As Políticas Estatais e as Transformações Econômicas e Sócio-Espaciais no Nordeste Brasileiro: de região-problema à recente área de atração de investimentos Vicente Eudes Lemos Alves 1 Resumo Neste artigo buscou-se analisar as recentes transformações econômicas pelas quais o Nordeste brasileiro vem passando. Partindo de uma contextualização histórica, apontou-se que o processo de construção das desigualdades regionais é resultado da inserção brasileira no sistema capitalista mundial como produtor de mercadorias, situação que levou a constituição dos desequilíbrios regionais no território nacional. As iniciativas para a redução das desigualdades regionais no território brasileiro tiveram como ponto de partida a ação do Estado nacional que formulou diversas políticas de desenvolvimento regional, destacando-se as que levaram a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). As ações produzidas por este órgão público de planejamento regional e por outras iniciativas do Estado brasileiro são as principais responsáveis pelo crescimento econômico verificado atualmente na região Nordeste. Este artigo foi construído a partir das discussões teóricas e pesquisa de campo realizada no contexto da tese de doutorado defendida na Universidade de São Paulo (USP), em 2007. Ao final da análise, verificou-se que as iniciativas descritas vêm, aos poucos, superando a representação que se criou por parte dos brasileiros, de que o Nordeste representaria uma “regiãoproblema” para o país, começando a ser alterada pelo entendimento de que Nordeste é um novo pólo de atração de investimentos econômicos. Palavras-Chave: Nordeste - Desigualdades Regionais – SUDENE - Crescimento Econômico Abstract In this study, we attempted to analyze the recent economic transformations by which the Brazilian Northeast has been experiencing. From a historical context, it was indicated that the construction process of regional inequalities is a result of the Brazilian insertion in the world capitalist system as a producer of goods, situation that led the establishment of the regional imbalances in the national territory. Initiatives for the reduction of the regional inequalities in Brazil had as their starting point the action of the State that formulated several regional development policies, especially those that led to the creation of the Superintendence for the Development of the Northeast (SUDENE). The actions produced by this regional planning public agency and by other Brazilian State initiatives are primarily responsible for the economic growth seen today in the Northeast region. This study was built from the theoretical concerns and field research conducted in the context of the doctoral thesis defended at the University of São Paulo (USP) in 2007. After the analysis, it was found that the described initiatives are gradually overcoming the representation created by part of Brazilians that the Northeast would represent a “region-problem” for the country, starting to be changed by the understanding that the Northeast is a new economic investments appeal pole. Key Words: Northeast – Regional Inequalities – SUDENE – Economic Growth 1 Doutor em Geografia Humana (Universidade de São Paulo - USP). Professor do Departamento de Geografia, Instituto de Geociências (Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP/SP) ([email protected]). Introdução A questão regional sempre se colocou como um desafio para o Estado nacional brasileiro. As graves desigualdades espaciais produzidas ao longo da história do país jamais foram superadas, pelo contrário, agravaram-se na medida em que avançou o processo de modernização capitalista contemporâneo. A concentração de atividades econômicas em determinadas partes do território brasileiro produziu várias consequências para a manutenção do equilíbrio da organização federativa. Esse processo se estende desde o período colonial, quando o país define suas estruturas econômicas e sócio-espaciais voltadas para a produção de mercadorias para atender o mercado externo, orientação que se inicia sob o comandado de Portugal, mas que se manteve quando o país se configura como um Estado Nacional. As desigualdades regionais são heranças, portanto, desse processo histórico e foram moldadas por interesses externos, ou seja, pelos desígnios de outros, naquilo que Caio Prado Jr. (1965) define como o “sentido colonização” para tratar da formação do território