socialismo e regime político democrático
nunca conviveram. Onde houve socialismo não houve democracia e onde houve
democracia não houve socialismo. Já o capitalismo tem convivido com várias formas de
governo: democráticas, autoritárias e totalitárias. Assim, houve no capitalismo
desenvolvimento sob várias formas de governo, mais e menos opressivas; no socialismo, ao
contrário, ele existiu apenas sob formas não democráticas.
Isso posto, qual a relação vista por Dahl entre desenvolvimento e democracia?
II. Dahl: as condições da democracia.
Normalmente, Dahl trata a relação entre desenvolvimento e democracia ao abordar as
condições desse regime político. Já no início dos anos 50, em Política, Economia e Bem
Estar Social, obra escrita em parceria com Charles Lindblom, ele foca essas condições. No
entanto, aqui, elas são discutidas sem qualquer referência explícita ao desenvolvimento.
São elas:
1. Doutrinação Social. Sob esse título, Dahl salienta a necessidade de que os membros
da sociedade, líderes e não líderes, tenham uma cultura política democrática. Em sua
opinião (1971:285), toda a estrutura da poliarquia depende das consciências, normas e
hábitos dessas pessoas. E quando essas consciências, normas e hábitos não se harmonizam
com a poliarquia, quaisquer normas constitucionais, por mais bem delineadas que sejam,
carecerão de eficácia. Assim, para a existência da poliarquia, a cultura política democrática
é percebida como se colocando em patamar bastante superior às normas constitucionais.
Ao mesmo tempo, o autor destaca que não é suficiente que essa cultura política esteja
presente apenas entre os líderes. Tanto para existência como para a solidez da democracia,
faz-se necessário que também os não-líderes estejam imbuídos de valores democráticos.
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“Se os homens que cercam um tirano em potencial se recusam a cooperar”, afirma Dahl, “a
tirania se torna impossível” (1971:290).
2. Acordo Básico. Haveria a necessidade de um acordo básico, entre os cidadãos
politicamente ativos, que envolvesse ao mesmo tempo procedimentos e políticas
(Dahl,1971: 293). O acordo sobre procedimentos tem por fim assegurar a natureza
competitiva das eleições. Ele, no entanto, não é suficiente, é necessário também um acordo
sobre políticas básicas. “Infelizmente”, diz o autor, “é difícil dizer o que o ‘acordo sobre
política básica’ precisa incluir. Mas, quanto maior a violência com que o povo discorde a
respeito de política básica, menos improvável que continue a aceitar os métodos básicos da
poliarquia” (1971:294). Esse acordo sobre políticas tem em mira, no fundamental, a
incorporação no processo democrático de minorias, pois estas, no caso das políticas lhe
serem absolutamente contrárias, terminariam por rejeitá-lo.
3. Pluralismo social. Dahl destaca o fato de que “a poliarquia requer um grau
considerável de pluralismo social – isto é, uma diversidade de organizações sociais com
grande medida de autonomia, umas em relação às outras” (1971:300). Esse pluralismo
funcionaria como limites, no âmbito da sociedade, impeditivos ao avanço dos detentores de
poder sobre a cidadania. As diversas organizações limitar-se-iam entre si e limitariam as
ações do governo, de maneira que seriam sobremodo mais difíceis deslizes de ordem
autoritária. Os controles sociais, realizados pela pluralidade de grupos, segundo o autor,
seriam mais importantes do que os controles constitucionais (Dahl,1971: 306).
4. Atividade política. Segundo Dahl, a poliarquia exigiria um grau relativamente alto
de atividade política (1971:306). No entanto, ele evidencia que a participação não eleitoral
da cidadania é normalmente bastante pequena nesse regime político, pois as decisões
freqüentemente expressam as preferências de minorias. Assim, argumenta que, de fato, não
é a efetiva participação que é exigida, mas a garantia da oportunidade de fazê-lo.
5. Circulação. “A poliarquia requer também que o principal obstáculo para o acesso a
uma posição de liderança política seja a incapacidade de ganhar eleições”, diz Dahl
(1971:313). Ou seja, não há um fechamento das elites, impedindo a circulação de seus
membros. Ao contrário, elas são abertas, no sentido de renovarem-se com relativa
facilidade. Para isso, exige-se apenas que os postulantes tenham os votos necessários para
alçaram-se a posições de poder.
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6. Outras precondições da poliarquia. Aqui Dahl foca, ao mesmo tempo, três
condições. “Um dos pré-requisitos”, afirma ele, “de muitas das condições anteriores é uma
sociedade com um grau considerável de segurança psicológica, limitada disparidade de
riqueza e renda, e, talvez, ampla educação” (1971:315). A insegurança psicológica pode
levar a que as pessoas ajam de maneira não condizente com o regime democrático, de
forma violenta, com intolerância, etc; as disparidades de riqueza, quando extremas, podem
ser impeditivas ao funcionamento do processo poliárquico; e a ausência de ampla educação,
no sentido de alfabetização, tornaria sobremodo difícil a sobrevivência da poliarquia, pois o
analfabeto tem dificuldades de compreensão do processo político, é facilmente
manipulável, etc.
