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A CRISE POPULACIONAL E A PERSPECTIVA DO MOVIMENTO
DE MULHERES
Islene Carvalho*
Atualmente estamos nos deparando com um debate mundial
sobre a questão populacional. Em setembro, no Cairo, dar-se-á a
Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento,
convocada pelas Nações Unidas, autoridades e ativistas do mundo
inteiro.
O debate sobre população e desenvolvimento é antigo e
oscila entre dois extremos : por um lado, está a visão de que o
problema não se encontra na população e nas suas taxas de
crescimento, mas, sim, no acesso aos recursos e na sua
distribuição; o outro extremo é a premissa Malthusiana, que entende
que o problema população reside na suas taxas de crescimento.
Médica Tocoginecologista
Coordenadora do Projeto Parteiras Tradicionais do Grupo Curumim (Organização
Não Governamental de Pernambuco).
*
O senso comum parece evidenciar que, no nível mundial, o
crescimento populacional equivale à degradação ambiental. Ocorre
que o debate não gira apenas em torno da questão do número de
pessoas e dos recursos capazes de sustentar a economia. Têm se
colocado questões raciais, religiosas e de gênero nesta discussão.
Dentro desta discussão, desenvolve-se a questão específica
das mulheres. Modelos e estratégias de desenvolvimento injustos
constituem a base da miséria e da marginalização crescente das
mulheres, da degradação ambiental, do número cada vez maior de
imigrantes e refugiados e do surgimento do fundamentalismo em
toda parte,
É importante fazer uma reflexão em torno de questões como
o contexto social, político e econômico das escolhas reprodutivas.
É possivel ocorrer uma escolha reprodutiva livre na ausência de
definições políticas e econômicas? Como definir relações entre
escolhas reprodutivas, direitos civis e distribuição de recursos?
Como o crescimento do fundamentalismo religioso, ético e cultural,
tem se manifestado em diferentes partes do mundo? Os princípios
de direitos humanos são observados nos serviços de planejamento
familiar? Os métodos controlados pelas mulheres, que provêm tanto
da contracepção como do controle de DST e da Aids, são
priorizados? A questão da mulher negra, por sua vez, permeia
esses pontos de debate.
Existe correlação entre as tendências de fecundidade,
relações de gênero e processos econômicos, ou seja, são as
mulheres das populações não brancas, pobres e do Terceiro
Mundo alvo das políticas de controle populacional, cujo principal
instrumento
é a esterilização em massa de mulheres. Os
mecanismos fundamentais para impor esta política controlista são
os métodos anticoncepcionais irreversíveis como a laquedura
tubária ou aqueles em que a mulher não exerce um controle sobre
a sua retirada como o Norplant. A questão da esterilização tem
causado muita polêmica .
Devemos nos perguntar : por que se dá esse quadro abusivo
de esterilização das mulheres, no Brasil? Existem algumas
respostas:
. Interesses internacionais de redução da população dos países
pobres, do Terceiro Mundo, que, "por coincidência", é
majoritariamente não branca. Esses interesses atuam através de
instituições internacionais e privadas;
. Conivência dos governos com essas instituições internacionais e
privadas, permintindo-lhes agir de forma criminosa e irresponsável
através de clínicas particulares ou mesmo convênios com
Secretarias de Saúde, estaduais ou municipais;
. Omissão do sistema público de saúde, que não oferece
alternativas seguras e eficazes que permitam às mulheres o controle
de sua fertilidade sem se ter que lançar mão de um método
cirúrgico, praticamente irreversível, como a laqueadura;
. Existência de um clima cultural, principalmente nas grandes
cidades, que considera anormal uma prole grande, e a laqueadura
como um destino natural a que todas as mulheres deverão chegar
inevitavelmente;
. Tecnização cada vez maior da medicina que difunde na sociedade
uma desvalorização dos processos naturais da vida e da
reprodução, bem como dos métodos contraceptivos mais simples, e
privilegia interferências tecnológicas, ocultando os riscos das
seqüelas produzidas.
Há consenso geral em todos os setores do movimento social
organizado com relação à necessidade de se dar um basta a esta
situação. O problema político concreto que se coloca hoje com
relação à esterilização no Brasil é a necessidade de mecanismos de
controle, que impeçam a impunidade dos indivíduos e a atuação de
instituições responsáveis pelo quadro de profundo desrespeito dos
direitos reprodutivos das mulheres no Brasil.
Atualmente o movimento feminista tem dado ênfase à sua
oposição às políticas de população orientadas no sentido de
controlar a fertilidade das mulheres sem considerarem o direito
básico a uma vida digna e segura, livre da pobreza e da opressão,
desrespeitando o direito de decidir livre e informadamente sobre sua
vida sexual e reprodutiva, assim como o direito ao acesso a serviços
adequados de saúde.
Sendo assim, somos contra qualquer medida de controle da
fecundidade ou políticas de população especialmente dirigidas a
grupos marginalizados, tanto do Sul como do Norte, tendo como
base raça, etnia, religião ou outras características.
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