nacional. Isto é, de se voltar para a produção de mercadorias destinadas ao mercado externo. Nos dois momentos, entretanto, o Brasil se configura como território do capital. No primeiro momento, é o poder político e coercitivo da metrópole que determina o que se deve produzir nesse território. Enquanto que, no segundo, são as determinações econômicas demandadas pelo mercado dos países centrais que se transformam nas forças motrizes da organização de um sistema nacional de produção de mercadorias. Observa-se, por um lado, que o mercado é o principal agente desorganizador das economias locais, subordinando-as ao sistema internacional de circulação de mercadorias comandado pelo centro, situação que também se reproduz dentro do território nacional cuja região concentrada atua como campo de força que polariza as demais áreas do país, acirrando as desigualdades regionais. O Estado Nacional 2, por sua vez, busca reduzir os desequilíbrios regionais, definindo políticas públicas indutoras de dinamização daquelas regiões deprimidas economicamente. As 2 O conceito de Estado Nacional é entendido como uma organização governamental centralizada, cujas estruturas políticas, jurídicas e administrativas possibilitam a manutenção e o controle do território nacional, bem como, ajudam a promover os benefícios sociais e econômicos para o conjunto dos cidadãos que habitam seu território. Embora o Estado nacional brasileiro tenha surgido com a independência do país, em 1822, as políticas mais efetivas direcionadas para a maior centralidade do papel do Estado na condução do planejamento regional ocorreram no governo Vargas a partir 1930 e, especialmente, no Governo de Juscelino Kubitscheck de 1956 a 1961, com a execução do plano de governo, denominado “Plano de Metas”. políticas de desenvolvimento regional formuladas pelo estado brasileiro a partir, especialmente, da década de 1950, possuem essas intencionalidades. O Nordeste brasileiro participa desse contexto de desigualdades regionais produzidas desde o período da colonização e também das iniciativas (a partir da ação das políticas de planejamento territorial promovidas pelo Estado nacional) de tornar a região em condições mais favoráveis para a aquisição de dinamismo econômico. Os recentes investimentos econômicos direcionados para o Nordeste vêm permitindo, nas últimas décadas, a construção de novos cenários que reconfiguram a discussão sobre a questão regional brasileira. O estudo que dá sustentação a este artigo baseia-se em pesquisas bibliográficas e de campo, além das reflexões que nasceram no decorrer dos debates ocorridos nos grupos de estudo da Geografia Humana e Agrária, no contexto da tese de doutorado defendida em 2007, na Universidade de São Paulo (USP), cuja questão analisada foi compreender o novo processo de modernização agropecuária nos cerrados nordestinos, abrangendo o oeste da Bahia, sul do Piauí e do Maranhão. Nesse contexto, buscou-se estudar os estímulos que produziram, a partir da década de 1970, o atual processo de modernização, valorizando, sobretudo, o entendimento do papel do Estado como formulador de políticas públicas voltadas para a indução do desenvolvimento regional, com destaque para a participação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), além de outras políticas públicas que foram direcionadas para a modernização dos cerrados nordestinos e que envolviam linhas de créditos de bancos públicos e incentivos fiscais dos governos estaduais. Este artigo, portanto, busca apontar os elementos da nova realidade econômica nordestina e os fatores que induziram esse movimento. O Nordeste brasileiro e a emergência do problema regional O Nordeste brasileiro constituiu-se numa região que sempre ocupou as atenções da sociedade brasileira, seja por seu povoamento inicial marcado pela presença colonial portuguesa que desenvolveu ali uma importante atividade mercantil, seja nos anos posteriores, quando o país já havia conquistado a independência e cujos problemas socioeconômicos se agravaram, contribuindo para sedimentar junto à sociedade brasileira o estigma de regiãoproblema. Essa caracterização ganha força a partir do século XIX, quando a região passa a fazer parte do debate nacional diante dos problemas vivenciados pelas populações moradoras do semi-árido, momento em que são lançadas as primeiras campanhas promovidas no período imperial voltadas para a assistência às populações atingidas