Anais do V Congresso da ANPTECRE “Religião, Direitos Humanos e Laicidade” ISSN:2175-9685 Licenciado sob uma Licença Creative Commons OS DEBATES PÓS-CONCILIARES SOBRE RELAÇÃO ANTROPOLOGIA-CRISTOLOGIA FEITA PELA CONSTITUIÇÃO PASTORAL GAUDIUM ET SPES, DO CONCÍLIO VATICANO II1 Geraldo Luiz De Mori Doutorado Pós-doutor FAJE [email protected] ST: TEOLOGIA SISTEMÁTICA: QUESTÕES EMERGENTES Resumo: A Gaudium et Spes (GS), cujo cinquentenário se comemora em 07 de dezembro de 2015, propõe uma articulação entre antropologia e cristologia considerada por muitos/as teólogos/as como um avanço significativo em relação à reflexão antropológica elaborada pela teologia católica a partir da modernidade. Tal reflexão recolhia as distintas questões sobre o humano (criação, unidade psicossomática, liberdade, pecado, graça) ao redor de dois grandes tratados: o De Deo creante et elevante e o De gratia Christi. Nesses tratados dominava uma teologia de dois planos, em geral superpostos de forma extrinsecista, a saber, o natural, conhecido pela razão, e o sobrenatural, acessível somente pela revelação. O período pós-conciliar não chegou, contudo, a um consenso sobre o avanço realizado por esta Constituição conciliar, como o mostram as leituras propostas por E. Schillebeeckx, H. de Lubac e G. Colombo. O objetivo desta comunicação é retomar as três leituras elaboradas a partir da GS, indicando, por um lado, suas convergências e divergências, e mostrando, por outro, sua influência sobre os tratados de antropologia teológica cristã elaborados desde então. O método utilizado é o bibliográfico. Após uma breve retomada da forma como o ser humano era visto pela teologia antes do Concílio e de uma apresentação dos eixos a partir dos quais a GS o compreende, serão apresentados os textos nos quais esses autores analisam a temática antropológica da GS, apontando suas convergências e divergências. Em seguida, serão apontadas as principais orientações dos tratados de antropologia teológica elaborados após o Concílio em vários países, indicando suas principais orientações e apontando alguns limites e tarefas que ainda parecem pendentes e precisam ser melhor trabalhados. Palavras-chave: Antropologia teológica, ser humano, cristologia, Gaudium et Spes, Concílio Vaticano II 1 Este texto faz parte de uma pesquisa mais ampla, realizada no último ano, tendo dado origem a dois outros textos, um analisando o texto conciliar, e que deverá ser publicado no livro organizado por Leonardo Agostini sobre a Gaudium et Spes (no Prelo), e outro analisando melhor a reflexão antropológica anterior ao Concílio (IHU). Neste texto privilegiamos as releituras da antropologia da GS. Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1804 Introdução A Constituição Pastoral “Gaudium et Spes” (GS) completará 50 anos em dezembro de 2015. É o texto conciliar que, segundo muitos, melhor expressa a intenção pastoral pretendida por João XXIII. O adjetivo ‘pastoral’ se prestou, porém, a muitos equívocos e ‘conflitos de interpretação’, como se se tratasse de um texto menos importante que os das ‘Constituições dogmáticas’ Lumen Gentium, Dei Verbum e Sacrosanctum Concilium. Uma leitura mais atenta mostra, porém, a existência de uma profunda articulação entre ‘dogma’ e ‘pastoral’ no seio do próprio texto. Este, na Primeira Parte, propõe uma reflexão teológico-dogmática denominada ‘A Igreja e a vocação do ser humano’ (n. 11-45), organizada em quatro capítulos: 1. A dignidade da pessoa humana; 2. A comunidade humana; 3. Sentido da atividade humana; 4. Função da Igreja, e na Segunda Parte, uma leitura sobre ‘Alguns problemas mais urgentes’, que recolhe os problemas mais urgentes então para a Igreja: matrimônio e família, cultura, economia e sociedade, política, promoção da paz e construção da comunidade dos povos. Este texto não pretende estudar o significado da pastoralidade da GS, mas mostrar como a leitura sobre o humano proposta em sua Primeira Parte foi recebida no período posterior, sobretudo na reflexão de Henri de Lubac, Edward Schillebeeckx e Giuseppe Colombo. Para isso, retomaremos brevemente o debate que antecedeu à reflexão sobre esta Primeira Parte, como ele foi relido pelos teólogos acima assinalados e como é abordado nos tratados de antropologia teológica posteriores ao texto da GS. 1. O humano à luz de Cristo no período anterior ao Concílio Vaticano II A antropologia teológica enquanto tal é posterior ao Concílio Vaticano II. Isso não quer dizer que o ser humano não tivesse sido antes objeto da reflexão cristã. Os textos da bíblia hebraica