Vê-se que as condições da poliarquia são apresentadas nessa obra sem qualquer
discussão sobre o desenvolvimento e sua relação com a democracia. A mera referência à
necessidade de ampla alfabetização não configura, em si, de maneira isolada, um foco
explícito da questão. Isso, entretanto, não é o que acontece em obras posteriores do autor,
em que a abordagem dessas condições destina à temática do desenvolvimento um lugar de
destaque.
Em Poliarquia – Participação e Oposição, quase vinte anos depois, Dahl, ao tratar
das condições da poliarquia, discute-as como condições favorecedoras desse regime
político, e não como condições necessárias, como em Política, Economia e Bem Estar
Social, em que inicia a exposição de cinco das condições apresentadas com um “A
poliarquia requer”, e as outras três toma-as como pré-requisitos da maioria das demais. Ao
mesmo tempo, elas não se sobrepõem, exceto em parte. Há condições que existem na
primeira dessas obras, mas não na segunda, e vice-versa. Não é de se acreditar que essas
diferenças possam ser atribuídas apenas ao fato de que Poliarquia tenha por eixo a
preocupação com a transição para a poliarquia, diferentemente de Política, Economia e
Bem Estar Social.
Em Poliarquia, as condições favorecedoras do regime poliárquico são tratadas sob os
sete títulos
seguintes: seqüências históricas, grau de concentração na ordem
socioeconômica, desigualdade, clivagens subculturais, crenças de ativistas políticos,
controle estrangeiro e nível de desenvolvimento socioeconômico.
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1. Seqüências históricas. Neste tópico, discutem-se os caminhos de chegada à
poliarquia e suas formas de inauguração.
Em relação aos caminhos, Dahl, com foco
particular na liberalização e na inclusividade, salienta que provavelmente o advento da
liberalização em primeiro lugar seja mais favorável à poliarquia do que as outras
alternativas (1997: 53-4); quanto à inauguração, observando as possibilidades em Estados
independentes e em Estados subordinados a outros Estados, destaca que, nos primeiros, a
forma mais favorável de inaugurar-se o regime poliárquico é através de processos
evolutivos, e, nos últimos, também, no sentido de tornarem-se independentes e
organizarem-se poliarquicamente “sem um movimento de independência nacional ou uma
luta séria contra o poder colonial” (Dahl,1997:57).
2. Grau de concentração na ordem socioeconômica. Segundo o autor, “um regime
político competitivo, e, portanto, uma poliarquia, dificilmente será mantido sem uma ordem
social pluralista. Uma ordem social centralmente dominada é mais favorável a um regime
hegemônico do que a um competitivo (e, portanto, a uma poliarquia)” (Dahl,1997:73).
Assim, sociedades mais igualitárias ou em que as desigualdades são dispersas serão mais
favoráveis à poliarquia ao passo que aquelas em que as desigualdades são cumulativas
propenderão a formas hegemônicas. No que tange estritamente à ordem econômica, ela é
mais favorável à poliarquia quando descentralizada, independentemente de sua forma de
propriedade. Em relação à estrutura militar, algo fundamental para a reflexão sobre a
democracia na América Latina, Dahl afirma que nos países em que “as forças militares são
relativamente grandes, centralizadas e hierárquicas (...) a poliarquia é certamente
impossível a menos que os militares sejam suficientemente despolitizados para permitir um
governo civil” (1997:64).
3. Desigualdade. Dahl diz que as igualdades e desigualdades existentes em uma
sociedade parecem afetar as chances de hegemonia e poliarquia pelo menos através de dois
conjuntos de variáveis: a distribuição de recursos e habilidades políticos e a criação de
ressentimentos e frustrações (1997:91). A poliarquia é mais ameaçada pelas desigualdades
do que a hegemonia. Segundo o autor, “um país com desigualdades extremas em recursos
políticos comporta uma probabilidade muito alta de ostentar desigualdades extremas no
exercício do poder e, portanto, um regime hegemônico” (1997:92). Isso, entretanto, não é
impeditivo à existência de poliarquias em sociedades capitalistas avançadas em que as
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desigualdades são sobremodo grandes. Nelas, as desigualdades são grandes, mas os
recursos políticos não são acumulados, existindo, em “seu lugar, um sistema de
desigualdades dispersas” (Dahl,1997:96). De qualquer maneira, essas desigualdades podem
criar, ou não, ressentimentos entre os indivíduos. No caso desses ressentimentos se
configurarem, a poliarquia pode subsistir através de ações de governo que reduzam a
“desigualdade (ou o sentimento de desigualdade), fortalecendo assim o compromisso do
grupo de excluídos com o regime” (Dahl,1997:99).
4. Clivagens subculturais. A preocupação de Dahl volta-se aqui principalmente para a
existência de grupos fortemente antagônicos no interior de uma poliarquia. Quando isso
ocorre, ela tende “ao colapso, ao golpe de Estado, à guerra civil” (1997:111). Por essa
razão, essa forma de governo tende a existir com mais freqüência em países homogêneos
do que em países com clivagens culturais profundas, mesmo que não seja impossível
também nestes. Para isso, no entanto, seriam necessárias algumas condições fundamentais:
a) a não exclusão de minorias “indefinidamente” da oportunidade de participar do governo;
b) entendimentos “que proporcionem um grau relativamente alto de segurança às diversas
subculturas” (Dahl, 1997:121); e c) a crença de que através da poliarquia algumas das
reivindicações mais destacadas da população podem ser atendidas.