pelas estiagens. A presença inicial portuguesa resultou na organização de uma importante economia sustentada na produção de açúcar que se expandiu pela faixa litorânea, na denominada Zona da Mata nordestina, e deixou importantes heranças socioespaciais que ainda perduram na região. A economia açucareira, responsável pelo povoamento e adensamento populacional do litoral nordestino, de onde surgiram as principais aglomerações urbanas, como Salvador, Olinda e Recife foi acompanhada pela atividade pecuária, desenvolvida inicialmente nas áreas circunvizinhas aos engenhos produtores de açúcar e, posteriormente, em todo o interior do Nordeste, atingindo a parte oeste da região, no estado do Maranhão, ainda no século XVIII (ABREU, 1976). A atividade pecuária que se torna subsidiária à açucareira desempenhou um relevante papel para o povoamento do interior do Nordeste e para o abastecimento de animais de transporte e de carne das áreas litorâneas e mais tarde para as regiões de exploração mineral em Minas Gerais. Neste sentido, a economia colonial nordestina sustentada na cana-de-açúcar em regime de plantations e na pecuária extensiva foi a responsável pela centralidade dessa região frente ao restante do território colonial luso-brasileiro. Situação que perdurou até o século XVIII, quando a atividade de exploração mineral começa a ganhar importância para os interesses da metrópole, transferindo o campo de força do território colonial para Minas Gerais. Superada a fase do período colonial, o Nordeste pouco recuperou o seu relativo dinamismo econômico ocorrido durante o ciclo da cana-de açúcar que, mesmo sendo subordinado à lógica mercantil portuguesa, logrou produzir acumulação de riqueza em alguns locais da região, especialmente concentrada nos escassos núcleos urbanos existentes, notadamente no litoral, uma hinterlândia 3 nordestina. Nesta última, sendo resultado da condição adquirida pelos dividendos produzidos pela economia da pecuária e de algumas outras atividades de extrativismo vegetal e/ou mineral. Nenhuma delas, entretanto, possuía a capacidade de fazer romper com a estrutura socioeconômica deficitária, herdada do período colonial. Pelo contrário, a partir do século XIX, o Nordeste brasileiro foi marcado por períodos de crises recorrentes que levaram à condição de miséria um elevado contingente de sua população, o qual não possuía acesso a terra, concentrada em poder de poucos, e a outros mecanismos capazes de dinamizar a economia regional. 3 É um termo utilizado na Geografia para designar as áreas do interior de um território que, frequentemente, possui um povoamento disperso. Em contrapartida, a região tornou-se, desde o século XVIII, na principal fornecedora de força de trabalho para as outras regiões do país, o que já evidenciava a perda de centralidade econômica e o prenúncio do acirramento da questão regional brasileira. Essa situação obrigou o nascente Estado nacional a formular as primeiras políticas públicas visando a produção de algumas condições para a sobrevivência de uma ampla parcela de população que habitava essa parte do território brasileiro, principalmente na sub-região do semiárido, local com escassez de água, mas que continha um relativo adensamento populacional, especialmente ao longo dos escassos rios perenes existentes. As primeiras medidas mais efetivas por parte do Estado nacional, com vistas à intervenção nessa sub-região, ocorreram no início do século XX com a criação, em 1909, da Inspetoria de Obras Contra a Seca (IOCS), posteriormente transformada em Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), cujo objetivo era desenvolver políticas capazes de implantar infraestrutura para a oferta de água para a população mais carente do Agreste e Semiárido, por meio da construção de grandes reservatórios. Essa iniciativa pouco mudou a carência daquela população, especialmente porque se tratava de um programa que pretendia garantir o acesso à água, mas não a outros objetivos que pudessem romper com a dependência econômica da região, como, por exemplo, a possibilidade de criação de mecanismos de geração de renda para aquela população, induzindo, dessa forma, o dinamismo econômico regional. As políticas de desenvolvimento regional do estado brasileiro e a criação da SUDENE A construção de políticas para atender as frequentes crises econômicas do Nordeste decorrentes do problema climático e também, da pobreza produzida socialmente