o colocam no centro da criação, afirmam que foi criado à imagem e semelhança divina, que participa da bondade da obra criadora, mas que livremente se opôs a Deus, provocando o distúrbio das relações entre o humano e Deus, o humano e a obra criada, o homem e a mulher. No Novo Testamento, Jesus é revelado como o humano verdadeiro, seu ser filho é o caminho para o qual toda a humanidade é chamada e, ajudada por seu Espírito, ela pode participar da filiação crística. No primeiro Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1804 milênio, os padres gregos retomaram essas afirmações do texto bíblico, concentrandose, sobretudo, na ideia de que o humano é chamado à divinização. Já os padres latinos, marcados pela perspectiva agostiniana, vão acentuar a dimensão dramática da liberdade humana, em sua dialética entre pecado e graça, graça e liberdade. O cristocentrismo lógico das afirmações antropológicas do Novo Testamento vai pouco a pouco ceder lugar a uma leitura cronológica do papel de Cristo, ‘que se encarnou por nossa salvação’. A idade média prosseguirá neste caminho, recolhendo da etapa anterior, sobretudo a questão da constituição psicossomática do humano. Na época moderna, com as novas regras do pensamento científico, pouco a pouco a primazia que tinha o texto bíblico na leitura do humano foi substituída pela abordagem da razão, criando o dualismo entre razão e revelação/fé, natural e sobrenatural. Desses debates surgiram os tratados de antropologia teológica, conhecidos como De Deo creante e elevante, que, num primeiro momento, propunham uma análise do ser humano à luz da razão científica e, num segundo momento, justaposto ao primeiro, se deixavam interrogar pela revelação. Esses tratados foram questionados por correntes teológicas como a ‘nouvelle théologie’, a teologia ‘querigmática’ e os estudos da patrística e da teologia medieval realizados na mesma época (BRAMBILLA, 2005, 85-102). Filósofos católicos como Maurice Blondel e Joseph Maréchal, entre outros, oferecerão a teólogos como Henri de Lubac e Karl Rahner, entre outros, elementos que contribuem na ruptura do dualismo antropológico estabelecido na época moderna. Segundo Henri de Lubac, na teologia clássica a ordem natural e a sobrenatural estavam ligadas pela capacidade que a natureza tinha de receber o sobrenatural enquanto potentia oboedientialis (LUBAC, 1985, 255). Ao acentuar a distinção entre o dado revelado (sobrenatural) e o dado da razão (natural), a teologia pós-tridentina superpôs os dois planos, tornando-os estranhos um ao outro. Criado por Deus, o ser humano O deseja ‘naturalmente’, sendo, por isso, capaz de amar. Ele possui, portanto, o desejo natural do sobrenatural. Karl Rahner, por sua vez, afirma que o ser humano possui um saber antecipado sobre o ser em geral, que é a marca de sua transcendentalidade e de seu ser espiritual. Ao antecipar tudo o que conhece, ele antecipa também o ser em plenitude e tende para ele, comunicando-se com ele, tendo, por isso, condições de acolher a Deus, que lhe Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1804 comunica seu próprio ser. A primeira automanifestação divina se deu na criação, onde Deus, ao se autocomunicar, imprimiu-se na humanidade como condição de possibilidade para ser entendido e acolhido por ela. Enquanto essa automanifestação não se completa, o ser humano está aberto e disponível para Deus, à escuta da palavra e de uma possível revelação divina. Esta se dá livremente e por amor, e exige daquele a quem é dirigida a acolhida livre e por amor. Na encarnação do Verbo, Deus se disse em linguagem existencial e histórica no humano. Desde então, o ser humano é o lugar privilegiado e efetivo da manifestação divina. Por isso, o lugar da possível revelação será sempre a história humana. Ao se revelar, Deus não só falou de si, mas revelou ao ser humano sua própria realidade referida a Ele. Isso se deu na encarnação do Verbo, que é a perfeita coincidência entre teologia e antropologia. A cristologia é por isso “a repetição radical e supereminente da antropologia, de modo que, após a encarnação, a antropologia sempre se há de considerar como cristologia deficiente e a cristologia como fim e fundamento da antropologia, porque em Jesus se revelou historicamente e se encontra de modo inexcedível o que e quem é o ser humano” (RAHNER, 1972, 15). Nesse sentido, toda a teologia não pode afirmar nada sobre Deus sem dizer igualmente algo sobre o humano. Essa breve leitura da visão cristã sobre o humano ao longo da história e sua relação com a cristologia é importante para a análise da Primeira Parte da GS, que, como assinalamos, tem forte teor antropológico e foi vista por muitos de seus intérpretes como o esboço de uma antropologia cristã. Para uma análise mais detalhada desta Primeira Parte, remetemos a outros de nossos estudos 2. O que nos interessa a seguir é a recepção que esse texto da GS teve em três teólogos do período pós-conciliar. 