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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
O CULTIVO DE HORTALIÇAS NO ASSENTAMENTO SERRA
DOURADA, EM GOIÁS/GO: UM OLHAR PARA O TRABALHO
FEMININO E AS RELAÇÕES DE GÊNERO ENVOLVIDAS NA
PRODUÇÃO
NATALIA LUCAS MESQUITA1
Resumo:
O artigo tem o objetivo de refletir sobre o trabalho da mulher camponesa na produção de alimentos
no Assentamento Serra Dourada em Goiás/GO. Os procedimentos metodológicos adotados
pautaram-se na revisão da literatura sobre a temática; Levantamento de informações em órgãos
públicos e; Pesquisa de campo com realização de entrevistas semiestruturadas e observação
participante. O Assentamento destaca-se pela produção de hortaliças que são comercializadas em
feiras e mercados da cidade de Goiás e também fornecidas à programas governamentais. Há uma
divisão sexual do trabalho no cultivo das variedades de hortaliças. As mulheres exercem uma dupla
jornada de trabalho, já que, além de trabalharem nas hortas, são responsáveis pela manutenção do
lar e cuidado dos/as filhos. Observou-se a valorização do trabalho feminino na produção de
hortaliças, porém, o mesmo não foi percebido no trabalho doméstico.
Palavras-chave: Mulheres camponesas; Assentamento rural; Trabalho
Abstract:
The article aims to reflect about the work of the peasant women on the production of food in Serra
Dourada Land Settlement in the state of Goiás, Brazil. The methodological procedures were the
bibliographic review about the thematic; collecting data information public agencies and; field research
with the performance of semistructured interviews and participant observation. The Land Settlement
detachs itself for the production of greens which are commercialized in fairs and markets in the city of
the municipality of Goiás and also provided to governmental programmes. There is a sexual division of
labour in the cultivation of variety of vegetables. The women exercise a double journey of work,
therefore beyond working in the kitchen-gardens, they are responsible for the home maintenance and
care of their child/children. It was noticed the valorization of the female work in the production of
vegetables, however the same was not realized on the housework.
Keywords: Peasant women; Rural land settlement; Work.
1 Introdução
A incorporação da agricultura às demandas da indústria, com o fim da
segunda grande guerra, proporcionou a expansão territorial do capitalismo em
diversos países, principalmente, no continente americano, indiano e africano, por
meio da justificativa, propagandeada pelo programa norte-americano revolução
verde, de combate à fome.
1
Acadêmica do Programa de pós-Graduação em Geografia do Instituto de Estudos Socioambientais da
Universidade Federal de Goiás (IESA/UFG). E-mail de contato: [email protected]
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No Brasil, esse processo, conhecido como modernização da agricultura,
provocou a marginalização de grande parcela da população camponesa, que não
possuía recursos para a compra do pacote tecnológico oferecido pela revolução
verde e pela necessidade do capital de novas extensões de terras para produzir,
foram impelidos a mudar para os centros urbanos ou a se tornarem empregados do
agronegócio.
O campesinato, por sua vez, não assistiu estático a esse processo de
desterritorialização, encontrando nos movimentos sociais, uma forma de lutar pelo
direito ao seu território, que diferente do capitalismo, tem sentido de vida.
A partir dos movimentos sociais, especialmente, aqueles de luta pela terra
e reforma agrária, diversos assentamentos rurais foram criados, proporcionando a
reterritorialização camponesa e o resgate de uma forma de se produzir, negada pelo
capital.
Observou-se, mediante a produção de alimentos, traço da cultura
camponesa, a criação do que Ruy Moreira intitula contra-espaço, ou seja, a criação
de espaços que não obedecem a ideologia hegemônica do capital.
O espaço, produto de trabalho, é permeado por relações sociais, dentre
as quais, as relações de gênero, visto que, conforme García (2004), o gênero
condiciona a forma como os indivíduos experimentam o mundo.
Diante disso, o objetivo do artigo é refletir sobre o trabalho feminino na
produção
de
alimentos no
Assentamento
Serra
Dourada,
em
Goiás/GO,
respondendo as seguintes problemáticas: A mulher camponesa participa da
produção de alimentos no Assentamento? Seu trabalho é reconhecido socialmente?