por séculos de manutenção da concentração de renda, indicava a necessidade de uma ação mais permanente para a região que não conseguia manter-se sem a presença do Estado. Nos anos 1950, no Governo Juscelino Kubtscheck (JK), formula-se uma política mais focada para a questão regional, especialmente, para o desenvolvimento regional. Tal política, conduzida com um enfoque no planejamento regional visava promover à industrialização do país e a efetivação de uma proposta de planejamento mais permanente para o Nordeste. O plano inicial para o desenvolvimento regional do Nordeste, no Governo JK, foi conduzido pelo denominado Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) elaborado em 1958 e coordenado pelo economista Celso Furtado. O objetivo da equipe de trabalho era organizar um documento apontando os problemas estruturais da realidade econômico-social nordestina e as possíveis ações que pudessem levar a um ciclo de crescimento econômico regional. Tratava-se, nesse sentido, de um conjunto de diretrizes propositivas que visava atacar os efeitos das ações climáticas produzidas pelas frequentes estiagens e, sobretudo, direcionar investimentos estatais para a dinamização das atividades econômicas de distintas naturezas e abrangendo diversos extratos sociais (CANO, 2002). Como resultado das diretrizes do GTDN, foi criada, em 1959, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). O objetivo dessa ação consistiria (a partir da presença de um órgão efetivamente constituído) em garantir a redução da vulnerabilidade da economia nordestina e fomentar o desenvolvimento a partir de investimentos em todos os setores econômicos dessa região, marcadamente o industrial. Contribuía-se, dessa maneira, para a instalação de empresas estrangeiras e/ou nacionais através de incentivos estatais. A condução de uma política regional mais efetiva resultava de uma nova conjuntura internacional pós Segunda Guerra Mundial, a partir da qual proliferaram nos países do terceiro mundo debates acadêmicos e discussões sobre a questão do desenvolvimentismo nos países da periferia do sistema capitalista e os possíveis caminhos que eles poderiam trilhar para se desvencilharem da dependência do centro do sistema, representado pelos países colonizadores europeus ou pela ação imperialista norte-americana. O epicentro dessa discussão passou a ocorrer, especialmente, na América Latina com a emergência da CEPAL e o modelo de desenvolvimento que se propunha implantar. Tratava-se de uma política destinada à superação do atraso dos países pobres e, no interior destes, de induzir ações estatais de desenvolvimento para aquelas regiões com graves problemas de pobreza, principalmente a partir de incentivos à industrialização. Essas ideias ganharam destaque no território brasileiro, especialmente com a participação do economista Celso Furtado, sendo este o principal formulador de uma proposta de ação política para desenvolvimento regional, principalmente para o Nordeste, efetivada com a criação da SUDENE. Enfatizando o que foi mencionado, anteriormente, foi desse contexto que se deu a criação do GTDN e, posteriormente SUDENE, cuja proposta era reduzir os desequilíbrios regionais no território nacional, proporcionando, sobretudo, o desenvolvimento da região brasileira que apresentava elevado contingente de população sujeita as intempéries climáticas na região do semi-árido, vivendo em condições precárias e cujos índices de pobreza, em grande medida, estavam associados às condições injustas de distribuição de renda. As políticas empreendidas a partir da criação da SUDENE enfatizavam, dessa forma, à construção de infraestrutura, à concessão de incentivos estatais para a instalação de indústria e à modernização agropecuária, o que permitiu o surgimento de importantes polos de desenvolvimento regional na região, sobretudo, de produção agrícola moderna, de exploração mineral e de distritos industriais. Destacam-se, nos setores mencionados, a produção de fruticultura nos vales do rio São Francisco (nos estados da Bahia e de Pernambuco), do rio Jaguaribe (no Ceará) e do rio Açu (no Rio Grande do Norte), e a produção de grãos (nos estados da Bahia, do Maranhão e do Piauí); o polo petroquímico de Camaçari (no estado da Bahia), o polo têxtil e de confecções de Fortaleza e polo calçadista em Sobral (no Ceará), o complexo minero-metalúrgico de São Luís (no Maranhão) e o complexo industrial portuário