5. Crenças de ativistas políticos. Dahl é de opinião que seria muito difícil a existência
de uma poliarquia em um país em que os cidadãos politicamente mais atuantes partilhassem
a idéia de que a hegemonia é mais desejável do que a poliarquia. Essa idéia não é válida
apenas em relação à poliarquia. Qualquer regime político tem necessidade de que os
ativistas políticos os avaliem positivamente. É verdade que a poliarquia, segundo ele,
“provavelmente exige uma crença mais difundida na desejabilidade geral do sistema do que
a necessária para manter um regime hegemônico” (Dahl, 1997:129). De qualquer maneira,
é a cultura política dos ativistas que, para além de ser mais articulada, tende a ser mais
influente, dando maior possibilidade à existência do regime.
6. Controle estrangeiro. Um país sob o controle estrangeiro, mesmo que todas as
outras condições sejam favoráveis à poliarquia, ainda assim pode não sê-lo. Em
determinadas circunstâncias, o domínio estrangeiro, na percepção do o autor, é
determinante para a natureza do regime político, poliárquico ou hegemônico.
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7. Nível de desenvolvimento socioeconômico. Para Dahl, “é um pressuposto
largamente aceito que um alto nível de desenvolvimento socioeconômico favorece não só a
transformação de um regime hegemônico numa poliarquia, mas também ajuda a manter –
se necessário for – uma poliarquia” (Dahl, 1997:75). Assim, quanto maior o nível de
desenvolvimento socioeconômico em um país, maior a probabilidade de que haja este
regime político, e é maior a possibilidade de que exista um alto nível de desenvolvimento
socioeconômico quando há a poliarquia do que quando ela inexiste.
Dezessete anos após, em La Democracia y sus Criticos – essa obra é publicada,
originalmente, em inglês, em 1989, e Poliarquia, em 1972, ambas pela Yale University
Press -, Dahl continua apresentando as mesmas preocupações no que tange às condições da
democracia. “A probabilidade de que se instaure a poliarquia em um país”, diz ele,
“depende da intensidade com que se dão certas condições” (1993:290). Ele afirma, ao
mesmo tempo, que nenhuma dessas condições, por si só, assegura a existência da
poliarquia, mas que quando todas estão presentes a sua existência é quase segura, da mesma
maneira que quando todas estão ausentes a probabilidade de ela vir a existir é quase nula
(1993:292). São estas as condições:
1. O controle civil dos militares e da polícia. Focando a dimensão repressiva do
Estado, Dahl argumenta que são necessárias duas condições para que os países possam ser
governados democraticamente: “1. Se existem organizações policiais e militares, como sem
dúvida há de ocorrer, essas devem submeter-se ao controle civil; e 2. os civis que controlam
os militares e a polícia devem eles mesmos submeter-se ao processo democrático”
(1993:293). Essas seriam condições necessárias, porém não suficientes para a existência da
poliarquia.
2. Existência de homogeneidade cultural, ou, no caso de haver heterogeneidade, não
existir fragmentação em subculturas fortes ou muito diferentes, ou, existindo essa
fragmentação, os dirigentes lograrem estabelecer acordos consociativos para manejar os
conflitos subculturais. De acordo com Dahl, as poliarquias existem com mais freqüência em
países que são homogêneos culturalmente. Isso não significa que elas não possam existir
também em países com clivagens culturais fortes. Apenas nestes países são mais
infreqüentes (1993:306). Neles, para que essa forma de governo ocorra, uma das condições
facilitadoras é a existência de acordos consociativos entre as lideranças políticas,
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configurando o que, nos termos de Lijphart, passou a ser conhecida como “democracia
consociativa”.
3. Posse de uma cultura política e, particularmente entre seus ativistas políticos, de
crenças que favoreçam as instituições da poliarquia. “Nenhuma explicação da existência da
poliarquia em alguns países e não em outros”, diz Dahl, “pode ser satisfatória se se ignora o
papel central que cumprem as crenças” (1993:312-313). E como os líderes políticos
dispõem de crenças mais articuladas do que a maioria das pessoas, suas crenças são mais
relevantes para a natureza da forma de governo do que as destas. Assim, quando os líderes
dispõem de uma cultura política democrática é mais provável que o regime político também
o seja. As crenças da maioria das pessoas, “rudimentares”, são também relevantes, mas em
menor intensidade. O autor salienta, além disso, que a cultura política democrática da
população, isoladamente, favorece a ocorrência de poliarquia, mas não a explica.
4. Não submissão à intervenção de uma potência estrangeira hostil à poliarquia.
Segundo Dahl, se as três condições anteriores existissem em um país determinado, que,
além de possuir essas condições, fosse também uma sociedade MDP (moderna, dinâmica e
pluralista), mesmo assim esse país “não teria as instituições próprias da poliarquia se uma
potência internacional mais forte interviesse para impedi-lo” (1993:315). Nesse caso, a
nação mais fraca ficaria à mercê da vontade da nação mais forte, que poderia determinar o
estabelecimento de formas de governo autocráticas para ela.
