Laqueadura Tubária. Gestação de Alto Risco

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PARECER TÉCNICO JURÍDICO Nº 001/2012
Objeto: Consulta. Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde. Comarca de Coromandel.
Laqueadura tubária. Esterilização voluntária. Gestação de alto risco. Planejamento
familiar. Secretaria Municipal de Saúde. Negativa. Lei federal nº 9.263/2006.
1. Relatório
Cuida-se de consulta, elaborada pela Promotoria de Justiça da comarca
de Coromandel, com atuação na Defesa da Saúde, versando sobre responsabilização ou
não da Secretaria Municipal de Saúde na assistência pré-natal e fornecimento, às suas
expensas, de procedimento de laqueadura tubária, em face de gestação de alto risco de
uma jovem, com apenas 20 anos de idade, com histórico de submissão a duas
cesarianas sucessivas anteriores, com seqüelas decorrentes de uma meningite sofrida
ainda na sua adolescência.
Segundo consta, houve indicação médica pela esterilização voluntária da
jovem paciente, haja vista seu histórico clínico, o que não foi acatado pela Secretaria
Municipal de Saúde, ao argumento de não preenchimento dos requisitos previstos na lei
federal nº 9.263/2006, notadamente pela falta de sua submissão a um prévio
tratamento psiquiátrico/neurológico. Informou, ainda, aquela Secretaria, em face de
requisição do Órgão do Ministério Público daquela comarca, que a gestação da paciente
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não era considerada de alto risco e, nessas situações, somente após o 7º mês de
gravidez deveria ser encaminhada diretamente ao profissional médico obstetra, sem
prejuízo de suas consultas ao pré-natal, disponibilizados pelo município.
Da análise das cópias do prontuário médico, vê-se que houve o
nascimento do RN, mediante o procedimento cesariano, sem a ocorrência da
esterilização tubária.
2. Da fundamentação legal
No âmbito federal, o instituto do planejamento familiar encontra-se
disciplinado na Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que regulamenta o artigo 7º da
Constituição Federal/88.
O Ministério da Saúde, através da Portaria MS nº 48/99, também dispõe
acerca do planejamento familiar (vide legislação anexa).
Como direito de todo cidadão, o planejamento familiar consiste num
“conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição,
limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.” (artigo 1º da Lei nº
9.263/96).
No mesmo norteador, supracitada lei federal dispõe, nos seus artigos 3º e
4º, os seguintes, verbis:
Art. 3º O planejamento familiar é parte integrante do conjunto
de ações de atenção à mulher, ao homem ou ao casal, dentro
de uma visão de atendimento global e integral à saúde.
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Parágrafo único - As instâncias gestoras do Sistema Único de
Saúde, em todos os seus níveis, na prestação das ações
previstas no caput, obrigam-se a garantir, em toda a sua rede
de serviços, no que respeita a atenção à mulher, ao homem ou
ao casal, programa de atenção integral à saúde, em todos os
seus ciclos vitais, que inclua, como atividades básicas, entre
outras:
I - a assistência à concepção e contracepção;
II - o atendimento pré-natal;
III - a assistência ao parto, ao puerpério e ao neonato;
IV - o controle das doenças sexualmente transmissíveis;
V - o controle e prevenção do câncer cérvico-uterino, do
câncer de mama e do câncer de pênis.
Art. 4º O planejamento familiar orienta-se por ações
preventivas e educativas e pela garantia de acesso igualitário
a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis para a
regulação da fecundidade.
No que tange especificamente ao procedimento de esterilização, esse
somente poderá se dar pela forma voluntária, com a observância de requisitos descritos
no artigo 10 da referida lei federal, a saber:
Art. 10. Somente é permitida a esterilização voluntária nas
seguintes situações:
I - em homens e mulheres com capacidade civil plena e
maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos,
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com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo
de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato
cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa
interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade,
incluindo
aconselhamento
por
equipe
multidisciplinar,
visando desencorajar a esterilização precoce;
II - risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro
concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por
dois médicos.