Os procedimentos metodológicos adotados pautaram-se na revisão da
literatura sobre a temática; Levantamento de informações junto à Comissão Pastoral
da Terra (CPT), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Secretaria de Gestão e
Planejamento do estado de Goiás (SEGPLAN) e; Pesquisa de campo com a
realização de entrevistas semiestruturadas e observação participante.
O
artigo
foi
estruturado
em
duas
seções,
exceto
introdução,
considerações finais e referências, sendo elas: “(Re)Existência camponesa frente ao
movimento do capital: a luta pela terra em Goiás/GO e a criação do Assentamento
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Serra Dourada”, com o objetivo de discutir o processo de (Re)Existência do
campesinato no estado de Goiás, a criação de contra-espaços e a importância da
mulher nesse contexto, e; “Produção de alimentos e relações de gênero no
Assentamento Serra Dourada”, em que será abordado a produção de alimentos no
Assentamento e a divisão sexual do trabalho nessa atividade, bem como, a
visibilidade do trabalho feminino, com o intuito de compreender as relações
envolvidas na produção de alimentos.
Por fim, cabe informar que artigo é produto de reflexões preliminares da
pesquisa de mestrado, em desenvolvimento, intitulada “O espaço social da mulher
camponesa na produção de alimentos no Assentamento Serra Dourada em
Goiás/GO”.
2 (Re)Existência camponesa frente ao movimento do capital: a luta pela terra
em Goiás/GO e a criação do Assentamento Serra Dourada
2.1 A luta pela terra em Goiás/GO
O município de Goiás/GO está localizado na Microrregião do Rio
Vermelho, a noroeste no estado de Goiás (Mapa 01).
Sua população em 2010, correspondia a 24.727 pessoas, sendo 6.089
pessoas (25%) residentes no campo, das quais 3.309 eram homens e 2.780 eram
mulheres (IBGE, 2012).
Esse município foi fundado pelo bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva,
que chegou na região a procura de ouro, ainda no período colonial. Goiás surgiu em
consequência de uma demanda da colônia portuguesa e portanto, é símbolo da
expansão de um capitalismo em ascensão.
Após um curto período de extração aurífera, Goiás/GO passa a ter a
agropecuária como principal atividade econômica, sendo marcadamente dominado
pelo poder das grandes famílias de coronéis, iniciando uma intensa concentração
fundiária, que se estenderia até a década de 1980, quando tem início as lutas pela
terra no município.
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Mapa 01- Localização do município de Goiás/GO.
Segundo Souza et al. (2009), embasados em pesquisa realizada com os
assentados do município, a “luta pela terra nessa região é intensificada quando os
trabalhadores rurais se despertam para uma interpretação da realidade desigual e
injusta, o que os leva a refletir e a lutar pela ‘quebra das correntes’ como dizem
alguns dos assentados.” (SOUZA et al., 2009, p. 08, grifo dos autores).
A luta pela terra em Goiás/GO se consolida mediante a ocupação da
fazenda Mosquito, de propriedade da família Berquó, uma das famílias oligárquicas
da região, conforme explica Souza (2012):
A luta pela terra, no município de Goiás, se consolidou mediante o
assentamento do Mosquito que acampou nas terras da [...] família Berquó.
Passando por um período de luta, muitas famílias ficaram em
acampamentos na fazenda Mosquito, iniciando o processo de formação dos
assentamentos, no município de Goiás até chegar à atual formação [...].
(SOUZA, 2012, p. 30)
Essa luta, por sua vez, não é reflexo de uma realidade local, mas sim de
uma estrutura fundiária regional e nacional que permanece concentrada ao longo do
tempo e que se intensifica ainda mais com o processo de modernização da
agricultura, a partir da segunda grande guerra.
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A modernização da agricultura, entendida como um processo de
substituição das bases técnicas de produção e modificação das relações de trabalho
e reordenação do território, ocorre de forma mais intensa no Brasil a partir da
segunda grande guerra, seguindo a ideologia veiculada pelo programa norteamericano “Revolução Verde”, que anunciava o aumento da produção e
produtividade agrícola a partir da utilização de sementes melhoradas, defensivos
químicos e maquinários.
No
estado
de
Goiás,
a
modernização
da
agricultura
ocorreu,
principalmente, a partir da década de 1970, sendo o Estado o agente que
proporcionou as condições logísticas e financeiras para o processo.