5. Existência de uma sociedade MDP (moderna, dinâmica e pluralista). A sociedade
MDP, de acordo com Dahl, favorece a poliarquia por possuir duas características
fundamentais: 1) “difunde o poder, a influência, a autoridade e o controle entre uma
variedade de indivíduos, grupos, associações e organizações, deixando de existir um centro
único”; e 2. “promove atitudes e crenças favoráveis às idéias democráticas” (1993:301). O
autor pondera, no entanto, que pode existir poliarquia em sociedades que não são MDP, da
mesma maneira que pode existir sociedade MDP não poliárquica, ou seja, essa não é uma
condição necessária à poliarquia e tampouco suficiente.
Em Sobre a Democracia, obra publicada originalmente, em 1998, pela Yale
University Press, Dahl volta a discutir as condições da democracia. Nessa obra, porém,
divide-as em dois grupos: a) as condições essenciais para a democracia; e b) as condições
favoráveis à democracia. Entre as “condições essenciais” para a democracia, coloca as três
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seguintes: 1. controle dos militares e da polícia por funcionários eleitos; 2. cultura política e
convicções democráticas; e 3. nenhum controle estrangeiro hostil à democracia. E entre as
“condições favoráveis”, estas duas: 1. fraco pluralismo subcultural; e 2. uma sociedade e
uma economia de mercado modernas.
As “condições essenciais”:
1. Controle dos militares e da polícia por funcionários eleitos. “É improvável”, afirma
Dahl, “que as instituições democráticas se desenvolvam, a menos que as forças armadas e a
Polícia estejam sob o controle de funcionários democraticamente eleitos” (2001:165). Para
ilustrar a configuração histórica dessa condição, o autor dá vários exemplos de países da
América Latina, em que, lamentavelmente, a democracia inúmeras vezes foi derrubada por
golpes militares.
2. Cultura política e convicções democráticas. De acordo com Dahl, “as perspectivas
para a democracia estável num país são melhores quando seus cidadãos e seus líderes
apóiam vigorosamente as práticas, as idéias e os valores democráticos” (2001:174). Assim,
um país que tenha uma cultura política democrática mais provavelmente será uma
democracia do que outro que não a tenha.
3. Nenhum controle estrangeiro hostil à democracia. Dahl afirma que a probabilidade
de ocorrência de instituições democráticas em um país sob a intervenção de outro hostil à
existência dessas instituições no primeiro é bem menor do que quando essa intervenção
inexiste ou quando o país interventor pleiteia a democracia para o país dominado
(2001:163). Essa condição, em sua opinião, por vezes, é suficiente para explicar a
inexistência da democracia.
As “condições favoráveis”:
1. Fraco pluralismo subcultural. “Instituições políticas democráticas”, diz Dahl, “têm
maior probabilidade de se desenvolver e resistirem num país culturalmente bastante
homogêneo e menor probabilidade num país com subculturas muito diferenciadas e
conflitantes” (2001:166). Salienta, no entanto, a existência de países em que a diversidade
cultural é grande, mas que são democráticos. Isso é mais provável onde todas as outras
condições são favoráveis a essa forma de governo (2001:167). Além disso, chama a atenção
para arranjos institucionais particulares, existentes em países específicos, que vão desde a
exigência de unanimidade em votações parlamentares ou de gabinete à separação política –
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configurada por formas de federalismo -, que têm favorecido a ocorrência histórica da
democracia mesmo em países com clivagens culturais fortes.
2. Uma sociedade e uma economia de mercado modernas. Segundo Dahl, “não
podemos fugir da conclusão de que uma economia de mercado, a sociedade e o
desenvolvimento econômico tipicamente gerados por ela são condições altamente
favoráveis ao desenvolvimento e à manutenção das instituições democráticas políticas”
(2001:175). É verdade que ele menciona também as tensões existentes entre o capitalismo e
a democracia. Essa questão será discutida na próxima seção.
III. Dahl: desenvolvimento e democracia.
O estudo mais acurado sobre as condições da democracia ficará para um outro artigo.
Ver-se-á, nesta seção, apenas a relação entre uma dessas condições e a referida forma de
governo, isso é, a relação entre desenvolvimento e democracia.
Em Poliarquia, Dahl procura delinear alguns parâmetros da sua idéia de
desenvolvimento socioeconômico. Para isso, refere-se a Russet, para quem, a partir de uma
pesquisa sobre “mais de 100 países e colônias”, há “uma profunda correlação entre PNB
per capita e outros indicadores de desenvolvimento econômico e social, tais como a
percentagem da população em cidades acima de 20.000 habitantes (r = 0,71), a
percentagem de adultos alfabetizados (0,80), a proporção da população envolvida na
educação superior (0,58), o número de rádios por cada 1.000 habitantes (0,85) e o número
de leitos hospitalares por habitante (0,77)”. Russet salienta que “essas variáveis, juntamente
com outras, como a percentagem de assalariados da população e outros indicadores de
saúde e comunicações de massa, formam um feixe que tende a variar de acordo com o nível
de desenvolvimento econômico” (Apud Dahl,1997:76).