§ 1º É condição para que se realize a esterilização o registro
de expressa manifestação da vontade em documento escrito
e firmado, após a informação a respeito dos riscos da cirurgia,
possíveis efeitos colaterais, dificuldades de sua reversão e
opções de contracepção reversíveis existentes.
§ 2º É vedada a esterilização cirúrgica em mulher durante os
períodos de parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada
necessidade, por cesarianas sucessivas anteriores.
§ 3º Não será considerada a manifestação de vontade, na
forma do § 1º, expressa durante ocorrência de alterações na
capacidade de discernimento por influência de álcool, drogas,
estados emocionais alterados ou incapacidade mental
temporária ou permanente.
§ 4º A esterilização cirúrgica como método contraceptivo
somente será executada através da laqueadura tubária,
vasectomia ou de outro método cientificamente aceito, sendo
vedada através da histerectomia e ooforectomia.
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§ 5º Na vigência de sociedade conjugal, a esterilização
depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges.
§ 6º A esterilização cirúrgica em pessoas absolutamente
incapazes somente poderá ocorrer mediante autorização
judicial, regulamentada na forma da Lei. (grifos nossos).
Nestes termos, conforme registramos, dentre outros, a legislação federal
condiciona a realização da laqueadura tubária ao atendimento do critério biológico
(maior de 25 anos) ou ao critério quantitativo de mínimo de dois filhos vivos. Ainda há a
situação do risco de vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, comprovado
mediante relatório, escrito e assinado por dois profissionais médicos.
No âmbito estadual, o procedimento da esterilização foi regulamentado
pela Deliberação CIB/MG nº 176, de 10 de novembro de 1998.
E, nesse sentido, o legislador estadual divergiu do entendimento federal
para os fins de exigir, como requisitos para o procedimento da esterilização, a
cumulatividade daqueles critérios, ou seja, o biológico (idade mínima de 25 anos) e o
critério da descendência familiar (mínimo de dois filhos vivos).
Em consulta à Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais, através da
Diretoria de Rede Assistenciais/Superintendência de Redes de Atenção à Saúde,
confirmou-se que, na prática, a orientação SUS/MG se dá no sentido do cumprimento da
exigência da cumulatividade daqueles requisitos objetivos, conforme legislação estadual.
Também, em consulta ao Ministério da Saúde, este, por obviedade, optou
pela filiação da aplicabilidade da legislação federal, ou seja, sendo suficiente para a
aprovação do procedimento da esterilização a presença de um daqueles requisitos
objetivos. (anexo ofício nº 45/SM/DAPE/SAS/MS).
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No caso em apreço, a jovem gestante, à época da solicitação, atendia ao
critério objetivo da descendência de dois filhos vivos, não obstante sua idade inferior
aos 25 anos exigidos.
Segundo posição firme da Secretaria Municipal de Saúde, a gravidez da
paciente não era de alto risco, conforme avaliações médicas realizadas. Também,
ressaltou a inobservância ao cumprimento do requisito do tratamento psiquiátrico.
Importante ressaltar a posição do profissional médico municipal, Dr. Regis
Lemos, no sentido de que, conforme legislação federal, a paciente deve manifestar sua
vontade 60 dias antes da realização do procedimento cirúrgico, com a comprovação da
sua freqüência ao serviço de planejamento familiar para conhecimento exato das
conseqüências da ligadura tubária e da existência de outros métodos contraceptivos que
não o definitivo, quando restará autorizada a esterilização. O objetivo legal é o de
desencorajar a esterilização precoce.
De se observar que o procedimento da esterilização por laqueadura pósparto constitui-se exceção à regra, devendo, sempre que possível, ser desestimulada
sua realização por equipe multidisciplinar. Nesse sentido, a posição estadual (mais
rigorosa) exige que para tal a avaliação médica deveria levar em consideração um
mínimo de 03 (três) procedimentos anteriores cesariana. Ao contrário, a legislação
federal optou por não estabelecer um número mínimo de cesarianas sucessivas
anteriores. (artigo 10, § 2º da lei 9.263/96).