de Suape, em Recife (Pernambuco). Referese, este último, a um dos mais importantes polos de industrialização do Nordeste e que recentemente vem passando por profundas transformações a partir da instalação de infraestruturas decorrentes de investimentos de recursos federais do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e que vem atraindo novas empresas para a área em distintos setores econômicos, especialmente na cadeia de petróleo, gás, offshore e naval. No novo contexto de crescimento da economia nordestina, acrescentam-se também o setor de turismo para onde foram aportados importantes investimentos para a região em infraestrutura, especialmente direcionados às extensas áreas litorâneas. Este fato possibilitou a instalação de empresas do setor de hotelaria e produziu afluxo de turistas nacionais e estrangeiros não somente para usufruírem dos serviços dessa atividade, mas também para aquisição de imóveis de veraneio. Todas as atividades citadas foram responsáveis, nos últimos anos, por promover o crescimento econômico e determinada ascensão da urbanização na região. Essa situação permitiu aumentar o nível de emprego na construção civil, mas também nos setores de comércio e serviços. Os mais recentes levantamentos estatísticos apontam para o seguinte fato: a industrialização teve crescimento no Nordeste, apresentando dinamismo importante em setores da indústria química, metalúrgica e material elétrico (ARAÚJO, 2000). Esses fatores contribuíram significativamente para o aumento do PIB regional quando comparado ao nacional (tabela 1). Mesmo sendo esses indicadores ainda tímidos, quando comparados aos de outras regiões do país, há evidências que o Nordeste passa por um ciclo de crescimento econômico. Este impulso está associado fortemente ao aumento do consumo da população da região com destaque para os mais pobres que tiveram acesso ao sistema de crédito, o que possibilitou a aceleração do PIB, especialmente, com o avanço do setor de serviços, principalmente em determinados estados (VIDAL, ET AL., 2011). Tabela 1 - Contas regionais do Brasil: composição percentual do PIB dos estados da região Nordeste e relação Nordeste/Brasil (1995-2009) - em % Regiões/Estados 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 Maranhão 7,5 7,9 7,8 8,2 8,5 9,0 9,1 9,1 Piauí 4,2 4,0 4,1 4,0 4,0 4,0 4,1 4,3 Ceará 16,2 15,8 15,6 15,0 15,0 14,6 14,5 15,0 Rio Grande do Norte 5,8 6,1 6,1 6,3 6,2 6,4 6,6 6,4 Paraíba 6,1 6,2 6,3 6,6 6,5 6,0 6,4 6,6 Pernambuco 19,1 18,8 18,8 18,5 18,1 17,8 17,9 17,9 Alagoas 5,5 5,3 5,2 5,2 5,2 5,0 5,1 4,9 Sergipe 4,5 4,6 4,5 4,9 5,0 4,8 4,9 4,5 Bahia 31,1 31,2 31,6 31,3 31,4 32,4 31,5 31,3 TOTAL - NE 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 NE/BR 12,0 12,5 12,4 12,6 12,8 13,1 13,1 13,5 Fonte: IBGE, 2011 Embora a SUDENE, nos seus mais de 50 anos de existência, tenha favorecido o aumento das atividades econômicas na região Nordeste, notadamente pela instalação de parques industriais distribuídos por alguns dos nove estados da região, pela modernização agrícola em áreas de rios perenes e pelo desenvolvimento das atividades turísticas, ainda não foi possível superar as desigualdades regionais existentes no território brasileiro. O Nordeste continua sendo uma região com graves problemas socioeconômicos, se comparada às demais regiões do país. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a região apresentou, em 2000, as menores taxas de esperança de vida (66 anos, ante 68 anos para o Brasil) e de alfabetização (73,4% para pessoas com 15 anos ou mais, enquanto no Brasil essa taxa é de 86,7%). Algo semelhante ocorre em relação aos índices de pobreza, sendo no Nordeste onde se concentram os maiores contingentes de população com vulnerabilidade social (IBGE, 2011). Entretanto, nos últimos anos, a região vem superando a estagnação econômica com a apresentação de índices mais elevados de crescimento econômico em relação às demais regiões do país, indicando o alvorecer de novos debates sobre a questão regional brasileira (ARAÚJO, 2000). Os fatores que levaram ao favorecimento de novas dinâmicas da economia nordestina são variados, mas em todos eles há participação das políticas estatais, na medida em que, desde os anos de 1950, o Estado brasileiro desenvolve ações direcionadas para tornar viável economicamente a região Nordeste. Ainda que ocorram problemas administrativos e de desvio de recursos públicos geridos pela