Características demográficas da população

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Arq Bras Cardiol
2003; 81: 303-5.
Caramelli
e cols
Artigo
Original
Características demográficas da população submetida à cinecoronariografia
Características Demográficas da População Submetida à
Cinecoronariografia no Instituto do Coração da Faculdade
de Medicina da USP de 1986 a 1995
Bruno Caramelli, Luciana Savoy Fornari, Maristela Monachini, Dália Ballas, Nilson Roberto Fachini,
Antônio de Pádua Mansur, José Antônio Franchini Ramires
São Paulo, SP
Objetivo - Obter informações sobre o perfil e comportamento de uma população com doença isquêmica do
coração, submetida à cinecoronariografia, e determinar
sua gravidade.
Métodos - Em estudo retrospectivo foram avaliados
pacientes internados no InCor, entre 1986 a 1995, e analisadas as variáveis idade, sexo, e o número de artérias
principais com grau de obstrução > a 40%.
Resultados - Estudados 18.221 pacientes e observados aumentos significativos de mulheres (22,8% para
25,2%, p=0,001), e da idade (57,1±,29,3 para 60,4 ±10,7
anos, p=0,0001). Foi observado aumento significativo de
multiarteriais, mais freqüentes nos homens (69,2% e
64,5%) e entre os mais idosos (59,8± 9,8 e 56,8 ±10,7
anos, p=0,0001) e uma redução dos uniarteriais (66,2% X
69,2% e 33,8% X 30,5%, respectivamente, p<0,0001).
Conclusão - Houve mudança no perfil da população
estudada, indicando que os pacientes são mais velhos, há
mais mulheres e apresentam maior número de artérias coronárias principais comprometidas, levando a índices sugestivos de um pior prognóstico.
Palavras-chave:
infarto agudo do miocárdio, doença
arterial coronária, cinecoronariografia
Estudos recentes demonstraram modificações ocorridas na incidência e mortalidade por doença isquêmica do
coração1,2.
No Brasil, resultados semelhantes foram representados por uma redução do risco de morte e um aumento da
prevalência nas faixas etárias mais jovens3,4. Essas modificações poderão implicar na mudança do perfil da população doente e, uma vez identificadas, fornecer subsídios
para a prevenção e tratamento da doença isquêmica do
coração.
Entre as informações importantes na caracterização do
perfil do paciente com doença isquêmica do coração figura
a cinecoronariografia. A partir dela foram estabelecidos
padrões de gravidade da doença e as condutas ou estratégias de tratamento5.
Não existem, entretanto, informações sobre as características clínicas e angiográficas de uma população brasileira
com o diagnóstico de doença isquêmica do coração submetida à cinecoronariografia. Acreditamos que a importância
de se conhecer esses dados, a respeito da população com a
doença, resida no fato de refletir espectro de uma das maiores causas de mortalidade no nosso país, com grandes implicações para o Sistema Único de Saúde e conhecimento da
realidade nacional.
O objetivo deste trabalho foi determinar as características demográficas da população submetida à cinecoronariografia no InCor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e a gravidade da doença isquêmica do coração, nessa população.
Métodos
Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Correspondência: Bruno Caramelli – InCor – Av. Dr. Eneas C. Aguiar, 44 – 05403-000
– São Paulo, SP - e-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 12/3/02
Aceito em 4/2/03
Foram avaliados, retrospectivamente, os pacientes
submetidos à cineangiocoronariografia no Incor entre 1986
a 1995. Foram excluídos pacientes com idade < 20 anos e os
que não apresentavam obstruções significativas de pelo
menos uma artéria coronária epicárdica principal.
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Características demográficas da população submetida à cinecoronariografia
As variáveis analisadas foram idade, sexo, e o número
de artérias principais com grau de obstrução > a 40%, classificadas como uni ou multiarteriais6. As informações foram
obtidas a partir do banco de dados dos relatórios dos exames realizados pelo laboratório de hemodinâmica do InCor.
As variáveis, como o número de artérias com obstrução significativa, foram analisadas em suas freqüências
absolutas e relativas. Uma análise exploratória inicial permitiu realizar uma divisão em dois períodos, segundo os anos
em que foram observadas modificações das freqüências
(1986-1990 e 1991-1995). As proporções foram comparadas
com o teste qui-quadrado para discriminar as diferenças
entre os períodos. A variável contínua, idade, foi analisada
com relação às médias, desvios padrão, valores mínimos e
máximos. As médias foram comparadas utilizando-se o teste
t-Student. O nível de significância adotado foi o de 0,05.