Algumas dessas variáveis parecem sobremaneira anacrônicas. Hoje, por exemplo,
evidentemente, não se mediriam níveis de desenvolvimento econômico e social recorrendose ao número de rádios de que dispõe uma amostra qualquer da população. De qualquer
maneira, recorrem-se legitimamente a outras variáveis para aquilatar o índice de acesso da
população ao consumo de alguns produtos industrializados e, assim, obter uma dimensão
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particularizada do quadro mais complexo do desenvolvimento socioeconômico da
sociedade.
A partir da idéia de desenvolvimento socioeconômico definida pelo quadro de Russet,
Dahl afirma que “há uma associação indubitavelmente significativa entre nível
socioeconômico e ‘desenvolvimento político’” (1997:76), o que, grosso modo, pode ser
visto como uma relação positiva entre desenvolvimento social e econômico e poliarquia.
Antes de abordar a questão espinhosa das particularidades da sociedade desenvolvida
que a fazem propender para a poliarquia, Dahl foca rapidamente o que chama de “limiares”
de desenvolvimento. Em sua opinião, existiriam limiares de desenvolvimento inferior e
superior na sociedade que, colocando-se essa abaixo do limiar inferior, independentemente
de quanto estivesse abaixo, ou acima do limiar superior, independentemente de quanto
estivesse acima, já não mais existiria influência adicional respectivamente negativa ou
positiva quanto às possibilidades de existência da poliarquia.
Para além dos limiares, há ainda os casos desviantes, ou seja, aqueles casos em que
não haveria poliarquia mesmo havendo desenvolvimento, ou ela existiria em países ainda
não desenvolvidos. Dahl refere-se explicitamente, no que tange ao primeiro caso, à URSS e
à Alemanha Oriental, que, na época em que ele escreveu Poliarquia, eram exemplos
contemporâneos; e, quanto ao segundo caso, lança mão de exemplos contemporâneos,
como a Índia, com baixo nível de desenvolvimento, mas uma poliarquia, e históricos, como
Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, etc., que foram poliárquicos precocemente,
ainda antes de se desenvolverem (1997:80-81).
A existência de casos desviantes evidencia que um alto nível de desenvolvimento
socioeconômico não é condição necessária tampouco suficiente para a poliarquia. De
qualquer maneira, existe uma relação positiva entre um alto nível de desenvolvimento
socioeconômico e essa forma de governo.
Dahl explica tal relação recorrendo à seguinte hipótese: “As chances de um país
desenvolver-se e manter um regime político competitivo (e, mais ainda, uma poliarquia)
dependem da medida com que a sociedade e a economia do país: a) forneçam alfabetização,
educação e comunicação; b) criem uma ordem social mais pluralista do que centralmente
dominada; c) impeçam desigualdades extremas entre as camadas politicamente relevantes
do país” (1997:85).
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No que diz respeito à alfabetização, educação e comunicação, segundo ele, a
disseminação dessas conquistas em corpos políticos de cidadania extensa tende a favorecer
a participação e a contestação pública. E o desenvolvimento não apenas as solicita como
alimenta a sua existência. Assim, uma sociedade industrializada e urbanizada requer que as
pessoas tenham acesso a um certo nível de alfabetização, educação, a meios de
comunicação, impressos ou não, etc., e, ao mesmo tempo, cria mecanismos para a sua
disseminação. Com isso, ela tende a facilitar o advento da poliarquia (Dahl,1997:85).
Quanto à ordem social pluralista, Dahl destaca que “uma economia avançada e as
estruturas sociais que a sustentam distribuem automaticamente recursos políticos e
habilidades políticas a uma enorme variedade de indivíduos, grupos e organizações. Entre
essas habilidades e recursos estão: conhecimento; renda, status e reconhecimento entre
grupos especializados; habilidade na organização e na comunicação; e acesso a
organizações, experts e elites” (1997:87). Essa pluralidade de grupos no interior da
sociedade, pautada pelos mais diversos interesses, tende a criar “sistemas de barganha e
negociação dentro de, paralelamente a, ou em oposição a arranjos hierárquicos; e esses
sistemas ajudam a promover uma subcultura política com normas que legitimam a
negociação, a barganha, o conluio, o toma-lá-dá-cá, a obtenção do acordo em contraposição
ao poder unilateral e à coerção” (Dahl,1997:87). Assim, uma sociedade com alto nível de
desenvolvimento socioeconômico tende a criar uma ordem social pluralista, que, por seu
lado, tende a favorecer a criação da poliarquia.
O autor pondera, no entanto, que a URSS e a Alemanha Oriental eram sociedades
economicamente desenvolvidas, mas, mesmo assim, não eram pluralistas, dispondo de
ordens sociais centralmente controladas. É verdade que ele salienta que esse
desenvolvimento econômico terminaria por pressionar tais sociedades no sentido de
superação da ordem social centralmente controlada e a sua substituição por uma ordem
pluralista. Não se avaliará aqui a procedência dessa profecia, que exigiria discussões
sobremodo complexas e, em certa medida, desfocadas do eixo desse artigo. De qualquer
maneira, esses países pluralizaram-se e se tornaram democráticos.