Esse processo impactou, profundamente, o território camponês visto que
expulsou grande parcela dessa classe do campo e/ou inviabilizou a substituição de
suas forças produtivas devido aos altos custos demandados para a introdução de
novas tecnologias e as barreiras burocráticas impostas pelo Sistema Nacional de
Crédito Rural (SNCR), criado em 1975.
Diante disso, observou-se uma intensificação da concentração fundiária
no estado, de modo geral, que a partir dos movimentos sociais de luta pela terra e
Reforma Agrária, com início na década de 1980, foi contestada, demonstrando um
movimento de (Re)Existência camponesa.
Conforme Souza (2012)
O processo de luta pela terra, nesse estado, iniciou-se em 1986 no
município de Goiás, com a territorialização camponesa, a partir da formação
do assentamento Mosquito, com 43 famílias, e com o assentamento Acaba
Vida, no município de Niquelândia, com 72 famílias. (SOUZA, 2012, p. 83)
O município de Goiás/GO é, portanto, um importante exemplo das lutas
pela terra no estado, sendo que essas ganharam força a partir da década de 1980,
como já assinalado.
Atualmente, Goiás/GO possui 23 Assentamentos rurais, criados entre os
anos de 1980 e 2014 (Gráfico 01).
Dentre esses está o Assentamento Serra Dourada, território desse
trabalho.
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Fonte: INCRA (2014); Org.: MESQUITA, N. L. (2015)
2.2 A criação do Assentamento Serra Dourada
O Assentamento Serra Dourada (Mapa 02) foi criado pelo ato nº 0045 de
17 de dezembro de 1999, segundo dados do INCRA (2014).
Mapa 02- Localização do Assentamento Serra Dourada, Goiás/GO
Esse Assentamento é o único do município de Goiás/GO cujas terras
foram obtidas por doação. Ele possui uma área de 239,3928 e atende a 15 famílias.
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Segundo informações das camponesas e camponeses do Assentamento,
esse foi criado em um local onde, anteriormente, funcionava uma escola chamada
Fama, ligada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Essa escola, que
recebia crianças carentes, foi desativada e as terras, devolutas, ficaram
desocupadas por, aproximadamente, 10 anos, quando representantes da Comissão
Pastoral da Terra (CPT) de Goiás/GO, liderados por Dom Tomás Bauduíno,
“descobrem” a propriedade e solicitam ao INCRA a divisão dessa entre famílias do
município que lutam pela terra.
Inicialmente, foram selecionadas 22 famílias das quais permaneceriam
15. Dessas famílias iniciais somente 09 permaneceram no Assentamento, sendo
outras 06 famílias selecionadas.
As mulheres tiveram um papel fundamental na obtenção da parcela e
formação do Assentamento Serra Dourada, conforme pode-se observar através do
relato de uma das mulheres camponesas que vivenciou a experiência da ocupação
e do acampamento:
[...] essa coisa de acampamento, essas coisa de participá desse movimento
foi meu marido que ficô doido pra consegui uma terra, né? Es era doido por
causa de uma terra pra plantá, era o sonho dele. Ai eu fui, eu fui [...] e ele
trabalhava, né? Trabalhava no consórcio, ai ele num pudia saí assim prai,
né. Ai foi eu. [...] Ai nós fomo, primeiramente fomos lá pro Costa Campo que
nós fomo. Lá nós ficamo um tempo lá. Logo depois teve o despejo. Foi pro
corredô perto de Heitoraí. Lá nesse corredô sabe quantas famílias eram?
Trezentos e setenta e cinco famílias... gente até na cidade, era gente
demais. Ai ficamo no corredô, até um determinado tempo. Eu num lembro
mais quanto tempo nóis ficamo lá. Ai depois de lá nós viemo aqui pro vale
do Uvá, ai repartiu a turma purquê a terra lá num cabia todo mundo. Ai a
gente [...], ai repartiu setenta... num sei se setenta e cinco ou setenta e oito
família [...] vei pro vale do Uvá [...] fica acampada. Aí o restante ficaro lá. [...]
Do vale do Uvá [...] depois do vale do Uvá foi pru pichincha [...] já fica pra
banda do Faina [...]. sabe o Rio formoso? [...] nós ficamos ali tamem.
2
(ANTÔNIA . Informação verbal, Assentamento Serra Dourada, Goiás/GO,
mai., 2015).
