CIRURGIA CITORREDUTORA COM QUIMIOTERAPIA HIPERTERMICA INTRA-PERITONEAL Conheça um pouco mais sobre este tratamento oncológico de alta complexidade, que pode ser uma boa alternativa a um grupo selecionado de pacientes com câncer abdominal avançado. Como já é do nosso conhecimento, as neoplasias sólidas intra-abdominais disseminam-se preferencialmente por via linfática (linfonodos regionais), hematogênica (corrente sanguínea e metástases em outro órgãos), ou por implantes nas superfícies peritoneais que recobrem os órgãos abdominais (chamados de “carcinomatose peritoneal"). O tratamento efetivo destas neoplasias em adultos via de regra requer a ressecção cirúrgica completa do tumor primário, associada a abordagem terapêutica de cada uma dessas vias de disseminação de células neoplásicas. A linfadenectomia, que deve realizada pelo cirurgião no mesmo momento da ressecção cirúrgica, tem por objetivo abordar a via linfática de disseminação de células neoplásicas (cancerosas), removendo linfonodos regionais que podem estar acometidos pela neoplasia. Pacientes com linfonodos comprometidos por neoplasia geralmente têm indicação de quimioterapia posteriormente, pelo alto risco de haver também células neoplásicas viáveis na corrente sanguínea. A disseminação metastática para outros órgãos se faz por via hematogênica (corrente sanguínea). Êmbolos de células metastáticas alojam-se em órgãos à distância, multiplicando-se e causando tumorações muitas vezes incuráveis. Estes pacientes requerem, sempre que possível, quimioterapia sistêmica endovenosa ou oral. Em alguns casos pode ainda ser indicada a ressecção cirúrgica das metástases com o objetivo de deixar o paciente sem neoplasia mensurável. A via de disseminação peritonial, por sua vez, ocorre quando o tumor primário mais agressivo atravessa a células neoplásicas dentro parede da do órgão cavidade causando peritoneal, a disseminação mecanismo de chamado de peritonial seeding, em inglês. O acometimento peritonial pode também ser causado após uma intervenção cirúrgica sem princípios oncológicos, o que propicia a disseminação de células neoplásicas por vasos linfáticos e sanguíneos seccionados, permanência de coágulos ou ascite (líquido) com presença de células neoplásicas, êmbolos tumorais aderidos ao peritônio, ou por tumores perfurados. O processo inflamatório cicatricial com a neovascularização pode estimular a proliferação desses nichos de células tumorais, causando nódulos neoplásicos peritoneais em quantidade variável, caracterizando a carcinomatose peritoneal. Outra entidade conhecida é o pseudomixoma peritoneal, que se origina pelo acúmulo de mucina em grande quantidade produzida por tumores bem diferenciados do apêndice, e pode conter células neoplásicas viáveis. Existe ainda uma neoplasia chamada mesotelioma, que se origina primariamente na superfície que recobre os órgãos (peritôneo ou pleura), que geralmente já se apresenta ao diagnóstico com um quadro semelhante ao de carcinomatose. Este tratamento do qual falamos pode se aplicar a todas estas ocasiões de disseminação peritoneal, consideradas em fase avançada da doença oncológica. Nestes casos, já foi demonstrado cientificamente que a quimioterapia endovenosa oferece apenas um tratamento paliativo, possibilitando resposta parcial da doença, com altos índices de recorrência e mortalidade devido ao câncer. A ineficácia da quimioterapia endovenosa no tratamento da carcinomatose pode ser devida ao conceito da barreira peritônio-plasmática, que impede a penetração da concentração plasmática do quimioterápico até a superfície peritoneal. Outra hipótese, defendida por Paul Sugarbaker (pioneiro deste tratamento em todo o mundo), é o da “célula sequestrada”, que preconiza que a proliferação de células neoplásicas é estimulada pela ação de fatores de crescimento envolvidos no processo cicatricial, estando as células neoplásicas envoltas em invólucros de fibrina e células inflamatórias/cicatriciais, o que impediria a ação da quimioterapia venosa. Essas informações nos permitem concluir que, para o tratamento eficaz destas neoplasias é necessária uma abordagem oncológica locorregional específica, com remoção completa de todos os implantes peritoneais visíveis macroscopicamente (procedimento conhecido popularmente como “peritoniectomia”, o que na maioria das vezes exige ressecção de parte dos órgãos envolvidos para que obtenhamos a radicalidade oncológica), seguido de perfusão local com quimioterápicos específicos para a neoplasia em questão aquecidos a 42ºC por uma máquina de perfusão, objetivando exterminar as células neoplásicas remanescentes. Neste contexto, a cirurgia citorredutora associada à quimioterapia intraperitonial hipertérmica se coloca como mais uma ferramenta no tratamento oncológico de pacientes com carcinomatose peritoneal, o que não exclui a indicação da quimioterapia endovenosa adjuvante. Tal procedimento deve sempre ser indicado em comum acordo com o Oncologista Clínico responsável pelo paciente, para que haja um sincronismo ideal entre os dois tipos de tratamento, favorecendo o paciente. Este procedimento exige uma disseção minuciosa e extremamente delicada de todos os implantes, o que pode levar horas, além da perfusão com a quimioterapia que aumenta o tempo cirúrgico em cerca de 2h, podendo chegar no total a mais de 6h, muitas vezes ultrapassando as 10h ininterruptas de cirurgia. Portanto, a realização deste procedimento requer uma equipe cirúrgica de especialistas (Cirurgiões Oncológicos) tecnicamente habilitada para cirurgias oncológicas de grande porte e devidamente treinada na realização deste procedimento, assim como um apoio altamente capacitado de Anestesiologistas no intra-operatório e Intensivistas no pós-operatório. Além disso, faz-se imprescindível que haja uma unidade hospitalar de grande porte, com equipamentos e materiais ultra-modernos e unidade fechada (UTI) de grande qualidade para suporte no pós-operatório. Não menos importantes, os profissionais que acompanham o pós-operatório do paciente devem estar bem sintonizados com a equipe cirúrgica e com as particularidades do procedimento, tornando decisivos estes fatores na boa evolução do paciente, com grande demanda de suporte fisioterápico, nutricional, psicológico, e enfermagem especializada em pacientes graves. A cirurgia citorredutora com quimioterapia intraperitonial hipertérmica vêm sendo realizada há mais de 20 anos pelo seu idealizador, Prof. Paul Sugarbaker, no Washington Cancer Institute - USA, para tratamento destes tumores. Vários centros oncológicos mundiais vêm realizando esse procedimento com sucesso e bons resultados oncológicos, principalmente no que tange a qualidade-de-vida, sobrevida livre de doença e sobrevida global. No Brasil, temos conhecimento de que este procedimento vem sendo realizado há anos no A.C. Camargo Cancer Center – SP, Hospital Sírio Libanês – SP, Instituto de Cancerologia do Estado de São Paulo - SP e Instituto Nacional de Câncer – RJ, além de outros centros mais recentemente. Na Bahia, o Grupo CONASS - Cirurgiões Oncológicos Associados, composto por especialistas treinados nos grandes centros do país, foi pioneiro em executar desde 2011 em Salvador, um protocolo institucional no Hospital São Rafael (HSR), com o apoio da Diretoria Médica e coesão de toda a equipe multidisciplinar. Considerado um centro de referência no estado, o HSR dispõe de todos os pré-requesitos para realização segura do procedimento, o que reflete nos excelentes resultados obtidos até então pela equipe, com baixa taxa de morbimortalidade, melhora na qualidadede-vida dos pacientes, e ganho considerável em sobrevida.