Por fim, no que tange ao impedimento de desigualdades extremas entre as camadas
politicamente relevantes do país, Dahl salienta que “à proporção que um país se aproxima
de níveis elevados de industrialização, diminuem as desigualdades extremas em recursos
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políticos importantes; apesar de este processo não gerar igualdade, ele gera uma maior
paridade na distribuição dos recursos políticos” (1997:96). O perfil de desigualdades
apresentado na sociedade passa a ser o de desigualdades dispersas, e não de desigualdades
cumulativas. E esse tipo de desigualdade tende a ser mais favorável à existência da
poliarquia do que o de desigualdades cumulativas.
Assim, desde que, para o autor, um país com alto nível de desenvolvimento
socioeconômico favorece níveis mais amplos de alfabetização, educação e comunicação na
sociedade, favorecendo, ao mesmo tempo, a formação de uma ordem social pluralista, e
favorecendo, ainda, um perfil de desigualdades dispersas, sendo essas três características
facilitadoras à existência de uma forma de governo poliárquica, tornam-se evidentes os elos
percebidos por ele, em Poliarquia, entre um alto nível de desenvolvimento
socioeconômico e a poliarquia.
Em La Democracia y sus Criticos, ao discutir a relação entre desenvolvimento e
democracia, Dahl não mais se refere a sociedades socioeconomicamente desenvolvidas,
mas a sociedades modernas, dinâmicas e pluralistas (MDP). Grosso modo, pode-se afirmar
que estas sociedades são as socioeconomicamente desenvolvidas acrescidas da necessidade
de existência do pluralismo. Viu-se, em Poliarquia, que o autor utiliza a idéia de
sociedades socioeconomicamente desenvolvidas, acolhendo-as como podendo ser
pluralistas ou não. A URSS e a Alemanha Oriental foram, no contexto, apresentadas por ele
como exemplos de países desenvolvidos e não pluralistas. Em La Democracia y sus
Criticos, quando Dahl discute a relação entre sociedades MDP e a democracia, esses
países, que não eram pluralistas, não são abordados.
Para caracterizar a sociedade MDP, ele afirma que a poliarquia tende a existir
historicamente em sociedades possuidoras de alguns elementos mais ou menos interrelacionadas: “um nível relativamente alto de renda e de riqueza per capita, um
crescimento secular dessa renda e dessa riqueza, um alto grau de urbanização, uma
população agrícola relativamente pequena ou em rápida diminuição, grande diversidade
ocupacional, ampla alfabetização, uma quantidade comparativamente grande de pessoas
que freqüentam instituições de ensino superior, um sistema econômico em que a produção
está principalmente a cargo de empresas relativamente autônomas cujas decisões se
orientam em grande medida ao mercado nacional e aos mercados internacionais, e níveis
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relativamente altos dos indicadores do bem-estar econômico e social (médicos e camas de
hospital por mil habitantes, esperança de vida, mortalidade infantil, percentagem de
famílias possuidoras de bens de consumo duráveis, etc.)” (Dahl,1993:300). Uma sociedade
com tais características seria moderna porque, por exemplo, apresentaria “níveis médios de
riqueza, renda, consumo e educação historicamente altos, grande diversidade ocupacional,
grande proporção de população urbana, marcada diminuição da população dedicada às
atividades agrárias e da importância relativa destas atividades”; seria dinâmica porque
apresentaria “crescimento econômico e aumento contínuo do nível de vida”; e seria
pluralista porque apresentaria “numerosos grupos e organizações relativamente autônomos,
sobretudo na economia” (Dahl,1993:301).
Sociedades MDP, na concepção do autor, não seriam uma condição necessária,
tampouco suficiente para a poliarquia. Modernamente, a Índia é poliárquica, mas não é
MDP; e, no passado, EUA, Austrália, além de outros países, foram poliárquicos antes de se
tornarem MDP. Assim, a poliarquia não tem como condição necessária uma sociedade
MDP. Ao mesmo tempo, houve sociedades que eram MDP, como, na década de 80,
Yogoslávia (socialista), Taiwan e Coréia do Sul, mas não eram poliarquias. Isso mostra que
uma sociedade MDP não é também uma condição suficiente para a existência desses
regimes políticos.
De qualquer maneira, as sociedades MDP propendem à poliarquia. Segundo Dahl, por
duas razões básicas: “1. uma sociedade MDP difunde o poder, a influência, a autoridade e o
controle entre uma variedade de indivíduos, grupos, associações e organizações, deixando
de existir qualquer centro único; e 2. promove atitudes e crenças favoráveis às idéias
democráticas” (1993:301).
Essa distribuição ou dispersão do poder, da influência, da autoridade e do controle
entre vários indivíduos, grupos, associações e organizações, por um lado, configura-se
como um obstáculo à existência concentrada desses recursos políticos, o que leva a
sociedade a propender para a autocracia, e, por outro, define-se como um possibilitador
para que esses atores ajam com alguma independência entre si, resistindo a atitudes de
domínio unilateral, pleiteando formas negociadas de convívio e limitando reciprocamente a
utilização dos recursos políticos, favorecendo, dessa maneira, a ocorrência da poliarquia.