Ressalta-se,
também,
o
caráter
eletivo
e
voluntário,
não
de
urgência/emergência, do procedimento de laqueadura tubária, o qual deveria ser
avaliado pela paciente, discutido juntamente com uma equipe multidisciplinar, como
medida mais benéfica à saúde da mulher.
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O Gestor Municipal, através de suas unidades de saúde, deve adotar as
providências necessárias com vista à garantia, como porta de entrada do SUS, para as
gestantes em seu território, assegurando-se acessibilidade, responsabilidade e
monitoramento desses problemas de saúde, em face da epidemiologia, sendo, portanto,
cabalmente responsável pela dispensação ou não, conforme os critérios clínicos, desses
procedimentos aos seus usuários dele dependentes.1
Constitui-se em responsabilidade municipal a captação da gestante para os
fins de sua avaliação quanto ao risco da gravidez e acompanhamento (pré-natal).
A melhoria da saúde das gestantes constitui-se em um dos 08 (oito)
Objetivos do Milênio, também chamados de Declaração do Milênio das Nações Unidas,
estabelecidos no ano de 2000, pela Organização das Nações Unidas, na cidade de Nova
Iorque, com a adesão de 189 (cento e oitenta e nove) países.
Em decorrência, nos dias 4, 5, 6 e 20 de novembro de 2008, em
Brasília/DF, reunidos organismos internacionais do sistema das Nações Unidas, vários
outros países, representantes da sociedade civil e militantes em defesa dos direitos
humanos, dentre outros, foi promulgada a Carta de Brasília sobre os Objetivos do
Desenvolvimento do Milênio.
Compete aos gestores de saúde assegurar, no mínimo, seis consultas de
pré-natal para todas as gestantes, podendo ser a primeira no 1º trimestre, duas no 2º
trimestre e três no 3º trimestre, com a recomendação de que o intervalo entre essas
(vide Manual SES/MG 2006 – Programa Viva Vida – Atenção ao pré-natal, parto e puerpério) (link:
http://www.saude.mg.gov.br/publicacoes/linha-guia/linhas-guia/Atencao%20ao%20PreNatal%2C%20Parto%20e%20Puerperio.pdf ),
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consultas possa ser de quatro semanas até a gestação completar 36 semanas e, a partir
desse período, que os intervalos sejam de quinze dias.
A gravidez quando identificada de alto risco deve ser avaliada em todas as
consultas de pré-natal, em constante monitoração, e no caso de haver um segundo
grupo de fatores de risco deve haver o encaminhamento para o serviço de referência,
sob a responsabilidade de um obstetra, num local devidamente apropriado a esse tipo
de atendimento mais especializado.
3. Conclusão
Diante da análise técnica jurídica acima descrita, possível apresentar as
seguintes conclusões e sugestões:
(1) A responsabilidade pela garantia da atenção à saúde da gestante, em
todos os seus aspectos, inclusive quanto à orientação da política pública do
planejamento familiar, é do município, independentemente da natureza de sua gestão,
haja vista que esse serviço de saúde se insere na política da atenção primária.
(2) Não foi observado, concretamente, pela paciente ou seus familiares,
as disposições do artigo 10 da lei federal nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996, uma vez
que não desincumbiu-se em demonstrar, de forma inequívoca, mediante relatório
escrito e assinado por dois médicos que pudessem atestar eventual risco à vida
(paciente ou concepto).
(3) Não houve violação, por parte da Secretaria Municipal de Saúde,
quando da recusa ao cumprimento à requisição expedida pelo Ministério Público, no
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sentido de que a paciente fosse submetida à esterilização voluntária, haja vista que, no
caso concreto, não houve o preenchimento dos requisitos legais objetivos que
autorizassem a realização da intervenção médica, sendo essa medida excepcional.
É o parecer.
Belo Horizonte, 23 de janeiro de 2012.
NÊMORA BRANT DRUMOND CENACHI
Analista do Ministério Público
GILMAR DE ASSIS
Promotor de Justiça
Coordenador do CAO-SAUDE
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