SUDENE, esse órgão foi fundamental para tornar a região mais atrativa ao capital nacional e estrangeiro. Desde a sua criação e, em especial, nos anos 1960, “a SUDENE concentrou esforços e recursos federais na realização de estudos e pesquisas sobre a dotação de recursos naturais do Nordeste, principalmente os recursos minerais e na ampliação de infraestrutura econômica (transporte e energia elétrica)” (ARAÚJO, 2000, p. 167). Esses investimentos contribuíram de maneira decisiva para o aparecimento de um novo cenário vivido pelo Nordeste, atualmente, nas atividades econômicas associadas ao campo, aos setores da indústria, de comércio e de serviços. Do mesmo modo, o recente impulso econômico resulta dos incentivos fiscais e de isenção de Impostos. Essa política foi complementada com a disponibilização de créditos públicos particularmente do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) e do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), instituições financeiras de grande relevância para o financiamento das atividades econômicas e fator de atração de capital para o Nordeste. Além disso, nesses anos todos houve importantes investimentos de empresas públicas e privadas de grande porte na região, como é o caso da PETROBRAS e da FORD, na Bahia, da Companhia Vale, no Maranhão, dentre muitas outras. A esses setores de exploração e processamento de combustíveis fósseis, automobilístico e de mineração, somam-se também as atividades agroindustriais, as quais ganharam bastante destaque no ambiente econômico do Nordeste de modo a romper com o fraco dinamismo preexistente (ARAÚJO, 2000, p. 167). Mais recentemente, a contribuição ao crescimento econômico despontado no Nordeste inclui, como antes, outras políticas do Estado nacional desenvolvidas nos últimos anos, especialmente nos Governos Lula e Dilma, direcionadas, sobretudo, para as populações de baixa renda da região. Destacam-se, dentre outras, os Programas “Bolsa Família” e “Luz Para Todos”. O primeiro programa foi responsável por mobilizar renda às famílias de baixo poder aquisitivo, que viviam em condição de pobreza extrema e cujos recursos aportados pelo Estado brasileiro possibilitaram uma relativa melhoria de vida dessa população, ao mesmo tempo em que contribuíram para dinamizar as frágeis economias locais com os recursos monetários destinados às famílias carentes (MENDES JR., 2010). De acordo com o Ministério de Minas e Energia – MME, e Empresa de Pesquisa Energética EPE (2008, p.25), o Programa “Luz para Todos” também teve impacto na vida e na economia nordestina. Embora este seja um programa nacional, que visa levar energia elétrica às populações rurais, o Nordeste foi uma das regiões que mais se beneficiou com ele, na medida em que possuía um grande contingente de população habitando as áreas rurais e vivendo ainda em precárias condições de vida, especialmente de acesso aos bens produzidos pela instalação de infraestrutura, como água e energia elétrica. Além das transformações na vida das famílias que passam a ter os mesmos direitos da população da cidade, a universalização do Programa “Luz para Todos”, contribuiu para o aumento de consumo de bens duráveis, especialmente eletrodomésticos 4, bem como a permitir o surgimento de novas atividades econômicas, tendo como fonte geradora a energia elétrica (FOLHA DE SÃO PAULO, 2008). Nesse cenário, cuja economia se dinamiza a partir das classes populares e que se sustenta nas ações das políticas públicas, também se configuram novas possibilidades para atuação de empresas na região, tendo em vista que a população de baixa renda se insere no consumo não somente adquirindo produtos essenciais a sua vida, como os produtos alimentícios, mas também bens-duráveis, automóveis, motocicletas, eletrodomésticos etc. O aumento do consumo dos nordestinos nos estratos sociais baixos e médios vem despertando interesses das grandes redes de lojas de departamentos e/ou de supermercados, que se instalam não somente nas capitais, mas também nas médias cidades espalhadas por toda a região configurando um novo cenário na paisagem dessas cidades, cujo comércio local passa a dividir espaço com as lojas das grandes redes de empresas. A expansão econômica desses setores do Nordeste, nos últimos anos, foi expressiva, e foi possibilitada, sobretudo, pelo acesso da população ao sistema de crédito. Além deste, Vidal et al. (2011, p.5) aponta que o ciclo expansivo da