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Em Sobre a Democracia, a reflexão de Dahl atinente à relação entre desenvolvimento
e democracia está inserida no contexto de sua discussão sobre o vínculo entre capitalismo e
democracia. Aqui, a URSS, Alemanha Oriental e Yugoslávia já não se colocam como
exceções. As duas primeiras foram vistas dessa maneira, em Poliarquia, quando o autor
discutia a relação entre uma sociedade socioeconomicamente desenvolvida e a democracia.
Elas eram desenvolvidas, mas não eram democráticas. A Yugoslávia surge como exceção,
em La Democracia y sus Criticos, por ocasião da discussão realizada por ele sobre a
relação entre as sociedades modernas, dinâmicas e pluralistas e a democracia. Ela era uma
sociedade MDP, mas não era democrática. Em Sobre a Democracia, o foco é sobre o
vínculo entre capitalismo e democracia, e os países socialistas são deixados de fora. Na
realidade, os países a que se faz referência acima já não mais existem, e o que restou deles
se tornou capitalista.
Nesta obra, Dahl afirma que numa “economia capitalista de mercado, a sociedade e o
desenvolvimento econômico tipicamente gerados por ela são condições altamente
favoráveis ao desenvolvimento e à manutenção das instituições democráticas políticas”
(2001:175). Mas, afirma, ao mesmo tempo, que “uma economia capitalista de mercado
prejudica seriamente a igualdade política – cidadãos economicamente desiguais têm grande
probabilidade de ser também politicamente desiguais”. E conclui, chamando a atenção para
o fato de que “há uma tensão permanente entre a democracia e a economia de mercado
capitalista” (2001:175).
Neste contexto, destaca algumas questões que lhe parecem fundamentais:
1. Que a “democracia poliárquica resistiu apenas nos países com uma economia
predominantemente de mercado: jamais resistiu em algum país com a predominância de
uma economia que não seja de mercado” (Dahl,2001:183). De outra forma: a democracia
poliárquica tem existido apenas em sociedades capitalistas, inexistindo em sociedades
socialistas.
2. “Esta relação estrita existe”, segundo ele, “porque certos aspectos básicos do
capitalismo de mercado o tornam favorável para as instituições democráticas.
Inversamente, alguns aspectos de uma economia predominantemente planificada a tornam
prejudicial às perspectivas democráticas” (Dahl,2001:184). Não se discutirá aqui o porquê
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da economia planificada prejudicar a democracia, discutir-se-á, sim, as razões que levam o
capitalismo a favorecê-la.
Este, em primeiro lugar, favorece-a porque, para o autor, o mercado coordena a
produção de maneira mais eficiente do que o planejamento estatal. Por isso, “a longo prazo,
o capitalismo de mercado levou ao desenvolvimento econômico – e o desenvolvimento
econômico é favorável à democracia” (Dahl,2001:184).
Em que sentido o é? a) Reduzindo a pobreza extrema e melhorando o padrão de vida
da população, o desenvolvimento econômico contribui para a diminuição do nível dos
conflitos político-sociais; b) ele possibilita também a existência de recursos, que, em caso
de sérios conflitos econômicos, podem permitir soluções em que todos ganham; e c) por
fim, possibilita aos diversos atores sociais, como indivíduos, grupos e o próprio Estado, “o
excedente necessário para dar apoio à educação e, desse modo, promover uma cidadania
instruída e educada” (Dahl,2001:185).
Em segundo lugar, o capitalismo favorece a democracia por razões sociais e políticas:
a) “Ele cria um grande estrato intermediário de proprietários que normalmente buscam a
educação, a autonomia, a liberdade pessoal, direitos de propriedade, a regra da lei e a
participação no governo”; e b) “talvez o mais importante: descentralizando muitas decisões
econômicas a indivíduos e a firmas relativamente independentes, uma economia capitalista
de mercado evita a necessidade de um governo central forte ou mesmo autoritário”
(Dahl,2001:185).
Porém, se o capitalismo de mercado apresenta características que são favoráveis à
democracia, ele também as apresenta desfavoráveis. Aqui, Dahl envereda por uma reflexão
muito próxima da que empreendeu em Um Prefácio à Democracia Econômica, em que,
discutindo o receio de Tocqueville em face ao avanço da igualdade na sociedade, mostra
que a liberdade também pode acarretar problemas. Ele refere-se à liberdade de mercado,
que causa grandes desigualdades de recursos políticos, colocando em cheque a democracia.
Observem-se, a seguir, as características do capitalismo de mercado que são desfavoráveis
a essa forma de governo:
1. “A democracia e o capitalismo de mercado estão encerrados num conflito
permanente em que cada um modifica e limita o outro” (Dahl,2001:191). O capitalismo
favorece alguns e prejudica outros. Estes buscam, por meio dos mecanismos políticos que
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lhe são colocados à disposição pela democracia, a intervenção governamental para
compensar algumas de suas perdas. É a democracia modificando o capitalismo.
