BIBLIOTECA VIRTUAL SALA DE LECTURA CONSEJO LATINOAMERICANO DE CIENCIAS SOCIALES (CLACSO) Callao 875, 3er. Piso (1023) Buenos Aires, Argentina Tel: (54-1) 811-6588 / 814-2301 Fax: (54-1) 812-8459 e-mail: [email protected] URL: http://www.clacso.org A CRISE POPULACIONAL E A PERSPECTIVA DO MOVIMENTO DE MULHERES Islene Carvalho* Atualmente estamos nos deparando com um debate mundial sobre a questão populacional. Em setembro, no Cairo, dar-se-á a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, convocada pelas Nações Unidas, autoridades e ativistas do mundo inteiro. O debate sobre população e desenvolvimento é antigo e oscila entre dois extremos : por um lado, está a visão de que o problema não se encontra na população e nas suas taxas de crescimento, mas, sim, no acesso aos recursos e na sua distribuição; o outro extremo é a premissa Malthusiana, que entende que o problema população reside na suas taxas de crescimento. Médica Tocoginecologista Coordenadora do Projeto Parteiras Tradicionais do Grupo Curumim (Organização Não Governamental de Pernambuco). * O senso comum parece evidenciar que, no nível mundial, o crescimento populacional equivale à degradação ambiental. Ocorre que o debate não gira apenas em torno da questão do número de pessoas e dos recursos capazes de sustentar a economia. Têm se colocado questões raciais, religiosas e de gênero nesta discussão. Dentro desta discussão, desenvolve-se a questão específica das mulheres. Modelos e estratégias de desenvolvimento injustos constituem a base da miséria e da marginalização crescente das mulheres, da degradação ambiental, do número cada vez maior de imigrantes e refugiados e do surgimento do fundamentalismo em toda parte, É importante fazer uma reflexão em torno de questões como o contexto social, político e econômico das escolhas reprodutivas. É possivel ocorrer uma escolha reprodutiva livre na ausência de definições políticas e econômicas? Como definir relações entre escolhas reprodutivas, direitos civis e distribuição de recursos? Como o crescimento do fundamentalismo religioso, ético e cultural, tem se manifestado em diferentes partes do mundo? Os princípios de direitos humanos são observados nos serviços de planejamento familiar? Os métodos controlados pelas mulheres, que provêm tanto da contracepção como do controle de DST e da Aids, são priorizados? A questão da mulher negra, por sua vez, permeia esses pontos de debate. Existe correlação entre as tendências de fecundidade, relações de gênero e processos econômicos, ou seja, são as mulheres das populações não brancas, pobres e do Terceiro Mundo alvo das políticas de controle populacional, cujo principal instrumento é a esterilização em massa de mulheres. Os mecanismos fundamentais para impor esta política controlista são os métodos anticoncepcionais irreversíveis como a laquedura tubária ou aqueles em que a mulher não exerce um controle sobre a sua retirada como o Norplant. A questão da esterilização tem causado muita polêmica . Devemos nos perguntar : por que se dá esse quadro abusivo de esterilização das mulheres, no Brasil? Existem algumas respostas: . Interesses internacionais de redução da população dos países pobres, do Terceiro Mundo, que, "por coincidência", é majoritariamente não branca. Esses interesses atuam através de instituições internacionais e privadas; . Conivência dos governos com essas instituições internacionais e privadas, permintindo-lhes agir de forma criminosa e irresponsável através de clínicas particulares ou mesmo convênios com Secretarias de Saúde, estaduais ou municipais; . Omissão do sistema público de saúde, que não oferece alternativas seguras e eficazes que permitam às mulheres o controle de sua fertilidade sem se ter que lançar mão de um método cirúrgico, praticamente irreversível, como a laqueadura; . Existência de um clima cultural, principalmente nas grandes cidades, que considera anormal uma prole grande, e a laqueadura como um destino natural a que todas as mulheres deverão chegar inevitavelmente; . Tecnização cada vez maior da medicina que difunde na sociedade uma desvalorização dos processos naturais da vida e da reprodução, bem como dos métodos contraceptivos mais simples, e privilegia interferências tecnológicas, ocultando os riscos das seqüelas produzidas. Há consenso geral em todos os setores do movimento social organizado com relação à necessidade de se dar um basta a esta situação. O problema político concreto que se coloca hoje com relação à esterilização no Brasil é a necessidade de mecanismos de controle, que impeçam a impunidade dos indivíduos e a atuação de instituições responsáveis pelo quadro de profundo desrespeito dos direitos reprodutivos das mulheres no Brasil. Atualmente o movimento feminista tem dado ênfase à sua oposição às políticas de população orientadas no sentido de controlar a fertilidade das mulheres sem considerarem o direito básico a uma vida digna e segura, livre da pobreza e da opressão, desrespeitando o direito de decidir livre e informadamente sobre sua vida sexual e reprodutiva, assim como o direito ao acesso a serviços adequados de saúde. Sendo assim, somos contra qualquer medida de controle da fecundidade ou políticas de população especialmente dirigidas a grupos marginalizados, tanto do Sul como do Norte, tendo como base raça, etnia, religião ou outras características.