2. Três leituras pós-conciliares da ‘Primeira Parte’ da GS Já indicamos os principais temas abordados na Primeira Parte da GS. É importante, porém, antes de analisar as releituras propostas por E. Schillebeeckx, H. de 2 DE MORI, G. Pensar o humano em diálogo crítico com a Gaudium et Spes. In Anais do II Colóquio Internacional IHU – O Concílio Vaticano II: 50 anos depois. A Igreja no contexto das transformações tecnocientíficas e socioculturais da contemporaneidade, 2015 (Prelo); IDEM, A relação entre antropologia e cristologia na Gaudium et Spes. In AGOSTINI, L. (Org.). Gaudium et Spes, 50 anos, 2015 (Prelo). Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1804 Lubac e G. Colombo, assinalar alguns elementos estruturais da argumentação aí proposta. O texto começa com uma Introdução (4-11), com o título ‘A condição do ser humano no mundo de hoje’, com um estilo existencial, indicando as principais questões que marcam o humano na época em que foi escrita a GS, algumas positivas e outras negativas. Dessa breve fenomenologia emergem várias questões: quem é o ser humano? Qual o sentido de suas buscas e conquistas? O que ele pode trazer para a sociedade e dela esperar? O que seguirá após a morte? Como resposta reenvia ao Cristo, que oferece ao humano uma luz para compreender sua vocação, sendo a chave, o centro e o fim da história humana. Os quatro capítulos da Primeira Parte retomam os vários aspectos de uma compreensão do humano: seu ser pessoa, a comunidade, o lugar da atividade humana, a Igreja no mundo de hoje, partindo não mais de uma leitura existencial e histórica, mas de definições, que se remetem ou se articulam sempre com a cristologia. E. Schillebeeckx é um dos teólogos que escreveu sobre a antropologia da GS. Segundo ele, só se pode entender a antropologia conciliar à luz da reflexão sobre a revelação que o mesmo Concílio fez. A GS deve por isso ser lida à luz da DV 3. Não se pode certamente seguir a ‘letra’ dos textos conciliares, pois na Bíblia “não se encontra nem uma antropologia nem uma cosmologia” (SCHILLEBEECKX, 1966, 126). A única coisa que o texto bíblico afirma é que o ser humano é objeto do amor divino. Isso implica que para entender a experiência humana e a história é preciso lê-las à luz de cada tempo e lugar. A revelação é, por um lado, advento, ou seja, relação intersubjetiva com Deus na fé, e, por outro lado, palavra, ou seja, ela se expressa na figura deduzida da história da salvação. Esta deve ser submetida às mudanças culturais da consciência histórica, sendo aberta a cada nova expressão cultural. A revelação fornece uma nova dimensão à nossa experiência humana ao afirmar a absoluta presença do amor de Deus em Jesus. O conteúdo determinado do ser-humano-no-mundo não provém, porém, da revelação, mas da “experiência terrena da humanidade, dos cristãos e dos não-cristãos” (Id., 127). Como se pode ver, esta leitura ultrapassa a que é proposta na Primeira Parte da GS, segundo o qual “Jesus revela ao ser humano o que é a verdadeira humanidade” (GS, 22). Para Schillebeeckx, a revelação exprime a 3 Cf. SCHILLEBEECKX, E. Rivelazione e teologia. Roma: Pauline, 1966. Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1804 transcendência e não um conceito fechado e determinado do ser humano na história, o qual é constitutivo de cada época.. Para F. G. Brambilla, a perspectiva de Schillebeeckx corresponde a uma das linhas que se desenvolveu no período pós-conciliar, e que pode ser considerada hegemônica no campo da antropologia teológica. Ela recupera o princípio cristocêntrico da revelação e o interpreta de modo prevalentemente crítico-negativo, ou seja, em seu significado escatológico. O Cristo representa o ‘ser humano novo’ escatológico porque abre um horizonte sempre novo às visões antropológicas elaboradas pela cultura. Em concreto essa perspectiva conduz à dissolução da antropologia em sua dimensão especificamente teológica, pois os conteúdos materiais da visão cristã sobre o humano são determinadas pela cultura de cada época e lugar. Segundo Brambilla, J. Moltmann, J.