Antônia ficou acampada durante quatro anos, sendo parte desse tempo
sozinha e a partir do acampamento no vale do rio Uvá, município de Goiás/GO,
acompanhada de seu filho.
2
Antônia é um nome fictício utilizado para preservar a identidade da entrevistada.
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Diante das dificuldades encontradas para permanência na terra, conforme
relatos das/os pesquisadas/os, seja pela extensão (2ha, aproximadamente), falta de
políticas públicas, etc., muitas famílias comercializaram as terras e regressaram às
cidades.
Aquelas que permaneceram no Assentamento tem como principal
atividade a produção de alimentos, tanto para autoconsumo como para
comercialização, sendo essa a temática da próxima seção.
3 Produção de alimentos e relações de gênero no Assentamento Serra
Dourada
A produção de alimentos é uma das principais marcas do território
camponês no Brasil, evidenciando que o campesinato não só continua a existir,
contrariando o discurso do capital, como é extremamente importante para a
soberania alimentar do país.
Segundo dados do último senso agropecuário, realizado pelo IBGE em
2006, os pequenos produtores rurais eram responsáveis por cerca de 70% da
produção de alimentos no Brasil, enquanto a modalidade de agricultura moderna
tinha sua produção direcionada para a exportação de commodities.
Através da produção de alimentos o campesinato (Re)Existente ao
movimento do capital, produz contra-espaços e reafirma uma racionalidade que
supera a obtenção de lucro, convergindo para a reprodução da vida.
Uma das principais características do Assentamento Serra Dourada é a
produção de alimentos para autoconsumo e também para a comercialização. Esse
Assentamento é o que mais se destaca, no município de Goiás/GO, pela produção
de alimentos, sendo responsável pelo fornecimento de 90% das hortaliças
consumidas ali.
Os
principais
produtos
cultivados
(Foto
01)
pelas
famílias
do
Assentamento são as hortaliças (alface, couve, rúcula), que são comercializados nas
feiras e mercados da cidade de Goiás/GO, como também, fornecidas ao Programa
de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar
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(PNAE), por meio da Cooperativa de Pequenos Produtores de Goiás e Região
(COOPAR).
Foto 01- a) produção de couve e, b) produção de alface para comércio, no Assentamento Serra
Dourada, Goiás/GO. Fonte: Pesquisa de Campo (Abr, 2015).
A partir das práticas de manejo do solo, controle de pragas e doenças, é
possível observação uma transição agroecológica no Assentamento. Algumas das
práticas das famílias pesquisadas para manejo do solo e controle de pragas e
doenças são: uso de biofertilizantes, adubação orgânica (Biomassa, bokashi,
esterco), uso de carvão e cinza, defensivos naturais produzidos por elas, entre
outros (Foto 02).
Foto 02- a) Defensivo natural produzido por assentado; b) Bokashi (adubo orgânico feito à base de
terra, cinza, cal, torta de algodão). Fonte: Pesquisa de Campo (Abr, 2015).
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Na produção de hortaliças é possível observar uma divisão sexual do
trabalho. A mulher é responsável pela colheita de produtos frágeis e que exigem
cuidados.
Além
disso,
é
responsável
por
embalar
os produtos
para
a
comercialização e pela produção de outros produtos derivados do leite e de frutas do
cerrado, como conservas, licores.
A mulher, no Assentamento, possui várias jornadas de trabalho. Além de
trabalhar nos lugares de produção de hortaliças (hortas), também é responsável pela
manutenção do lar e cuidados dos/as filhos/as.
Essa situação pode ser visualizada quando as mulheres camponesas
descrevem seu cotidiano. A maioria das pesquisadas realizam as seguintes
atividades durante o dia: acordam as 05h00min, fazem café, vão para horta trabalhar
na colheita e embalagem dos produtos para o esposo levar para a cidade; enquanto
os homens vão para a cidade entregar os produtos, permanecem na horta, onde
trabalham até 11h00min, quando retornam para a casa para preparação do almoço.
Após o almoço, organizam a casa e ao fim da tarde retornam para as hortas.
O homem é responsável pela confecção e manutenção da estrutura física
das hortas, tais como, confecção de canteiros e cercas, limpeza das hortas, bem
como, adubação e controle de pragas e doenças. Ainda, é ele o responsável pela
comercialização dos produtos na cidade de Goiás/GO e também o gerenciamento
do dinheiro.