2. No entanto, “como inevitavelmente cria desigualdades, o capitalismo de mercado
limita o potencial democrático da democracia poliárquica ao gerar desigualdades na
distribuição dos recursos políticos” (Dahl,2001:195). O capitalismo engendra cidadãos
desiguais em face aos recursos políticos, limitando o potencial democrático da democracia
que tem por princípio a idéia de que todos os cidadãos são iguais politicamente.
3. Por fim, “o capitalismo de mercado favorece grandemente o desenvolvimento da
democracia até o nível da democracia poliárquica. No entanto, devido às conseqüências
adversas para a igualdade política, ele é desfavorável ao desenvolvimento da democracia
além do nível da poliarquia” (Dahl,2001:196). Ou seja, o desenvolvimento econômico
fomentado pelo capitalismo favorece a existência da democracia, mas o faz apenas até o
patamar da democracia poliárquica, pois esse mesmo desenvolvimento, por ocorrer sob a
égide do capitalismo, que é um sistema econômico não-democrático, cria desigualdades no
âmbito da sociedade que terminam por minar a natureza democrática da poliarquia,
colocando-se como um impeditivo à sua maior democratização, isso é, à democratização da
poliarquia.
Assim, o desenvolvimento, visto em obras anteriores, em que o autor trata das
condições da democracia, apenas como um elemento fomentador dessa forma de governo,
aqui é percebido como detentor de uma dupla natureza, no sentido de que ao mesmo tempo
em que a fomenta também a escava.
IV. Conclusão.
Viu-se, nesta rápida apresentação da reflexão de Dahl sobre a relação entre
desenvolvimento e democracia, que essa reflexão normalmente ocorre quando o autor foca
a temática das condições do regime democrático. No entanto, em Política, Economia e
Bem Estar Social, a primeira obra em que o autor trata amplamente dessas condições, o
desenvolvimento socioeconômico encontra-se ausente. Em obras subseqüentes, como
Poliarquia, La Democracia y sus Criticos e Sobre a Democracia, contudo, isso muda, no
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sentido de que a abordagem das condições traz sempre presente alguma discussão sobre o
desenvolvimento.
Em Poliarquia, o desenvolvimento socioeconômico surge, de maneira particular, no
âmbito de uma série de condições favorecedoras da democracia; em La Democracia y sus
Criticos, esse desenvolvimento vem apresentado no bojo da discussão sobre as sociedades
modernas, dinâmicas e pluralistas (MDP), configurando essas um elemento favorável à
referida forma de governo; por fim, em Sobre a Democracia, o desenvolvimento é visto no
interior de uma reflexão sobre a relação entre capitalismo e democracia, constituindo-se
como fruto da eficácia econômica do capitalismo e favorecedor da democracia. Isso até
determinado ponto, posto que, aqui, ele também é percebido como socavando essa mesma
democracia que alimenta.
Destaca-se o fato de que, em todas estas obras, o desenvolvimento não é uma condição
necessária, tampouco suficiente, para a democracia, mas apenas uma condição que lhe é
favorável.
Além disso, a visão do autor sobre as condições da democracia acolhe a idéia de que
elas configuram uma condição necessária a esse regime político apenas em Política,
Economia e Bem Estar Social, obra em que, inclusive, o desenvolvimento não está
inserido entre essas condições. Em todas as outras obras, impõe-se a percepção das
condições - com o desenvolvimento incluído - tão-somente como favorecedoras da
democracia.
Salienta-se ainda que a abordagem, por Dahl, do desenvolvimento, em sua relação
com a democracia, freqüentemente mereceu do autor um foco sobre países socialistas. Em
Poliarquia, URSS e Alemanha Oriental foram vistos como exemplos de países
desenvolvidos, mas não democráticos, e, em La Democracia y sus Criticos, a Yugoslávia
foi vista como um país moderno, democrático e pluralista, mas autocrático. Apenas em
Sobre a Democracia essa menção da excepcionalidade dos países socialistas desapareceu.
Por duas razões básicas: 1) a preocupação do autor passou a ser a relação entre o
capitalismo e a democracia; e 2) o socialismo dos países mencionados desaparecera.
Por fim, o desenvolvimento, que normalmente é percebido como uma condição
favorável à democracia, e abordado em ação unidirecional em relação a ela, em Sobre a
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Democracia, é acolhido não apenas como favorecedor desse regime político, mas também
como obstaculizador do seu aprimoramento.
E, assim, refletindo sobre o desenvolvimento, Dahl termina por retornar ao clássico
problema da relação entre igualdade-desigualdade e democracia.
BIBLIOGRAFIA
DAHL, Robert. – Um Prefácio à Democracia Econômica. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.
- --- - La Democracia y sus Criticos. Buenos Aires: Paidós, 1993, 2ª ed.
- --- - Poliarquia – participação e oposição. São Paulo: Edusp, 1997.
- --- - Sobre a Democracia. Brasília: Editora UnB, 2001.
LIMONGI, Fernando. – “Prefácio”. In: DAHL, Robert. – Poliarquia – participação e
oposição. São Paulo: Edusp, 1997, pp. 11-22.
LIPSET, Seymour Martin. – “Some Social Requisites of Democracy: Economic
Development and Political Legitimacy”. In: American Political Science Review, march,
1959, pp. 69-105.
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