-B. Metz e a teologia da libertação, representam essa perspectiva, que é “inclinada a um ‘apofatismo antropológico’, no qual a cristologia funciona como o não dito da visão cultural sobre o ser humano e a antropologia teológica elabora a abertura da concepção da cultura para que esta não se feche na própria ideologia” (BRAMBILLA, 2005, 29). H. de Lubac, outro teólogo que refletiu sobre o texto da GS, pensava que o texto trazia em si um núcleo consistente de antropologia teológica. Tal se insere, segundo ele, na ótica do desenvolvimento do sobrenatural e da superação do dualismo que lhe era subjacente. A GS realizou duas tarefas: de um lado, ela mostra a seu interlocutor que ele não pode evitar o problema de sua destinação última, e o convida a estar pronto para escutar a boa nova; de outro, ela se esforça por legitimar aos olhos dos cristãos o valor das coisas da terra e do tempo, diante da vocação sobrenatural que lhe foi revelada e que ele recebeu em Jesus Cristo. Tais tarefas correspondem às duas partes da Constituição. O Concílio, diz o teólogo de Lyon, consagrou a rejeição do dualismo natural-sobrenatural, com o extrinsecismo que o caracterizava e que esteve presente da época moderna até o período pré-conciliar (LUBAC, 1968, 253). A ‘Primeira Parte’ da GS é a maior prova desta superação. O Concílio propõe, segundo ele, uma leitura unitária do mistério cristão à luz da categoria teológica da aliança centrada em Cristo. O ser humano decifra-se ao se referir ao Cristo, mesmo que seu realizar-se enquanto humano seja o resultado do dom gratuito da graça de Deu, que move sua liberdade a acolhê-lo. Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1804 O terceiro teólogo a propor uma visão própria da antropologia da GS foi G. Colombo. Sua análise é marcada pela crítica à tendência pós-conciliar de pensar a teologia como comentário do Concílio, colocando-se na ótica do Magistério, mais que à escuta da Sagrada Escritura. O teólogo de Milão começa sua análise do texto comparando a ‘Introdução’ e os quatro capítulos da ‘Primeira Parte’. Segundo ele, a Introdução propõe um discurso em perspectiva existencial e histórica, enquanto os capítulos da Primeira Parte apresentam definições essenciais e abstratas, distantes da perspectiva aberta pela ‘Introdução’. G. Colombo acredita que na arquitetura do texto da Primeira Parte pode-se perceber uma dupla intenção. De um lado, a da assunção e continuidade da antropologia teológica recebida da escolástica, centrada na ideia da elevação à ordem sobrenatural. Do outro, a da insistência em articular a impostação cristocêntrica do texto. O cristocentrismo é afirmado, mas o resultado não assume o princípio cristocêntrico como ‘forma’ do discurso antropológico. Isso é claro nos componentes antropológicos presentes na ‘Primeira Parte’, cuja referência a Cristo chega apenas no final de cada capítulo (n. 22, 32, 38-39,45), ainda de modo externo e não como demanda interna. A consequência disso, diz Colombo, é que a antropologia teológica da GS, apesar da positiva exclusão da teologia das duas ordens, repropõe, sem superá-la, a antropologia dos manuais anteriores ao Concílio. Na busca de acercar-se do princípio cristocêntrico, deixa o projeto no meio do caminho. As razões dessa falha em propor uma antropologia cristológica se encontram na índole ‘pastoral’ do Concílio, que é marcada pela perspectiva apologética do séc. XIX e seu intento de responder ao racionalismo. Ora, tal perspectiva não é a única a assegurar a intenção pastoral da teologia. É possível superá-la desenvolvendo a intenção pastoral na linha da relevância da mensagem evangélica, mas não como a instância originária de sua apresentação e sim como a ‘singularidade’ do evento cristão, que traz em si a força de exigir a razão de sua verdade aos homens e mulheres em cada época em que se encontram. O desafio da teologia é dar-se como princípio instituidor e sistemático a revelação e não o magistério. 3. Os tratados de antropologia teológica posteriores à GS As três percepções da antropologia cristológica da GS brevemente apresentadas são muito diferentes e parecem excluir-se uma à outra. Outras leituras foram propostas, Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1804 mas é importante assinalar as três linhas divergentes desses autores e mostrar como elas marcam os diferentes tratados de antropologia que surgiram a partir da GS. Após o Concílio muitos teólogos propuseram uma antropologia à luz da revelação e da cristologia. G. Brambilla propõe uma leitura desses tratados, afirmando que a antropologia pós-conciliar é o fruto da reconsideração crítica da própria tradição, da