A partir dessa divisão sexual do trabalho é possível observar que o
espaço feminino ainda é o doméstico, enquanto o espaço masculino é o produtivo.
Apesar disso, não se pode afirmar que há uma delimitação rígida desses espaços, já
que tanto a mulher quanto o homem transitam por ambos.
O processo de luta pela/na terra proporcionou, embora timidamente, uma
redução nos limites entre o espaço da mulher e o espaço do homem.
A mulher tem papel fundamental para a permanência da família no
campo, sendo, na maioria dos casos, responsável pela produção de alimentos para
autoconsumo, principalmente nos quintais. Essa importância proporcionou um
empoderamento da mulher e um reconhecimento de seu trabalho.
Todavia, somente no âmbito do trabalho no espaço produtivo.
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No Assentamento Serra Dourada, outro fator que contribui para a redução
das barreiras entre o espaço produtivo e reprodutivo, é o pequeno tamanho das
parcelas e a produção de hortaliças que ocorrem nos quintais das residências,
geralmente, espaço feminino.
Apesar da constatação de que há uma redução das barreiras entre o
espaço feminino e masculino, não é possível afirmar que as assimetrias entre
gêneros, reflexo da sociedade patriarcal, tenham desaparecido. A figura masculina
ainda é percebida como superior. Um exemplo pode ser visto na figura do homem
como representante da família na COOPAR, como também, nas escrituras dos lotes
que estão, na maioria dos casos, em nome dos homens.
Considerações finais
A produção de alimentos simboliza a (Re)Existência de uma classe que
foi negada pelos paradigmas do capitalismo agrário e representa a possibilidade de
uma produção agrícola pautada na sustentabilidade.
Mediante essa produção, que obedecendo uma divisão sexual do
trabalho, observou-se a criação de espaços, por meio de uma lógica que ultrapassa
a obtenção de mais-valia e converge para a reprodução da vida.
A produção do espaço, pelo trabalho, é permeadas por relações de poder
e assim, ao se pensar a produção de alimentos é preciso considerar o trabalho
feminino.
No Assentamento Serra Dourada, conforme constou-se, por meio da
pesquisa ainda em desenvolvimento, a mulher tem papel fundamental na produção
de alimentos, seja aqueles direcionados a comercialização ou ao autoconsumo.
Seu trabalho por sua vez, é parcialmente reconhecido. Isso porque, o seu
reconhecimento só ocorre quando direcionada a sua atuação no espaço produtivo.
Apesar disso, concluiu-se que a delimitação entre o espaço produtivo e
reprodutivo não é rígida, já que, como as parcelas do Assentamento são pequenas
(aproximadamente, 2ha), a produção de hortaliças para a comercialização é feita
nos quintais das casas, havendo uma transição pelas esferas produtivas e
reprodutivas, tanto pela mulher como pelo homem.
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Por fim, cabe enfatizar que diante das observações apresentadas vê-se a
necessidade de um maior reconhecimento do trabalho feminino, tanto ao se pensar
a esfera produtiva como a reprodutiva, o que pode ocorrer por meio de políticas
públicas que garantam a valorização do papel da mulher, para a permanência das
famílias no campo.
Referências
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diferença no Pontal do Paranapanema. 2004. 224p. Tese (Doutorado em Geografia).
Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista. Presidente
Prudente (SP). 2004.
IBGE.
Censo
demográfico
2010.
IBGE,
2010.
<http://www.censo2010.ibge.gov.br/>. Acesso em: 22/01/2015.
Disponível
em:
INCRA. Projetos de Reforma Agrária conforme fase de implementação. INCRA,
2012. Disponível em: <www.incra.gov.br.> Acesso em: 10/09/2014.
SOUZA, Francilane Eulália de. As “geografias” das escolas no campo do
município de Goiás: instrumentos para a valorização do território camponês?.
2012. 380p. Tese (Doutorado em Geografia). Faculdade de Ciências e Tecnologia,
Universidade Estadual Paulista. Presidente Prudente (SP). 2012.
SOUZA, Francilane Eulália de. et. al. Do assentamento Mosquito ao assentamento
Serra Dourada: lutas pela conquista e permanência na terra no município da cidade
de Goiás. In.: XIX ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, 2009, São
Paulo. Anais... São Paulo, 2009.
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