economia nordestina também está associado aos seguintes fatores: a) à política de crédito, mais expansionista no Nordeste do que no resto do país; b) a valorização do salário mínimo (SM), atuando de modo a reforçar o crescimento regional, por causa da estrutura salarial do Nordeste; c) a evolução regional do emprego formal e da qualidade do trabalho; e d) ao processo de ascensão social recente, ampliando o mercado consumidor nordestino e atraindo investimentos importantes nas áreas de comércio e serviços. Diante desse quadro, observa-se que o Nordeste Brasileiro representa atualmente uma área de atração de investimentos em distintos setores econômicos. Resta saber se essa conjuntura favorecerá um crescimento econômico duradouro e sustentável, especialmente com 4 Segundo documento elaborado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o Programa “Luz para Todos” foi responsável pelo aumento, acima da média nacional, por parte da população, do consumo de eletrodomésticos na região Nordeste, tal como evidenciado no seguinte texto: “Nessas circunstâncias, registrou-se expansão da presença de refrigeradores e televisores nos lares nordestinos em mais de 6,5 pontos percentuais entre 2002 e 2006 (em face de uma média nacional de 2,5 a 3 pontos percentuais). Refrigeradores e televisores que respondem, em média, por cerca de 30% do consumo de energia elétrica em uma residência”. capacidade para a superação da pobreza existente e com definição de novos parâmetros para o debate sobre a questão regional. Considerações Finais A questão das desigualdades regionais no Brasil continua mobilizando grandes debates em várias direções. Uma delas diz respeito ao longo processo gestado pelo capitalismo brasileiro que gerou o aprofundamento das diferenciações econômicas entre espaços do território nacional. Esta é uma situação que vem se manifestando desde o período colonial e que ainda não foi superada. O processo de industrialização pelo qual passou o Brasil, a partir dos anos de 1930, e que ganhou destaque nas décadas seguintes, produziu maior acirramento das desigualdades regionais por conta da concentração das atividades econômicas na região Sudeste do país, a qual produziu um campo de força que polarizava e ainda polariza todas as demais regiões nacionais menos desenvolvidas. Desse contexto, observou-se o desencadeamento do êxodo rural que se direcionou, predominantemente, para as cidades que se constituiriam nas futuras regiões metropolitanas do Sudeste. As políticas promovidas pelo Estado nacional brasileiro, visando superar as desigualdades regionais, foram relevantes para a indução de novas dinâmicas econômicas nas outras regiões do país. Destaca-se, na situação analisada neste estudo, a região Nordeste que após a criação da SUDENE e de outras políticas estatais de desenvolvimento regional, implantadas a partir de 1950, produziram novas condições de crescimento econômico na região. Embora ainda continue apresentando graves problemas econômicos e sociais, cujos indicadores ainda apontam para a sua baixa participação no PIB nacional (13,5%), e das precárias condições de distribuição de renda, o Nordeste brasileiro vem, paulatinamente, se transformando em área de atração de capital, em todos os setores econômicos. Colaboram para essa nova realidade nordestina as políticas estatais de concessão de créditos de bancos públicos, de incentivos fiscais e de investimentos em infraestrutura. Essas novas iniciativas vêm, aos poucos, superando a representação que se criou por parte dos brasileiros, de que o Nordeste representaria uma “região-problema” para o país. Recentemente, essa representação começa a ser mudada, sendo substituída pela ideia de que o Nordeste é um novo polo de atração de investimentos econômicos do país. Como resultado desse processo, há o desembarque de levas de migrantes originários, predominantemente do Sul do Brasil, e de empresas interessadas nas novas oportunidades econômicas geradas pela modernização. Referências Bibliográficas ABREU, João Capistrano de. Capítulos de história colonial: (1500 a 1800). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/Instituto Nacional do Livro, 1976. ALVES, Vicente Eudes Lemos. Mobilização e modernização nos cerrados piauienses: formação territorial no império do agronegócio. São Paulo: USP, 2007. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). 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