introdução da teologia na virada antropológica e do que isso provocou no discurso daí derivado. Essa é a razão da atual variedade de perspectivas (BRAMBILLA, 2005, 33). A GS, diz ele, não pode ser vista nem como fim do modelo manualístico anterior, nem como o início de um novo paradigma antropológico. Os tratados que surgiram em língua alemã, por exemplo, apesar de acentuarem a tese do cristocentrismo e de afirmarem a criação em Cristo, não conseguem extrair nenhuma consequência para a estruturação sistemática do conjunto da antropologia cristã. Neles se percebem ainda os diversos os percursos da teologia da criação, do ser humano, do pecado (original) e da graça, muitas vezes abordados sem articulação entre si ou como tratados autônomos. Autores como K. Rahner, H. U. von Balthasar, A. Greshake, W. Kasper, entre outros, apesar de não terem produzido tratados formais de antropologia teológica, articulam de modo diferente a relação entre cristologia e antropologia. Rahner, por exemplo, parte de uma leitura ‘transcendental’, Balthasar de uma perspectiva ‘dramática’, Greshake da concepção de ‘communio’, Kasper da perspectiva da relação entre criação e redenção. Segundo Brambilla, em língua italiana se deu maior atenção à elaboração de tratados sistemáticos de antropologia teológica. O próprio G. Colzani articula, em perspectiva sintética, a antropologia na ótica da cristologia e a teologia da criação no quadro da antropologia. Já M. Flick e Z. Alszeghy, na refundição dos tratados sobre o Deus criador e o Evangelho da graça, dão ao cristocentrismo o papel de princípio da história da salvação, embora ainda em perspectiva cronológica. Já L. Serenthà e G. Colzani assumem a centralidade da graça de Cristo como o princípio de leitura da liberdade, da historicidade e da socialidade humanas. Finalmente, L. Ladaria. I. Sanna e A. Scola seguem a linha inaugurada por de Flick e Z. Alszeguy, em chave cronológica. Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1804 No mundo de língua castelhana, R. de la Peña e G. Faus também propõem uma leitura da antropologia à luz da cristologia, embora o primeiro nunca tenha chegado a elaborar num único texto os grandes conteúdos antropológicos dos tratados anteriores. No ambiente francês, predominou a abordagem dos tratados temáticos sobre a criação, o ser humano, o pecado e a graça. Quase não se encontra intentos de obra sistemática. Na América Latina, as faculdades de teologia tardaram em adotar o nome antropologia teológica, abordando a criação em relação com a escatologia, ou a graça como tratado separado. No Brasil, digna de nota, em chave cristológica, é a obra de A. Garcia Rubio, que, seguindo a perspectiva da teologia da libertação, traça uma breve fenomenologia do ‘lugar’ a partir do qual pensa o ser humano (o Brasil e suas contradições), aponta algumas causas subjacentes à visão antropológica predominante (dualismo), para em seguida traçar uma análise em chave bíblica e cristológica dos diversos aspectos constitutivos do humano: seu ser criatura, chamado a ser pessoa, situado num mundo em evolução, realizando-se como agente que transforma o cosmos e a história, ser de relação, criado na diferença masculino-feminino, ser social e político, ao qual é entregue o mundo para cuidar, que defronta-se diante do mal e do pecado, e justificado por Deus. Conclusão A leitura aqui proposta é fragmentária e necessita ser aprofundada. Necessita também de retomar a recepção da ‘Primeira Parte’ da GS no contexto latino-americano. Seu interesse não é tanto histórico, mas teológico. No fundo, o caminho percorrido pelos tratados antropológicos da época moderna deixou marcas na vida e no pensamento cristão. A mudança operada pela GS, muito mais que através de seu texto, tem produzido frutos interessantes em termos de reflexão, como a ênfase cristocêntrica da leitura antropológica. Outras provocações da contemporaneidade e a descoberta da cristologia trinitária, que se deu no período posterior ao Concílio, exigem que o discurso sobre o ser humano se debruce de novo sobre seu método e articulação sistemática. É a essa tarefa que se consagram vários teólogos contemporâneos dedicados à antropologia. Referências Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1804 “Constituição Pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo de Hoje”. In Compêndio do Vaticano II. Constituições, decretos, declarações. Petrópolis: Vozes, 1968, 141-256. BRAMBILLA, F. G. Antropologia teológica. Brescia: Queriniana, 2005. 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