Resultados
Foram estudados 18.221 pacientes. A divisão por períodos encontra-se na figura 1, onde é observado aumento
significativo da freqüência de pacientes do sexo feminino,
do período 1986-1990 para 1991-1995 (p=0,001).
Houve aumento significativo da idade dos pacientes
do período de 1986-1990 (57,8 anos) para 1991-1995 (59,9
anos, p=0,0001) (fig.2).
A análise da relação entre as variáveis idade e sexo
revelou que as mulheres foram mais idosas que os homens
(61,3 ± 10 vs. 58,1 ± 10, 2 anos, p=0,0001).
Com relação ao número de artérias principais com grau
de obstrução > a 40%, foi observado aumento significativo
da freqüência de multiarteriais de 1986-1990 para 1991-1995
(p<0,0001) (fig.3). Os classificados como multiarteriais foram mais freqüentes no sexo masculino (69,2% vs. 64,5%,
p=0,0001) e os uniarteriais no sexo feminino (35,5% vs.
30,8%, p=0,0001). A análise da relação entre as variáveis
obstrução maior do que 40% e idade revelaram que há uma
diferença de idade significativa, sendo os multiarteriais
pacientes mais idosos que os uniarteriais (59,8 vs. 56,8
anos, p=0,0001).
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2003; 81: 303-5.
Discussão
Este estudo revelou aumento significativo da idade, da
freqüência do sexo feminino e de pacientes com obstruções
multiarteriais nos pacientes submetidos à cinecoronariografia. Além disso, demonstrou que os pacientes com obstruções multiarteriais são mais freqüentes no sexo masculino e os uniarteriais no sexo feminino, e confirmou os achados de estudos anteriores em que as mulheres portadoras
de doença isquêmica do coração são mais idosas que os
homens com a mesma doença6-8.
O comportamento da população submetida à cinecoronariografia em nosso estudo foi semelhante ao das populações com a forma aguda e crônica da doença, reforçando a
idéia de que estejam realmente ocorrendo modificações
profundas nas características da população com diagnóstico de doença isquêmica do coração atendida no InCor9.
Em estudo longitudinal observacional com 5117
pacientes, realizado por Roger e cols.10, em Minnesota, entre
os anos de 1979 e 1994, observou-se de forma semelhante
ao nosso estudo, que a incidência do infarto agudo do miocárdio diminuiu nos homens, mas aumentou nas mulheres
e nos idosos. Já no mesmo período, a incidência de infarto
agudo do miocárdio ajustada para a idade diminuiu 8% nos
Fig. 2 – Médias e intervalos de confiança da variável idade, em anos, dividida por
períodos.
66,2
69,2
25,2
22,8
33,8
30,5
Periodos
Fig. 1 – Divisão, em períodos, da distribuição do sexo feminino em freqüências relativas.
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Fig. 3 - Divisão por períodos dos pacientes multi e uniarteriais em freqüências relativas.
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Características demográficas da população submetida à cinecoronariografia
homens (IC, 23% a 10%), e aumentou 36% nas mulheres (IC,
9% a 70%), assim como houve uma diminuição de 31% na
incidência de infarto agudo do miocárdio ao longo dos anos
para os homens, < 40 anos de idade, e um aumento de 49%
para as mulheres > 80 anos. Esses dados sugerem também
uma mudança do perfil da população com doença isquêmica
do coração nos Estados Unidos, com uma maior prevalência
entre as mulheres e os idosos.
Os achados de nosso estudo poderiam ser explicados
pelos mesmos motivos relacionados às modificações das
características demográficas, ou seja, o envelhecimento da
população causado pelo aumento da expectativa de vida, e
derivado da diminuição da mortalidade por doença isquêmi-
ca do coração3-11,12. Assim, pacientes mais velhos atendidos
são, em maior número, multiarteriais. O achado de maior
freqüência de uniarteriais entre as mulheres, apesar de possuirem maior idade, poderia ser explicado pelo fato de
apresentarem incidências da doença em faixas etárias mais
elevadas, já que a história natural da doença isquêmica do
coração começa mais tarde.
Concluindo, este estudo sugere uma mudança no perfil da população com doença isquêmica do coração atendida, salientando que os pacientes são mais velhos, há mais
mulheres e apresentam maior número de artérias coronárias
principais comprometidas, indicando índices sugestivos de
um pior prognóstico.
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